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sábado, 4 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23323: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (2): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte I: Inimigo, atividade política


Foto nº 39


Foto nº 39A


Foto nº 39B

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325, "Cobras de Guileje" (jan / dez 1971)  > 1971 > Álbum fotográfico do cor inf ref Jorge Parracho > Foto n.º 39, sem legenda > O cap Jorge  Parracho (o segundo a contar da direita, na foto nº 39A) com a malta do 5º Pel Art que era comandado pelo alf mil art Cristiano Neves... Operavam três peças de 11,4 cm, apontadas para a fronteira. 

O primeiro militar, na primeira fila, a contar da direita para a esquerda, na foto nº 39B, é o alf mil médico Mário Bravo, nosso grã-tabanqueiro. Também pssou por Bedanda (CCAÇ 6) e depois pelo HM 241, em Bissau. 

Os "cobras de Guileje" estavam longe de imaginar o que aconteceria àquele aquartelamento, um dos melhores da Guiné, dois anos depois... Foi aqui, em 18 de maio de 1973 que começou a Op Amílcar Cabral... (em que o PAIGC mobilizou t0dos os seus meios para "varrer do mapa" o quartel e a tabanca (fula) de Guileje...

[As fotos de Jorge Parracho foram disponibilizadas à ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2007, no âmbito do projecto de criação do Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Não traziam legendas, vinham apenas numeradas. Foram por sua vez partilhadas com o nosso blogue pelo nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014), então diretor da ONG AD e principal promotor do projecto museológico de Guileje. A legendagem é da responsabilidade do editor L.G, que recorreu às informações já aqui publicadas pelo Orlando Silva sobre a CCAÇ 3325].

Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]  


1. A Comissão para o Estudo das Campanhas  de África (1961-1974), mais conhecida pelo acrónimo CECA, fez um trabalho notável de recolha, análise e sistematização da informação sobre o  dispositivo e a actividade operacional no TO da Guiné,  por anos e por contendores (NT e PAIGC). O  título genérico é Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (e abrange os diversos teatros de operações, Angola, Guiné e Moçambique).

Referimo-nos, em particular,  ao 6.º Volume (Aspectos da Actividade Operacional), Tomo II (Guiné), e aos  seus três livros. Este trabalho, relevante para a historiografia militar,  merece ser conhecido (ou melhor conhecido) dos nossos leitores, para mais tendo em conta que estamos já recordar uma importante efeméride (que vai ocorrer daqui a um ano):  trata-se dos acontecimentos político-militares de 1973, e em particular de maio/junho de 1973, à volta de 3 aquartelamentos fronteiriços emblemáticos (Guidaje, Guileje e Gadamael), mas também antes e depois daqueles dois meses de brasa (assassinato de Amílcar Cabral, em 20/1/1973, a utilização do míssil terra-ar Strela contra a nossa aviação, pela primeira vez, em 25/3/1973,  o fim do mandato Spínola como com-chefe e governador geral em 6/8/1973, a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau em 24/9/1973, etc.).(*)

O ano de 1973 foi um "annus horribilis" para os dois beligerantes... que sabiam que nunca poderiam ganhar a guerra pela simples força das armas.  O PAIGC perde o seu histórico e carismático líder, Amílcar Cabral, assassinado fria e cobardemente por um dos seus homens, 

Por seu turno, Spínola regressa a casa, cabisbaixo, sem poder ver concretizada uma solução negociada do conflito, que seria sempre uma solução mais política do que militar. Na metrópole, os "ultras" do regime não lhe perdoam as suas veleidades "federalistas" e a tentativa (gorada) de "negociar" com os "inimigos da Pátria" a secular soberania portuguesa sobre os seus territósrios ultramarinos. 

Aqui vão, para os nossos leitores mais interessados na visão integrada dos acontecimentos, um excerto do referido trabalho da CECA. É também uma ocasião para lembrar os bravos que passaram por Guidale, Guileje e Gadamael, entre outros aquartelamentos que se destacaram nesta guerra.

É bom lembrar que,  "do outro lado", resta pouca informação documental... "O arquivo do PAIGC existente em Bissau, justamente referente aos aspectos operacionais desapareceu quase completamente, destruído em grande parte pelas tropas senegalesas aquando da guerra civil de 1998, bem como a maioria dos documentos do INEP (72,3 % dos arquivos históricos destruídos!)".

Além disso, "os poucos documentos sobreviventes, do espólio de Amílcar Cabral, foram entregues pela sua viúva aos arquivos da República de Cabo Verde e à Fundação Mário Soares, onde estão a ser objecto de digitalização integrados no Arquivo Amílcar Cabral, uma iniciativa de grande mérito", como escreveu aqui há muito o nosso amigo e camarada Nuno Rubim, em poste de 9 de maio de 2010 (**)

Os jovens guineenses, nascidos já depois da independência, se quiserem conhecer a história recente do seu país, vão ter que recorrer também a fontes portuguesas como estas, que resultaram do gigantesco trabalho da CECA.



CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO

1.1. Actividade política


Num dos primeiros dias do ano, Amílcar Cabral proferiu um importante discurso em Conacri, no qual esboçou a sua previsão para a evolução da situação e definiu alguns dos objectivos estratégicos para o ano vindouro.

Assim, referiu que a situação na Guiné iria evoluir de "uma Colónia que dispõe de um movimento de libertação para um País que dispõe de um Estado que tem parte do seu território ocupado por forças armadas estrangeiras", marcando, como sucessivos estádios dessa evolução, a entrada em funcionamento de um órgão supremo de soberania, a proclamação de um estado, a criação de um poder executivo, seguindo-se a proclamação de uma constituição.

Nessa perspectiva, salientou a criação da Assembleia Nacional Popular em 1972, constituída por 120 membros, entre os quais 80 pertencentes às "regiões libertadas", pretendendo dar a ideia de que a Guiné reunia já as condições para ser um estado democrático, independente, com órgãos próprios eleitos pelo seu povo, a que faltava apenas expulsar alguns redutos de forças invasoras vindas de um país estranho.

Amílcar Cabral referiu também a necessidade de intensificar a guerrilha em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos.

Os acontecimentos subsequentes, embora ensombrados de início pelo assassinato de Amílcar Cabral, vieram trazer substancial confirmação às expectativas criadas pelo referido discurso, passando a observar-se uma dinâmica mais acelerada em quase todos os domínios, devendo salientar-se a reunião extraordinária do Comité Executivo de Luta e a realização do 2º Congresso do PAIGC, no qual se procedeu à declaração de independência do Estado da Guiné-Bissau.

Assassinato de Amílcar Cabral

Em Janeiro, o Quartel-General das Forças Armadas Portuguesas considerava haver um clima favorável à internacionalização da luta armada que se vivia no interior do território, podendo admitir-se a intervenção de forças estrangeiras de países ou organizações, em reforço ou apoio do PAIGC.

Por isso, foi com surpresa que se tomou conhecimento do assassinato de Amílcar Cabral, ocorrido em 20 de Janeiro em Conacri e levado a efeito por Inocêncio Kani, guinéu natural de Bubaque, o que veio alterar o tempo e o modo de evolução dos acontecimentos a partir daí. O autor confesso do crime ocupava um alto cargo na hierarquia do PAIGC como comandante da Marinha e tinha sido treinado na União Soviética durante um ano.

O acontecimento imediato mais relevante foi a nomeação, em 2 de Fevereiro de 1973, de Aristides Pereira, até aí Secretário-Geral Adjunto, para as funções de primeiro responsável pela direcção superior do Partido, interinamente, até à nomeação ou decisão do Conselho Superior de Luta, órgão supremo das decisões do PAIGC, entre congressos.

