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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Março de 2013:

Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabana Grande.
Mais uma pequena lembrança dos tempos de Galomaro.
Aproveito para agradecer a ajuda que o Luís Dias (ex-alferes da companhia do Dulombi CCaç 3491), que me confirmou quanto às informações operacionais das movimentações das nossas tropas e do PAIGC na nossa zona de acção.

Juvenal Amado


FIZERAM-ME LEMBRAR OS DOZE INDOMÁVEIS PATIFES

Alferes Dias em Galomaro com a MG42 

Lembrou há pouco tempo o ex-Alferes Dias da CCAÇ 3491 do Dulombi, que o BCAÇ 3872 até meados de Abril de 1972 só com três meses de mato já sofrera 12 mortos metropolitanos (4 em Cancolim – CCAÇ 3489 + 8 no Quirafo/Saltinho - CCAÇ 3490) mais cinco milícias e um desaparecido em combate (o Baptista também no Quirafo). Juntando aos mortos e os feridos, as baixas eram já consideráveis e em virtude disso, chegou a ser considerada a possibilidade de o Batalhão ser transferido para outra zona.

Tal não se veio a confirmar pois ao aumento da movimentação do IN, entre Cancolim (atacado várias vezes) e Galomaro onde atacaram várias tabancas como Cansamba, onde estava um pelotão da companhia do Saltinho, Bangacia, Campata (e ainda Bafatá pois o IN infiltrava-se passando perto do destacamento de Cancolim) posteriormente a própria CCS em Galomaro.

A este acréscimo da movimentação do PAIGC respondeu-se com medidas acertadas, que talvez tenham feito gorar os intentos do movimento independentista e assim para sacudir o assédio que vinham fazendo na zona, foram precisas várias intervenções dos pára-quedistas (logo em 1972) e, posteriormente, a transferência da CCAÇ 3491 que veio reforçar Galomaro e Cancolim (I GCombate). Também essa companhia “emprestou” para Piche o II Grupo de Combate do Luís Dias (e o III GCombate do Farinha). A certa altura Galomaro, também foi reforçada por um pelotão comandado pelo alferes Luís Borrega (em 1972) e outro de uma companhia independente (em 1973), onde estava um meu antigo colega de escola, Carlos Afonso

Pára-quedistas em Galomaro desta vez em 1973.

Mais tarde tivemos mais mortos e feridos (zona de Cancolim e zona de Galomaro) e um desaparecido em Cancolim (António Manuel Ribeiro) que veio a aparecer por ter conseguido fugir em Março de 1974 de uma prisão do PAIGC, usando o rio Corubal para se guiar até ao Saltinho.

Posteriormente alguns soldados vieram para o nosso batalhão alguns por castigo, como o caso de um madeirense expulso dos comandos, que integrou o Pel Rec e pelo que vou contar, também se recorreu a agrupamentos disciplinares para reporem os nossos mortos e evacuados.

Belo dia juntamo-nos todos para ver o grupo de soldados que tinha chegado em rendição das baixas de Cancolim. O aspecto deles não era o melhor e o estado das fardas era representativo das vicissitudes por que tinham passado até ali chegar. Todos a roçar mais os 30 do que os 20 anos, eram o retrato vivo de soldados que a indisciplina, o azar ou quem sabe fruto de uma certa revolta os atiraram para castigos na maioria com passagem pelas prisões militares.

Um tinha agredido um superior, alguns refratários, etc... depois já sabe, ou não se sabe onde existe a verdade e onde ela acaba.

Nisto ouço ao meu lado uma exclamação: Olha o Lino!!!!! 

- É um moço lá do mê bairro e há anos que o não via! - Dizia o Caramba naquela forma tão peculiar de falar e dando a perceber com expressão do rosto, que o Lino era de primeira apanha.

O Lino também o reconheceu logo e fez-se ali uma festa com umas cervejas à mistura.

O Lino contou imensas peripécias e as inúmeras “porradas” que levou na Metrópole às quais juntava outras tantas já na Guiné, com passagens pelo presidio militar. Via-se que pela cara dele, que há muito tinha deixado de se vangloriar dos seus feitos e que esses lhe tinham custado demasiado caro.

- Lembras-te de quando atiravas bombas de carnaval ao polícia com a fisga?

Todos nos rimos imaginando o pobre policia a ser bombardeado sem saber donde lhe chovia. Outras patifarias onde o Lino era figura principal foram recordadas e está claro, que elas eram bem presentes na memória do Caramba, que delas sabia em primeira mão ainda moço.

O Lino bem como os outros lá foram no mesmo dia para Cancolim na coluna que regressava de Bafatá.

Nós, com mais de um ano de comissão, não ficamos indiferentes à sua passagem por Galomaro e ao seu especto físico e ar arruaceiro, o grupo mais fazia lembrar os “Doze Indomáveis Patifes”, um conhecido filme americano sobre a II guerra mundial.

Nessa mesma noite Cancolim é atacada e lá vai o Lino evacuado para Bissau com um ferimento numa perna. Nada de especial e acabou por regressar mas, se não estou em erro, foi mais tarde evacuado com uma ulcera no estômago e, desta vez sim, nunca mais o vimos.

Nunca me esqueci do seu aspecto, sem dentes, muito moreno, pequeno e magro com um rosto algo sofrido, irreverente que se desarmou ao ser por nós tratado com amizade. É que ali debaixo daquele sol tórrido, éramos todos iguais.

