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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13033: Convívios (585): XXXI Almoço do pessoal da CCCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, dia 7 de Junho de 2014 em Penafiel (Joaquim Gomes Soares)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Gomes Soares (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel / Ponte Balana, 1968/70), com data de 11 de Abril de 2014:

Amigo Carlos Vinhal,
Como de costume envio-te em anexo as informações do meu almoço para que seja publicado, se possível, no site do Luís Graça.
O almoço realizar-se-á no dia 7 de Junho pelas 12h.

Um abraço,
Joaquim Soares





AMIGO E COMPANHEIRO:

NO ALTO DE UMA ELEVAÇÃO NÃO MUITO PRONUNCIADA, NUM LOCAL QUE SEMPRE CONSTITUIU IMPRESCINDÍVEL PASSAGEM PARA QUEM VAI DO PORTO PARA VILA REAL, A 2 KM DO RIO SOUSA BANHADA A NASCENTE PELO PEQUENO TÂMEGA, SITUA-SE A PEQUENA E REQUINTADA CIDADE DE PENAFIEL.

A ORIGEM DO NOME PENAFIEL É DIFERENTE EM DIVERSAS LENDAS, SENDO NO ENTANTO A MAIS COMUM A QUE AFIRMA QUE A ORIGEM DO NOME SURGIU DE FORTIFICAÇÕES EXISTENTES NA LOCALIDADE. QUANDO SE DEU A FUNDAÇÃO DA CIDADE, ERGUIAM-SE AQUI DOIS CASTELOS. UM DELES SITUAVA-SE JUNTO AO RIO SOUSA, A NORTE DO SEU LEITO, E CHAMAVA-SE CASTELO DE AGUIAR DE SOUSA. O SEGUNDO NA MARGEM SUL DO RIO CAVALUM, E A POUCOS KMS DA MARGEM DIREITA DO RIO, DENOMINAVA-SE CASTELO DA PENA (PENNAFIDELIS). ATACADO DIVERSAS VEZES PELOS MOUROS, ESTA ÚLTIMA FORTIFICAÇÃO NUNCA SE RENDEU, O QUE LHE VALEU O EPÍTETO DE "FIEL" PASSANDO ASSIM A SER CONHECIDA POR CASTELO DE PENAFIEL.

ESTE ANO PARA O NOSSO ALMOÇO DE CONVÍVIO, ESCOLHI O RESTAURANTE TRÊS MIGUÉIS, LDA. ESTE RESTAURANTE, COMO JÁ É CONHECIDO PARA ALGUNS DE VÓS, SITUA-SE NA RUA PADRE LOPES COELHO 4575-267 OLDRÕES. TEL 255612465.

O ALMOÇO DESTE ANO REALIZA-SE DIA 7 DE JUNHO, UM SÁBADO, E CONTAMOS CONTIGO A PARTIR DO 12H.

COMO DE COSTUME DEIXO-TE O MEU CONTACTO, PARA QUE POSSAS MARCAR A TUA PRESENÇA, DAR NOTÍCIAS OU SABER INFORMAÇÕES:

TEL 225 361 952 OU 224 015 462 
TELM: 936 831 517
Email: joaquim.gomes.soares@hotmail.com

SE PUDERES, NÃO PERCAS MAIS UM DIA DIFERENTE, CHEIO DE ANIMAÇÃO E DE CONVÍVIO. 
AGRADECIA QUE ME CONFIRMASSES A TUA PRESENÇA LOGO QUE POSSÍVEL, DE PREFERÊNCIA ATÉ DIA 31 DE MAIO.

UM ABRAÇO,
Joaquim Soares



EMENTA

APERITIVOS E ENTRADAS VARIADAS

BEBIDAS: 
Vinho maduro da casa branco ou tinto 
Vinho verde da casa branco ou tinto 
Água Sumos Cerveja

SOPA: 
Sopa de legumes 
Canja de galinha

PEIXE: 
Bacalhau à Liberdade 

CARNE: 
Borrego Assado/ Lombo de Porco 

SOBREMESA: 
Buffet de bolos 
Fruta da época 
Bolo Festivo 

CAFÉ 

DIGESTIVOS DA CASA: 
Aguardente da casa 
Brandy 
Vinho do Porto 
Whisky Novo
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13023: Convívios (584): 11º Convívio da CCAÇ 2527, próximos dias 11 e 12 de Maio em Buarcos (Miguel Soares)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11909: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (16): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte IV : Os azarados sargentos...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 15 > Acácia em flor


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 14 > Aspeto parcial da tabanca e quartel


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 28 > Espigueiros


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto nº 29 > Espigueiros



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 30 > Espigueiros



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto nº 31 > Espigueiros


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado) (*).

O Zé Neto,. como era conhecido entre nós,  é um dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa, incluindo as valiosas fotos do seu álbum . Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Por outr lado, fez 40 anos, a 22 de maio de 1973, que retirámos de Guileje.

2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte IV

O abrigo subterrâneo que nós, os sargentos, mais utilizávamos,  situava-se a meia dúzia de passos do coberto da messe, dado que parecia que os turras esperavam que acabássemos de jantar para abrir fogo [vd. planta do quartel de Guileje, 1966].

O acesso ao amplo salão enterrado era feito através dum pequeno poço para onde saltavam os que não tinham posto de combate definido e dali para o dito salão. A abertura era estreita e, se havia muita afluência, tornava-se necessário esperar vez para entrar, o que não deixava de provocar alguma confusão. Foi numa dessas confusões que levei com um furriel em cima do meu pé esquerdo. Andei mais de um mês com a perna engessada.

Doutra vez, nós ouvimos a orquestra a fazer o seu barulho para os lados do Mejo [a noroeste de Guileje] e as nossas transmissões entraram em acção a fazer as perguntas habituais à companhia de lá. Ao mesmo tempo eles faziam o mesmo para nós.

No reconhecimento veio a verificar-se que o ataque foi para despachar e chefe ouvir, porque os impactos eram bem visíveis num descampado a meio caminho entre as duas localidades. Não havia possibilidades de engano porque os quartéis estavam toda a noite iluminados.

Um dos ataques deu-se quando já lá se encontrava a CCAÇ 2317 que, em princípio, nos ia substituir. Nós, como é natural, transmitimos aos novatos a experiência acumulada de como safar o pêlo quando havia festivais. Só que o manual não previa a situação caricata que se passou.

Desencadeou-se a saraivada de morteiros e,  quando já todos estávamos recolhidos no abrigo, ouvimos alguém gritar:
─ Acudem-me!!! Salvem-me!!!.

Um furriel que estava mais perto da entrada do abrigo conseguiu entabular conversa com o aflito e disse-nos que era o 1º sargento da companhia nova [CCAÇ 2317] que foi apanhado na retrete quando o ataque começou e que não conseguia sair de lá.

Convém esclarecer que a latrina era daquelas em que o utilizador se põe de cócoras e defeca a poucos centímetros dos calcanhares. Para o sossegar,  dissemos-lhe que o cubículo estava protegido por um tecto de cibos e paredes fortes e que portanto não tivesse receio. O homem lá se aquietou, mas no nosso espírito subsistia a dúvida de qual seria o motivo que o impedia de dar uma pequena corrida e saltar para junto de nós. Quando a coisa acabou e as luzes se reacenderam,  fomos encontrar o 1º Sargento Martins preso por um pé no sifão da latrina.

Ao primeiro estrondo ergueu-se e, com a atrapalhação, escorregou no serviço que estava a fazer e calçou a cagadeira. Não pudemos conter as gargalhadas, pois o senhor continuava a tentar tirar o pé e não conseguia. Com calma, acabou por ser fácil. Bastou flectir a perna, ajoelhar-se e o calcanhar escorregou no bem lubrificado tubo do sifão.