O Presidente da República da Guiné, Sekou Touré, passou também a exercer marcada influência na condução dos acontecimentos, quer na intensificação da luta armada no terreno, quer na condução da luta política, quer no sentido de acelerar a proclamação da independência do Estado da Guiné-Bissau. 
[Cinquenta anos depois, ele continua a ser um dos suspeitos da autoria moral do assassinato (não diz a CECA mas acrescentamos nós).]

 Por sua influência, foram transferidas estruturas do PAIGC de Conacri para junto da fronteira e mesmo para o interior do território português e foi pedido o comprometimento de países africanos na intervenção armada no conflito.

Em resultado de rivalidades entre guinéus e cabo-verdianos, que entretanto se tomaram mais vivas, a actividade política do PAIGC foi reduzida nos eses de Janeiro e Fevereiro.

O assassinato de Amílcar Cabral deu origem também a um inquérito levado a efeito por iniciativa de Sekou Touré, no qual participaram representantes de Cuba, Argélia, Egipto, Libéria, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Zâmbia, Tanzânia e delegados da Frelimo, PAIGC e República da Guiné.

Foram inquiridas 465 testemunhas. Quarenta e três indivíduos foram incriminados por participação no assassinato, nove acusados de cumplicidade e quarenta e dois suspeitos.

Correram também notícias de algumas dezenas de execuções.


Reunião do Conselho Executivo de Luta

A reunião deste órgão do PAIGC decorreu entre 7 e 9 de Fevereiro, tendo ficado decidido:

(i) apressar o inquérito ao assassinato de Amílcar Cabral e proceder com brevidade ao castigo dos culpados e seus cúmplices;

(ii) incrementar os trabalhos tendentes à reunião da Assembleia Nacional Popular numa das regiões libertadas e proclamar o Estado da Guiné-Bissau;

(iii) convocar o Conselho de Guerra visando a intensificação da luta armada no terreno em todas as frentes, nos centros urbanos, a intensificação da luta política clandestina, a mobilização das acções de massas e a reestruturação da Marinha;

(iv) preparar a próxima reunião do Conselho Superior de Luta, recolhendo sugestões e propostas para a nomeação do novo Secretário-Geral;

(v) confirmar a confiança em Aristides Pereira, Secretário-Geral Adjunto, como primeiro responsável, para dirigir o Partido até à reunião do Conselho de Luta;

(vi) reforçar a segurança;

(vii)  reafirmar a decisão inabalável de libertar a Guiné e Cabo Verde do domínio português;

(viii) consolidar as relações de amizade com a República da Guiné, Senegal e outros países, nomeadamente países socialistas e Suécia.

Em resultado das decisões tomadas e dos procedimentos postos em prática, em Março o PAIGC apresentava-se politicamente estabilizado, os incriminados no assassinato de Amílcar Cabral foram condenados à morte por  fuzilamento e os detidos não suspeitos foram libertados. 

Esta acalmia da situação criou as condições indispensáveis ao começo da implantação de efectivos militares e civis no interior da Província da Guiné, na região de Boé, a partir de Abril.

O controlo de Boé e da população ali fixada daria ao PAIGC argumentos para reivindicar atributos de soberania e credibilizar à declaração da independência do novo Estado da Guiné-Bissau no interior do território.


Realização do 2° Congresso do PAIGC

O 2° Congresso do PAIGC decorreu no período de 18 a 22 de Julho. Nele tomaram parte 138 delegados das FARP e órgãos político-administrativos do partido, assim como 60 observadores.

Neste Congresso foram tomadas as seguintes decisões principais:

(i) criar um Secretariado Permanente que passou a substituir o Comité Permanente do Comité Executivo de Luta e para o qual foram nomeados os seguintes membros:

- Aristides Maria Pereira - Secretário-Geral (Cabo Verde)

- Luís Cabral- Secretário Adjunto (Cabo Verde)

- Francisco Mendes - Secretário (Guiné)

- João Bernardo Vieira - Secretário (Guiné);

(ii) tomar extensiva a luta armada ao Arquipélago de Cabo Verde;

(iii) convocar a Assembleia Nacional Popular em ordem à proclamação do Estado da Guiné-Bissau.

Reunião da Assembleia Nacional Popular

A reunião da 1ª Assembleia Nacional Popular veio a ocorrer em 23 e 24 de Setembro, no interior do território da Guiné-Bissau, no Boé Oriental (#), onde, no segunda dia, foi proclamado o Estado da Guiné-Bissau, aprovada a sua l." Constituição e nomeado o respectivo Governo.

Os principais órgãos de soberania da nova República ficaram assim definidos:

(i)  PAIGC - força política dirigente, que, por intermédio do seu Secretariado Permanente, é a expressão suprema da vontade do povo e decide das orientações políticas do Estado.

(ii)  Assembleia Nacional Popular - órgão legislativo supremo, constituído por 120 membros;

(iii) Conselho de Estado - órgão legislativo, constituído por 15 membros, exercendo as suas funções entre sessões da Assembleia Nacional Popular;

(iv)  Conselho de Comissários de Estado - órgão executivo especial do Conselho de Ministros, constituído por 8 Comissários e 8 Subcomissários para a realização do programa político económico e social do Estado, sua segurança e defesa.

Entre os dirigentes, foram nomeados:

- Presidente da Assembleia Nacional Popular - João Bernardo Vieira

- Presidente do Conselho de Estado - Luís Cabral

- Comissário Principal do Conselho de Comissários - Francisco Mendes

No final do ano, o inimigo:

(i) incrementou a sua actividade no âmbito da política externa, tendo vários dirigentes desenvolvido intensa actividade diplomática no plano internacional, com especial destaque com o Senegal, República da Guiné, URSS, China, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Uganda, Argélia, Somália, Jugoslávia, Egipto, etc;

(ii) reforçou a sua acção de propaganda por intermédio das emissoras radiofónicas que lhe eram afectas, aludindo ao isolamento de Portugal,na opinião pública internacional e ao facto do novo Estado da Guiné-Bissau ter sido reconhecido já por diversos países estrangeiros;

(iii) aproveitou a substituição do General Spínola como Comandante-Chefe, ocorrida em finais de Agosto, para a relacionar com o reconhecimento da incapacidade de Portugal vencer a luta armada;

(iv) incrementou a instrução literária e profissional nos países limítrofes: na República da Guiné, em Conacri e em Koundara; no Senegal, em Ziguinchor;

(v)  reocupou tabancas anteriormente abandonadas no Boé Oriental, utilizando para o efeito os refugiados vindos da República da Guiné e colocou aí unidades das suas Forças Armadas Locais (FAL) com a missão de os defender.

Foram-lhe também particularmente favoráveis alguns dos acontecimentos políticos internacionais, dos quais o PAIGC se aproveitou para reforçar a sua projecção e credibilidade externas. Destacam-se nomeadamente as seguintes:

(i)  Em Janeiro, reuniu em Accra o Comité de Libertação da OUA - Organização de Unidade Africana, o qual aprovou a proposta do Chefe do Estado do Gana para a intensificação da luta armada, visando a libertação dos países africanos não autónomos, devendo a comunidade internacional intensificar a sua ajuda aos movimentos de libertação.

A nova estratégia definida nesta reunião específica que a responsabilidade primária pela libertação dos países africanos deverá competir aos movimentos de libertação desses países, cabendo aos Estados prestar-lhes auxílio político-militar e apoio no treino dos seus quadros.

Nesta reunião estiveram presentes representantes do PAIGC, na qualidade de legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.