Nota de rodapé:
- Os pára-quedistas foram usados várias vezes na nossa zona em 1972 e 1973 em Cancolim onde reforçaram o próprio destacamento. Foram largados entre Galomaro e Saltinho (íamos buscá-los quando caimos numa mina com um morto) e posteriormente no eixo Cancolim, Dolumbi, Madina de Boé. Também o grupo do Marcelino da Mata fez operações a partir de Galomaro após o ataque a Campata.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro

sábado, 2 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11179: In Memoriam (143): Soldados Domingos do Espírito Santo Moreno e João Amado, e 1.º Cabo João António Paulo, da CCAÇ 3489, mortos em combate, em Cancolim, no dia 2 de Março de 1972 (Juvenal Amado)

 

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 27 de Fevereiro de 2013:

Caros Luis, Carlos, Magalhães e restante camaradas da Tabanca Grande
Prestes a fazer 41 anos sobre o ataque a Cancolim em que morreram três camaradas, mando aqui uma pequena homenagem.
Juvenal Amado




Tudo a postos


Cancolin, 2 de Março de 1972

No ar paira um cheiro estranho 
Na escuridão tudo são sombras e medo 
A luz difusa amplia os nossos fantasmas 
Olhos que já não veem o desespero 
Gargantas que não articulam sons 
Jazem inertes na boca de cena 
Marionetes a quem se lhes cortou os fios 
Estão imóveis sem luz e sem chama 
O que ficou por construir será sempre uma incógnita 
A mais pequena insignificância será uma relíquia 
Através dela revive-se o homem 
Para trás ficaram os sacrifícios supremos 
Já não têm medo, nem dor, nem saudade 
No peito uma rosa de sangue 
O amor para sempre adiado 
Crianças penduram desejos na árvore da vida 
Fatalismo que se cobre de negro 
Lágrimas que teimam em rolar pelas faces 
Rostos e mãos que vão envelhecer sem esperança 
Pele amarrotada pela vigília e pela poeira dos tempos 
Mas ainda paira no ar o tal cheiro estranho 
Cheiro que se nos pegou a nós em Santa Apolónia 
Que nos quebrou nos porões ao sabor do destino 
O cheiro trágico de vidas que ficam por cumprir. 

******

Mortos em combate: 
João António Paulo 
João Amado 
Domingos do E. Santo Moreno
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 1 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11175: In Memoriam (142): Sesimbra, 26/2/2013, cemitério local, talhão dos antigos combatentes: singela mas digna cerimónia de trasladação dos restos mortais do nosso amigo e antigo comandante cor inf ref Alberto Costa Campos (Carlos Jorge Pereira)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9247: Em busca de ... (177): Procuro camaradas da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74 (Manuel Moura, Fur Mil, 2ª CCAÇ/BCAÇ 4518, Jan/Set 1974)


 
1. O nosso Camarada Manuel Moura, ex-Fur Mil AP da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4518 – Cancolim -, 1974, enviou-nos por e-mail o seguinte pedido:

Olá,

Sou o ex-Fur Mil AP Manuel Moura, da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4518, que esteve em CANCOLIM desde final de Janeiro de 1974 até ao início de Setembro desse mesmo ano.

Gostava, se possível, de poder contactar alguém, via e-mail, da companhia que fomos render, que penso ter sido a CCAÇ 3489 do BCAÇ 3872.

Atentamente,
Manuel Moura


Fur Mil AP Manuel Moura
2ª CCAÇ/BCAÇ 4518

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________


Notas de M.R.:

Camarada Manuel Moura, o único camarada da unidade por ti indicada (CCAÇ 3489 do BCAÇ 3872 - Cancolim -, 1971/74), que pertence a esta nossa tertúlia virtual é o Rui Baptista, que foi Fur Mil At Inf. O seu e-mail é: ruimbaptista@netcabo.pt

Em contrapartida, não temos ninguém do teu batalhão, o BCAÇ 4518. É uma boa ocasião para ficares connosco, integrares a nossa Tabanca Grande e contar-nos as tuas peripécias em Cancolim, nos últimos meses da guerra.


Vd. Também o último poste desta série em:


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8926: (Ex)citações (151): O Sold Rodrigues, prisioneiro do PAIGG (de Junho de 1972 a Março de 1974), pertencia à CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, que esteve em Cancolim (1971/74) (Luís Dias)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector de Galomaro > Cancolim > Aquartelamento > CCAÇ 3489/BCAÇ 3872 (1971/74). Foto do Fur Mil Rui Baptista que, tal como o Sold Rodrigues, pertencia a esta subunidade.


Foto: © Rui Baptista(2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Comentário do Luís Dias ao poste P8920:

 Caros Camaradas

A informação que aqui é prestada tem todo o meu apreço e, como já referi, em outros locais, parece-me que a pessoa [em causa] não deveria, provavelmente,ter sido aprovada para todo o serviço militar.

No entanto, a informação inicial não está correcta, porquanto o Rodrigues fazia parte da CCAÇ 3489, do BCAÇ 3872,  e não da 2ª Companhia do BCAÇ 4518/73, que rendeu o primeiro em Janeiro de 1974. [ A CCAÇ 3489 esteve em Cancolim, sector de Galomaro].