Um dos efeitos mais aborrecidos das flagelações, a partir da altura em que eles tinham a pontaria mais afinada, era a destruição do forno da padaria. Ficávamos a pão duro, ou sem ele, uns três ou quatro dias até que se reconstruísse. Nunca foi atingido directamente, mas qualquer granada que rebentasse nas redondezas provocava o efeito de sopro suficiente para mandar com a frágil abóbada abaixo.

Durante uma das reconstruções eu estava por ali a dar os meus palpites quando o Soldado Fernandes se aproximou e me disse:
─ Estes gajos não percebem nada disto.
─ Então percebe você?
─ Eu já da primeira vez disse que punha isso em pé e só se lhe acertassem em cima é que desabava, mas eles é que acham que são os mestres ─ respondeu o Fernandes, cujos registos indicavam a profissão de estucador.
─ Ora bem, então você vai dizer o que entende que se deve fazer ─ ripostei.
─ Assim não. O meu sargento manda-os sair daqui, eu escolho um servente e enquanto eu estiver a trabalhar, esses (os pedreiros) não põem aqui o cu. Já tentei ensiná-los, mas correram comigo. Agora também não quero que eles aprendam a técnica, está bem?
─ Vamos a isso ─ Concordei.

Isto foi por volta das oito da manhã e à hora do almoço estava o forno erguido. O Fernandes pediu para que lhe levassem lá a refeição, pois queria guardar a obra dos olhares dos espiões, dado que só da parte da tarde é que rebocava com barro o exterior da cúpula. Antes do jantar a lenha já ardia dentro do novo forno e nunca mais desabou… Segredos do ofício.

Para concluir a descrição desta faceta da luta, as flagelações, resta-me acrescentar que durante o ano que estivemos em Guilege tivemos duas baixas mortais: uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e um adulto, irmão do Régulo,  que, possivelmente, foi atingido pelo nosso fogo. Na investigação que foi feita, em que tomou parte o próprio irmão, conclui-se que ele, a vítima, devia estar no espigueiro, fora do perímetro fortificado, quando estalou o ataque e, ao querer saltar o talude, foi baleado por um dos elementos da Autometralhadora Fox que guarnecia aquele flanco.

Entre o pessoal militar e militarizado (os milícias) fui eu o mais castigado pelas flagelações, pois, como já referi, andei uns tempos com a perna engessada.

(Continua)
 __________

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11348: Convívios (510): 30.º Encontro do pessoal da CCAÇ 2317, dia 8 de Junho de 2013 em Espinho (Joaquim Gomes Soares)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Gomes Soares (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel / Ponte Balana, 1968/70), com data de 25 de Março de 2013:

Boa noite amigo Carlos Vinhal,
Pedia por favor se era possível publicar esta carta sobre o almoço convívio da CCaç 2317, como no ano passado.

Sem mais de momento, um abraço,
Joaquim Soares.


____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11331: Convívios (509): Almoço/convívio do pessoal da CART 2519, dia 4 de Maio de 2013, Benavente (Mário Pinto)

terça-feira, 5 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11194: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (3): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes III/IV): Buba e Aldeia Formosa, de 30/7 a 9/8/1968


Guiné >Região de Quínara > Buba > 1968 > Domingo de de Páscoa >  1º Cabo Enf Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)


Guiné >Região do Cacheu > Ingoré > 1968 >  1º Cabo Enf Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)

Fotos: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados



1. Continuação da publicação do "diário" do José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (*), o meu "diário de guerra", que publicámos no nosso blogue, na I série, entre janeiro e março de 2006 (**).

[Toto à direita, Farosadjuma, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 2011]


São apontamentos que o Zé foi escrevendo num caderninho, durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde,
 para além de dados factuais (colunas, operações, baixas, topónimos...),  também vêm ao de cima as dúvidas, as contradições e a angústia do português, do homem, e  do cristão (praticante que ele sempre foi). Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o Zé escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: "Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo". Vem também ao de cima o poeta que ele é: veja-se a ternura de poema que ele escreveu sobre "As Mãos de Minha Mãe".


Aldeia Formosa, 28 de Julho de 1968

Ontem Aldeia Formosa voltou a ser atacada. Três vezes numa semana é muito.

Hoje fui fazer uma coluna a Gandembel. Tudo correu bem. O IN não atacou nem colocou minas na picada. Só tivemos uma tempestade de chuva. Começamos por ouvir um ruído assustador que se aproximava de nós. De repente surge uma forte ventania que nos arrastava, seguida de uma tromba de água que transformou a picada num rio. Um quarto de hora depois tudo desapareceu e voltou o sol quente que rapidamente nos secou.

Pouca antes de chegar a Gandembel vimos o IN atacar um Fiat das FAP que se incendiou, tendo o piloto saltado de pára-quedas.[***]

Passei no sítio onde há pouco tempo se deu uma terrível emboscada que roubou seis vidas. Quinze fornilhos colocados em série num local onde a tropa ao sentir as primeiras balas da emboscada se esconde. Doze rebentaram no momento em que se iniciou a emboscada e ceifaram seis vidas. Foi uma sorte não ter lá ficado toda a Companhia.

Quando chegamos a Gandembel fomos saudados pelo IN com um pequeno ataque ao aquartelamento, sem consequências. Os camaradas que estão aqui estacionados  [, CCAÇ 2317] dizem que comem disto todos os dias e mais que uma vez. Como é terrível...

Encontrei em Gandembel  o Mário Pinto, meu colega de escola [, foto à esquerda, Buba, 1968], contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à "estrada da morte" impedindo o IN de fazer os abastecimentos.
-Será verdade que vamos ficar nesta zona por muito tempo ?

Odeio... Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles... O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...

Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de "bom biaje", se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha, prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?

Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN porque é traiçoeiro,porque mata.

Aldeia Formosa, 30 de Julho 1968

Ontem o IN voltou a atacar Aldeia Formosa. Meia dúzia de granadas de morteiro, que caíram bem longe. Que quererá o IN com estes pequenos ataques ?


As Mãos de minha mãe

As mãos de minha mãe!
Mãos belas e puras,
Mãos de santa.
Mãos que sofreram, trabalharam,
Mãos que se sacrificaram,
... Para que não me faltasse o pão.
Mãos calejadas, doridas,
Sangrentas, mesmo.
As mãos de minha mãe !...

Era pequenino,
Talvez ainda não compreendesse
As mil carícias que me faziam,
Todo o amor que me dedicavam
Mas já sentia o calor dessas mãos.
Já sentia o seu amor,
O seu carinho.
Parece que sentia mesmo,
O enorme esforço dessas mãos.
Os sacrifícios de minha mãe.
O trabalho a que se votava,
A fome que passava
Para que nada faltasse
À criança
Que no berço dormia feliz,
Embalada com tanto amor.

... Como são belas
As mãos de minha mãe !...


Aldeia Formosa, 1 de Agosto 1968

É dia de correio, mas pelos vistos o avião já não vem. Ontem aterraram dois Dakotas com páras e espera-se outro hoje. Mau sinal. Ou me engano muito ou em breve vamos ter "manga de chocolate".

No dia de S. João, enquanto me divertia em Ingoré nas marchas improvisadas do S. João, o pessoal da Companhia 2382 viu arder tudo o que trouxeram da Metrópole, aqui ao lado em Contabane, num ataque inimigo. Felizmente só tiveram 4 feridos. Que rico S. João !

Aldeia Formosa, 2 de Agosto 1968

A guerra é triste... Na estrada da Chamarra ia-se dando mais um drama. Vinte e sete abrigos de três homens e dois fornilhos a serem montados, eram a espera para a Secção que vem todos os dias a Aldeia buscar víveres. Quatro milícias passaram perto e avistando o IN abriram fogo. Três acabaram as munições e fugiram, o quarto, sozinho pôs o IN em fuga. Não fora os milícias e nesse dia a Secção podia ser apanhada à mão.