(ii)  Na Conferência sobre Descolonização e "Apartheid" na África Austral, realizada em Oslo no período de 9 a 14 de Abril sob a égide da ONU e OUA, o PAIGC fez-se representar por Vasco Cabral, que aproveitou a ocasião para declarar que a independência da Guiné-Bissau seria proclamada pela Assembleia Nacional Popular e que o poder executivo funcionaria no interior do território.

Acrescentou que a situação vivida justificava eventualmente a intervenção directa de outros países, nomeadamente africanos ou com apoio da OUA (que tinha preconizado um sistema de defesa regional integrada para África) e também chamou a atenção para os trabalhos da 28ª Assembleia Geral da ONU, a iniciar em Setembro.

Na circunstância, os representantes dos Movimentos de Libertação da África Austral pediram apoio militar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia.

A conferência não contou com a presença dos representantes dos EUA, França, Bélgica, Itália e Grã-Bretanha.

(iii) Na reunião da 1ª   conferência cimeira da OUA levada a efeito em Addis-Abeba, no período de 26 a 29 de Maio, ficou acordada uma "declaração política geral" na linha de decisões anteriores relativas à libertação de África do regime colonial, que foi considerada o ponto de partida para uma eventual intervenção armada directa, apoiada pela OUA, a favor dos movimentos de libertação africanos.

Representantes do PAIGC assistiram a esta cimeira, na qualidade de observadores.

(iv) No início de Novembro, a ONU aprovou uma resolução na qual exigia a retirada imediata de Portugal da Guiné-Bissau, o que constituiu o reconhecimento implícito do novo "Estado".

A resolução obteve 93 votos a favor e 7 contra (EUA, Brasil, Espanha, Grécia, África do Sul, Grã-Bretanha e Portugal).

(v) Em 19 de Novembro, a Guiné-Bissau foi admitida oficialmente na OUA, tomando-se o seu 42º  membro. Em 26 de Novembro foi também admitida na FAO por 66 votos a favor, 19 contra e 20 abstenções.

(vi) No encerramento da 28ª  Assembleia Geral da ONU, cujos trabalhos terminaram em Nova Iorque em 18 de Dezembro, foram aprovadas várias moções contra a política portuguesa em África.

Uma das moções negava à delegação portuguesa na ONU a representatividade dos territórios e das povoações de Angola, Moçambique e Guiné. Na votação sobre esta moção da Guiné, foram recolhidos 99 votos a favor e 14 contra (EUA, Espanha, Bélgica, Grã-Bretanha, entre outros).

(vii) Na 8ª sessão extraordinária da OUA, o Conselho de Ministros anunciou para Dezembro a reunião do Comité de Defesa, para estudar os meios mais eficazes para uma intervenção militar na Guiné-Bissau.

(viii) Neste ano, os movimentos de libertação africanos reconhecidos pela OUA receberam o estatuto de membros associados da UNESCO.

(ix)A 5ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi dominada pelo bloco dos países africanos, de que resultou a admissão à conferência de delegados do PAIGC, considerados legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.

Portugal reagiu retirando-se da Conferência em sinal de protesto, classificando as decisões tomadas como ilegais e contrárias aos estatuto da OIT. (...)

(Continua) CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO

1.2. Actividade militar
 
Fonte_ Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 239/245

[ Seleção / revisão / negritos / fixação de texto pata efeitos de publicação deste poste no blogue:  L.G.]

_____________

(#) Nota da CECA:  "Venduleide, perto de Lugadjol, numa zona pouco povoada, de mata não muito densa, com acessos fáceis de controlar, não longe da Guiné-Conacri, foi o exacto local onde a independência foi proclamada, garante Mário Cabral. 'Tinha a vantagem de nos pudermos reunir rapidamente e dispersarmos também rapidamente', explicou Aristides". ROCHA, João Manuel, Jornal "Público" de 24Set20 13, pp. 30 e 31.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 2 de junho de  2022 > Guiné 61/74 - P23319: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (1): A pontaria dos artilheiros... (Morais da Silva / C. Martins)

(**) Vd. poste de 9 de maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6356: Historiografia da presença portuguesa em África (36): O PAIGC, os nossos arquivos e a Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961/74 (Nuno Rubim)

terça-feira, 31 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23317: A nossa guerra em números (17): chuva de granadas sobre Guileje (18-21 mai 1973) e Gadamael Porto (31 mai-11 jun 1973)


English: Finnish Army 130 mm Gun M-46 during a direct fire mission in a live fire exercise 
[Peça de artilharia 130 mm, M-46. Exército finlandês, durante uma missão de fogo direto, em exercícios de fogos reais]

Suomi: 130 K 54 suora-ammunnassa

Date 6 March 2010 | 
Source Own work | Author Levvuori

Source: Wikimedia Commons | Public domain  (Com a devida vénia...)


1. Foi há 49 anos que a "fúria" do PAIGC, com o apoio dos seus aliados externos (Senegal, Guiné-Conacri, ex-URSS, Cuba...) se virou para os aquartelamentos de fronteira, a Norte (Guidaje, Bigene) e a Sul (Guileje, Gadamael Porto), com a intenção de os varrer do mapa, e aumentar a pressão político-militar para melhor se posicionar à mesa de eventuais futuras negociações,  e sobretudo a pressão diplomática,  tendo em vista a declaração unilateral da independência do território, o que viria a acontecer em 24 de setembro de 1973.

Citando o nosso vade-mécum (Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pp. 1974-175) (*):

(i) "Durante o ano de 1973, o mais simbólico na história da Guerra Colonial, o PAIGC realizou 640 ataques a aquartelamentos portugueses ", o que representa 61% do total das suas acções  ofensivas (1042), "especialmente junto às fronteiras Norte e Sul: Bigene, no Norte, foi atacada 21 vezes, Guileje, no Sul,foi atacada 36 vezes, Guidage (Norte), 43 vezes, e  Gadamael Porto (Sul) , 70 vezes" (pág, 194).

(ii) foram implantadas 750 minas (AP e A/C), das quais 416 (55,5%) no 1º semestre;

(iii) globalmente, as baixas provocadas à tropa portuguesa e à população civil foram significativas:  181 militares mortos e 1133 feridos; do lado da população civil, 120 mortos e 554 feridos;

(iv) as baixas (mortos e feridos)  no 1º semestre (1248)  representaram 62,8%  do total do ano de 1973 (1988).

Estes resultados poderiam ter sido mais gravosos se, no 2º semestre de 1973, o PAIGC não estivesse empenhado na preparação e  realização do Congresso e da Assembleia Nacional, em território da Guiné-Conacri,  que estiveram na origem da proclamação unilateral da indepêndência em 24 de setembro de 1972.

Na sequência da Operação Amílcar Cabral, planeada já antes mas desencaeada depois da morte do líder (20 de janeiro de 1973), o PAIGC, nas flagelações e ataques a aquartelamentos portugueses, privilegiou o uso de armas pesadas da guerra clássica, com destaque para:
  • morteiros 82 mm e 120 mm;
  • canhão sem recuo 82 B-10;
  • foguetes 122 mm;
  • peças de artilharia 130 mm M-46, de grande alcance (cerca de 27 km).
A artilharia 130 mm foi usada pela primeira vez contra Guileje em maio de 1973 (**). E com crescente precisão. De origem soviética, com quase  todo o  armamento do PAIGC, operava a partir do território da Guiné-Conacri e tinha sido cedida pelo regime de Sékou Touré.

Entre 18 e 21 de maio de 1973 por exemplo, foram lançadas sobre Guileje cerca de sete centenas de granadas, de vários tipos (incluindo RPG 7).  Média diária (4 dias): 171,25 granadas.