Quando o batalhão já se encontrava em Bissau para regressar à metrópole, soube-se que o Rodrigues tinha fugido do PAIGC. Foi ele, aliás, que nos alertou para a existência do camarada da CCAÇ 3490 (Saltinho),[, o António Batista,]  dado como morto na emboscada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

Ao que julgo, [o Rodrigues]  esteve sob detenção em Bissau, porque se pensava que ele tinha desertado para o PAIGC e, segundo ele terá referido aos inquiridores, ao saber pelos guerrilheiros que o seu batalhão já fora rendido, ele pensou que,  como já tinha acabado a comissão, tinha de voltar para a Guiné e assim o fez. (*)

Um abraço
Luís Dias
Ex-Alf Mil  da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
[Dulombi e Galomaro, 1971/74]
 __________________

Nota do editor: 


(*) Vd. também, sobre este caso, o depoimento do Juvenal Amado > 6 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2921: Em busca de... (29): António Manuel Rodrigues (1) (Juvenal Amado)

(...) Ao vasculhar o Poste 2885 sobre o III Encontro da Tertúlia, a minha atenção ficou presa nas palavras do Baptista sobre o outro prisioneiro que esteve com ele, mas no caso, este sendo de Cancolin .

Efectivamente houve um outro camarada nosso também este apanhado à mão. Pertencia efectivamente à Companhia de Cancolim e foi apanhado, se a memória não me falha, num dia em que o seu pelotão saiu para uma patrulha nocturna. Para ser mais preciso o pelotão saiu, mas ele embirrou e não foi com eles. Passado talvez uma hora, ele resolveu ir sozinho encontrar-se com os seus camaradas. Resultado, o destacamento é atacado e no chão foram encontradas munições da G3, possivelmente dele.

O que se entende deste acontecimento é que ele deu de caras com tropas do PAIGC que fizeram o ataque e acabou prisioneiro deles.


Este episódio atesta bem o estado psicológico em que os nossos camaradas de Cancolim estavam. Há tempos, ao falar ao telefone com o meu amigo Correia, este caso veio à baila, onde ele me lembrou que o referido camarada tinha aparecido quando já estavamos em Bissau para embarcar de regresso. A forma como ele fugiu do cativeiro só soube ao ler e ouvir o referido Poste 2885.

Lamento que ele esteja no sofrimento em que está. (...)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (24): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3489/BCAÇ 3872 (1971/74) > Aquartelamento de Cancolim

Foto: © Rui Baptista (2009). Direitos reservados



1. Comentário de Fátima Amado, deixado no dia 26 de Julho de 2010, no Poste 3126 (*), dirigido ao nosso camarada Juvenal Amado (**):

Caro Senhor,
As minhas mãos tremem à medida que avanço na leitura do seu relato, procuro há décadas alguém que me conte uma história de embalar, digo de embalar porque o meu coração não sossega.

O meu nome é Fátima Amado, filha de João Amado, o soldado que morreu...

Tenho por fim um relato desse dia malfadado que me roubou o meu querido pai, esse menino soldado... e embora não seja esta uma estória de embalar, 38 anos depois responde a algumas perguntas... morreu rápido, tão rápido como viveu, e eu hei-de honrá-lo e amá-lo para além do infinito.

Se alguém conheçeu o meu pai e por delicadeza queira partilhar comigo algum relato, deixo aqui o meu contacto de e-mail, mailro:fatima-amado@hotmail.com, fico-vos eternamente grata.

Fátima Amado


2. Este comentário foi enviado pelos editores ao nosso camarada Juvenal Amado, para conhecimento:

Caro Juvenal
Para teu conhecimento e uma palavrinha amiga.


3. No dia 27, Juvenal Amado dirigia-se assim à nossa leitora Fátima Amado:

Minha querida senhora
Não vou mentir que os olhos se me encheram de lágrimas ao ler o seu e-mail.

Leio e releio, e a dor das suas palavras, cavam dentro de mim um buraco onde cabem as minhas lágrimas de hoje e as que chorei há muitos anos atrás.

De facto eu não o conhecia pois estávamos no início da comissão e era das primeiras vezes que eu visitava aquela Companhia. Mais tarde convivi com muitos camaradas dessa Companhia e passei lá muitas noites de ansiedade, felizmente sem a gravidade dessa que nos marcou com um ferro em brasa.

Dirá hoje como foi possível com o mesmo nome e não termos conhecido pessoalmente, mas na verdade só se veio a falar desse pormenor depois.

Se buscarmos no passado não será difícil encontrarmos parentesco entre nós, pois Amado é um nome com árvore genealógica e as suas raízes são fundas.

O seu pai morreu combatendo como um homem, que esteve no seu posto e pagou com a vida uma dívida que não tinha contraído.

Mas se de alguma forma poderei ajudar a mitigar a sua dor, não havendo forma de adoçar essa taça de fel, acredite que foi rápida a sua desdita.

Já estive por diversas vezes no monumento onde o seu nome está gravado. Nunca poderemos esquecer os nossos.

Quanto a colegas do seu pai é bastante difícil, pois essa Companhia não se reúne nunca. Há no entanto um ex-furriel que também já escreveu para o blogue que eu procurarei para lhe enviar um link.

Se quiser dar-me o prazer de a conhecer, falaremos pessoalmente daquele tempo.

Despeço-me respeitosamente, bem haja pela memória e o nome de seu pai.

Ao seu dispor atentamente
Juvenal Amado


4. Resposta de Fátima Amado ao nosso camarada Juvenal:

Caro amigo,

Lembro-me quando era pequenina e esperava junto à lareira com as mãos enfiadas nas mangas, pelo dia de Natal, ia de certeza comer chocolates nesse dia, nem que fossem aqueles que enfeitavam a pequena árvore e se misturavam com o algodão. Essa espera fazia-me saltitar todo o dia, corria de um lado para o outro como se o relógio pudesse correr também, olhava a chama do fogo que bailava à minha frente e aquele era o único calor que havia em todo o lar.