Pouco tempo antes o IN tinha tentado a sorte no mesmo local. Dizem que um nativo de 12 anos ao ver um branco com farda diferente da do nosso exército lhe apontou a Mauser e matou-o. Era um cubano que junto com outros tinha uma emboscada montada. O miúdo tentou avisar Chamarra e conseguiu-o, mesmo depois de ter apanhado um tiro de raspão no nariz.

Crianças na guerra, será possível ? Que futuro para esta gente que cresce no ódio, na guerra ?.

Aldeia Formosa, 4 de Agosto 1968

Ontem foi comemorado pelo IN o V Aniversário da implantação da luta pela independência da Guiné [ou não seria, antes  o IX Aniversário da Revolta  do Cais do Pinjiguiti, em 3 de agosto de 1959?, LG]. No sector de Buba a festa começou cerca das 22 horas com um ataque a Mampatá com quatro canhões sem recuo e terminou às 3.30 horas em Aldeia Formosa.

Às 22 horas iniciaram em Mampatá. Às 22.30 acordaram Aldeia Formosa com algumas morteiradas e continuaram em Gandembel, Guileje e Buba. Às 24 h recomeçaram em Aldeia Formosa com pequenos intervalos até as 3.30 h., não fazendo feridos.

Hoje o Senhor concedeu-me a graça de ouvir a missa pela telefonia. Sinto-me outro, mais [?, ilegível]... Hoje é dia de correio. Para completar esta boa disposição é preciso que venhas também até mim com a tua confiança.

Ouvi o Spínola dar as boas vindas à tropa vinda da Metrópole. Segundo ele, o tempo de Comissão é de 21 meses.


Buba, 8 de Agosto de 1968

A Guerra e . . . a minha "paz"

Avisto a Selva,
Do outro lado, o mar...
Corpos negros,
Corpos brancos.
Almas assassinas
Que destroem, matam.
Não sabem amar.
Quando entro na guerra,
Esqueço quem sou.
Deram-me uma arma
Tenho que lutar...
Que coisa terrível !
Marca espíritos,
Destrói sentimentos,
Origina ódios.
Mais que tudo isto,
Ensina a matar !...
Mas se eu matar
E a "pátria" o afirma,
Em defesa dos "inocentes"
Buscando a "paz",
Porquê este remorso
Se quero somente amar !?

Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968

Cheguei à uma da madrugada de Buba. Tinha partido para baixo em coluna no dia 6. Desta vez o IN não apareceu. Fomos e voltámos pela estrada de Nhala.

Estava com medo desta coluna, depois do que aconteceu na última, mas o Senhor protegeu-me, a mim e aos meus colegas de aventura.

Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem. (****)

Os homens não ouvem a voz de Deus, abafam a tua voz com o matraquear das armas. Matar pessoas, porquê ? ... E aquele corte de orelhas, vitorioso !?... Como se fosse um animal ! E se fosse, quem deu ao homem tal direito ?!...

Que faço eu nesta guerra ?... Curo uns e procuro matar outros para salvar a pele? Que culpa tenho eu que os homens não se amem ?!... Me queiram matar sem eu lhes fazer mal nenhum ?!...

Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo.



Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe de região de Quínara, e da estrada Buba - Mampatá - Quebo - Chamarra - Gandembel [junto ao rio Balana, não  constando o topónimo]
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 28 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11168: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II): Buba-Aldeia Formosa, 39 horas dolorosas para fazer uma picada, de 35 km, em 24/25 de julho de 1968

(**) Vd. I Série, o último poste de 19 postes > 14 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

(***) Vd. poste de 21 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

(****) Julgo que a milícia em causa era a da Aldeia Formosa, comandada pelo alferes de 2ª linha Aliu Candé, ou Aliu Sanda Candé:

Vd. poste de 4 de dezembro de 20009 > Guiné 63/74 - P5406: Os nossos camaradas guineenses (16): A morte do Aliu Sanda Candé (José Teixeira)

domingo, 3 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11183: Blogpoesia (323): É um pássaro, diz ela. De areia. Ferido de morte (Luís Graça)




Lourinhã > Praia de Vale de Frades > 8 de Junho de 2007 > É um pássaro, diz ela. De areia. Ferido de morte.

Foto: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados.

Para o Idálio Reis e os bravos da CCAÇ 2317 

(Gandembel/Ponte Balana, 1968/69), 
com um Alfa Bravo

É um pássaro.
De areia.
Diz ela.
Ferido de morte.
Uma jurássica ave de arribação
que te veio anunciar a peste.

Peste branca. Preta. Vermelha.
Vírus do Nilo.
Dengue.
Al Qaeda.
O tchador.
A burkha.
A mulher dengosa.
A expulsão do paraíso.
A língua viperina.
O caduceu do Asclépio.
Febre hemorrágica.
Sida.

Pena capital.
Terror nuclear.
Pandemia. Amarela.
Bílis negra.
Os neutrões.
A língua azul dos camelos.
O vírus influenza
dos gansos selvagens.

A danação eterna.
A gripe das gaivotas-ratazanas.
A implosão dos neurónios.
O buraco do ozono.
A febre da carraça.
Malária, paludismo, sezonismo.
A doença de Creutzfeldt-Jakob.
O mal de viver.

O mal de amores.
O morbo gálico.
A vingança das índias
que envenenaram o sangue dos espanhóis.
Os vectores de todas doenças emergentes e reemergentes.
As metástases pancreátricas.
O pão transgénico.

As setas pragas do Egipto.
A implosão do milenar Portugal dos pequeninos.

O triunfo do Goldman Sachs Sachs Sachs,
o homem de ouro
que está acima de Deus
e de todas as suas criaturas.

A estátua jazente de um deus alado
que morreu nas dunas.
Diz ele.
Por fadiga. 

Burn-out
Desidratação.
Imprecação.
Hipotermia.
O irã que largou o poilão
e morreu de infinita tristeza.
Vidrado.
Varado por um tiro de Kalash.

Puro pau sangue exangue.
Triste bissilão dda diáspora,
sem raízes.
Ou então um pobre náufrago da costa de ouro, marfim e prata.
A escassos metros da meta.
À entrada do paraíso.
Da reserva ecológica.
Dos abrigos à prova de canhão sem recuo
da Europa imaginada.
Blindada.

Cega.
Surda.
E muda.

Terá atravessado os campos de golfe magnéticos
que outrora eram verdes.
Diz ela.
Na rota das Canárias e do Saará,
segue sempre em frente
e encontrarás o paraíso.

Do ouro, do incenso e da mirra.
Já.
Ou encontravas.

Miragem,
diz ele.

Aqui jaz.
Agora.
Na areia da praia.
O soldado.
Desconhecido.
Número tal.
Que terá vindo de Gandembel,
sobrevoando Ponte Balana.
Sem senha
nem contra-senha,
nem ração de combate,

nem número mecanográfico.
Nem requisição de transporte.
Nem visto
ou simples carta de chamada
da Pátria.
Nem sequer muda de roupa
para o além.

Nem sequer a última carta da namorada.
Simples soldado raso,

morto por uma roquetada.

O puro terror dos fornilhos,
diz ele.
A cilada.
A emboscada.
As pirogas à deriva.
A guerra elevada à categoria de arte
do predador.
Generalíssimo predador.
As tripas de fora
de um deus-menino.
O pássaro.
De fogo.
Desintegrado.

Oh! Gandembel das morteiradas,
dos abrigos de madeira
onde nós, pobres soldados,
imitamos a toupeira
.
-diz ele.


In memoriam.
A morte, sem legenda,
a asfixia, sem escape,
a exaustão, sem honra,

a luta sem glória nem compaixão,
os nervos de aço esfrangalhados
do soldado-toupeira,
o envenenamento das fontes de água
que corria doce e triste,
o triste rio Balana,
triste como todos os rios da Guiné,
o céu trespassado por setas envenenadas,

as chuvas ácidas,
o napalm,

o jato do povo.
o strela,
o RPG-Sete.

O pássaro de areia, diz ela, 

outra vez.
- Quem vem aí ?
Cala-se o dari no Cantanhez. 