Entre 31 de maio e 11 de junho, Gadamael Porto  foi flagelada com 1468  granadas: média diária (em 12 dias), 122,3 granadas;  máximo 620 granadas (em 1 de junho), mínimo 4 granadas (em 10 de junho) (op cit., pág. 175).
__________


(**) Vd. poste de 18 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim)

quarta-feira, 16 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23083: Recortes de imprensa (121): Debate sobre a Guiné-Bissau na Assembleia Geral da ONU em plena crise petrolífera (Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973)

 

Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973





Citação: (1973), "Diário de Lisboa", nº 18259, Ano 53, Terça, 23 de Outubro de 1973, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5334 (2022-3-15)

(Com a devida vénia)

Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06819.169.26520 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18259 | Ano: 53 | Data: Terça, 23 de Outubro de 1973 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Economia".| Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa


1. Notícia de caixa alta do "Diário de Lisboa", do dia 23 de outubro de 1973 (*), quando estávamos em plena guerra israelo-árabe e consequente crise petrolífera... 

A Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em sessão plenária,  votou, em 22 de outubro, o debate de uma resolução que condenava a "ocupação ilegal" de Portugal da autoproclamada "República da Guiné-Bissau". (Em 24 de setembro de 1973, o PAIGC havia declarado unilateralmente a independência do território.)

Foi decidido colocar o assunto na agenda, por 88 votos a favor, 7 contra e 20 abstenções. Além de Portugal, Votaram contra, Bolívia, Brasil, Espanha, Estados Unidos da América, Grécia e República da África do Sul. Entre os 20 que se abstiveram contavam-se membros fundadores da NATO como  a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, a França, a Holanda, a Itália, o Luxemburgo, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido.

Em 15 de outubro de 1973, a "República da Guiné-Bissau" era já reconhecida por 60 países não alinhados e do bloco soviético da Europa de Leste. O embaixador de Portugal nas Nações Unidas protestou contra a resolução, alegando que a inclusão do assunto na agenda do plenário da Assembeia Geral era uma violação da Carta das Nações Unidas, e que a pretensa Guiné-Bissau era uma "república no papel", sem um governo soberano,  sem território definido  nem população sob o seu controlo.

O representante da Arábia Saudita disse que Portugal estava "declaradamente a brincar com  os direitos de autodeterminação do povo africano", e criticou os EUA, a França e a Inglaterra por não apoiarem a resolução.

O artigo do "Diário de Lisboa", de caixa alta, baseava-se em peças de duas agências: a Reuters  (R) e a ANI, a  Agência de Notícias e Informação,  criada em 1947 pelo  até aí redactor-chefe do "Diário de Notícias", Dutra Faria, juntamente com Barradas de Oliveira e Marques Gastão. Era uma agência muito próxima do regime de Salazar.

2. Sobre a crise petrolífera de 1973, recorde-se que foi desencadeada  por um  protesto dos países árabes, com destaque para a Arábia Saudita,  pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur (de 6 a 23 de outubro de 1973), um conflito particularmente sangrento com milhares de baixas de um lado e do outro. 

Como represália, os países árabes organizados na OPEP (criada em 1960 pela Arábia Saudita, Kuwait, Irão, Iraque e Venezuela) o preço do petróleo em mais de 400%. Em março de 1974, os preços nominais tinham subido de 3 para 12 dólares por barril (a preços atuais, de 14 a 58).

O Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os Estados Unidos foram os principais alvos do embargo inicial que se estendeu depois a Portugal, a Rodésia e a África do Sul. Os efeitos económicos e financeiros, a nível internacional, fizeram-se sentir de imediato. Por exemplo, em Portugal, o litro de gasolina super passa de 7,5 escudos para 11 escudos ( o equivalente, a preços atuais, 
a 2,32 €). Esta crise, de 1973,  ficou conhecida como o  "primeiro choque petrolífero". Outro se seguiu em 1979. (Fonte: Wikipédia  > Crise petrolífera de 1973).  

No caso de Portugal, tiveram tremendas consequências económicas, financeiras  e político-militares, que já não cabe aqui analisar, mas que vão desembocar, indiretamente,  no golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 e no fim da guerra colonial, numa altura em que a situação militar, no terreno (incluindo na Guiné) estava longe de ser desfavorável para o exército português.
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22991: Recortes de imprensa (120): A seca e os incêndios florestais fora de época... (Apontamento de Carlos Pinheiro no semanário O Almonda de Torres Novas)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22792: O meu sapatinho de Natal (7): O LP, em vinill, editado e distribuído pelo Movimento Nacional Feminino, "Natal 73 - Operação Presença", com arranjos e orquestração do maestro Joaquim Luís Gomes (1914-2009) e dedicatórias de artistas famosos na época, da área do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio...)





Disco (LP em vinil) "Natal73 - Operação Presença", editado pelo Movimento Nacional Feminino. Oferta aos soldados portugueses mobilizados no Ultramar. 



No verso, podiam ler-se  as dedicatórias de vários artistas conhecidos na época, do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio..). Era frases mais ou menos estereotipadas, sem segundas leituras nas entrelinhas... Para quem não tinha chaminé nem sapatinho  nem Natal, nem muito menos gira-discos, podiam soar a falso.  

Aqui vão reproduzidas, com a identificação dos seus autores.


1. Que o Menino Jesus vos ponha no sapatinho uma menina muito bonita. Amália.

2. Com as saudações de simpatia do Jorge Alves

3. Um abração do amigo que nunca vos esquece. Camilo Oliveira

4. Do coração um beijinho muito sincero da amiguinha.  Hermínia Silva

5. Com um abraço e até o mais breve possível.  Raúl Solnado
 
6.  Para os soldados portugueses com abraço e afecto do amigo Ricardo Chibanga

7. Com um abraço de muita aficción do Diamantino Vizeu.

8.  Também quero jogar nesta equipa da amizade do Movimento Nacional Feminino. Por isso chuto daqui um grande abraço para a malta toda. Eusébio.





9. Com admiração e respeito por todos vós. Um regresso muito breve. Fernanda Maria

10. Por maiores que sejam os oceanos que nos separam, nada consegue vencer o amor que me liga a todos vós, meus irmãos. Florbela Queiroz


Natal 73 - Operação Presença


Lista das faixas / arranjos e orquestração do Joaquim Luís Gomes (Santarém, 1914- Lisboa, 2009) , arranjador, compositor e diretor de orquestra:

A1 Lisboa (Abertura)
A2 Trás-os-Montes
A3 Moçambique
A4 Ribatejo
A5 Madeira
A6 Beiras
A7 Timor
A8 Açores
B1 Alentejo
B2 São Tomé e Príncipe
B3 Minho
B4 Cabo verde
B5 Coimbra
B6 Macau
B7 Porto
B8 Guiné
B9 Algarve
B10 Angola
B11 MNF (Fecho)

Foto (e legenda): © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Há quem guarde estas "velharias"... E ainda bem. Foi o caso do nosso camarada Álvaro Basto (ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873, Xitole, 1971/74), dirigente da Tabanca Pequena, ONGD, membro da Tabanca de Matosinhos, integrando aTabanca Grande desde 26 de junho de 2007...

Foi o nosso coeditor Carlos Vinhal quem, em conversa com o Álvaro Basto, se apercebeu da importância que podia ter, para os nossos leitores, este "recuerdo" do Movimento Nacional Feminino...E escreveu o seguinte:

(...) "Achei que tal objecto  [, ou pelo menos a capa, frente e verso, do disco,] seria interessante mostrar aos visitantes da nossa Página, porque significava muito do que na época se fazia para levantar (?) o moral das nossas tropas. Quem não se lembra das coisas mais desinteressantes, disparatadas e pouco úteis que nos ofereciam então ?! Desde medalhinhas de santos, em alumínio, maços de tabaco (de marcas que nós apelidavamos de mata-ratos), isqueiros (tipo petromax) e quejandos. 