Hoje estou novamente junto à lareira à espera do dia de Natal, não para comer chocolates mas para lhe poder dar um enorme abraço, e vou correr tanto que o relógio vai ter que correr comigo e trazer o dia de Natal mais cedo.

Seria para mim uma enorme honra e prazer poder conhecê-lo pessoalmente.

Um dia um amigo levou-me a passear nos jardins de Belém, enquanto caminhávamos e conversávamos descontraidamente, surge junto a mim o monumento aos heróis da guerra, fiquei regelada, durante segundos os meus pensamentos voaram, até então não sabia a data da sua morte, percorri cada sentimetro daquela pedra com as minhas mãos e acariciei todos aqueles nomes que se esculpiram para toda a eternidade.

À medida que percorria, ia dizendo baixinho "meu pai onde estás tu" e, de repente, ele estava mesmo ali diante dos meus olhos, entre os meus dedos, foi como se lhe tocasse e o vento me abraçasse.

Anos mais tarde erigiram um outro monumento aos heróis do concelho da Marinha Grande, onde por vezes passo junto com os meus filhos, e digo-lhes que o avô foi um herói.

Hoje, quando digo ao meu pequenino que ele é o meu herói, ele pergunta-me se é herói como o avô do jardim.

Escreveu o senhor num dos seus poemas que em tempo de paz são os filhos que enterram os pais, em guerra enterrei o meu pai, naquele dia morreu também a minha mãe que vive sem querer ou saber porquê, aquele maldito morteiro ceifou-lhe o marido e o seu grande amor, com ele morreu-lhe a esperança.

Moro na Marinha Grande, perto de Leiria [...], espero ansiosamente junto à lareira pelo dia de Natal.

Um forte abraço e mil obrigadas por se dispor a ajudar, estou-lhe eternamente agradecida, a si e aos demais.

Fátima Amado


5. Comentário de CV:

Mau grado alguns comentários depreciativos de alguns penetras, o nosso Blogue vai cumprindo o seu destino, ser um repositório de memórias e experiências de antigos combatentes da Guiné que se expõem com nome, posto e rosto (fotografias) para que nos possamos conhecer e falar (escrever) olhos nos olhos. Umas largas dezenas até já se conhecem pessoalmente e convivem nos Encontros anuais.

O Luís criou uma série com o título sugestivo de "O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande" (***).

Na verdade esta página tem proporcionado momentos de felicidade no reencontro de antigos camaradas que perderam contacto por via dos desencontros da vida e muitos filhos de camaradas se nos dirigem em nome de seus pais no sentido de encontrar velhos companheiros de luta.

Temos ainda o privilégio de ter entre a tertúlia senhoras que de algum modo se sentem ligadas a nós, velhos camaradas de seus maridos, afilhados de guerra, amigos, etc.

Este poste traz ao conhecimento da tertúlia um caso interessante de uma filha de um camarada nosso, João Amado, Soldado Auxiliar de Cozinheiro, CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, infelizmente falecido em combate durante um ataque ao aquartelamento de Cancolim (****).

Um poste do Juvenal Amado  e uma filha que encontra relatado o trágico momento da morte de seu pai. As mensagens dizem o resto.

Cara Fátima Amado, considere-se a partir de hoje filha adoptiva (adoptada) desta tertúlia, onde pontificam velhos camaradas de seu pai, que tiveram a sorte de sair vivos, mais ou menos incólumes daquela guerra que devastou a juventude da nossa geração.

Por que podendo ser nossa filha, não me acanho, antes de terminar, em mandar-lhe um beijinho em nome dos meus camaradas.

Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:


(*) Vd. poste de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3126: Estórias do Juvenal Amado (14): Morteiro no meio da Parada de Cancolim

(...) Não sei quanto tempo durou [ o ataque a Cancolim,], mas sei que foi demais. Pouco a pouco, a violência do ataque abrandou. O fumo, o pó e o cheiro, manteve-me muito tempo sem me mexer. Espreitava pelo bordo da vala para ver se descortinava o que se passava. Havia mortos e feridos, foi a noticia que começou a correr pelas valas.

A madrugada com a sua luz redentora, mostrou-nos a destruição e os estilhaços espalhados por todos o lado.


(...) Estavam três camaradas mortos dentro de uma vala. Uma granada tinha rebentado dentro. Os seus corpos destroçados foram, como possível, depositados nos sanitários em construção.

(...) é em memória deles esta estória.

José António Paulo - natural de Mirandela
João Amado - natural de Vieira de Leiria
Domingos de E. Santos Moreno - Natural de Macedo de Cavaleiros (...)


(**) Vd. último poste da série Estórias do Juvenal Amado >  11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

(***) Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6533: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (24): You made my day. Encontrei o Xico (Nelson Herbert)

(****) João Amado, natural de Carvide, concelho de Leiria, Sol Aux Cozinheiro, nº 03858869, mobilizdao pelo RI 2, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, morto em 2/3/172, sepultado em Vieira de Leiria, segunfo preciosa informação do portal Guerra do Ultramar: Angola, Guiné, Moçambique > Mortos na Guerra do Ultramar > Concelho de Leiria

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5466: Álbum fotográfico de Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872





1. Álbum fotográfico de Rui Baptista* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74), elaborado com fotografias mandadas em mensagem de 30 de Novembro de 2009:




Álbum fotográfico de Rui Baptista (I)

Foto 1 > Aquartelamento de Cancolim

Foto 2 > Aquartelamento de Cancolim

Foto 3 > Parada de Cancolim


Foto 4 > O pombal na parada de Cancolim (alguns pombos serviram de petisco)

Foto 5 > Apresentação do Batalhão ao ComChefe (Gen Spínola) – Em primeiro plano o Alf Mil Rosa Santos (26-12-71) falecido há pouco tempo.