Imobiliza-se o jagudi de Pirada.
Esconde-se a gazela na orla da bolanha de Ponta Coli.

....Para se poder ouvir o tiro tenso do voo
da ave mortal da madrugada.

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Nota do editor

Último poste da série > 26 de fevereiro de 2013> Guiné 63/74 - P11160: Blogpoesia (322): Não sou nada, não sou ninguém (Ernesto Duarte)

sábado, 2 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11182: Memória dos lugares (220): Gandembel: fotos de 1968 (Idálio Reis), 2008 (Luís Graça) e 2011 (Carlos Afeitos) (Parte I)



Foto nº 1 (Carlos Afeitos,  2011)


Foto nº 2 (Luís Graça, 2008)


Foto nº 3 (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 4 (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 5 (Carlos Afeitos, 2011)



Foto nº  6 (Luís Graça, 2008)


Foto nº  7 (Carlos Afeitos, 2011)


Foto nº 8 (Carlos Afeitos, 2011)


Foto nº 9 (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 10 (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 11 (Luis Graça, 2008)


Foto nº 12 (Luís Graça, 2008)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel >  CCAÇ 2317 (1968/69) > Neste e num poste seguinte, vamos apresentar imagens de épocas diferentes, captadas por Idálio Reis (1968), Luís Graça (2008) e Carlos Afeitos (2011).


1. Mensagem, datada de 21 de fevereiro último, de Carlos Afeitos, antigo professor, cooperante na Guiné_Bissau (2009-2012) e membro recente da nossa Tabanca Grande:

Boa tarde,

Tenho lido o blog e continuo com a mesma percepção de que falei anteriormente. É incrivel saber as coisas que vocês por lá passaram e como em pouco tempo o degradamento dos edifícios que foram deixados. Eu conheço os sítios de como estão agora e vejo a diferença. Continuando, estive a ver que agora estão alguns posts relativamente à linha de defesa junto da Guiné-Conacri e como conheço alguns sítios envio mais um lote de fotografias.

Desta vez é de Gandembel, o que tem uma história particularmente engraçada. Quando passei a segunda vez pela placa, decidimos parar e ir visitar as antigas instalações de Gandembel. Como eu nunca fui à tropa e estava acompanhado de dois amigos que conhecem essas andanças, lá me foram dando algumas luzes do que estava a ver. Vi pelo menos um bunker, uma linha de trincheiras ao redor do aquartelamento, um fosso para fazer tiro de morteiro, segundo as explicações, o que resta de um edifício e uma espécie de fosso. Fosso esse que não sei o que seria, se seria para mecânica ou algo parecido. Já agora coloco a questão, que tipo de aquartelamento era Gandembel? Quantos militares lá estavam?

Continuando o meu relato, andámos por todo o lado e percorremos o que restava, claro que sempre acompanhado por um enorme nuvem de mosquitos, mas mesmo grande,  que eu passava as minhas mãos por detrás da cabeça e sentia-os a bater-me nas palmas das mãos. Tal era a quantidade de aeronaves voadoras por aqueles lados, até aqui tudo bem. 

Continuámos o nosso caminho e fomos até Gadamael Porto, Cacine e Cameconde. Não cheguei a ir a Campeane. Existiu algum quartel por aqueles lados? Em Cameconde, estivemos e veio um professor pedir-nos ajuda com alguns materiais escolares, livros e coisas afins. Isto passou-se em Julho. Em Agosto regressei a Portugal para férias escolares e voltei para a Guiné em Outubro. Em Novembro, consegui reunir bastantes livros de vários anos e mais algum material escolar e marquei um dia para ir entregar o material. Lá fomos de carro cheio de material escolar de Bissau até Cameconde. 

Pelo caminho, como ia com outro amigo que nunca tinha ido para aqueles lados, queríamos parar em Gandembel. Para grande surpresa nossa, estavam a desminar aquela área e não foi possível visitar novamente o aquartelamento. Como ia eu e mais um amigo da outra vez, ficámos a pensar um bocado pois ainda há 4 meses tínhamos percorrido tudo e agora estavam a desminar o sítio. Uma das pessoas disse-nos que tinham encontrado 38 objectos explosivos, mas não sei o que seria,  se minas ou outra coisa qualquer. Sei que o vi com uma espécie de bala na mão, mas em tamanho grande. Podem ver que eu sou mesmo perito nestas andanças.

Com os melhores cumprimentos,

Carlos Afeitos [, foto atual, à direita,]

2. Resposta do editor L.G.:

Obrigado, Carlos... Fico muito sensibilizado...

Sobre Gandembel, tens no blogue cerca de 150 referências... Ganbembel foi construído de raíz, a pá e pica, e defendido com unhas e dentes... Em qualquer parte do mundo, daria um filme épico!... Em menos de 9 meses, a CCAÇ 2317 (c. 150 homens) tiveram c. de 370 ataques e flagelações... Vê aqui uma coleção notável de fotos (11 postes) em:

10 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

3. Comentário do Idálio Reis [, foto à esquerda], com data de 1 do corrente, a pedido dos editores:

Assunto - Gandembel e as fotos de um cooperante português: Carlos Afeitos

Quando se procura testemunhar indícios da passagem do homem, passados 44 anos e mais em África, o que poderá restar? Fósseis.

No abandono de Gandembel, a 28 de Janeiro de 1969, todas as infraestruturas existentes ficaram intactas, e porque se procedeu a destruições posteriores, são mistérios. Talvez, ambos os beligerantes, tenham a sua quota-parte, quer seja pelo poder das bombas da Força Aérea, quer mesmo pelo PAIGC.

A envolvente de Gandembel ficou pejada de minas e armadilhas antipessoais. Mas das fotos que me enviaram aquando do Simpósio de Guileje, em 2008, não estavam lá tais placas. Contudo, se se processava a um processo de desminagem, como atesta o Carlos Afeitos, é porque algo se passou de consequências imprevisíveis. Muitos artefactos por lá restaram, desde munições a granadas de mão que se enterraram, a granadas de morteiro que não rebentaram. Oxalá que tais trabalhos de desminagem tenham resultado em pleno, para que aquela terra ardente sossegue definitivamente.

E nesses chãos do Balana, a pujança da fauna e da flora do Cantanhez continue em ciclópica regeneração, pois a Guiné-Bissau possui aí uma riqueza incomensurável.

Do mail do Carlos Afeitos, refere as nuvens de mosquitos. Porventura resultantes de charcos do Balana, já que no meu tempo, não foi esse o nosso grande flagelo, pois jamais houve uma rede mosquiteira. As ingentes azáfamas quotidianas toldadas com os constantes estrondos da metralha, foram sempre o nosso penar. Quanto sangue se jorrou em Gandembel!

Das fotos, notam-se essencialmente restos calcinados das casernas-abrigo - os tais bunkers -, que nos proporcionava alguma segurança pessoal. Verifica-se que o cimo de uma delas, tomba de pleno, onde se nota restos da parede posterior, que as estruturas metálicas de sustentação fizeram solidificar.

Um dos locais do morteiro 81 [ Fotos nºs 1, 2, 3, 4] continua presente. Era aí que pernoitavam o comandante da Companhia e o seu ajudante.

Também, pelo seu figurino geométrico se mostra o armazém de víveres, a última das construções mais sólidas a serem edificadas. [,Fotos nºs 5 e 6]

Desconheço se o cooperante Carlos Afeitos ainda continua a calcorrear aquelas terras do Forreá. Terei o maior prazer em lhe ofertar um livro meu, para lhe dar a conhecer o quanto representou aquelas paragens para a minha CCaç 2317. E se acaso, por aí se quedar, que envie mais algumas imagens. Ficarei satisfeito.