"Confesso que não considero assim o caso vertente, pois ainda se pode reproduzir este vinil nos velhos gira-discos. Além disso, contém, no verso da capa, dedicatórias de figuras públicas da época, algumas das quais já falecidas, o que lhe confere um estatuto de raridade." (...) (*=

E decidiu bem, o nosso coeditor, com a pronta colaboração do Álvaro Basto que nos repoduziu a capa do disco, hoje seguramente um raridade...

A biógrafa de Cecília Supico Pinto refere-se, apenas ao correr da pena, a esta iniciativa que sucedeu a uma outra anterior, mais controversa e menos bem sucedida (,. o lançamento do disco Natal 71, a que chama "o disco da discórdia) (Sofia Espirito Santo . Cecília Supico Pinto. Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, pág. 141). Dedicaremos um outro poste a esta história...

Para já, gostávamos de saber se estas "prendas de Natal" da Cilinha chegavam ao mato (, da região do Cacheu à região de Tombali, da região de Quínara à região do Gabu...) e como é que a mala reagia... Havia os que ficavam ofendidos,  outros agradecidos, e se calhar a maior parte indiferentes....

Estamos, em todo o caso,  a falar do último Natal que as nossas tropas passaram no TO da Guiné, a escassos meses do 25 de Abril de 1974 (**).

Lembro-me bem, por que era fã,  de um programa de rádio, muito anterior ao 25 de Abril que dava pelo título "Os Intocáveis"... E nunca mais esqueci a frase, deliciosa: "Este disco é intocável, mas felizmente não inquebrável"... 

Sobre "Os Intocáveis" descobri mais informação, na Net, que partilho com os nossos leitores:

(...) "Paulo Fernando e Orlando Dias Agudo foram os responsáveis da rubrica "Os Intocáveis" em Rádio Clube Português: “apesar de feita em tom ligeiro, ainda que sério, tem suscitado todo um mundo de controvérsia”, lia-se na legenda que anunciava o programa (Nova Antena, 14 de fevereiro de 1969).

Logo depois, Orlando Dias Agudo explicaria a razão da rubrica, surgida ainda em 1967: “apontar aquilo que de mau ia surgindo no panorama musical português” (Nova Antena, 14 de março de 1969). O alvo era somente a música portuguesa e em especial as letras das canções. Com apenas dez minutos de emissão semanal, o programa constituiu um grande êxito.

"O grande impacto do pequeno programa era o som de um disco a partir-se. Os autores tinham gravado o ruído de um disco a quebrar-se no chão e acompanhavam a sua crítica de intocável com essa passagem sonora “catrapum, zás, catrapaz”, a conceder mais realismo. À facilidade de gravar um disco – como escrevia o jornalista: “hoje, qualquer bicho careta pode gravar um disco” – os autores da rubrica propunham qualidade.

"Claro que a iniciativa causaria aborrecimentos aos autores, mas, ao mesmo tempo, teria havido editoras que pediam para eles tocarem os discos por si editados. As frases-chave do programa eram “falem de mim nem que seja a dizer bem” e “este disco é intocável mas felizmente não inquebrável, por isso vamos parti-lo”. São duas frases tão criativas como é a rádio. "(...)


Não creio que este programa, "Os Intocáveis", tenha chegado ao Natal de 1973... De qualquer modo, pode perguntar-se  o disco do MNF "Natal de 73 - Operação Presença" era também "intocável"...

Eu, pessoalmente, não seu responder porque nunca o ouvi (nem nunca o vi, em 1973 já estava na "peluda"). Além disso, o arranjador e orquestrador, o maestro Joaquim Luís Gomes, era homem com méritos profissionais, e que a Sociedade Portuguesa de Autores homenageou, por duas vezes, considerando-o "uma das figuras mais marcantes" da nossa música no séc. XX. 

Em 2004, cinco anos antes de morrer, o maestro foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito pelo Presidente da República Jorge Sampaio)... Mas o disco "Natal de 73 - Operação Presença" não deixava de ser "propagandístico": pelos temas das duas faixas, A e B, via-se que era uma compilação da música folclórica do "Portugal Metropolitano e Ultramarino", que ia do Minho a Timor...

Enfim, seria injusto parti-lo, ao disco, sem o ouvir... O Álvaro Basto, que é um homem de bom gosto, guardou-o. Deve tê-lo ouvido, não no Xitole (onde não devia haver gira-discos) mas quando voltou a casa, em Leça do Balio, Matosinhos... Será que alguém mais tem o disco e acha que é tocável ?

É, em todo o caso, um documento relevante para a nossa história, a grande e a pequena... Para mais, não somos um blogue de "icnoclastas"... Pelo contrário, damos valor o tudo que "fala" de (ou "diz respeito" a) este período das nossas vidas... Parabéns ao Álvaro Basto por o ter guardado, podendo um dia oferecer a um museu que se ocupe das nossas "velharias"... E, com a sua licença, vai este ano para o nosso sapatinho de Natal... À falta de melhor... (**)

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sábado, 4 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22778: O meu sapatinho de Natal (3): 25 de dezembro de 1973, sob os céus de Gadamael... Três Pings e um Pong (António Martins de Matos, TGen PilAV Ref, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen PilAV Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas", com data de 1 de Dezembro de 2020, lembrando o Dia de Natal de 1973:

Caros Amigos

Eis-nos chegados a Dezembro, mês de festividades natalícias.

Junto um pequeno texto dedicado aos que, em 1973, passaram por Gadamael.
Podia ter-lhe chamado “Um Natal na Guerra”, ou “A Guerra em tempos de Paz”. Optei por… “Três Pings e um Pong”.

Abraços
AMM

Três Pings e um Pong

por António Martins de Matos


Naquele dia, 25 de Dezembro de 1973, a actividade aérea na Base da Bissalanca estava reduzida ao mínimo dos mínimos, apenas as missões de Alerta, as habituais evacuações de DO-27 e AL-III e, para alguma eventual saída de apoio-fogo, a parelha dos Fiat G-91.

A meio dessa manhã meti-me na minha Yamaha-200 e lá fui, estrada fora, do Largo do Liceu Honório Barreto até à Base Aérea. A minha tarefa para essa tarde estava bem definida, ia entrar de Alerta ao Fiat G-91, a partir das 13:00 e até ao Pôr do Sol.

Um almoço muito ligeiro no Bar dos pilotos, ainda vinha cheio de fatias douradas, arroz-doce, bolo-rei e muitas outras iguarias, o resultado de uma noite de consoada passada em casa das minhas vizinhas do andar de baixo, as enfermeiras paraquedistas. Até tinham sido amigas, sabendo da minha paixão por automóveis e em especial por Porsches, no meio de muitos sorrisos malandrecos tinham-me oferecido um 911 da Dinky Toys, à escala 1/43.

Era Dia de Natal, Feriado, a "Paz entre os homens de boa vontade", mais uma série de frases feitas, talvez nesse dia a guerra tivesse uma pausa.

A primeira missão aconteceu por volta das 14:00. No sistema sonoro do Grupo Operacional, a mensagem a chegar:

- "Alerta aos Fiats".