Foto 6 > No Cumeré na passagem de ano (1-1-1972) – à frente o alferes que nos abandonou e primeiro da última fila o capitão que também se foi.

Foto 7 > Trajando à civil para esquecer a guerra (oficiais e sargentos em 23-09-73) – sentado: Fur Mil Oliveira – 1.ª fila da esquerda para direita: 1.º sarg Romana, Fur Mil Correia (Rodinhas), Fur Mil Silva (Russo), eu, Capelão da CCS, Fur Mil Silva, Fur Mil Peixoto, Alf Mil Andrade, em cima também da esquerda para a direita: Fur Mil Santos, Alf Mil Videira, Alf Mil Oliveira, Fur Mil Conde, Fur Mil Gaspar, Fur Mil Ferreira e Fur Mil Jacinto.

Foto 8 > Um posto de sentinela em Cancolim

Foto 9 > O Fur Mil Jacinto e eu junto do famoso pombal de Cancolim

Foto 10 > "Os Vingadores" (2.º Pelotão da CCaç 3489) prontos para uma patrulha. Ficámos com este nome porque quase sempre nos tocava ir em busca do IN após os ataques ao aquartelamento

Foto 11 > Mais uma partida para o mato dos Vingadores em 15-04-72 após uma flagelação a Cancolim à hora do almoço

Foto 12 > Saída para o mato dos Vingadores para mais uma patrulha

Foto 13 > Segurança à picada entre Cancolim e Sangue Cabomba

Foto 14 > Preparação para uma coluna a Bafatá (parte do 2.º Pelotão)

Foto 15 > O estado em que ficou a viatura que caiu numa mina em 14-08-72 na picada no regresso de Bafatá a Cancolim (deixou-me 40 dias, todo partidinho, no HM 241 de Bissau – além de mim tivemos mais 16 feridos entre eles dois camaradas que tiveram de ser evacuados para o HMP de Lisboa)

Foto 16 > Abrigo da população na orla da mata para espantar os macacos por altura da colheita da mancarra

Foto 17 > O último dia em Cancolim (na parte de cima da foto pode ver-se alguns dos RPG que caíram na parada de Cancolim durante a flagelação ao aquartelamento em 20-01-74 (a única vez que fomos atacados logo de manhã)

Foto 18 > Eu junto ao rio Geba à espera da LDG para Bissau

Foto 19 > O último dia em Bissau antes do regresso à Metrópole

Foto 20 > O Fur Mil Gaspar, o Alf Mil Andrade e eu na escala que o Niassa fez no Funchal no regresso a Lisboa
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

1. Mensagem do nosso novo camarada Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74, com data de 30 de Novembro de 2009:

Caro camarada Carlos Vinhal,

Antes de mais quero agradecer-vos todo o esforço pelo trabalho e dedicação que têm tido para fazer viver este blogue com as recordações boas e menos boas dos nossos camaradas de armas que viveram a guerra na Guiné. De seguida quero pedir desculpa por ter demorado tanto tempo a responder-vos e isso deve-se à minha grande falta de jeito para escrever.

Sou Rui Baptista ex-Furriel Miliciano e fiz parte do BCaç 3872. A minha Companhia operacional foi a CCaç 3489 (2.º Pelotão) aquartelada em Cancolim.



Actualmente estou reformado. Tenho 59 anos feitos no passado dia 10 de Setembro.
Sou casado e pai de duas garotas, uma já formada e outra em vias disso.
Vivo na Póvoa de Santo Adrião que fica nos arredores de Lisboa.

Embarquei para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de Dezembro de 1971 e desembarquei em Bissau em 24 do mesmo mês.
Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de Abril de 1974.

Nesse espaço de tempo que permaneci na Guiné (27 meses e alguns dias), sempre em Cancolim (há que retirar o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau), aconteceram coisas que jamais poderei esquecer. Eis aqui um pouquinho dessa história:

A CCaç 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos.

Um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá, e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao nosso aquartelamento.

Neste primeiro ataque tive a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da Secretaria, ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso.

A seguir a estes desaires tivemos o abandono do Capitão e de um Alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do Alferes Rosa Santos do meu pelotão.

Como o IN não nos dava tréguas, e com o pouco material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81), com o assalto pelo IN ao nosso destacamento e a captura de 2 homens nossos, a fuga de um soldado para o IN, juntamente com as notícias de mortos no Saltinho e emboscadas no Dulombi, o desânimo instalou-se nas nossas tropas.

Com a substituição do Capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase salve-se quem puder. Valeu-nos o reforço de um Pelotão do Dulombi e a visita de alguns Páras para as coisas acalmarem em Cancolim.

O resto da comissão, principalmente os últimos 7 ou 8 meses de 1973, foi bem mais calmo. O último ataque a Cancolim foi em 20 de Janeiro de 1974, nesse dia o IN veio de manhã quase junto ao arame, apesar de muitos de nós andarem a jogar futebol, conseguimos fazer com que batessem em retirada deixando um morto no terreno.

A primeira vez que fui parar ao Hospital Militar de Bissau foi devido a uma febre que ninguém conseguiu identificar. Cheguei lá a 6 de Junho de 1972 e saí quase um mês e meio depois. A segunda vez foi pouco tempo depois da primeira, foi logo na coluna seguinte a me irem buscar a Bafatá, dia 14 de Agosto de 1972. Não era a vez do meu Pelotão fazer a coluna. Quem estava na escala era do 1.º Pelotão comandado pelo Capitão, este alegando que não se sentia bem e como eu tinha estado fora da Companhia algum tempo, conseguiu convencer-me a substituí-lo dessa vez. Não gostei muito da ideia mas lá fui.

Após a saída de Bafatá comecei a sentir que algo não ia correr bem. Ao chegarmos a Sangue Cabomba fui colocar o saco do correio (a mais sagrada das coisas para nós) na última viatura, e dei algumas indicações aos condutores de como iríamos proceder à passagem das zonas mais perigosas do resto do percurso até Cancolim.

Foi exactamente no último bocadinho do troço onde nos podiam emboscar que deflagrou a mina colocada na picada. A partir desse momento não me lembro de muita coisa, sei que ainda dei instruções ao homem do rádio para pedir o batimento da zona e também de pedir uma arma e água a um elemento da população e deste me dizer que a mina não era para mim (Furriel desculpa a mina não era para ti – foi o que me ficou gravado na mente). A seguir fui evacuado de heli para Bafatá, recordo ainda de desmaiar sempre que me agarravam no ombro partido e de me terem posto numa maca dentro de numa DO. Acordei em Bissau quando me estavam a cortar o camuflado e voltar a desmaiar quando me agarraram no ombro para radiografar, acordei ao fim de três dias todo ligado e entubado na sala de observações. Estive hospitalizado 40 dias. Nesta mina tivemos 17 feridos, dois deles foram evacuados para Lisboa.

Até aqui só escrevi sobre coisas menos boas, mas também existiram algumas bem divertidas como por exemplo aquela de eu ter pedido uma ZUP em vez de 7UP na primeira vez em que entrei na messe de sargentos no Cumeré, foi um salta pira geral.

As corridas de arcos com gancheta que fazíamos na parada de Cancolim.

Um ou dois festivais da canção de Cancolim (uma das canções vencedoras "Rio Chancra" cantada pelo Rodinhas (Furriel Mecânico Correia), as caçadas às galinhas e cabras da população, e a fisgadas as pombos do nosso pombal para os petiscos, os campeonatos das mais variadas jogatinas de cartas, as missivas que escrevíamos aos ratos para não nos roerem as roupas dentro dos armários – quando vim de férias da primeira vez, dei com o meu saco de viagem todo desfeito e no meio dos farrapos uma ninhada de 7 ratinhos. E mais, muito mais que eu não sei contar aqui.

Por agora é tudo.

Um grande abraço a todos os camaradas.
Rui Baptista

Foto 6 > Bissau, 26NOV71 > Apresentação do Batalhão ao ComChefe (Gen Spínola) > Em 1.º plano o Alf Mil Rosa Santos, falecido há pouco tempo.

Foto 3a > Aquartelamento de Cancolim

Foto 3b > Aquartelamento de Cancolim


2. Comentário de CV:

Caro Rui Baptista, bem-vindo à Tabanca Grande, entra e instala-te comodamente, porque estás entre camaradas, que como tu, tiveram a sua experiência de guerra na Guiné.

Numa das mensagens que nos enviaste, anexaste muitas fotografias. Embora neste poste só publique estas três, vou criar no nosso Blogue um álbum para ti. Se tiveres mais, por favor envia só depois de veres publicadas as que já mandaste. Trabalho é coisa que não falta por aqui, embora feito com prazer. O dia é que só tem 24 horas.

Esperamos que nos mandes histórias onde possamos anexar as ditas fotografias. Embora haja uma série do nosso querido camarada Torcato Mendonça, chamada Fotos falantes, na verdade elas dizem mais quando acompanhadas de legendas e dos relatos dos acontecimentos que retratam.

A tua Companhia já foi falada no nosso Blogue, infelizmente não pelos melhores motivos. Vê, se não conheces ainda, os postes abaixo listados*.

Julgo que sabes, que da nossa tertúlia fazem parte, que me lembre, quatro camaradas do teu Batalhão. A saber:

- Carlos Filipe Coelho, ex-Radiomontador da CCS
- Joaquim Guimarães, ex-Soldado da CCAÇ 3490
- Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS
- Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491

Ficaste com a responsabilidade de representar a tua CCAÇ 3489, pois, para já, és o único tertuliano no Blogue.

Agradecendo o teres-te juntado a nós e esperando a tua colaboração activa e contínua, deixo-te um abraço em nome da tertúlia.

A partir de hoje tens mais umas centenas de bons amigos.
CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

6 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2921: Em busca de... (29): António Manuel Rodrigues (1) (Juvenal Amado)

6 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3117: Álbum fotográfico do Juvenal Amado (1): Imagens de Cancolim
e
22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)

Vd. último poste da série de2 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5358: Tabanca Grande (191): Balanta furtador (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419)

domingo, 22 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 19 de Março de 2009:

Caro Luís
O camarada Paulo Santiago(*) veio lembrar uma das piores emboscadas que ocorreram na Guiné, em que estiveram envolvidos elementos da CCAÇ 3490, pertencente ao meu Batalhão – o BCAÇ 3872 (Galomaro). Foi um dia terrível, um desastre em que morreram 9 militares, 1 sargento milícia e 2 elementos da população ao nosso serviço, havendo ainda a lamentar diversos feridos e a captura do soldado António Baptista(**) pelos guerrilheiros.

As causas para o sucedido poderiam ser melhor explicadas pelo ex – Capitão Mil Dário Lourenço, se quisesse vir ao nosso blogue elucidar-nos sobre os detalhes que determinaram o avanço da coluna naquela maldita segunda-feira, dia 17 de Abril de 1972, dado que o Comandante da Operação foi morto em combate na emboscada que se sucedeu.

Não tendo essa possibilidade, resta-nos falar do que passou a constar no nosso batalhão.

A CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 recebeu ordens para reabrir a picada Dulombi - Jifim, que se encontrava em mau estado de conservação, porque deixara de ser utilizada, após o rebentamento de uma mina anti-carro que causou mortos na Companhia que fomos render – a CCAÇ 2700 – e, em Abril de 1972, iniciou essa tarefa, empenhando diariamente um Grupo de Combate na protecção dos trabalhos, em que estavam envolvidos elementos civis contratados para esse fim.

Também a CCAÇ 3490/BCAÇ3872 (Saltinho) recebeu ordens, na mesma altura, para reabrir a estrada Quirafo – Rio Cantoro.

A Operação Estrada Junta iniciou-se, ao que presumo, em 10 de Abril de 1972. Diariamente foram cumpridas as tarefas, com mais ou menos dificuldade, embora sem quaisquer problemas operacionais até ao dia 18 de Abril. De facto, na zona em que rebentou uma mina anti-carro que matou elementos da CCAÇ 2700 e no meio da picada, foi detectada e levantada uma mina anti-pessoal PMD-6, pelo 2.º GComb (por mim comandado).

A mina fora colocada naquela parte da picada (ao meio) em que o capim cresce melhor, dificultando a hipótese de ser detectada. Na realidade, caso fossemos em patrulha pelo local, poderíamos estar a lamentar uma desgraça. Eu próprio estive com um pé muito perto dela, porque estava a ouvir os elementos das milícias a explicarem o que sucedera naquele local aos camaradas da 27$00. Só que prossegui e um dos elementos civis que vinha a efectuar a capinagem da estrada, logo atrás, bateu com a ponta da catana na madeira da mina, sendo então esta detectada e levantada com os habituais cuidados para estas situações.

A emboscada do Quirafo dera-se na véspera e estávamos todos consternados pela morte de tantos camaradas da CCAÇ 3490 e eu muito especialmente porque me dava muito bem com o Alf Mil Op Esp Armandino Ribeiro (um dos mortos naquele combate), porque quer em Abrantes, quer no IAO na Guiné, tínhamos treinado acções em emboscadas e reacção às mesmas, com os nossos Grupos. Logo a seguir foi dada ordem para pararmos com os trabalhos, ao que parece por iniciativa do próprio Comandante-Chefe, ficando a reparação da estrada por terminar, embora tivesse sido muito pouco utilizada posteriormente (unicamente em uma ou duas Operações em que foram envolvidas forças dos pára-quedistas e em que houve necessidade de os colocar e recolher nas zonas mais perto do Rio Corubal).

Mas este relato prende-se, essencialmente, para referir um facto. No nosso caso, iniciaram-se os trabalhos de arranjo da estrada e quando chegámos ao fim-de-semana, as ordens foram de non-stop, ou seja mantivemo-nos sempre a trabalhar (Sábado e Domingo) o que parecia já ser uma tradição, porque também na nossa primeira Operação, após a saída dos velhinhos, na qual tivemos o primeiro contacto com o inimigo, se iniciara a mesma num fim-de-semana.

Infelizmente, no caso do Quirafo, de má memória, a CCAÇ 3490, parou os trabalhos na 6.ª Feira, para os reiniciar na 2.ª Feira fatídica de 17 de Abril, dando a possibilidade do IN organizar a emboscada, com recurso, inclusive, a um canhão sem recuo, tendo o fim-de-semana todo para escolher o local e estabelecer o plano de fogos para a zona de morte.

E aqui alguma coisa nos escapa, o porquê desta decisão? As circunstâncias que levaram o Comando a ordenar o avanço da coluna de trabalhos se, segundo alguns dizem, sabiam que alguém vira o IN nas imediações e estavam alertados para este facto. Sei que o Armandino era uma pessoa generosa, disciplinada, imbuída do espírito do cumprimento dos deveres militares – um Ranger - e que talvez nessa sua vontade de efectuar o serviço que estava previamente determinado, não tenha feito a correcta avaliação da situação, ou não tenha achado credível a informação obtida e o seu avanço com o seu GCOMB reforçado para o Quirafo, tenha sido feito sem as cautelas que, face às informações aparentemente disponíveis, se impunham, nomeadamente um avanço apeado, em vez de motorizado e ainda uma melhor distribuição do seu pessoal, talvez difcultasse aquele tipo de emboscada. Quem sabe... o que teria sido melhor?

A emboscada ainda poderia ter feito mais mortos, pois as viaturas não chegaram a cair totalmente na denominada zona de morte, dado que o condutor da primeira viatura avistou um elemento IN e lançou a viatura para a berma da estrada e a outra conseguiu retroceder e fugir da zona.

Este desastre deu-nos algumas lições, nomeadamente a sair com viaturas com os taipais erguidos, como acontecia na segurança que se fazia na estrada Piche-Buruntuma, em que o 3.º GComb da nossa Companhia quando ali esteve de apoio ao Batalhão daquela área, chamou a atenção para que as viaturas tivessem, como já era habitual em outros locais, os taipais retirados e os bancos colocados ao meio.

O nosso Batalhão chegara à Guiné em 24 de Dezembro de 1971 e aos seus locais de destino um mês depois do IAO no Cumeré. Em Abril de 1972 (em apenas 3 meses), depois da emboscada no Quirafo, o Batalhão sofrera 4 mortos em Cancolim (1 numa mina a/c e 3 numa flagelação ao aquartelamento da CCAÇ 3489) e 9 na emboscada do Saltinho (CCAÇ3490), tendo a CCAÇ 3491, tido a sorte de não ter sofridos baixas no contacto/emboscada sofrido em 11 de Março, na área de intervenção do Dulombi, ao seja 13 mortos em tão pouco tempo de Guiné.

No fim da comissão, já em Bissau, o Comando do Batalhão foi alertado por um soldado da CCAÇ 3489 (Cancolim), que fora feito prisioneiro do PAIGC e que conseguira evadir-se, que lhes referiu que o soldado António Baptista, dado como morto em combate na emboscada do Quirafo, estava vivo e era prisioneiro do PAIGC.
Nesta altura, apenas uma prece por todos aqueles que tombaram no Quirafo. Paz às suas almas.

Luís Dias

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74) que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74).

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Um convidado especial, que veio de Matosinhos, trazido pelo Álvaro Basto: o nosso tertuliano António Batista da Silva, a quem chamamos, com ternura, o morto-vivo do Quirafo.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

(**) Sobre o caso António Batista vd. postes de:

26 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

25 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e Pereira da Costa)

1 de Fevereiro de 2008
Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)

31 de Janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)

8 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

25 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)

21 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

28 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)

9 de Agosto de 2007 >
Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

30 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BCAÇ 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

26 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)

24 de Jullho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

21 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)

Notas de L.G.:

Sobre a tragédia do Quirafo, vd. postes de:

21 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

12 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3117: Álbum fotográfico do Juvenal Amado (1): Imagens de Cancolim

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, de 6 de Agosto de 2008

Caros Carlos, Virgílio, Luis Graça e restanta Tabanca Grande.

A CCAÇ 3489 pertencente ao BCAÇ 3872 ocupou o Sector L5 em Cancolim.
Substituiu a CCAÇ 2699 em 11 de Março de 1972.
Destacou um Pelotão para Sangue Cabomba e após o reordenamento de Anambé, esse posto ficou com uma Secção de apoio a um Pelotão de Milícias.(*)

Fazia parte desta Companhia, o nosso camarada Fernando Correia natural de Romariz - Sta. Maria da Feira, a quem devo a gentileza das fotos aqui publicadas.
Primeiro Cabo Apontador de morteiro 81mm, tirou Especialidade no RI2 em Abrantes.

Esta Companhia foi efectivamente bastante flagelada e o número de mortes atestam as agruras porque passaram os nossos camaradas. A situação da 3489 era, a dada altura, de forma que teve de ser reforçada por pelotões da 3491 (Dulombi) e pára-quedistas.

(*) - Sangue Cabomba nunca foi atacada. Falava-se que o facto se devia a ser Chão Santo. Pelo o contrário Anambé, que ficava a 1000 metros na direcção de Cancolim, não tardou em ser atacada assim que se fortificou a tabanca.
O sistema de protecção era arame farpado e cavalos de frisa, que se encerravam ao anoitecer. Garrafas de cerveja duas a duas, penduradas no arame farpado completavam de forma rudimentar, os meios de vigilância.
E foi assim que uma noite um grupo de guerrilheiros entrou, pois não é novidade que os milícias, por veses, abandonavam os postos e iam ter com as bajudas.
O soldado Domingos Peixoto natural de Paredes, partilhava uma cubata com a sua Secção, a qual tinha à sua responsabilidade um posto de sentinela. O camarada estranhou movimentos e disparou contra os vultos que entravam pela aldeia dentro. No acto continuo entrou na cubata e tentou sair pela outra porta, foi quando foi atingido mortalmente.
Outro camarada que sofria de ataques epilépticos, foi julgado morto pelos atacantes. Morreram ainda os milícias Califo Baldé e Samba Seide ambos de Anambé.
O IN deixou várias granadas de mão sem retardante, que eram usadas nas armadilhas de tropeçar.

E por hoje é tudo tentei traçar um perfil desta Companhia, espero que o resultado seja satisfatório.

Um abraço para todos
Juvenal Amado



Foto 1 > Um dos famosos baga-baga

Foto 2 > O Correia tocando viola

Foto 3 > Cancolim > Uma pega de cernelha

Foto 4 > Cancolim > Convívio com as bajudas

Foto 5 > Cancolim > Em conversa com a população

Foto 6 > Cancolim > O 81 respondeu ao fogo inimigo

Foto 7 > Cancolim > Abrigo do Morteiro 81

Foto 8 > Cancolim > O Correia de reforço no seu posto

Foto 9 > Cancolim > Dentro espaldar do 81, Alves do Porto, Dias da Maia, Carneiro de Penafiel e o Correia.

Foto 10 > A minha Berliett

Foto 11 > Cancolim > Petisqueira

Foto 12 > Cancolim > Evacuação do Correia com paludismo

Foto 13 > Uma ida à água

Foto 14 > Durante as chuvas, 30 dias de isolamento. As águas levaram as pontes quando os ribeiros se transformaram em rios de águas revoltas. Os atiradores faziam um cordão, dando as mãos, para as viaturas poderem passar.

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados.