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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12499: O que é que a malta lia, nas horas vagas (23): Escrevia, estudava, ouvia música e jogava cartas (Manuel Moreira)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69, com data de 20 de Dezembro de 2013:

Para fazer parte deste projecto, vai o meu comentário.

Os meus tempos livres foram ocupados a:

- Escrever a minha História de Guerra em verso;
- Escrever algumas Canções alusivas à Guiné e à Guerra;
- Estudar o meu Curso de Mecânico de Motores Diesel por correspondência;
- Ler alguns livros que levei de casa;
- Ouvir música e as notícias da Voz da Liberdade;
- Jogar às cartas, em jogos de batota;
- Escrever cartas à minha Esposa, Família e Madrinha de Guerra;
- E tudo o que fosse possível fazer para além do que tinha de ser feito.

Anexo três fotos a confirmar o que digo, embora estejam em péssimas condições.

Desejo a todos um Bom Natal e Próspero Ano 2014

Alfa Bravo
Manuel Vieira Moreira



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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12494: O que é que a malta lia, nas horas vagas (22): Autores como: Jorge Amado, Ernest Hemingway, Aquilino Ribeiro, André Maurois, Urbano Tavares Rodrigues, Marguerite Duras, James Hilton e outros (Armor Pires Mota)

sábado, 11 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11554: Convívios (521): CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69): 8º convívio, Quinta do Conde, Sesimbra, 8 de junho de 2013 (Manuel Moreira)


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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11553: Convívios (520): CCAÇ 2792 (Cabedu e Catió, 1970/72),  25 de maio de 2013, Mosteiro de Leça do Balio, Matosinhos (Fernando Macedo, ex-1º cabo, 15º Pel Art, Cabedu, 1971/72)

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11522: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (3): A emboscada de Ponta Coli, em 14 de novembro de 1968, em que morreu o fur mil SMA Fernando Dias, e sofremos 15 feridos









Guiné > Setor L1 (Bmabadina) >Xime > CART 1746 > Copia do relatório da emboscada, realizada em 14 de novembro de 1968, em que morreu o fur mil SAM Fernando Maria Teixeira Dias. Documento da autoria de António Vaz, e por ele digitalizado.

Fotos: © António Vaz (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem de 18 de abril último, enviada pelo nosso camarada António Vaz, ex-cap mil art, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69)  [, foto atual, à direita]

Olá,  camaradas

Quando estive no almoço anual da Tabanca em Monte Real em 2012,  tive, entre outros bons momentos, a oportunidade de conhecer o camarada Jorge Araújo,   também ele militar que passou pelo Xime e que sofreu, como eu e a minha CArt, a passagem pela Ponta Coli que ao longo da guerra se revelou um sítio nada recomendável.

Além da colaboração no Blog de J. Araújo,  teve ele naquela ocasião a amabilidade de oferecer dois textos de sua autoria em que relatava minuciosamente e saborosamente as duas emboscadas no trajecto Xime/ Bambadinca. Nomeadamente entre Ponta Coli / Taliuara, podemos considerar sem grande erro, zona onde muitos de nós sofreu alguns dos maus momentos na Guiné.

Embora já tenha ouvido críticas à descrição de emboscadas como se de casos menores se tratassem, coisa que eu não acho, não quero deixar de dar o meu testemunho da que a CArt 1746 sofreu em 14 de Novembro de 1968 naquele local,  cerca de 4 anos antes. Embora já tenha sido abordado pelo camarada Moreira este relato apenas o completa e confirma.

O relatório que junto foi o único documento que trouxe da Guiné e isso quererá dizer alguma coisa…

Passo assim a abordar o tema:

(1)  Durante a permanência da CArt 1746 no Xime, de Janeiro de 68 a Junho de 69,  fizeram-se, no mínimo, 820 vezes o percurso Xime/ Bambadincaa e volta no qual tivemos oito flagelações, sendo a citada de 14 de Novembro a mais grave.

(2) Este percurso nunca foi feito "à borla", tendo a Companhia, desde o princípio, tido a consciência que aquele era o percurso terrestre que nos ligava ao "resto do Mundo". Não houve dia nenhum em que o pessoal não o tivesse feito,  sobrepondo-se à Milicia de Amedalai, à época comandada pelo Carfala, indivíduo em quem tinha a maior confiança, tendo sido esse pessoal que detectou uma mina junto ao pontão na extremidade da bolanha ao alvorecer do dia 1 de Janeiro de 69.

(3) No dia 14 de Novembro nada se fez de muito diferente pois só a hora de saída mudava, mas não muito. O pessoal a pé composto por 2 Secções acompanhava o grupo dos picadores, seguiram até Ponta Coli, sem nada detectar, tendo montado a segurança.




Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca > Subsetor do Xime > Carta do Xime (1955) > Escala 1/50 mil > A  sempre temível Ponta Coli, à saída do Xime...O traçado a vermelho indica a antiga estrada Xime-Bambadinca, passando por Taliuara, Ponta Coli, Amedalai, ponte do Rio Udunduma... Em dezembro de 1970, ainda estava em construção a nova estrada, a cargo da Tecnil... Será inaugurada em 1971 ou 1972, já não no meu tempo...(Saí em março de 1971) (LG).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).