Corrida às Operações para tentar saber mais alguns detalhes. A solicitação era para Gadamael, lá no Sul, junto à fronteira com a Guiné-Conacri. Recolha do capacete e das fitas para as pernas da Martin-Baker, tudo o resto ficou esquecido no armário, o anti-g, o mae-west, a pistola e o respectivo equipamento de sobrevivência. No bolso do fato de voo, o que sempre me acompanhava, uma bússola e um pequeno espelho. Se por um qualquer motivo tivesse que me ejectar e cair lá no meio da floresta, podia tentar indicar a minha posição.

Uma rápida deslocação até à Linha da Frente dos Fiat G-91, o condutor do Jeep a buzinar, os mecânicos a correrem, a tirarem as tampas que protegiam as aeronaves de alerta, o meu avião foi o 5437, o meu Asa era um Capitão Pira, a parelha a fazer uma descolagem imediata, de corrida.

Um parêntesis para os menos familiarizados com assuntos aeronáuticos; na aviação e independentemente de hierarquias, o mais experiente vai à frente, é o Chefe da Missão.

Continuando, os aviões estavam equipados com tanques de combustível auxiliares, uma autonomia de 1:20. Quinze minutos depois já estávamos a sobrevoar a zona e em contacto com o Aquartelamento.

Era redundante, os do Exército não sabiam falar com os pilotos, perdiam-se em explicações variadas. O que nós, lá do alto, queríamos saber eram apenas dois factores, a direcção do ataque e o tipo de arma. Depois de muita conversa do tipo parte gaga, lá confirmaram, tinham sido atacados dos lados da fronteira, com morteiro 120mm.

De acordo com a descrição dos militares, as granadas tinham caído longe do arame mas sempre em aproximação, como se alguém estivesse a tentar regular o tiro. À nossa chegada tinham-se calado.

Largámos os foguetes na zona, mais algumas rajadas das metralhadoras, poucas, as munições não eram explosivas e o seu calibre era inócuo para quem, na floresta, se pudesse abrigar atrás de uma qualquer palmeira. Para além disso, as placas para-fogo junto à saída dos canos estavam completamente rachadas, com umas feias e atabalhoadas soldaduras, quais cicatrizes. Por causa dessas anomalias, um piloto já se tinha ejectado. No momento de disparar as armas, o painel das metralhadoras saltara fora.

Tudo calmo, o pessoal do Aquartelamento satisfeito. Regressámos a Bissalanca, no total 50 minutos de voo, a sensação da ajuda ter ficado um tudo ou nada incompleta.

Depois de aterrado fui à Secção Fotográfica da Base, quase paredes meias com a Esquadra. Toda aquela zona Sul da Guiné estava devidamente cartografada e fotografada. Com base no que me haviam dito (morteiro de 120mm e ataque do lado da fronteira) analisei as fotos, tentando descobrir todos os locais possíveis para bases de morteiros de 120mm. No meio de toda aquela floresta encontrei quatro clareiras que se ajustavam ao requisito. Informação em reserva, a ser utilizada numa futura missão na área.

O Pôr do Sol a chegar, o período de alerta quase a terminar, já me estava a ver de regresso à Yamaha e ao Largo do Liceu, o altifalante do Grupo a transmitir um novo aviso:

- "Alerta aos Fiat".

Outra vez Gadamael. Nova corrida, os mecânicos a apontarem-me uma outra vez o 5437, o avião de alerta, já reabastecido, com os tip-tanks, metralhadoras e foguetes.

Fiz-lhes sinal para uns outros aviões, uma parelha que estava estacionada ali mesmo ao lado, a ser preparada para o dia seguinte, sem qualquer armamento nas asas, umas bombas de 750 libras a um canto, ainda nos respectivos cavaletes.

Aqueles mecânicos eram super eficientes. Em quinze minutos o armamento foi devidamente instalado nos aviões e a parelha ficou pronta, a autonomia de voo a reduzir drasticamente, de 1:20 para uns míseros 50 minutos.

Saída no 5427, trinta minutos após o pedido já estávamos de novo na zona. Desta vez  já não havia tempo para grandes conversas, o Aquartelamento a confirmarem-me que era outra vez o morteiro de 120mm. Não havia tropa fora do aquartelamento, um voo em picada, de modo a visar duas das clareiras que tinha identificado nas fotos e, num passe meio esticado, larguei uma bomba em cada uma delas. Depois disse ao meu asa para fazer o mesmo às duas outras clareiras, o que ele, o Capitão periquito, executou na perfeição.

As bombas de 750 libras eram bem potentes. Ainda a recuperar do passe e sentíamo-las a explodir, o avião até estremecia. Uma outra característica, eram bem fuseladas e, ao rebentarem, faziam um enorme cogumelo de pó e detritos, talvez uns vinte metros de altura.

Bombardeamento executado. Ao verificarmos a área para ver se havia alguma reacção de Strelas, descobrimos algo de estranho. No meio de todo aquele verde da floresta havia três rebentamentos castanhos de uns quinze a vinte metros de envergadura e um outro, enorme, uma densa fumarada escura que, no mínimo, deveria ter mais de cinquenta metros de altura.

Uma grande explosão lá em baixo, o Capitão periquito acabara de acertar em algo.

Regressámos, o voo tinha durado apenas 35 minutos.

Como Tenente e Chefe da Parelha lá tive de ir fazer o respectivo Relatório. Poderia ter escrito “Três Pings e um Pong”, ou, talvez um pouco mais de acordo com a sequência da ocorrência, Ping Ping PONG Ping. Não me iam perceber. Optei pelas palavras habituais:

- "ATAP (Ataque em Alerta) em Gadamael, junto à fronteira, quatro bombas de 750 lbs, resultados desconhecidos".

A noite a chegar, o período do Alerta terminado, montei-me na moto e fui à minha vida, que no dia seguinte a guerra ia continuar.

Só algumas semanas mais tarde viemos a saber o resultado daquele grande rebentamento. Uma das bombas fizera explodir as munições que o PAIGC tinha escondido na floresta, para, à noite, irem despejar sobre o Aquartelamento.

Pelo menos nessa noite os de Gadamael devem ter dormido descansados.

Uns outros pensamentos positivos, nunca mais chamei "Pira" ao Capitão Pira.

AMM

 


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.

© Foto do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva.





Bissau, 1969 - G-91 R4

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22775: O nosso sapatinho de Natal (2): E eu ainda não era eu: conto de José Teixeira

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã) 


Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC. Furriéis da CCav 8351,  Azambuja Martins e Costa



 Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres de Cumbijã) > No lado direito alguns dos recipientes com arroz. Foto de António Murta (vd. poste P14844).

Foto: A. Murta / Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, com a devida vénia



Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIG pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijâ) > Abrigos subterrâneos do PAIGC > Toto de A. Murta, com a devida vénia


Fot0 nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação “Balanço Final” > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã)> Sarar as feridas depois do assalto a Nhacobá

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI (*)

Operação Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o  dia mais longo


Com o aproximar da estrada a Nhacobá, estava chegada a hora de fazer a ocupação desta base do PAIGC (“retribuindo” as duas visitas ao Cumbijã). Embora sem grandes informações, era de prever que Nhacobá fosse um local de grande importância estratégica e logística para o PAIGC já que ficava no corredor de Guilege, também conhecido por “corredor da morte” (corredor de circulação de homens e material para o interior da Guiné)(#).




Fito nº 6 > Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Guileje > Mapa de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Alguns dos topónimos míticos por onde passava o "corredor de Guileje" ou o "corredor da morte", triangulando entre Guileje, Gandembel / Balana e Nhacobá. Ver também posição relativa de Cumbijã e Colibuía, a sudoeste de Aldeia Formosa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)



Embora nada nos fosse transmitido (como sempre - ao que parece nem o próprio capitão foi informado), fomos surpreendidos com a chegada ao destacamento de um grupo de comandos africanos, armados até aos dentes com todo o tipo de armas capturadas ao IN (muito mais eficazes e fiáveis que as nossas), que segundo rumores teriam como missão fazer o reconhecimento a Nhacobá antes do assalto final. 