Calorosamente, Idálio Reis
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de fevereiro de 2013 >  Guiné 63/74 - P11171: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (6) (José Augusto Ribeiro) 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Guin é 63/74 - P10478: Tabanca Grande (364): Júlio Madaleno, tocador de guitarra, feicebuqueiro e agora grã-tabanqueiro, nº 582, ex-fur mil, CCAÇ 1685 (Fajonquito) e CCAÇ 2317 (Gandembel) (1967/69)

1. Mensagem de ontem, enviada pelo Júlio Madaleno [, foto atual à esquerda]:

Data: 3 de Outubro de 2012 19:27

Assunto: Ex-fur mil Júlio T S Madaleno,  Guiné 1967/69

Caro Luís Graça

Desde há 1 ano que intervenho no blogue mas parece-me que ainda estou despercebido, embora não ache que isso tenha grande importância.

Localizo uma minha primeira intervenção com uma referência vossa P9104, Agenda cultural (172) (*) e outra vossa, do Luís Graça para o GG (30/11/2011) (**).

Daí em diante faço umas visitas ao blogue e como tenho conta no facebook subscrevi a vossa da Tabanca e recebo as atualizações todas.

Quando o Idálio Reis apresentou o livro sobre Gandembel, intervi e ele até dialogou comigo por e-mail, pois que não nos víamos desde a Guiné. Também já descrevi o meu percurso militar nas CCAÇ 1685 e 2317 e uma tragédia cá, uns anos após a desmobilização, que me voltou a perturbar o sono.

Se for possível torna-me também tabanqueiro. Quero continuar ligado aos meus antigos camaradas de armas.

Um abraço do Júlio Madaleno, o tal que gosta de tocar guitarra,
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(*) Comentário de Júlio Madaleno, de 29 de novembro de 2011, ao poste P9104:

 (...) Dois dos [três] F [Fátima, futebol e fado], um respeito-o, outro causa-me ansiedade clubística. Quanto ao terceiro, amigos...ah quanto nos fazia reviver o que nos era querido e estava longe. Na altura tinha lá uma viola que nos ajudava nesses bocadinhos de nostalgia. Hoje sou intérprete de guitarra portuguesa. 

Só lamento não conseguir encontrar-me com rapaziada das 2 CCAÇ por onde passei, a 1685 e a 2317. 

Abraço a todos e viva o que os 3 F  ainda hoje simbolizam.


(**) O Júlio Madaleno deixou o seguinte comentário, com data de 10 de abril de 2012, ao poste P9726 (*):

Velhos companheiros:

Certamente não vos lembrais de mim porque fiz uma efémera passagem pela [CCAÇ] 2317 quando quis o destino que fosse substituir o fur mil Alves devido à infelicidade que o vitimou.

O meu nome é Júlio Madaleno e operei o tal morteiro 120 que lá foi colocado e estava instalado na parte de trás do abrigo da Browning. Pelas frequentes consultas que faço ao blogue estou informado do livro do amigo Idálio Reis e do almoço programado para 9 de junho [, data do convívio do pessoal da CCAÇ 2317, em Paredes ], onde vou tentar estar presente para rever antigos camaradas de armas.

Um grande abraço do ex-fur mil J M
juliomadaleno@gmail.com

(No Facebook,  identificável em foto com guitarra).

2. Comentário de L.G.:

Júlio:  Que a tua vontade seja cumprida: "Se for possível torna-me também tabanqueiro. Quero continuar ligado aos meus antigos camaradas de armas"...

Sê bem vindo, camarada, mais uma e outra vez!... Já há tempos, em 12 de agosto de 2009, nos apareceu aqui a filha, Lídia Gonçalves,  de um camarada teu, e nosso, que esteve contigo na CCAÇ 1685 (Os insaciáveis), nos anos de 1967/69. O seu nome era José Manuel Costa Gonçalves, 1º cabo mecânico auto rodas. É provável que não te lembres... Havia 150 homens numa companhia...

A outra (e última) referência que temos à tua antiga companhia, a CCAÇ 1685, reza assim: 

(...) CCaç 1685, comandada pelo Cap Inf Alcino de Jesus Raiano, unidade orgânica do BCaç 1912, e mobilizada em Évora no RI 16: assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 1501, em 19 de Setembro de 1967, e vindo a ser substituída pela CCaç 2435 em 14 de Dezembro de 1968. (...). 

Certo ? Confirmas ? Acontece que não temos  cá ninguém desta companhia, se não erro... Tu serás pois o primeiro e digno representante dos Insaciáveis. Quanto à CCAÇ 2317, já é mais familiar aos nossos leitores, devido ao seu heróico comportamento em Gandembel e em Balana, e ao livro do Idálio Reis.

O que é que te falta para cumprir as NEP do blogue ?... Manda uma ou mais fotos do antigamente e conta um pequena história... Precisamos de saber mais umas coisas sobre as tuas andanças pelo TO da Guiné.... Quanto à guitarra, um dia destes temos que ouvi-la!,,, 

Passas a ser o grã-tabanqueiro nº 582. Parabéns!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10417: Passatempos de verão (14): Composição fotográfica CCAÇ 2317 - Pioneiro de Gandembel (Joaquim Gomes Soares)

1. O nosso camarada Joaquim Gomes Soares (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel / Ponte Balana, 1968/70), em mensagem do dia 19 de Setembro de 2012, mandou-nos esta composição fotográfica para publicação no nosso Blogue:


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10407: Passatempos de verão (13): Lorde Byron e o cerco de Missilonghi (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9945: Notas de leitura (363): "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", por Idálio Reis (Belarmino Sardinha)

Monte Real, 21 de Abril de 2012 > VII Encontro da Tabanca Grande > Idálio Reis dedica mais um exemplar do seu livro, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", a um dos camaradas presentes.
© Foto de Juvenal Amado


Em mensagem do dia 24 de Maio de 2012, o nosso camarada Belarmino Sardinha (foto à direita) (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), faz a sua apreciação ao livro "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", de autoria do nosso camarada Idálio Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69.
Como é sabido, este livro, edição de autor, foi autografado e oferecido aos presentes no último Encontro da Tabanca Grande.


Não vou fazer nenhuma crítica, não sou especialista na área e hoje até começo a ter dúvidas se ainda sei alguma coisa e quando acho que sei, interrogo-me se me lembro…

Quando compro um livro sinto-me na obrigação de o ler, gastei dinheiro, é o mínimo que posso fazer, mas quando alguém se propõe oferecer-me um livro e eu, de pronto e voluntariamente, aguardo para o receber, tenho a obrigação não só de o ler como dizer ao seu autor o que achei…

No caso concreto do livro escrito pelo Idálio Reis, não só devo dar-lhe conhecimento a ele, mas torná-lo público, razão para escrever estas linhas que mais não são que a minha opinião pessoal, pese o que pesar, sobre o que retirei da sua escrita.

Começo por agradecer-lhe o gesto e mais ainda por me considerar seu amigo, espero estar à altura de tal distinção.

Há muito que estava à espera deste livro, fui-me apercebendo pelos escritos no Blogue Luís Graça… ou Tabanca Grande, como preferirem, que coisas interessantes estariam para ser reveladas, não me enganei.

Comecei por verificar não se tratar de um livro de um eu, mas de, um nós. Coisa estranha e diferente dos demais, a particularidade como tudo é relatado, um envolvimento coletivo onde todos foram importantes e onde todos, sem exceção, são referidos pelos seus nomes e assim ficarão lembrados/imortalizados.

A forma como nos introduz naquele espaço de nome Guiné e nos faz a abordagem do povo que ali habita e do circundante, possibilitando a qualquer pessoa, mesmo a quem nada sabia ou sabe sobre aquela gente, como funcionavam as coisas no período mencionado. A forma como estruturou a sua narrativa, diferenciando os diferentes períodos e movimentos de meios no terreno em cada data e situação.

Depois, no descrever propriamente dito dos acontecimentos, a lembrança de todos que nos deixaram, quer por efeitos diretos da guerra, quer por acidentes motivados por esta. A forma como enaltece e reconhece o apoio e o trabalho, além do esforço de todos aqueles que marcaram presença naquele espaço no tempo a que se refere.

A crítica de como eram tratados os militares enviados para aquela terra e como eram de certa forma abandonados, sem uma preparação e apoio devidos, ficando apenas sujeitos ao desenrasca ou ao bom senso de um qualquer superior melhor preparado intelectualmente e por quem eram assumidas as responsabilidades e consequências, morais e patrimoniais.

Chega ao fim do livro sem nunca falar no eu, sempre nós, os militares, despido de qualquer vaidade ou protagonismo que só os grandes homens conseguem ter.

Por tudo que me ofereceu esta leitura, através do livro que irá ajudar a preservar a memória sobre estes homens e sobre tudo que passaram, aqui deixo o meu agradecimento ao autor do livro, que faz o favor de ser meu amigo, só possível por nos termos encontrado neste espaço onde escrevo estas linhas.

O meu obrigado ao Idálio Reis e a todos que não deixam esquecer este período da nossa história vivida, ajudando, sempre, a lembrar os que perderam a vida.
Belarmino Sardinha

Gandembel - Aquartelamento construído de raiz pelos militares da CCAÇ 2317
© Foto de Idálio Reis
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8385: Parabéns a você (270): Agradecimento de Belarmino Sardinha, aniversariante no dia 5 de Junho

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9944: Notas de leitura (362): "O Fardo do Homem Negro", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9871: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (20): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte III): Alocução do autor






VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Segunda parte da sua alocução. (*)


Vídeo (5' 34''): Alojado em You Tube > Nhabijoes




Aquando de algumas narrativas, sacadas do fundo do tempo, que fui enviando para o Blogue, e onde procurei aflorar o que se nos tinha deparado naquelas inclementes terras do sul da Guiné (**), ali mesmo às portas do Corredor de Guileje, o Luís Graça ousou então, com a centelha que todos lhe reconhecemos,  lançar um repto quanto ao surgimento de um livro, que desse eco aos sofridos tempos que houve lugar naquele cruento cerco de Gandembel/Ponte Balana.

E quanto eu gostaria de, desde logo,  poder afirmar que tomaria a incumbência de dar forma a esse propósito. Mas, para além da pequenez dos atributos pessoais que era indispensável conter para me abalançar a tamanha tarefa, havia algo em falta, que me permitisse ter o condão de conseguir entender os procedimentos de Arnaldo Schulz e de António de Spínola, a fim de bem compreender toda essa enovelada trama que envolveu a construção com posterior abandono daquela guarnição, a delongar em menos de 10 meses: de 8 de Abril de 1968 a 28 de Janeiro de 1969.

Vim a anuir, dada uma forte instância dos meus companheiros da Companhia, e então procurei perscrutar,  à minha maneira, melhor perceber o que Bissau foi congeminando quanto àquele chão.

Eis agora que surge um modesto livro, cujos heróis são os homens da CCAÇ 2317, e que lhes permite reviverem a sua história conjunta, como acta que fique lavrada para poder perdurar, e onde figure descrita essa enorme odisseia que lhes esteve infusamente reservada.

E, o que fundamentalmente intentámos querer em conhecer, não passa de um mero acto de indagação, quanto às razões que levaram Arnaldo Schulz, a mandar construir um aquartelamento, sem cuidar em tomar prudentes atitudes de reconhecimento, indispensáveis à obtenção do imprescindível sucesso, pois que o inimigo já por ali deambulava sem grandes embaraços, como também de apreender as motivações que determinaram a que António de Spínola viesse a ordenar pela sua evacuação. Ou seja, apercebermo-nos das causas e consequências que o fatalismo do erguer de Gandembel, nas imediações do já afamado Corredor da Morte, conseguiu congregar no contexto do Teatro de Operações da Guiné, do seu porquê e para quê.

Homenagem à FAP e evocação das 28 colunas logísticas (23 provenientes de Aldeia Formosa, e 5 de Guileje)

Estava-se no início de 1968, a guerrilha já durava há quase cinco anos, e os esforços de sediação no sul da Província, mormente naquele Sector para onde fomos arrojados, foi sempre de crucial importância para o pulsar da beligerância do PAIGC., pois era neste chão que tinha início a sua maior e mais importante via logística de infiltração e abastecimento.

A implantação de uma força de quadrícula, só agora, e em zona claramente hostil, a acarretar sempre infinitas situações de risco, onde o constante e o imediato se conjugavam, teriam de requerer, sempre, uma ponderada e séria análise de enquadramento militar. O estado-maior de Arnaldo Schulz, preferiu antes enveredar por uma conduta pujada de quaisquer preconceitos de ordem ética e militar, e daí a veemência dos nossos protestos contra um Comité de Comando, frio, apático, negligente, insensível.

Gandembel/Ponte Balana viria a revelar-se um palco infernal para incontidos sofrimentos, a que ficam indissociavelmente ligados alguns agentes que também se envolveram naquela epopeia. Entre tantas e tamanhas vicissitudes, uma homenagem à Força Aérea, onde houve sempre a benevolência de um helicóptero pronto a proceder a qualquer evacuação requerida.


Desde logo, as primeiras referências destinam-se aos homens das colunas de reabastecimento, 28 no total, 23 provindas de Aldeia Formosa numa extensão de 25 km, mas obrigatoriamente com passagem pelos destacamentos de Mampatá e de Chamarra, com este separado de Gandembel em apenas 10,5 km. As outras 5, saem de Guileje, que apenas distava de 18 km.

Vieram a manifestar-se de uma inusitada violência, sempre vulneráveis às ciladas de um inimigo esconso, tornando-se os alvos preferenciais para o cansaço, o desgaste e o desalento, com um único intuito de provocarem acintosamente o sofrimento, a dor, a morte.

Entre as colunas realizadas, a mais agressiva para a CCAÇ 2317 foi a de 4 de Agosto, com consequências funestíssimas, pois para além de alguns feridos, morrem 5 homens (1 era um soldado do Pelotão de Caçadores Nativos).

De toda esta pungente descrição havida com estas colunas, que se consubstanciam com o inextricável mistério de Gandembel, estiveram largas centenas de homens subjugados à beira do abismo. Em especial, para os 3 ínvios caminhos de curta distância, Guileje/Gandembel, Aldeia Formosa/Gandembel e Buba/Aldeia Formosa, só o tamanho da intolerância e da falsidade das colunas, se davam a entender. Paradoxalmente, parece que tudo o resto era irracionalidade.

Em louvor da CART 1689, do Pel Caç Nat 55, 
do Pel Art de Gandembel e dos páras do BCP 12 

Uma outra referência especial vai para os homens da CART 1689, do Alberto Branquinho, do José Ferreira da Silva e companheiros.

À nossa espera em 8 de Abril, esteve connosco até a 15 de Maio, tendo-se empenhado denodada e esforçadamente em nos acompanhar. Pernoitando sempre nos abrigos-toupeira, jamais tendo uma refeição tolerável, com uma actividade constante e perigosa, passando por atribuladas vicissitudes, sai exausta.

A sua partida-separação, deixou-nos claramente mais sós, porquanto ficávamos entregues apenas a nós mesmos, e perdíamos robustez e tenacidade, tão fundamentais para os embates vindos de um forte inimigo, que já então nos confrontava numa brutal e permanente perseguição.

Também uma particular referência, para o Pelotão de Caçadores Nativos 55, que o Hugo Guerra,  em substituição de um companheiro que morrera no maior ataque de sempre, o de 15 de Julho. De igual modo, uma palavra para o Pelotão de Obuses, que chega a Gandembel a 29 de Maio com 2 obuses de calibre 10,5. Tais contingentes, sempre permaneceram connosco até à nossa retirada.

E por fim, aos paraquedistas, que desde o dia 20 de Agosto, se sediaram em Gandembel de modo permanente com 2 grupos de combate, ainda que em rotação, convivendo connosco mais de 3 meses.

A sua presença, traz consigo um agregador sentido de união, que se revelaria essencial no refortalecimento de uma maior estabilidade, e que permitiu fazer renascer uma outra confiança e contribuir para uma revigorada esperança. Para além de estarmos acompanhados, fez brotar uma empatia especial e recriar um outro patamar de segurança. O apoio logístico melhorou substantivamente, e começámos a ter mais e melhores víveres, dando azo a que aparecesse uma outra alimentação, bem distinta da de outrora.

Pela primeira vez: utilização do morteiro 120 e abate de um Fiat G-91

Foi a 26 de Maio, um domingo, que António de Spínola, que tomara posse no dia 20, visita Gandembel logo pela manhã e sem qualquer aviso prévio.

E porque a bestialidade dessa odisseia que foi a construção de Gandembel, ficaria iniludivelmente ligada aos ditames de António de Spínola, uma pesada herança para um militar de escol, digno e brioso, caberá aqui fazer referência ao dia 22 de Junho, data que corresponde às suas primeiras directivas, algumas com uma relação muito direccionada para a nossa zona de vivência. Os teores das n.os 2 e 3/68, incidem respectivamente na remodelação do dispositivo das NT na região de Aldeia Formosa, e no reajustamento do dispositivo no corredor de Guilege.

A divulgação pública destes documentos, que desconhecíamos por completo, vieram a tornar-se preciosos testemunhos para nos ajudar a melhor compreender a conduta de António de Spínola, mormente nos aspectos que concernem àquela nossa unidade e à região em que esta se inseria.

Nos tempos sequentes a meados de Maio, o intrépido Nino Vieira assume de vez as rédeas de um forte exército da guerrilha, com grandes contingentes de infantaria e de artilharia, e claramente imbuído de um firme propósito, que tinha os seguintes escalões-limite: contrariar ao máximo as colunas de reabastecimento; exacerbar a espiral de violência sobre as tabancas do Quebo; encontrar a oportunidade mais propícia para poder vir a destruir Gandembel. ¿Consegui-lo-ia?


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Terceira e última  parte da sua alocução.



Manifestou essa intenção de assalto, pelo menos em 3 vezes. A primeira, foi a 15 de Julho, em que por volta das 2H00 da noite, desencadeia um intenso ataque ao nosso poiso, mesmo junto ao arame farpado virado para o lado da fronteira, e com uma demorada duração. Vinha fortemente apostado em fazer rombo, seja pela intenção de destruir as casernas-abrigo que lhe eram frontais, seja no rompimento de uma abertura no arame farpado.


Vídeo (8' 39''): Alojado em You Tube > Nhabijoes


Deste medonho ataque, com um enorme poder de fogo inicial e a uma hora pouco previsível, surge o efeito-surpresa, e se no começo do tiroteio houve alguns momentos aflitivos, depressa os elementos da Companhia, apercebendo-se da origem do ataque, tornaram-se lestos e incisivos a ripostar. Todavia, a caserna-abrigo mais frontal, é apanhada pelos primeiros impactos dos canhões sem recuo, com um número infindo de estilhaços a entrar no seu interior, a quase neutralizar a acção dos militares que nela permaneciam e provocando 1 morto e mais de uma dezena de feridos, dos quais 6 seriam evacuados para Bissau. O morto foi o comandante do Pelotão de Nativos, recém-chegado apenas há 12 dias.

Na altura, afirmou-se que este ataque tinha sido o maior de todos que alguma vez se desencadeara no TO da Guiné. Em resultado dos indícios que deixou no terreno, o IN retirou-se com baixas, muito em especial dos elementos que integravam o grupo de artilharia (11 canhões sem recuo e 9 morteiros 82), graças aos efeitos de uma granada de bazooka a acertar-lhe em pleno.

Mas o PAIGC continuou a ser firme e empenhado, tanto mais que Gandembel viria a ser sujeita a outros ataques de grande violência, em especial em dois da 1.a quinzena de Setembro e o de 8 de Novembro, mas o de 15 de Julho, foi de longe o mais aterrador, jamais esquecido pelos que o viveram directamente.

Nos 2 ataques do mês de Setembro, o inimigo faz utilização de um quantitativo elevado de morteiros 82 e de RPG-7, e com a particularidade também de pôr em acção pela 1.a vez em toda a Guiné, o morteiro 120. 

Fez uso de torpedos-bengalório na destruição da primeira fiada do arame farpado. Contudo, no interior de Gandembel, há mais e melhor armamento (os páras já estavam connosco), há mais certezas no posicionamento dos guerrilheiros, há muito certamente outros factores de ordem providencial em nosso abono. Inclusive, julgamos que estes ataques, de 7 e 11/12, pelos indícios manifestados, são os que provocam mais danos ao inimigo.

Passados apenas 3 dias sobre esse ataque de 15 de Julho, António de Spínola aterra em Gandembel, para se inteirar ‘in situ’ do que tinha acontecido. É nossa convicção, que este incidente, representou para a figura proeminente e tutelar do Comandante-Chefe, que lhe era fundamental manter uma profunda e serena reflexão, que tinha de rever consigo mesmo, quanto ao destino a reservar para Gandembel/Ponte Balana e para os homens que ali sobreviviam.

Surge 25 de Julho, com o Comandante-Chefe a fazer publicar a sua célebre e longa directiva n.o 20/68, em que dentre os considerandos relacionados com a remodelação de dispositivos, pode ler-se o seguinte: «Transferir em fase ulterior, os estacionamentos das NT de Gandembel e Guilege, para Salancaur e Nhacobá, devendo proceder-se, desde já, ao estudo da localização e das vias de comunicação».

Este putativo reajustamento, passados menos de 4 meses do início do erguer de Gandembel, passaria pela construção de 2 novos aquartelamentos, que proporcionassem uma maior eficácia no corte/impedimento do corredor de Guileje, enquanto eixo vital de reabastecimento da luta da subversão. Tais acantonamentos, situar-se-iam um pouco mais para o interior da Província, em cerca de 3 léguas de distância de Gandembel e de ambos os lados do rio Balana. E faria abandonar as áreas de Guileje, Mejo e Gandembel, que dado o domínio prevalecente do PAIGC, as apontava como localizadas em ‘área vermelha’, porquanto as considerava em posições onde as forças de quadrícula não detinham suficiente iniciativa e capacidade operacionais, e também não existiam populações.

O Comandante-Chefe, através destas directivas, procurava vincar com o seu cunho, a sua discordância quanto aos princípios orientadores como o seu antecessor fizera grassar a estratégia militar no TO da Guiné.

Já quanto aos fundamentos em que assentou o surgimento desta guarnição de Gandembel, António de Spínola reconhece que resultavam de um profundo erro de enquadramento operacional, admitindo que esse pouso não era garante de nada, chegando a emitir a opinião que se estava ante um cemitério.

A 28 de Julho, surge mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias, e que foi o abate de um Fiat G-91, por fogo de uma metralhadora anti-aérea, com o piloto, então o tenente-coronel Francisco da Costa Gomes, a ejectar-se e a cair a cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento. O seu resgate, dada a proximidade, foi fácil, e o piloto rapidamente entrou num helicóptero, rumando a Bissau.

Sempre esta dualidade da sorte e do azar, que nos espreitava na leveza de cada duro momento.


Foi o que se viria a passar a 4 de Agosto. Esse trágico dia, o mais funesto de todos, tem uma marca punçada a sangue, e chama-se Changue-Iaia. A perda definitiva, num único dia, de 4 companheiros, significou para a Companhia o início do período mais crítico de sempre, em que esse tétrico sentimento de estarmos sós e indefesos se ia apossando acerbamente, e para o qual não se descortinava futuro, nem certo, nem seguro. Eram homens que num tão curto espaço de tempo de permanência na Guiné, viam-se confrontados por um caleidoscópio de fatalidades, a deixar transparecer que Gandembel se antevia à beira fatídica do abismo, pois começava a descrer na superação dos seus medonhos obstáculos.

Os acontecimentos a terem lugar no interior daquele perímetro, que viessem a decorrer nos tempos mais imediatos, podiam determinar ainda agarrar partes sobrantes do apego e do querer, da firmeza e da esperança, se alguém ousasse ouvir os ais de desalento e de dor, que ecoassem muito para além desta região do Forreá.


António de Spínola, que consideramos ter sido um dos maiores estrategos da guerra colonial, faz então lançar o último dos dados que tinha ao seu alcance. E naquele mesmo dia, contrariando a sua directiva quanto a Gandembel, não encontrando ainda a data mais adequada para a citada transferência, toma a resolução de seguir por uma outra, e chama o comandante do Batalhão de Para-quedistas.


Lançou com afinco e pundonor, a mais singular das oportunidades que lhe restava, e que sabia de antemão ser-lhe demasiado cara, mas era muito certamente a única onde poderia colher resultados positivos, e que passaria tão-só pela vinda da melhor tropa de elite para ‘entrar mata adentro’, de forma a domar o inimigo. Era urgente haver tropa operacional, de combate, que muito para além do arame farpado de Gandembel, ousasse ir à sua procura e o enfrentasse, coarctando-lhe os passos das suas itinerâncias, minando-lhes as suas veleidades beligerantes.


Quanto a esta tropa para-quedista, o número de feitos levados a cabo, foi tão importante e vinculativo para nós, que mais ninguém lhe consegue dar a dimensão devida, tão-só o testemunho de gratidão dos que a sentiram bem de perto. Eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor.


Das acções de grande relevo operacional, as de maior significado têm lugar a 28 de Agosto, em que destroçam um bigrupo e apanham-lhe o armamento, assim como a de 15 de Setembro, em que se apossam de um fio de largas centenas de metros, que servia para que um guerrilheiro avançado se postasse no cimo de uma árvore que possibilitava dar uma clara visão do aquartelamento, e prestasse informações via telefone aos apontadores das baterias de morteiros, e que era a razão por que estas bocas-de-fogo vinham progressivamente a assestar a sua pontaria, com as deflagrações das granadas a acercarem-se cada vez mais próximo da guarnição.


Aquando destas façanhas, Spínola deslocou-se a Gandembel.

Quanto à vinda do Comandante-Chefe a 15 de Setembro, o que julgamos à lonjura desses tempos, é que o dossier de Gandembel/Ponte Balana, o continuava a sobraçar de forma firme e ousada, e qualquer que fosse o destino a reservar, estava suspenso de uma única decisão: a sua, mas inelutavelmente ligada ao desempenho dos para-quedistas neste chão.

E a partir dos finais de Setembro, começou a pairar um clima mais sereno e tranquilo, com o PAIGC. a sentir que a sua hegemonia vem sofrendo duros reveses, e revelando medo de a perder, opta cada vez mais em se resguardar. Perdera arrogância e vivacidade, escuda-se nos lados da fronteira e começa a agir essencialmente a coberto da calada das noites.


E a tropa para-quedista termina a sua missão de permanência.

E chegava-se ao dia de Natal. E nesse solene dia, entre diversas personalidades, fomos visitados pelo bispo de Madarsuma, Capelão-mor das Forças Armadas.
O prelado celebra a missa, logo pela manhã, ocupando uma parte da pequena parada, onde se colocou um improvisado altar. Em pleno acto religioso, o PAIGC ‘sauda-o’ em baptismo de fogo, através de uma pequena série de morteiradas 82. O bispo fica atónito com este desenlace, que também não era esperado da nossa parte, mas em fracções de segundo, alguém o refugia no interior de uma das casernas. E em breve, sossegado o tiroteio, retoma a missa, e quando a finaliza, também se despede definitivamente de nós e de Gandembel.

296 dias, 372 ataques e flagelações

E agora a continuarmos mais sós, 1969 despontava, sem nada conhecermos quanto ao destino que nos estava reservado. Mas, de relance, a confirmação do abandono chegaria ao nosso conhecimento na sua antevéspera, que haveria de ter lugar na madrugada do dia 28 de Janeiro, e o destino imediato seria Buba, com alguns dias de permanência em Aldeia Formosa.

À alvorada desse dia, o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que havíamos de fechar definitivamente as cancelas de Gandembel e de Ponte Balana, e chegávamos sem problemas a Aldeia Formosa.

Apenas este episódio, já a noite era cerrada, em que o PAIGC desencadeia um forte ataque ao agora local de ninguém, onde tudo se volatilizara, dos sussurros da nossa presença, do ruído do gerador e à luz que fazia incidir, do olhar penetrante dos vigias. Este último tiroteio, propositado ou não, dentro ou fora do seu perímetro, revelava-se-nos o último dos mistérios em que a trama da guerra tantas vezes se enovelou com Gandembel/Ponte Balana.

De modo definitivo, António de Spínola resolvera arquivar de vez o pesado e volumoso dossiê daqueles poisos. Sempre julgou que a construção daquele aquartelamento, naquele tempo e naquelas condições, para nada serviu. E assim, aproveitando-se de uma situação de maior alívio, conquistada recentemente e que só a ele se deve, prefere sair sem o amargo travo da humilhação, mas com um pequena dose de honra e glória. Julgamos que conseguiu atingir os seus desideratos, ainda que tivesse de fazer uso de tropa de elite, um bem demasiado escasso e tão necessário na vastidão bélica da Província. Utilizara exaustivamente o maior dos estratagemas que estavam à sua mão, mas esta soube-lhe corresponder por inteiro.

Gandembel fora muito certamente, o mais infernal palco de guerra a que a Província da Guiné esteve sujeita durante o ano de 1968, com presença permanente na lista negra das piores notícias.

É-nos justo reconhecer que o Comandante-Chefe deu o seu melhor contributo, para que ao surgir a data que tinha determinado, houvesse quase essoutra Companhia de outrora, com os seus homens a sentirem-se mais estimulados, seguros, serenos, como também susteve de algum modo a devastação de todo um chão, a ser marcado duradoiramente pela contumácia da subversão.

Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sentimos muito impressivamente que os homens desta Companhia, jamais tiveram até à chegada dos para-quedistas, o apoio que necessitavam, mereciam e tinham legítimo direito a tal. E é por isso, que temos de reconhecer na heterodoxia de Spínola, um militar de uma enorme dignidade, que se não fora a sua persuasão, consubstanciada na forma como soube lidar com um processo de contornos muito complexos, talvez muito poucos de nós restariam sem sequelas de maior.

Dado o conjunto de vivências extremas por que aqui passámos, reconhecemos que havia felicidade estampada nos nossos rostos quando deixámos Gandembel, não o negamos. Para trás, ficava definitivamente um palco infernal, e já bastava de tanta contenção e castigo.

E hoje, ao recordarmos todos aqueles 296 dias, perpassam ainda sentimentos e emoções difíceis de conter para os narrar, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos, quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolorosas. E já tínhamos perdido para sempre, 9 valorosos companheiros. A todas as imoderadas privações, em que avultam os 372 ataques/flagelações, os de maior sorte foram resistindo, ainda que por vezes surgissem vacilações ou esmorecimentos.


E, porque nos últimos 6 meses de comissão, em Nova Lamego, uma zona sem a audição de um eco de um qualquer tiro, conseguimos bem reconhecer que para a grande generalidade dos militares do mato, os ditos operacionais, a guerra foi-lhes sempre tenebrosa. Todavia, ela mostrava-se ainda assim, bem díspar nos diferentes chãos da Província.

Idálio Reis


Vídeo, legendas e subtítulos (do texto): © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Fotos (em formato pequeno): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


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 Notas do editor:



(*) 28 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9819: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (15): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte II): Mais fotos da sessão de autógrafos


(**) Vd. este e postes anteriores >  10 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(...) Comentário do editor L.G.:

1. Querido amigo e camarada Idálio: Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande. A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue.

Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.