(4) Algumas considerações:

(i) Os primeiros tiros foram de armas ligeiras,  logo seguidos por rockets. Saltei do Unimog (ou foi cuspido pela travagem brusca, seguindo eu sempre no "lugar do morto" normalmente com o pé direito no retrovisor) tendo um desses primeiros tiros atingido o condutor, comigo já no chão, o alvo portanto foi ele. A bala trespassou-o lado a lado sem atingir a coluna nem qualquer órgão vital.


(ii) A reacção do pessoal foi imediata,  tendo alguns dos feridos sido atingidos por estilhaços dum rocket que acertou na longarina da viatura em que vinha. Lembro-me, ainda, da onda de choque do calor e do cheiro do explosivo, tendo as minhas calças a ficar ensanguentadas embora nada me doesse.

(iii) Algumas imagens que recordo: o bazuqueiro ( Ramos ?), de pé, a disparar enquanto teve granadas disponíveis; o Caç Nat. Tcherno Baldé com um ferimento na cara segurando o globo ocular; ouvia os tiros na Ponta Coli,   o que significava que havia um grupo que atacava a segurança; a lama da laterite feita com o sangue dos feridos.

(iv) Com a chegada, precedida de tiros do pessoal do Xime que acorrera, à frente dos quais vinha o soldado Deodato apenas em cuecas, com a bazooka disparando sobre elementos que estavam na orla da mata tendo os tiros terminado.

(v) A lamentar acima de tudo os ferimentos em vários locais do corpo que vieram a causar a morte ao Furriel Fernando Dias, já no Xime enquanto aguardava, ele e os outros, pelos Helis para a evacuação. O Fur Dias,  depois de já estar no chão e para se proteger,  levantou-se, provavelmente para se abrigar melhor, e teve o azar de ser atingido. Contaram-me posteriormente outros Furrieis que a namorada que deixara na Metrópole, não quis acreditar na morte dele.

(vi) A batida feita à zona da parte da tarde pelo Pelotão do Alf [Gilberto] Madail encontrou do lado direito dum enorme baga-baga cartuchos vazios de G-3 e do lado esquerdo e oposto cartuchos vazios de 7.72 Soviet.

(vi) Junto ao sítio onde" aterrei " encontrou uma granada de mão de fabrico chinês, por rebentar, que ficou até ao fim da comissão em cima dum armário frente à minha mesa de trabalho.

(vii) Sem ser os casos anteriormente, todos lamentáveis, outro houve que teve grande gravidade: o Alferes António Teles não recuperou daquela acção. Manteve durante algum tempo um mutismo que não augurava nada de bom. Sendo uma pessoa reservada, essa reserva a meu ver tornava-se patológica. Respondia por monossílabos e tinha terrores por vezes nocturnos que punham em perigo a recuperação do pessoal. Contou-me o Furriel Martins que a meio da noite apareceu no abrigo empunhando a G-3, indagando onde estavam os aviões que não o deixavam dormir. Convenci o Alf Teles a ir comigo a Bambadinca falar com o médico Aferes David Payne, que merecia páginas de elogios, que o aconselhou a ficar lá uns dias até ir para Bissau. Daí foi evacuado no mesmo dia para Lisboa para o HMP que os soldados Antunes e Oliveira feridos na mesma emboscada. Só o voltei a ver no dia da chegada a Lisboa onde nos foi esperar e acompanhou até Torres Novas.

(viii) De notar que que da viatura em que seguia, apenas eu não fui evacuado.

(ix) Para finalizar: os minutos que durou a emboscada foram poucos mas os segundos pareciam não ter fim. Ainda hoje estou para saber porque escrevi no relatório ter sido atingido de raspão por um estilhaço quando, embora pequeno, se encontra ainda na minha perna. Mistério.

António Vaz
ex-cap mil art,
cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69)

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11442: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (2): Op Pedra Rija (Poindom / Ponta Varela, 19-20 de maio de 1969): Há aí algum graduado do Pel Caç Nat 63 que tenha estado comigo quando fomos violentamente emboscados por um bigrupo IN, durante 40 m ?

1. Mensagem, com data de 16 do corrente, enviada pelo do António Vaz, ex-cap mil, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) [, foto à esquerda]


Assunto: Pedido de informação


Olá, Camaradas: Primeiro que tudo os meus parabens com a promoção do inquérito, que pelo que tenho lido,tem sido um sucesso. A malta responde e corresponde. Parabens!

Agora vem o pedido, socorrendo-me da verdadeira Torre do Tombo que tambem a Tabanca é:É cnhecido algum graduado do Pel CaçNat 63 que tenha acompanhado a Cart 1746 na Operação "Pedra Rija" realizada em 19 de Maio de 1969 ? Se sim, gostava de saber se está lembrado pois gostava ter contacto com ele.

Um abraço para todos do

António Vaz


2. Comentário de L.G.

António [, foto atual, à direita]: 

 Aqui tens o "relatório" da Op Pedra Rija... (Fonte: História do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)...

Deve ter sido a última ou uma das últimas operações que vocês fizeram no subseto do Xime, antes da vossa rendição pela CART 2520 (1969/1970)...Dois meses depois da Op Lança Afiada e 10 dias antes do ataque a Bambadinca, a 28 de maio de 1979... (O PAIGC devia estar a preparar a "vingança"...).

Como sabes, eu passei pelo Xime a 2 de junho de 1969, a caminho de Contuboel... Foram vocês que fizeram a segurança na estrada Xime-Bambadinca,,, E depois fiquei (ficámos, a nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12) no setor L1, a partir de finais de julho. já voc~es tinham regressado ao doce lar...

Não me lembro do antecessor do Jorge Cabral no comando do Pel Caç Nat 63. Mas ele sabe quem é... O António Branquinho, furriel, não sei se estava lá nessa altura... Para já, são estes os dois homens do Pel Caç Nat 63, meus contemporâneos, "afliados" na Tabanca Grande. 

Aproveito o teu pedido para fazermos um poste sobre esta operação, a pensar na tua nova série...  Boa continuação das tuas melhoras. Treinar a memória faz-te bem... Um abraço. Luis



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > o "alfero Cabral", ao meio, de pé... O 1º Cabo Rocha é o primerio da esquerda, na primeira fila. Jorge Cabral veio substituir o alf mil Almeida, em junho de 1969,  no comando do Pel Caç Nat 63. O que será feito do Almeida ?

Foto: © Jorge Cabral (2005). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


3. Esclarecimento prestdo pelo Jorge Cabral, cmdt do pel Caç nat 63 enter 1969 e 1971:

Cheguei 20 dias depois. Naquela altura os Alferes e os Furriéis dos Pelotões Nativos só faziam um ano de mato, indo depois para Bolama ou Bissau.

Fui substituir o Alf Almeida, que era transmontano e amigo do Beja Santos. Os Furriéis só estiveram comigo dois ou três meses...O primeiro Furriel substituto foi precisamente o Branquinho, que deve ter chegado em Setembro.

Mantenho contacto com o 1º Cabo Rocha, que acaba de passar um mau bocado no Hospital de Coimbra. Ele participou de certeza nessa operação. Não tem correio electrónico.

Abraço.

J.Cabral

4. Relatório da Op Pedra Rija:


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > Carta do Xime (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa do Xime, Pon ta Varela, Poindom, Gundagué Beafada, Gidemo e Chacali.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné






Fonte: Excertos de História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), cap II, pp. 82-84.



5. Comentário final do António Vaz:


Olá,  Luís Graça.  Muito obrigado palas informações prestadas. Esta foi efectivamente a ultima operação que fizemos e para a qual eu dei. para futura mensagem, o título "Quem engana quem". O meu interesse de falar com alguém do Pel Caç Nat  63 prende-se com o que se passou ANTES,  no Xime. Os meus camaradas que me acompanharam nesta situação no Xime já morreram ou não estão disponíveis.

Na mensagem que enviei sobre e nossa emboscada em Ponta Coli (foi uma entre oito, embora a mais grave) em Novembro de 68 gostava de ter incluido, como curiosidade, que a 29 de Maio de 69, dia do ataque a Bambadinca, foi a nossa coluna alvejada com um roquete que passou sob um Unimog sem causar danos. Mais terde atribui isto a um tiro inopinado dum elemento IN que já estava a caminho do eaquema de ataque a Bambadinca.

Não foi ainda publicada a mensagem respeitante este acontecimento mas espero que a tenham recebido.
Um abraço do António Vaz.

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11429: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai

sábado, 20 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11429: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai




Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > António Fernando Marques e Arlindo Teixeira Roda, dois camaradas. furrieis,  da 1ª geração da CCAÇ 12 (1969/71), junto ao monumento da CCAÇ 1550 (1966/68), unidade de quadrícula do Xime que antecedeu a CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... A CCAÇ 12 conheceu bem e duramente, o subsetor do Xime, entre 1969 e 1974, primeiro como  subuniddae de intervenção ao setor L1 e depois, no final da guerra, como subunidade de quadrícula...  Não sei se a CCAÇ 1550 foi a primeira  subunidade de quadrícula do Xime: estivera antes em Farim,  era comandada pelo cap mil inf Agostinho Duarte Belo; no monumento estão inscritos os lugares (de diferentes setores) por onde passou: Binta, Guidage, Xime, Ponta do Inglês, Galomaro, Candamã, Taibatá, Farim, Dembataco, Samba Silate, Bissau... (LG)


Foto: © Arlindo Roda (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos 



reservados.

1. Texto enviado pelo nosso camarada António Vaz, ex-cap mil, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 18 do corrente:

 Assunto: Seco Camará

Olá,  Camaradas Tertulianos

Depois da minha ausência prolongada,  já contada anteriormente,  e ao reler páginas antigas do Blogue,  nomeadamente o poste P5578 (*), ocorreu-me relatar o seguinte:

Quando cheguei ao Xime, em Janeiro de 1968,  na "passagem do testemunho" que a CCAÇ 1550 fez da situação material e do pessoal adstrito (Pel Caç Nat, Milícia e picadores), foi-me dito que o picador Seco  Camará era o melhor da zona e que, nessa época, já levava 56 minas detectadas,  o que para mim, nessa altura, era um número respeitável pois até à data, vindo de Bissorã, não tinha tido contacto frequente com tais engenhos.

Fiquei sabedor e considerei que a chefia do grupo de picadores estava, continuaria, bem entregue. Assim sucedeu durante alguns meses e o Seco era sempre convocado para as operações que pareciam mais complicadas.

Numa delas, em Julho de 68, talvez a Op Golpear, com a paragem da coluna veio-me a informação:  MINA!!!

Ao chegar-me aos ouvidos,  avancei para junto do Seco pois fora ele que a tinha detectado e operava. Aproximei-me dele com o cuidado requerido e fiquei a observar o seu procedimento. (Será que que a adrenalina que se liberta tem cheiro? O mato molhado parecia-me sempre adocicado mas naquela altura tinha mudado).

Estava o Seco semideitado no chão e com a "pica" fazendo perfurações quase horizontais no terreno pois achava que este estava mais brando que o normal. Os gestos comedidos, o cuidado imenso e a tensão elevada ao máximo contagiaram-me. Tentava perceber se aquela textura do terreno correspondia ao que pensava ser uma "caminha" de mina.

Não mais esqueço a transformação que nele se operou:  o seu semblante e a própria cor mudaram; o Seco estava cinzento de tão pálido que estava. Levantou-se lentamente dizendo:
– É mesmo mina,  Capitão!

A minha norma foi sempre "Mina rebenta-se, não se levanta". Arriscava contudo a perca do segredo da progressão mas era assim. Assim se procedeu mas o Seco teve o seu prémio pecuniário.

Vieram mais operações e num delas um Alferes nomeado veio dizer-me que havia problema com a escala dos picadores, não queriam que o Seco fosse naquele dia e nos subsequentes porque não o queriam como chefe.
– Grande berbicacho –  pensei eu.




[Foto à esquerda: Seco Camará, em Mansambo. Foto:  ©Torcato Mendonça (2007) ]

As razões que me apresentaram não me convenceram, invocavam que aquele posto - chefe dos picadores - devia ser desempenhado por alguém superior na hierarquia tribal. Prometi que resolveria o assunto depois daquela operação pois não era altura de estar com mais conversa. O Seco foi como estava determinado mas com os resmungos dos outros picadores que acalmaram, talvez por eu ir nessa operação. Esta como outras foi "sem contacto, com vestígios" e num dos dias seguintes falei com o Seco que me disse que ele próprio não estava interessado em viver no Xime e preferia ir para outro lado.

(Eu à época não estava a par de eventuais "trabalhos sujos", já invocados neste blogue, que Seco desempenhara anteriormente. O comandante que me antecedeu nada me referiu, embora quando arrumava as minhas coisas tivesse encontrado,  na secretária a mim atribuída,  um objecto formado por um cabo de madeira com 40 ou 50 centímetros ao qual estavam presos 3 ou 4 pedaços de arame farpado de idêntico comprimento formando sinistro chicote. Destruí-o,  pois não tinha como conduta torturar prisioneiros e achei que tal objecto prefigurava situações que sempre repudiei por princípio. Nos primeiros meses da comissão, em Bissorã, tive de travar, nem sempre com êxito, atitudes condenáveis por parte de milícias que facilmente se propagavam pelo pessoal da Companhia.)

Quanto ao Seco, não consegui arrancar-lhe mais explicações e,  falando no Comando do Batalhão, em Bambadinca [, CCAÇ 2852], consegui arranjar-lhe um sítio para morar e que ele seria o Picador do Capitão e que seria convocado de vez em quando por mim, coisa que lhe agradou. Depois,  falando com os picadores,  vim a saber que, embora já desconfiasse, o chefe por eles desejado era o filho do Chefe da Tabanca,  o Mancamam Biai, que desempenhou o papel até ao fim da comissão.

O Mancaman foi sempre uma pessoa reservada, discreta, embora entre o pessoal existisse certa desconfiança que me foi transmitida por diversas maneiras. O mesmo se passava com o Chefe da Tabanca que na noite do ataque ao Xime,  na passagem do ano 68 para 69, que foi o mais forte da minha época, foi trazido para dentro do "quartel" por haver fortes suspeitas a seu respeito (não esquecer que a morte do Furriel Dias e os muitos feridos na emboscada passara-se 1 mês antes). As coisas serenaram mas a desconfiança com altos e baixos.

No dia da minha retirada, já com a LDG atracada no Xime, veio o Mancamam ter comigo se eu não lhe deixava uma recordação:
 –Não, Mancamam,  não tenho nada para te dar, mas já dei a ti e ao teu pai a possibilidade de não terem sofrido represálias que numa certe altura pareciam mais que prováveis.

Compreendia que as populações estavam divididas com a guerra e que era natural que familiares ou antigos amigos seus vivessem naquilo que à época eram bases In e que isso era agora a realidade.
 –  Adeus,  Mancamam.

Ele percebeu.

Um abraço do
António Vaz
________________

Nota do editor:

(*) 2 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz
(...) era um homem algo complexo e não facilmente transparente aos nossos olhos europeus, atraindo mesmo algumas suspeitas, para as nossas tropas, de que mantinha contactos com o «outro lado» e dizendo-se, até, que tinha «arroz turra» a vender na tabanca.

Nunca galgou a graduado de 2.ª linha; negou-se, certa vez, a ir numa operação para além de Ponta Varela; odeia os militares portugueses que maltrataram prisioneiros «turras» para obter declarações; condena com grande revolta as chacinas praticadas pelas tropas prtuguesas nos primeiros anos da guerra; e sempre que os oficiais de artilharia fazem fogo para o acampamento do Poidon, que ele deu a entender estar muito fraco e já não ser o que foi em tempos atrás, ele olha-os com uns olhos de fúria, o que poderia sugerir a presença de membros da tabanca ou mesmo de pessoas de família naquela área.

(...) não aprecia Amílcar Cabral nem Sekou Touré, da Guiné ex-Francesa. Tem consideração, porém, por Senghor, do Senegal, porque «ele não quer um Estado só de pretos, mas tem muitos brancos a ajudá-lo», referiu.

(...) Para Mancaman, certamente com uma dose de idealismo, mas não sem uma visão, na essência, válida e humana, o processo para a consecução da paz na Guiné passava pelas conversações directas com os turras - importante para ele, que se realizassem através de elementos da população da mesma etnia - e a aplicação de tácticas defensivas, evitando todas as acções violentas e arrasadoras da parte do exército e das forças portuguesas. (...)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11383: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (4): Resposta do António Vaz [, ex-Cap Mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69] , que sobreviveu a uma recente "emboscada" na estrada da vida...



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Duas imagens do Xime, c. 1970: (i) em cima, vista aérea do quartel e tabanca do Xime (c. 1969); (ii) o cais do Xime: um enorme desembarque de cibes,. com destino (presumo) ao reordenamento de Nhabijões (c. 1970); em segundo plano, de perfil, o Humberto Reis, ex-fur mil op esp, 2º Gr Comb da CCAÇ 12.

Fotos: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]



A. Resposta do nosso querido amigo e camarada, António Vaz [, ex-Cap Mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69, ] ao nosso questionário de opinião sobre o blogue:

Meus caros Camaradas da Guiné: estive afastado da vida normal dois meses e meio e, sem grandes e escusados pormenores,  direi que,  tendo saído de casa às 04.00 do dia 17 de Janeiro, INEM passei pelos Hospitais de S. José, Santa Marta e Clínica S. João de Ávila (para recuperação) e só voltei a casa no dia 4 deste mês (faz hoje 6 dias). Tive AVC (cerebelo), enfarte e aguardo cirurgia cardíaca nos próximos meses.

Durante estes dois meses e meio não gozei a sombra do Grande Poilão, não tive acesso ao computador e, do Blogue,  "nicles"

Para o meu reatamento aqui envio as respostas ao inquérito de 8 do corrente em que o Luís Graça (nas suas palavras encontrei, e não é a primeira vez , uma certa e a meu ver escusada, inquietação pelo futuro do Blog) faz um desafio que aceito de boa vontade, e ao qual passo a responder:

1.Tardiamente. Talvez em 2011

2. Descobri o Blog a partir dum pesquisa no Google sobre a Guerra Colonial.

3. Sou membro da nossa Tabanca a partir das vésperas no almoço de 2012 onde conheci ou revi pessoas que hoje considero meus amigos.

4. Em certas épocas, no princípio todos os dias, depois semanalmente.

5. Mandei poucas coisas e provavelmente talvez tivesse mandado mais se tivesse conhecido o Blogue há mais tempo. Penso que ao iniciar-me tardiamente iria repetir opiniões já manifestadas anteriormente.

6. Não frequento o Facebook neste assunto nem qualquer outro.

7. Só conheço o Blogue.

8  Idem.

9. Por vezes não aprecio certo material e penso que tal só interessa ao autor e ao seu ego, mas se isso lhe é importante é de respeitar.

10. Não tenho qualquer dificuldade com o Blogue [, em termos de cesso]

11. Para mim o Blogue  é um exercício de memória, nostalgia (saudades da idade em que andei na Guiné e da excepcionalidade da situação),  repositório de experiências vividas que poderão servir, no futuro, assunto de estudo e conhecimento.

12/13. Estive com prazer no almoço de 2012.

14. O blogue terá fôlego bastante desde que exista UM antigo combatente da Guerra da Guiné vivo e esteja pronto a colaborar.

Um abraço para todos do António Vaz


B. Comentário de L.G.:

Meu caro António, não posso deixar de aqui, publicamente, me alegrar pelo teu regresso ao convívio da nossa Tabanca Grande, depois da grande "emboscada" de que foste vítima, e que te madou para o "estaleiro" durante dois meses e meio...

Quem está vivo e pertence ao Clube dos SExas, como todos nós, está sujeito a apanhar uma "roquetada" dessas. Grande capitão, vamos rezar, crentes e não crentes, pelas tuas rápidas melhoras. Vai-nos dando notícias da boa recuperação da tua saúde. Vai correr tudo bem. Pela leitura da tua resposta ao nosso questionário, passas com distinção no teste da prova de vida!..

Quanto ao futuro do blogue, bom, estou de acordo contigo: o seu futuro a nós... pertence!
________________

Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11381: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (3): Resposta do Torcato Mendonça, ex-alf mil art, CART 2339, Mansambo, 1968/69, e nosso colaborador permanente

(...) Questionário ao leitor do blogue:

(1) Quando é que descobriste o blogue ?

(2) Como ou através de quem ? (por ex., pesquisa no Google, informação de um camarada)

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) ? Se sim, desde quando ?

(4) Com que regularidade visitas o blogue ? (Diariamente, semanalmente, de tempos a tempos...)

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.) ?


(6) Conheces também a nossa página no Facebook [Tabanca Grande Luís Graça] ?

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue ?

(8) O que gostas mais do Blogue ? E do Facebook ?