Nada nos foi dito mas constava-se que nada encontraram de relevante. Todo aquele aparato (não disfarçando algum exibicionismo) nos pareceu estranho,  para não dizer caricato. Contudo, depois de uma reunião dos “senhores da guerra”  em Aldeia Formosa, foi lançada a operação de assalto a Nhacobá, de seu nome de código: “Balanço Final” (17-23 de maio de 1973).

Foram mobilizados quase todos os recursos humanos disponíveis na região para o assalto final a Nhacobá, atirando por terra a ideia de que os comandos africanos não tinham encontrado nada de relevante.

Foram mobilizadas para a operação: 

(i) três companhias;

 (ii) uma equipa com duas chaimites (carros de combate anfíbios);

 (iii) dois grupos de combate de uma outra companhia de reserva no Cumbijã~;

(iv) e a artilharia de Cumbijã e Mampatã em alerta máxima. (##)

A minha companhia (CCav 8351 – Os Tigres do Cumbijã) estava incumbida de fazer o assalto (golpe de mão) com a proteção lateral de outras duas.


“De manhã cedinho, levanto do ninho e vou para … Nhacobá...”


Com todo aquele aparato de movimento de tropas em grande azáfama com alguns dos intervenientes, há última hora, a serem acometidos de doença súbita e desconhecida e com os “senhores da guerra” (sempre na retaguarda!) mandando os seus últimos “bitaites” sobre a estratégia a seguir (e a que ninguém ligava), lá avançamos nós, conduzidos por um guia, da nossa confiança e que conhecia muito bem o local. 

Como era habitual, nas operações de alto risco, quase todos os soldados beijavam, à saída, o seu amuleto da sorte: a foto da namorada ou dos pais, um santo devoto, uma folha da Penthouse (a famosa revista pornográfica norte-americana),  do Furriel Martins, e o Furriel Machado o seu inseparável mapa, que guardava num dos bolsos do camuflado, mais perto do coração.




Fot0 nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã)> O “amuleto” que sempre acompanhava o Furriel Machado em operações no mato, o “Mapa de Operações Pontos de Artilharia”... 

Ao seu lado estávamos mais seguros. Nunca nos sentíamos perdidos na mata e a ajuda da artilharia em situação de emergência era mais precisa e eficaz. Este homem nunca deixava nada ao acaso. Tudo era feito de forma profissional, tal como a sua sofisticada hortinha que plantou em pleno teatro de guerra!



Conforme íamos avançando na direção do objetivo,  a adrenalina ia subindo na mesma proporção já que minguém melhor do que nós sabia o que nos esperava. Dada a nossa experiência feita de vivermos, diariamente, paredes meias com o IN, conhecendo melhor do que ninguém as suas “taras e manias”,   fazíamos tábua rasa das opiniões dos teóricos do “pionés no mapa” (cujo único risco era picarem-se no mesmo) para bem da nossa segurança e ao mesmo tempo para bem da eficácia na concretização do objetivo traçado.

O nosso guia mantinha um grande sangue frio e uma calma desarmante,   reparando nos mais pequenos pormenores que a todos nós escapava: um pequeno ramo de árvore cortado recentemente; pegadas no chão recentes; barulhos de população e de animais ao longe, que nenhum de nós ouvia, etc.

Era fácil medir a tensão do grupo quer através das feições do guia quer do “arrebitar” do bigode do camarada Machado!!!

Quatro grupos de combate em marcha na direção do objetivo em silêncio quase ensurdecedor, ouvindo-se apenas a nossa respiração, cada vez mais acelerada. Caminhavámos como em campo minado, pé ante pé, com concentração absoluta e sempre atentos às feições do guia (...e ao bigode do Machado!).

Pelo caminho já percorrido sabíamos que devíamos estar muito perto do objetivo, o que foi confirmado pelo guia. Uns metros mais à frente já todos nós ouvíamos sons de pessoas em conversas despreocupadas.

Mais uns metros e avistamos uma caçadeira (Simonov) encostada a uma árvore e, logo a seguir, um grupo de homens e alguns mulheres e crianças sentados em amena cavaqueira. Avançamos e surpreendemos todo o grupo, creio que um homem foge a gritar Comando, comando!... Não demos um único tiro, acalmamos as mulheres e as crianças, e montamos segurança.

Estávamos nós a tentar obter de alguns elementos do grupo, obviamente assustados, informações relevantes,  tendo em vista o prosseguimento da operação em segurança, quando irrompe um grande “fogachame” com armas ligeiras e RPG. Como estávamos já bem posicionados, ripostámos,   protegendo aos mesmo tempo os elemento da população.

Passados uns bons minutos, que pareceram uma eternidade, a situação acalmou, as metralhadoras calaram-se, permitindo assim o socorro aos feridos, alguns com alguma gravidade. 

Pela surpresa,  pensámos que o grupo de guerrilheiros de defesa da base do PAIGC, depois da forte reação, se tinham já posto em fuga. Contudo, passados uns 15 minutos,  fomos nós surpreendidos por nova investida, agora mais intensa e organizada,   sobre as nossas posições causando mais uns feridos, alguns com gravidade.

O grupo de guerrilheiros (supomos, em grande número), depois da segunda investida fugiu, uns em direção ao local onde deveriam estar as companhias que faziam a nossa proteção lateral e outros para a grande bolanha,  perto de um rio. Conseguimos ainda avistar vários elementos do grupo, desordenado e desorientado, em fuga através da grande bolanha.

Uma das situações que mais me perturbam, relembrando hoje o assalto a Nhacobá, é o facto de,  ao ver lá ao longe pequenos grupos de guerrilheiros em fuga,   apontar-lhes a minha arma. Não disparei, e alguém me dissr: "A G3 não alcança". 

Este episódio mostra como a guerra nos leva a tomar atitudes completamente irracionais. Contudo, para meu sossego, acredito (quero mesmo acreditar) que nunca teria coragem para disparar naquelas condições.

Terminado o tiroteio, nada aconteceu aos elementos da população e nós tivemos vários feridos, alguns com gravidade.

Pedimos que um dos grupos de combate estacionado em Cumbijã, viesse em apoio levar os elementos da população e os feridos para o destacamento, sendo os mais graves levados, para Aldeia Formosa onde um avião Nordatlas aguardava para eventual evacuação para o hospital de Bissau.

Depois de todas estas diligências e com todas as cautelas lá fomos explorar a zona. 

Acompanhado pelo amigo Martins, juntamente com outros elementos da companhia, avançamos, com cuidados redobrados, para o local de onde fomos atacados. Passada a zona onde encontramos os elementos da população,  ficamos boquiabertos com o que encontramos: muitas moranças, com indícios claros de habitadas até momentos antes com os seus animais a vaguearem ainda em sobressalto; vários silos de barro,  cheios de arroz (estavam ali toneladas de arroz ainda com casca); abrigos subterrâneos; muitos maços de tabaco e fósforos cubanos, bem como cadernos e livros escolares e muitos folhetos de propaganda. 

“Roncos” que muitos de nós guardaram como recordação (eu guardei um maço de tabaco e uma caixa de fósforos que deitei ao lixo, juntamente toda a roupa e tudo que me fizesse lembrar a Guiné num quartel em Lisboa, no regresso a casa).

Este era de facto um posto de “mala-posta", muito importante neste corredor de Guileje, onde os guerrilheiros descansavam e se alimentavam em trânsito para operações militares na região sul. Todo o arroz aqui apreendido dava para alimentar um exército durante vários dias.

O elevado número de moranças, os abrigos subterrâneos, bem camufladas na vegetação, a quantidade de arroz (as suas rações de combate), bem como a grande quantidade de tabaco e material de propaganda, era a confirmação de estarmos perante uma importante base do PAIGC no interior da Guiné. Esta ação foi em rude golpe na logística do PAIGC no abastecimento de parte da zona sul da região.

Estávamos nós já a “debicar” parte da ração de combate,  quando começamos a ouvir rajadas de armas ligeiras e mais tarde sons de HK - encontros de “3.º grau” dos guerrilheiros em fuga com as companhias de proteção lateral e do grupo de chaimites, sofrendo o IN, aqui, danos consideráveis.

A configuração da tabanca, a quantidade de abrigos subterrâneos (bem protegidos contra ataques aéreos e bem camuflados na mata), o volume e tempo de fogo configuram um destacamento do IN muito bem protegido, que só caiu sem grandes baixas do nosso lado pela surpresa e, ao mesmo tempo, presumo, julgarem estarem perante uma operação de grande envergadura com o apoio da aviação e tropa especial (por isso a sua fuga precipitada). 

Era suposto, da parte do IN, que a tropa sediada na zona não reunia as condições para tal assalto, daí os gritos do homem que fugiu a dizer Comandos, comandos!

Este foi um dia (… o mais longo) que me fez lembrar a guerra do Vietname, com todos os ingredientes presentes, nomeadamente: entrar no reduto do IN, desalojá-lo e passar junto dos seus mortos em combate, inexplicavelmente, com naturalidade e indiferença. Visão que hoje muito me perturba e desassossega!

(
Continua)
__________

Notas do autor:

(#) Este corredor com início na fronteira da Guiné Conacri, atravessando a zona de Guileje (Gandembel) e Nhacobá (Foto nº 6), tinha uma importância vital para o PAIGC, já que por aqui introduzia 70 a 80 % dos abastecimentos de armas, homens, munições e outros, para todo o território da Guiné. Neste corredor muitas vidas se perderam dum lado e do outro do conflito.

Assim se explica a luta sem tréguas dada pelo PAIGC na defesa deste importante corredor e particularmente da sua base em Nhacobá,

Situação semelhante teve lugar em Gandembel de quando a sua ocupação pelas nossas tropas no tempo do antigo governador (Arnaldo Schulz),  acabando por ser abandonado no tempo de Spínola, dado as elevadas perdas humanas. Daí a designação de “corredor da morte”.

(##) NT:  CCaç 3399, 3a/BCaç 4513/72, CCaç 18, CArt 6250/72, CCav 8351/72, 2° Pel Art (10,5 cm), 14° PelArt (14 cm), e 1 Pel/ERec 3431.
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)

domingo, 31 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21832: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (24): O gen Costa Gomes, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, em visita ao CTIG, em 8/1/1973, cumprimenta oficiais e população, em Teixeira Pinto, segundo vídeo da RTP Arquivos


Fotograma nº 1  > Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > 8 de janeiro de 1973 > Costa Gomes, ao centro, entre o cor pqdt, comandante do CAOP1. 


Fotograma nº 2


Fotograma nº 3


RTP Arquivos >  1973-01-13 > Vídeo (2' 17 ''> General Costa Gomes,  Chefe do Estado Maior das Forças Armadas,  visita aquartelamentos militares na Guiné Bissau, primeiro Teixeira Pinto e depois o Pelundo.

Sinopse: "General Costa Gomes e General António Spínola, Governador Geral da Guiné, a sair de helicóptero no aquartelamento de Teixeira Pinto; cumprimentam individualidades militares e locais; comitiva automóvel a partir de carro em movimento; em Pelundo o General Costa Gomes e o General António Spínola cumprimentam militares e populares; milícias em parada; a marcar passo; vacas e bezerros a pastar."

Reprodução de fotogramas, através da função "print screen", com a devida vénia à RTP Arquivos. 

O vídeo (2' 17''), completo, mas sem som, pode ser visto aqui. A visita foi a 8 de janeiro de 1973, mas o vídeo só passou no telejornal [, na altura, "noticiário nacional"], em 13/1/1973. Ainda não havia internet, e a bobine com o filme tinha que ir no avião da TAP... Hoje é tudo instantâneo, como o pudim...


1. Ao visionar o  vídeo.  fomos descobrir dois  dos nossos grã-tabanqueiros, o Mário Bravo, ex-alf mil médico, e o António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1 (Mansoa, Teixeira Pinto e Cufar,  1972/74).
 

No seu 
Diário da Guiné - Lama Sangue e Água Pura (Lisboa, Guerra e Paz, 2007, 220 pp),  o António Graça de Abreu dedicou três linhas a esta visita (p. 68)....


Canchungo, 8 de janeiro de 1973 


O general Spínola e o general Costa Gomes estão na sala ao lado,  com o coronel [Durão, comandante do CAOP1,], o tenente-coronel do Batalhão e os majores todos. 

Vieram arejar as cabeças ou polui os ares ?  Que congeminam  estes crâneos  iluminados pelos clarões da guerra ?  (*)


2. Na altura, ainda estava lá, em Teixeira Pinto, o Mário [Silva] Bravo, [ex-Alf Mil Médico, que passou por Bedanda, neste caso pela CCAÇ 6, entre dezembro de 1971 e março de 1972; trabalhou depois como cirurgião  no HM 241, em Bissau, acabando a comissão em Teixeira Pinto, e não em BIssau, no HM 241, como já escrevemos noutro poste] (**)

E a propósito ele fez o seguinte comentário, há pouco:

"Caro Luis Graça, um grande abraço e parabéns pela publicação do vídeo. Encontrei este mesmo vídeo no Facebook e até partilhei, para que não se perdesse. 

No blogue dizes que eu fui terminar a comissão em Bissau, como cirurgião, mas não foi assim. Como já tinha terminado a comissão, e não me "tiravam" de Teixeira Pinto, o cor Durão passou-me ele próprio uma guia de marcha sem local militar de destino, dizendo só Bissau. E que eu me desenrascasse.!!!... E lá tratei da vidinha, com a ajuda do meu comandante de Bedanda, passei à disponibilidade em Bissau, mas não no Hospital. Está feita a correcção.

Lembro bem desta visita do gen Costa Gomes".



Guiné > Região do Cacheu > CAOP 1 > Teixeira Pinto > 1972 > O Alf Mil Médico Mário Bravo,  o quarto a contar da esquerda, de óculos. Está  no meio de um grupo de oficiais, entre eles o António Graça de Abreu,  alferes miliciano (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), o primeiro da esquerda. 

O António Graça de Abreu veio depois  agora completar a legenda: 

"O Mário Bravo lembrou-se de mim em Teixeira Pinto e mandou essa fotografia onde apareço jovem, quase menino, na ponta esquerda da foto. Na ponta direita está, de camuflado, o meu amigo capitão miliciano António Andrade, comandante da 35ª Companhia de Comandos, também amplamente referido no meu livro. 

"Entre mim e o Bravo estão o alferes [Franciso] Gamelas, da Companhia 3863 [, mais exatamenet, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto,  1971/73 ], e o alferes Cravinho (de calções), do nosso CAOP 1 e meu companheiro de quarto".

Foto (e legenda): © Mário Bravo (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de outubro de  2013 > Guiné 63/74 - P12179: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (23): Duas referências ao Marcelino da Mata