(9) O que gostas menos do Blogue ? E do Facebook ?

(10) Tens dificuldade, ultimamente, em aceder ao Blogue ? (Tem havido queixas de lentidão no acesso...)

(11) O que é que o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti ? E a nossa página no Facebook ?

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos anteriores encontros nacionais ?

(13) Este ano, estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de junho, em Monte Real ?

(14) E, por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra... para continuar ?

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer.

Obrigado pela tua resposta, que será publicada, com direito a foto. O editor, Luís Graça. (...)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10133: (De) caras (12): Foi com um arrepio que voltei ao Xime e a Mansambo, ao ver o vídeo sobre o quotidiano da Cart 2339 (António Vaz, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)

1. Mensagem do nosso camarada e amigo António Vaz, ex- cap mil da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69), com data de ontem, com um comentário sobre o vídeo, excecional, de 50 minutos (, editado em duas partes), que publicámos sobre a vida e a obra dos Viriatos, o pessoal da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo), vídeo esse  que terá passado despercebido a muitos dos nossos camaradas que conheceram a região, e/ou que foram contemporâneos dos acontecimentos:


Data: 8 de Julho de 2012 17:59

Assunto: Imagens da Cart 2339

Camaradas da Cart 2339:

Foi com um arrepio que vi as imagens do vosso e nosso quotidiano no sector L1 da Guiné onde andei com a CArt 1746 do Xime. Operações de desmatação fizemos duas ou três,  sendo uma delas a Cabeça Rapada; fui a Mansambo mais que uma vez, comandei a 2339,  se não me engano 2 vezes,  por impedimento do vosso Capitão (Soares ?) e recordo que vocês eram Malta Porreira.

Revi e revivi as picadas, a intensa chuva, os tornadinhos, as bajudas, tudo.

Um grande agradecimento e um enorme elogio pelo que me foi dado ver e pelo cuidado posto na edição das imagens que não foi de certeza tarefa fácil.

Não há nada como a TROPA MACACA que nós fomos.

Abração do António Vaz
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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10009: Memória dos lugares (185): Saiba V. Excia que está na Ponta do Inglês!, disse o Alf Mil João Mata para o Brig Spínola (António Vaz, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> O ex-alf mil João Mata e o ex-cap mil António Vaz, da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69). O João Guerra da Mata foi o último comandante do destacamento da Ponta do Inglês, um dos míticos topónimos da guerra da Guiné...

Foto: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Mensagem do nosso camarada António Vaz (ex-Cap Mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 4 do corrente:

- Não tenho a certeza de ter aterrado no sítio certo… - disse, ao aterrar, o Brigadeiro Spínola. 
- Saiba V. Exa. que está na Ponta do Inglês - respondeu o Alf Mil João Mata que usava na ocasião calções, barba, tronco nu e uma extraordinária boina de cor verde alface com uma estrela de metal. 


A Ponta do Inglês

A Cart 1746 saiu de Bissorã a 7 de Janeiro de 1968,  seguindo de Bissau para o Xime via Bambadinca,  a bordo da barcaça Bor. Um Grupo de combate seguiu directamente para a Ponta do Inglês onde rendeu o pessoal da CCAÇ 1550.

Este Pelotão da Cart 1746 era comandado pelo Alf Mil Gilberto Madail que lá permaneceu cerca de 4 meses sendo substituído por outro comandado pelo Alf Mil João Guerra da Mata que lá esteve até Outubro data em que este Destacamento foi abandonado.

A Ponta do Inglês foi ocupada e os abrigos construídos em Dezembro de 1964 na Op Farol pela CCAÇ 508,  comandada pelo malogrado Capitão Torres de Meireles, morto em combate na Ponta Varela.

Este destacamento teve sempre uma triste sina porque não tinha meios senão para ESTAR. A dispersão de meios que encontramos no L1 a isso conduzia. Nunca serviu de nada a não ser castigar, sem culpa formada, as guarnições que para lá eram enviadas.

Não controlavam nada na foz do Corubal e nada podiam fazer em conjunto com o pessoal do Xime para manter aberto o itinerário Ponta do Inglês/Xime porque a Companhia do Xime ocupava também Samba Silate, Taibatá, Demba Taco e Galomaro. Assim o seu isolamento era, foi, praticamente total.

Os géneros só a Marinha os podia levar e o mesmo se pode dizer das munições, correio, tabaco, combustível, etc.

A chegada dos abastecimentos era motivo de alegria geral como se pode ver nas imagens que junto.


Por muito que o pessoal controlasse os gastos, a falta de quase tudo fazia-se sentir. Bem podia o Comando da Companhia pedir insistentemente pela vias normais a satisfação dos pedidos que não conseguíamos nada. Cheguei a tentar meter uma cunha directamente na Marinha, mas as prioridades eram outras. Como alguns géneros recebidos da Companhia que lá tínhamos rendido estavam deteriorados, a situação ainda foi pior. Esta situação originou, a pedido do Alf Madail, o Fado da Fome,  que o Manuel Moreira ilustrou nas quadras populares da sua autoria.

O Destacamento da Ponta do Inglês era a pequena distância da margem do Rio Corubal e tinha a forma quadrangular. A guarnição era formada por 1 GComb + 1 Esq/Pel Mort 1192 e pelo Pel Mil 105.


O destacamento era formado por 4 abrigos principais nos vértices para o pessoal, para a mecânica e rádio. O combustível e as munições ficavam na parte mais perto do Corubal; na parte central sob uma árvore frondosa (poilão ?) um abrigo mais pequeno onde ficava o Alferes, o enfermeiro e logo ao lado o forno do pão e uma cozinha, tudo muito rudimentar. Tinha o espaldão do Morteiro na parte central. Não tinha, ao contrário do Xime, paliçada e apenas duas fiadas de arame farpado.


Os abrigos eram de troncos de palmeira com as indispensáveis chapas de bidão, terra e não eram enterrados. Uma saída na direcção do rio e outra no lado oposto para as idas à água e à lenha. No destacamento havia um Unimog para estas tarefas.

A água era tirada a balde de um poço existente a cerca de 700 metros do arame farpado que também era utilizado pela população, totalmente controlada pelo IN, e pelo próprio IN, sem nunca este ter aproveitado as nossas idas à água e à lenha para nos incomodar e vice-versa

Diz o M. Moreira: 

O poço era um só,
Estava longe do abrigo,
Dava a água para nós
E também p’ro Inimigo.

Nunca percebi por que razão se fez o Destacamento,  afastado do único poço com água potável... Uma proposta de sã convivência? O caso é que resultou.

O que se passou nos tempos infindáveis em que o gerador esteve avariado, assunto já abordado neste Blogue, por quem o foi substituir, depois de aturados pedidos a Bissau sem que se resolvesse em tempo útil,  é inenarrável. 

As garrafas de cerveja penduradas no arame farpado, cheias de combustível,  tinham que ser continuamente acesas nas noites de chuva forte ou de vento. O risco que a “malta” corria nessas circunstâncias, sendo a única coisa iluminada na escuridão, tornando-se um alvo fácil era enorme, embora, que me lembre,  nunca tenha havido flagelações nessas alturas.


Flagelações houve muito poucas - seis - sem grandes consequências, a água do poço nunca foi envenenada e mesmo sabendo que a resistência oferecida pelas NT, aquando dos ataques, fosse de nutrido fogo mantendo o IN em respeito, penso que este nunca empenhou efectivos suficientes e capazes para provocar danos consideráveis. No fundo o IN sabia que enquanto aquele pessoal ali estivesse enquistado, a tropa do Xime, com a dispersão acima referida, estaria muito menos apta a fazer operações complicadas.

As relações entre o pessoal podem considerar-se muito boas,  não havendo atitudes condenáveis, que até seriam possíveis num ambiente concentracionário como aquele. A convivência com a Milícia logo de início se mostrou muito favorável porque, abastecendo-se de géneros junto das NT, passaram a pagar muito menos do que anteriormente porque os preços eram os mesmos que nos eram debitados sem alcavalas de qualquer espécie. Não me recordo da existência de familiares a viverem com o pessoal africano, mas segundo o testemunho do Tabanqueiro Manuel Moreira, uma mulher deu à luz na época em que lá esteve e foi o 1.º Cabo Enf Cordeiro Rodrigues - o Palmela - ajudado por ele que assistiram ao parto.

Com a falta de géneros tudo se aproveitava incluindo a caça, que se resumia a tiro de rajada para bandos de aves grandes, pernaltas (não sabemos quais) e se caiam nas redondezas eram o pitéu desse dia. As noites eram passadas como se calcula, com as sentinelas nos quatro cantos do quadrado e a malta a ver e a ouvir os rebentamentos que vinham da direcção de Jabadá, de Tite, Porto Gole e do Xime, claro. Pode ser sinistro mas não é difícil pensar que muitos diriam: 
- Antes eles do que nós.

Como de costume, depois das tarefas de rotina, quando o calor era menos intenso seguia-se o eterno futebol com bolas dadas pelo MNF, de péssima qualidade, substituídas pelas tradicionais trapeiras. Num dos reabastecimentos que se fizeram conseguimos levar para alem de gado mais miúdo algumas vacas, que como sabemos, na Guiné são de pequeno porte. Como o futebol também farta,  houve alguém que sugeriu tourear uma das vacas que ainda estava viva para tardios bifes.

Foi uma festa com as peripécias inerentes à Festa Brava e todos os dias “a las cinco en punto de la tarde” soltava-se a vaca e era um corrupio de faenas com cornadas… incompetentes. O tempo foi passando e já só restava um dos pobres animais para animar os fins da tarde. 

Como o reabastecimento nunca mais chegava e o atum com arroz já não se podia ver e muito menos comer o Alf Mata teve de decidir entre o partido pró-tourada e o partido pró-bife. Não foi fácil, mas acabou por vencer este último. Convocou-se o Soldado Condutor J. Viveiro Cabeceiras que também era padeiro, magarefe e pau para toda a obra, que procedeu à matança. Começando a esquartejar a rês,  vai ter com o Alferes e informa-o que a vaca estava tísica, pulmões quase desfeitos. 
- Come-se a vaca ou não se come a vaca

Nova discussão e resolveu-se não aproveitar as vísceras e apenas o músculo. Assim se comeu carne assada sem problema de maior. Quando esta acabou voltou-se ao atum aos enlatados,  tudo coisas que já escasseavam mas o pessoal andava triste com a falta dos fins de tarde taurinos. Então o Cabeceiras foi ter com o Alferes e disse-lhe:
- Meu Alferes a malta anda tão triste que se quiser e autorizar eu faço de vaca pois guardei os CORNOS.

E assim de conseguiram mais uns fins de tarde…

Felizmente com a redistribuição das Forças no terreno, iniciada pelo Brig Spínola, foi a Ponta do Inglês evacuada sem problemas em 7/8 de Outubro de 1968, pondo-se fim ao disparate da sua existência. 

Há uma enorme falta de informação (para mim) sobre a evacuação da Ponta do Inglês; nem na história do BART 1904, nem na da CART 1746, apenas é mencionada a data em que se efectuou. Tenho ideia que,  para além do pelotão da 1746, Secção  de Morteiros e Milícia,  estiveram na Ponta do Inglês pessoal de outras unidades a montar segurança (mas quais?) enquanto o pessoal carregava a barcaça Bor de todo o material e bagagem da rapaziada. Estivemos nas imediações da Ponta Varela a assegurar a passagem da Bor a caminho de Bambadinca. Foi uma operação, para mim sem nome, que envolveu mais meios que não recordo.

Segundo informação de oficiais do BART 1904, o Brig Spínola com o respectivo séquito aterrou na Ponta do Inglês, já ia adiantado o carregamento da Bor, mandando evacuar a segurança, depois de se ter armadilhado o que estava determinado, e só depois reparou que já não havia segurança nenhuma e que ele e os outros Oficiais que o acompanhavam tinham ficado, como hei-de dizer, abandonados na margem do Corubal com o pessoal do ou dos helis a chamá-los quando se aperceberam da situação.

O pelotão da Cart 1746 chegou ao Xime sem problemas e todos tivemos uma enorme alegria por voltarmos a estar juntos. ....E na verdade o que vos doi... É que não queremos ser heróis (FAUSTO).

António Vaz, ex Cap Mil

PS - Esta estória da Ponta do Inglês só foi possível com as recordações do Manuel Moreira (releiam o Fado da Fome), do João Guerra da Mata,  o ex-Alferes – último comandante daquele destacamento, e de Vera Vaz nas interpretações desenhadas.
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Nota do editor:

terça-feira, 17 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9758: Memória dos lugares (181): O Xime - Esclarecimentos (António Vaz, CMDT da CART 1746, 1968/69)



1. O nosso camarada António Vaz, ex-Cap Mil da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) enviou-nos a seguinte mensagem. 


O XIME 

Olá camaradas

É com todo o gosto que farei os esclarecimentos pedidos pelo camarada Torcato e desde já lhe digo que tenho pena de não o poder de fazer de viva voz no dia 21 por ter verificado que o seu nome não consta na lista dos inscritos para o almoço de Monte Real. 


1- Esta imagem mosaico altera a perspectiva da realidade. As três fotos foram tiradas do extremo oriental do sítio voltado de costas para o Geba com a bolanha à esquerda. 

2- No primeiro plano à esquerda vê-se a cobertura do abrigo do gerador e um pouco do abrigo dos combustíveis (ambos enterrados) 

3- Na rua central, a nossa Main Street, na primeira construção à esquerda ficava o refeitório, o bar dos sargentos, a secretaria e o meu gabinete e na traseira a cozinha. 

4- O espaldão do Morteiro 82 está por aí enterrado. Do lado direito no primeiro edifício ficava a oficina auto e outras instalações. 

5- Passando à fotografia aérea que tirei a caminho de Bambadinca: 


6- Junto à parte central da paliçada, ainda não tínhamos construído a caserna abrigo com material do BENG. 

7- A seguir às duas construções acima descritas pode ver-se do lado esquerdo uma pequena construção triangular que era a capela atrás da qual e encoberta pelas arvores está a construção, com tecto de colmo, que abrigava as quatro “celebres roulottes”. Ao lado da qual ficavam as transmissões e atrás um pequeno abrigo. 



8- A seguir do lado esquerdo (construção com arcadas) era a arrecadação do material de guerra e outros. 

9- Em frente à direita era o posto de socorros e outras instalações, o forno do pão. 

10- Construímos par alem da caserna abrigo já citada mais seis abrigos para Secção, uma oficina para o material auto. 

11- No fim era a Porta de Armas a tabanca do Xime com cerca de 50 moranças e o início da estrada (estrada?) para Amedalai e para o resto do Mundo. 

12- Por hoje é tudo. Espero ter relembrado a quem passou ou viveu no Xime algo que já não tinham na memória. 

Um abraço para todos 
António Vaz 
Cap Mil CMDT da CART 1746


Adenda do AV:

Adenda (entre muitas que se poderiam fazer): Na foto mosaico a figura que se vê do lado direito é o ex-alf Gilberto Madail que não aparece na foto dentro da tabanca das roulotes porque foi ele o fotógrafo. Nessa foto além de mim estão três ex alferes, meus queridos amigos,da esquerda para a direia, João Mata,que vai comigo a MonteReal, o António Teles e o Rui Neves, estes dois, infelizmente, permaturamente já falecidos e de quem tenho muitas saudades.


Na parede que une/separa duas das rulotes há uma placa em nome da Caç 508 em que se presta homenagem a um Capitão Meireles que pelas minhas "investigações" não pertencia a essa Ccaç.
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Nota de MR: 

Vd. último poste desta série em: