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terça-feira, 15 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7943: Parabéns a você (227): António da Silva Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), prisioneiro de guerra em Conacri (Tertúlia / Editores)


PARABÉNS A VOCÊ

15 DE MARÇO DE 2011

António da Silva Batista 


A Tabanca Grande solidariza-se com o nosso camarada António Batista* no dia do seu 61º aniversário.(*)

Assim, vêm os Editores, em nome de toda a Tertúlia,  desejar-lhe um feliz dia de aniversário junto dos seus familiares e amigos.

Que esta data se festeje por muitos anos, repletos de saúde, são os nossos votos.
 

Os camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné vão erguer uma taça pela saúde e longevidade deste camarada sofredor, que conheceu as agruras do cativeiro (**), mas renascido para a vida, como se documenta aqui com a 2ª via da sua caderneta militar.

Onde quer que nos leias, um abraço,  Batista. A malta não te esquece. (***)


2ª via da caderneta militar do nosso camarigo António Baptista, emitida a 4 de Junho de 1987... Nascido a 15 de Março de 1950, na freguesia da Moreira, concelho da Maia, foi incorporado no RI 13 a 26 de Julho de 1971, tendo passado à disponibilidade em 25 de Novembro de 1974...  (Imagem reproduzido, com a devida vénia, do blogue do nosso camarigo Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné)... O Batista foi pertenceu à CCAÇ 3490 (Saltinho) do CAÇ3872 (Galomaro, 1972/74).
____________

Notas de CV:

(*) Postal de aniversário de autoria de Miguel Pessoa

(**) Para relembrar ou conhecer a odisseia do António da Silva Batista (o nosso morto-vivo do Quirafo), clicar aqui.

O Batista esteve connosco no  III Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria,  em 17 de Maio de 2008... Nessa altura gravámos o seu depoimento sobre o seu tempo de cativeiro, em Conacri (1972/74).

Vd. vídeo (5' 44''):  Luís Graça (2008). Alojado em You Tube > Nhabijões

(***) Vd. último poste da série de 11 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7924: Parabéns a você (226): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Tertúlia / Editores)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6682: Convívios (259): Convívio anual de "Os Sobreviventes" - CCAÇ 3490, Saltinho, 1971/74 (Mário Migueis)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 21 de Junho de 2010:

Caro Carlos:
Votos sinceros de muita saúde e boa disposição.

A pedido dos organizadores do último encontro de ex-combatentes da CCaç 3490 (a da emboscada do Quirafo), na mira da captação de novos convivas para os próximos, estou a remeter-te uma pequena notícia sobre o mesmo, bem como algumas fotos que a ilustram.

Considerando que, recentemente, comprei uma peruca branquinha e troquei os óculos por lentes de contacto, junto ainda uma nova foto tipo passe, onde é patente o meu novo visual. Se puderes passar a fazer uso dela na apresentação da minha prosa (e não só) futura, agradecia.

Um grande abraço
Mário Migueis


Convívio anual da CCaç 3490 - Saltinho 1971/74

“Os sobreviventes”


Quando, pouco depois do meio-dia do passado domingo, dia 13, entrei na sala do restaurante Milho-Rei, em Penafiel, onde já se comia e bebia sem cerimónia, dei comigo a exclamar mentalmente: “ora, cá estão, finalmente, os sobreviventes da desgraçada 3490!”. Na verdade, não os via desde Outubro de 1972, andando a tentar localizá-los há, pelo menos, uns cinco anos. Aliás, meses atrás, cheguei a apelar nesse sentido neste nosso santo blogue, que tantos milagres tem operado em casos congéneres. Mas, nem assim: do outro lado, nada, ninguém respondeu. Mas, como quem porfia sempre alcança, não desisti e, através do “Luís Graça e camaradas da Guiné”, cheguei ao blogue “Histórias da Guiné 71-74…”, que me havia de dar a grande pista: um artigo do Luís Dias, seu fundador e nosso camarada de tertúlia - ex-alferes de uma das outras companhias do batalhão em Galomaro e Dulombi - tinha merecido um comentário que a minha perspicácia de homem das informações – modéstia à parte – não deixou passar. E, na verdade, quem assim comentava não era gago nem um qualquer, era tão só e simplesmente o Agostinho Barbosa, um dos dois organizadores de todos os convívios já efectuados, os quais, viria a saber, vinham acontecendo nos últimos seis anos sem interrupção. Ao e-mail que lhe dirigi, respondeu prontamente com uma simpatia quase comovente. Depois, foi só esperar que decorressem os dois mesitos que nos separavam da data prevista para o encontro.

De todos os presentes, que, com os familiares que os acompanhavam, ultrapassariam a centena e meia, apenas reconheci imediatamente os ex-furriéis Aguinaldo Silva (Ponte do Lima) e Carlos Raimundo (Faro). Mas, curiosamente, embora disfarçado com barba e cabelo branco, fui imediatamente reconhecido pelo Carvalho, 1.º Cabo Cripto da Companhia, por sinal, senhor – na altura - de uma voz melodiosa, que interpretava alguns fados castiços de Lisboa de uma forma tão arrepiante e especial que nos levava invariavelmente às lágrimas. Nunca mais esqueci algumas das bonitas letras do seu reportório!

Após quinze minutos de animadas conversas e múltiplas reapresentações, já tinha o nome de cada um na ponta da língua e toda a gente sabia que “aquele da barba branca” era o Furriel das Informações. Pena que, como é natural neste género de encontros de pessoas espalhadas por todo o país e não só, se tenham registado algumas ausências, designadamente a do Comandante da Companhia, capitão miliciano Dário Lourenço, que, por razões de ordem profissional, tivera que se ausentar para o estrangeiro dias antes. Quem também não vi por lá – gostava muito de o rever, embora tenha estado com ele há relativamente pouco tempo na Tabanca de Matosinhos – foi o nosso querido camarada de tertúlia António Batista, que, na sua qualidade de morto-vivo, é uma imagem de marca da unidade em questão.

Mas, que foi uma festa bonita, lá isso foi. A concentração iniciou-se manhã cedo, seguindo-se, na Igreja do Calvário, no centro da cidade, uma missa sufragada por todos os camaradas já falecidos. Por volta do meio-dia, foi tempo de seguir para o restaurante Milho-Rei, situado a cerca de seis de quilómetros de distância, junto à estrada para Entre-os-Rios. Para além dos comes e bebes em quantidade e qualidade, não faltaram os discursos, os brindes, as brincadeiras e um bailarico abrilhantado por uma mini-banda ao vivo. Confesso que, de todos os encontros em que já participei, este foi, sem dúvida, o mais animado, com todos os participantes imbuídos num ambiente de euforia, dando mostras do seu contentamento por estarem de novo reunidos, afastadas que foram as sombras de um passado de dor e sofrimento, que a fraternidade que os ligava ajudou a esbater. Estão, pois, de parabéns o Agostinho Barbosa (Penafiel) e o Justino Sousa (Paredes), não só organizadores de mais este convívio, mas, eles próprios, também, os idealizadores, mentores e fautores do tocar a reunir as tropas, decorridas que eram já três décadas desde o regresso da Guiné. E o que estes grandes entusiastas gostariam agora era que, nos próximos encontros, mais malta da Companhia comparecesse, para que todos pudessem sentir e fazer sentir o doce sabor da camaradagem, que permanece viva e inalterável no coração de cada um. Para tal, solicitam àqueles que ainda não tiveram oportunidade de estar presentes em nenhum dos convívios anteriores que facultem desde já à Organização (agostinhorochabarbosapenafiel@gmail.com) os respectivos contactos, possibilitando assim a sua oportuna convocação para o encontro do próximo ano que, em princípio, terá lugar de novo em Penafiel durante o mês de Junho.

Outros dizem que cada vez somos menos. Cá os nossos homens da Organização preferem que se diga que cada vez seremos mais, bastando para isso que tu, caro camarada da CCaç 3490, marques a tua presença nos próximos encontros.

Até lá!

Esposende, 15 de Junho de 2010
Mário Migueis da Silva


__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (84): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

Vd. último poste da série de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6655: Convívios (173): 10 de Junho de 2010 (Arménio Estorninho)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4230: Listagem dos mortos na emboscada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972 (José Martins)

1. Mensagem de José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, com data de 18 de Abril de 2009:

Boa tarde e resto de bom fim de semana

Com atraso(?) aqui vai mais uma contribuição para o Caso Quirafo (*).
José Martins


Militares, milícias e civis, abaixo indicados por ordem alfabética, independentemente do posto e situação, que

TOMBARAM NA PICADA ENTRE MADINA BUCÔ E QUIRAFO EM 17 DE ABRIL DE 1972


ANTÓNIO FERREIRA, 1.º Cabo Radiotelegrafista, natural de Cedofeita, Porto.
ANTÓNIO MARQUES PEREIRA, Soldado Atirador, natural de Pedreira, Fátima, Vila Nova de Ourém.
ANTÓNIO MOREIRA AZEVEDO, Soldado Atirador, natural de Moreira, Maia
ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA, Soldado Atirador, natural de São Cosme, Gondomar.
ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO, Alferes Miliciano de Infantaria, natural de Mangueira, Lamego.
BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA, Soldado Atirador, natural de Pedroso, Vila Nova de Gaia.
DEMBO JAU, Sargento Milícia, Pelotão de Milícias n.º 287, natural de Sinchã Nanconi, Nossa Senhora da Graça, Bafatá.
FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS, Furriel Miliciano Atirador, natural de Ovar
SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, natural de Samil, Vila Chã de São Roque, Oliveira de Azeméis.
SERIFO BALDÉ, Assalariado, natural de Madina do Bocô, Bafatá.
TIJANE BALDÉ, Assalariado, natural de Cansamangue, Xitole, Bafatá.
ZOZIMO AZEVEDO, Soldado Atirador, natural de Alpendurada, Marco de Canaveses.

Pertenciam à Companhia de Caçadores n.º 3490, Unidade Orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 3872, mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 2 em Abrantes.

Embarcaram, em Lisboa, em 18 de Dezembro de 1971 e desembarcaram em Bissau em 24 de Dezembro de 1971.

Era comandante do Batalhão o Tenente-Coronel de Infantaria, José de Castro e Lemos, tendo como segundo Comandante, o Major de Infantaria José Carlos Moreira de Campos e Oficial de Operações e Informações Adjunto, o Major Amélio Ventura Martins Pamplona.

No comando das companhias estiveram:

Companhia de Comando e Serviços:
Capitão do Serviço Geral do Exército Jorge de Araújo Mateus,
Capitão do Quadro Especial de Oficiais, Carlos Alberto de Araújo Rolin e Duarte, e
Tenente do Serviço Geral do Exército, Mário da Encarnação Raposo.

Companhia de Caçadores n.º 3489:
Capitão Miliciano de Infantaria, Manuel António da Silva Guarda e
Capitão Miliciano de Infantaria, José Francisco Rosa.

Companhia de Caçadores n.º 3490:
Capitão Miliciano de Infantaria, Dário Manuel de Jesus Lourenço.
Companhia de Caçadores nº 3491: Capitão Miliciano de Artilharia Fernando de Jesus Pires

A divisa da unidade e suas subunidades orgânicas era “O inimigo vos dirá quem somos”.

Assumiu o sector L 5, com sede em Galomaro, e nas suas operações capturou ao inimigo uma pistola-metralhadora, duas espingardas, dois lança granadas foguete e quarenta e duas granadas de armas pesadas. Foi rendido pelo Batalhão de Caçadores n.º 4518/73 em 9 de Março de 1974.

O subsector de Cancolim foi assumido pela Companhia de Caçadores n.º 3489 em 11 de Março de 1972, destacando um Pelotão para Anambé. Foi rendida pela 2.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4518/73 em 8 de Março de 1974.

O subsector de Saltinho foi assumido pela Companhia de Caçadores n.º 3490 em 11 de Março de 1972, destacando um Pelotão para Cansamba. Foi rendida pela 3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4518/73 em 7 de Março de 1974.

O subsector de Dulombi foi assumido pela Companhia de Caçadores n.º 3491 em 08 de Março de 1972, destacando um Pelotão para Cancolim. Foi rendida pela 3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4518/73 em 7 de Março de 1974. Em 9 de Março de 1973 foi transferida para Galomaro, assumindo a responsabilidade do subsector atribuída, até então, a Companhia de Comando e Serviços do Batalhão. Cedeu um Pelotão para reforço da guarnição de Piche, Pelotão este que foi posteriormente deslocado para Nova Lamego. Foi rendida pela 1.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4518/73 em 7 de Março de 1974.

Efectuaram o regresso em 28 de Março de 1974.

José Martins


2. Comentário de CV:

Deixo desde já um agradecimento público ao nosso bom camarada José Martins, que apesar de ter uma vida profissional intensa, dispensa muito do seu tempo de descanso para colaborar connosco, sempre que lhe pedimos alguma coisa. Muitas vezes, quase adivinhando o nosso pensamento, envia-nos trabalhos complementares aos assuntos em actualidade no Blogue.


3. Caberá aqui incluir um velho documento que o nosso camarada António Batista descobriu entre os seus papéis


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Notas de CV:

(*) Vd. postes de 17 de Abril de 2008:

Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)
e
Guiné 63/74 - P4202: Dia 17 de Abril de 1972. A emboscada do Quirafo, 37 anos depois (Mário Migueis)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4202: Dia 17 de Abril de 1972. A emboscada do Quirafo, 37 anos depois (Mário Migueis)

1. Ainda a extensa mensagem do dia 12 de Abril de 2009, nosso camarada Mário Migueis, reparem que já vamos no terceiro poste, desta feita com uma mensagem não enviada ao Paulo Santiago.

O fim é dramático. Um homem só, entregue aos seus sentimentos de revolta e impotência.

Hoje perguntamos, quem mandou fazer as guerra e porquê. Que fomos nós? Peões manejados em nome da defesa de um Império desajustado à realidade do País e dos tempos. Mortos, feridos, estropiados, para quê?

Foi preciso derrubar o regime para acabar com a guerra. Descolonização precipitada, face à desorganização própria de um país em mudança.
As mortes continuaram nos países palcos da guerra. Não foram perdoados aqueles que se sentindo portugueses, lutaram ao nosso lado. Foram abandonados à sua sorte, e nós, ainda que sãos e salvos na nossa terra, fomos esquecidos, pior ignorados.

Passados tantos anos, quanta dor ainda persiste nos ex-combatentes e seus familiares.
CV


2. Continuação da mensagem de Mário Migueis da Silva, iniciada no poste 4194 (1)

Carlos Vinhal:

Peço-te desculpa, mas, ao mexer para aqui nos meus canhenhos, já após ter concluído o texto acima (1), fui encontrar o print de uma mensagem inacabada (escrita entre Outubro e Novembro/2006 – o print não tem data), a dirigir ao Paulo Santiago, via e-mail, mas que, devido àquele problema de saúde a que atrás aludi, não cheguei a expedir.

Como sei que o Paulo é homem para, uma vez mais, me perdoar, até porque, curiosamente, fica aqui comprovado que eu poderia tê-lo ajudado a desmontar aquela confusão de nomes do desaparecido na emboscada e não o fiz, vou pôr à tua consideração a publicação de parte da inédita mensagem (desde que o Paulo aprove, claro…)

Ora, aí vai:

Caro Paulo Santiago:

Acabo de constatar que tomaste a liberdade de providenciar a publicação da minha msg no blogue do Luís Graça. Não estava a contar que o fizesses, caso contrário não teria falado das eventuais “imprecisões da emboscada do Quirafo”, já que tal poderia levar os nossos amigos tertulianos a pensarem que a história estava muito mal contadinha. E, na verdade, não é assim. O teu relato corresponde ao que basicamente se passou e as imprecisões a que quis aludir são meramente de pormenor . Não te vou falar ainda em concrecto sobre elas, como me pedes, porque, como te disse anteriormente, quero, antes disso, trocar impressões com, pelo menos, um ou dois elementos da companhia do Lourenço, o que espero poder fazer brevemente. É que há alguns pormenores a que fazes referência que me surpreendem e, em relação aos quais, acabei, eu próprio, por ficar com dúvidas. Por exemplo (apenas um, por agora), nunca me constou, e considero tal inverosímil, que, em Madina Bucô, o Armandino tivesse sido avisado de movimentos suspeitos para os lados do Quirafo na véspera (domingo), conforme te deram a conhecer (suponho que durante as visitas que, entretanto, fizeste à Guiné). Tu próprio, aliás, te mostraste incrédulo (“qual a razão que levou o Armandino a não acreditar?...”). E, por outro lado, nem estou a imaginar o Armandino, com avisos ou sem eles, a obrigar civis e milícias a entrarem para a GMC. Como sabes, a malta da Companhia tinha pouco mais de três meses no Saltinho , não tendo qualquer ascendente sobre as populações locais. Para além do mais, seria, no mínimo, absurdo que, perante um pequeno sinal de perigo que fosse, o Armandino e o Santos permitissem que fosse tudo para ali ao monte dentro da GMC, como passarinhos indefesos numa gaiola. (…)

A propósito de mentiras inocentes, onde é que o Cosme, esse desinformador do caraças (um abraço para ele!), foi descobrir que o desaparecido em combate se chamava Ferreira?!... O desaparecido chamava-se e chama-se BATISTA, aliás, ANTÓNIO DA SILVA BATISTA, aliás, MORTO-VIVO, que é assim que, ainda hoje, é conhecido na terra em que foi sepultado (salvo seja!...), e mora aqui para os lados do Porto. Falei com um grupo de “velhos camaradas da sueca” de Pedras Rubras – aquela malta que, em dias de sol, se diverte a bater umas cartitas ao ar livre – os quais me remeteram para a mercearia lá do sítio, onde a filha do dono me apresentou ao pai, que me disse conhecer bem o Batista (até assistiu ao seu funeral, que passou mesmo ao pé da porta do estabelecimento!...) e me remeteu, por sua vez ( anunciando-me prévia e educadamente por telefone), para o farmacêutico, que ficava para os lados do estabelecimento prisional de Stª Cruz do Bispo, que me passou para o barbeiro ao lado (este com origens no interior montanhoso, mas casado em Santa Cruz já vai um “rôr” de anos), que logo incumbiu um amigo, que passava ao pé da porta, e que, por sinal, era antigo guarda prisional do hotel em frente, de me ir indicar o café do filho do Batista, aquele que morreu na tropa e depois apareceu na terra.

(“Tás a ver a trabalhêra?!...)*. Como, com tanto “passa a palavra”, se fez entretanto noite e me recomendaram ao ouvido algum cuidado, àquelas horas, ali pelas imediações da prisão – “algumas visitas, sabe!”, explicava em surdina o meu guia de circunstância(?!) -, regressei à base sem ter chegado ao Batista. Mas, um dia destes, com mais vagar, vou procurá-lo de novo, para que ele diga também de sua justiça.

Devo ter ainda no sótão, lá no meu baú da guerra, as notícias do regresso dele, após o 25 de Abril. Achas que seria interessante a sua publicação no blogue? Devo ter também, pelo menos, cópia do croquis da emboscada. Fotografias não há, que ninguém teve a ousadia… Recordo-me de que, naquele dia, na messe, só eu consegui almoçar. Três da tarde, cheio de fome, cansado de esperar que aparecesse mais alguém, fui-me servir ao panelão abandonado na cozinha. Era jardineira, nunca mais me esqueci, dadas as circunstâncias. Enquanto comia, o aroma do guisado misturava-se com o cheio horrível dos corpos queimados, que vinha pelas portas abertas adentro. Um cheiro enjoativo, acre!... Contudo, saciei a fome descontraidamente. Com a maior naturalidade. O sentido da sobrevivência é realmente extraordinário!... Ao jantar, o enfesado transmontano do bar serviu-me a correr e pirou-se, logo a seguir, para o abrigo: o tipo já sabia que ninguém mais iria aparecer. E, assim foi. Passei toda a noite sozinho, a escrever, enquanto, a cinco metros de distância, na parada, trabalhavam os cangalheiros (chegados, ao anoitecer, penso que de Bissau) naquela infinidade de urnas. A cada martelada, eu recordava já com saudade os infortunados Armandino e Francisco Santos (aqueles que, como sabes, me eram mais próximos) e ia escrevendo “à toa”, para ninguém:



“Vinte e duas horas. Do dia mais triste da minha vida.

Aqui, na desoladora messe de sargentos, apenas eu! Nem o moço do bar ficou. Todos recolheram à solidão dos abrigos, possivelmente para meditar.

Lá fora, um silêncio de morte! Um silêncio sepulcral de que faz parte o bater seco e cadenciado de um martelar, que tende a rebentar-me os tímpanos e o sistema nervoso! Já o não suporto mais.

Corro para a porta, a fechá-la. E não posso evitar um fugidio olhar! Um fugidio olhar suficiente para que sinta o coração esfrangalhar-se-me e este terrível nó seco na garganta, que me comprime a alma: o cangalheiro, rodeado de urnas por todo o lado, trabalha. Sereno. Indiferente.

A certa altura, parece-me ouvir alguém assobiar baixinho ou a trautear uma qualquer cantilena!... Volto a correr para a porta, enraivecido...Nada!... O cangalheiro prossegue no seu trabalho. Com a mesma serenidade, a mesma indiferença. E o sentimento de revolta apodera-se de mim com mais intensidade! Sinto vontade de lhe cair em cima. De o agredir, de lhe dar dois murros!...

Mas, contenho-me. Volto covardemente para o meu canto, como um cão lazarento com o rabo entre as pernas, e ponho-me a pensar. A tentar reflectir sobre o que se passa comigo e com a cena macabra que me envolve.

Vêm-me à cabeça as lágrimas, os abraços e os lenços brancos das despedidas, lá no cais de não sei quantos, em Lisboa. Meu Deus!… , e os pais?!... Que será dos pobres pais, coitados!, quando souberem da triste nova?!... Eles que, cada dia, antes da deita, caem de joelhos aos pés de Cristo, da Virgem, do Anjo da Guarda e de todos os santos protectores, a pedirem a salvação dos seus filhinhos?!...

“Era tão bom, tão alegre, tão cheio de vida!...”, é isso que vos espera, camaradas, lá no outro lado do mundo: o choro, o lamento, a recordação. E nós, por cá,…

…Nós, por cá, todos bem, graças a Deus!... Beijos para os manos, tios e priminhos. Para todos, votos de um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de prosperidade! Adeus, até ao meu regresso!

Saltinho, 17 de Abril de 1972
Mário Migueis Ferreira da Silva

* - Observação actual do autor àquela “trabalhêra” toda, confessada ao Paulo Santiago: o Álvaro Basto, fino!, pegou numa lista telefónica e resolveu o problema da localização do Batista num minuto. Como diria o saudoso Fernando Pessa: “E esta, heim?!...

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Nota de CV:

(1) Ver poste de 17 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)

1. Na sua mensagem de apresentação, o nosso camarada Mário Migueis da Silva incluia este precioso testemunho sobre o caso da emboscada do Quirafo. Deixámos propositadamente esta parte da mensagem para hoje, dia em que se completam 37 anos de tão infausto acontecimento.

Incluímos ainda uma mensagem do camarada Paulo Santiago, que se interessou pelo caso Batista e pela completa informação à viúva do nosso camarada António Ferreira, ajudando a acabar com as dúvidas que ainda persistiam no íntimo da D. Cidália.

Este caso carregou muita carga dramática, pelos motivos já falados, e aflorados de novo hoje. Coincidências tristes originaram incertezas e sofrimento que só os protagonistas poderão descrever. A guerra e a sua bestialidade. CV


2. Continuação da mensagem de Mário Migueis da Silva, iniciada no poste 4194 (*)

[...] Dito isto – bem digo eu que, quando um antigo combatente começa a falar da guerra, não se cala mais! -, vamos, então, ao que me leva, assim de repente, a interromper o meu silêncio.

Após a minha mensagem de 2006, atrás referida (a), ao Paulo Santiago, era minha intenção vir, mais à frente, a intervir directamente no blogue, a dar conta da minha própria experiência nas unidades por onde passei e, muito especialmente, a dar o meu testemunho sobre a tragédia do Quirafo, que vivi de muito perto, já que me encontrava na altura no Saltinho, conhecendo todos os malogrados camaradas que tombaram sob o fogo impiedoso e traiçoeiro das armas inimigas.

Tinha, inclusivamente, prometido ao Paulo que iria tratar de localizar o Baptista – o nosso querido morto-vivo - e, com efeito, andei por Pedras Rubras e Santa Cruz do Bispo, a perguntar pelo nosso homem. O que é facto é que, quando já tinha o cerco montado à residência do procurado, tive que, por razões de força maior, adiar o golpe de mão para melhor oportunidade. Pelos vistos, o Paulo é que não ficou à espera das minhas diligências – estava ele bem servido! – e, com a colaboração da Tabanca de Matosinhos, tratou de apanhar o Baptista à mão – uma vez mais, chiça!... - e de o obrigar a confessar tudo.

Superado, entretanto, o problema que eu vinha tendo com o meu pobre sistema ocular e cujo agravamento me obrigou a afastar do computador durante os dois anos de tratamento a que me sujeitei, passei, muito recentemente, a aceder de novo ao blogue e confesso que tenho lutado muito comigo mesmo para contrariar a vontade de intervir em algumas das discussões vindas a lume, já que receio forçar a vista e voltar à estaca zero. Porém, estes últimos postes com intervenções relacionadas com o nosso camarada António Ferreira, um dos nossos mortos em combate no maldito Quirafo, obriga-me a acrescentar – e com a urgência possível - alguma coisa ao já relatado, sob pena de não ficar de bem com a minha consciência.

Não sou muito de dramatizar situações mas, algo comovido com a história da viúva do António Ferreira (pudesse eu adivinhar que, a apenas 40km de distância da minha casa, alguém, ao longo de anos a fio, se recusava a perder a esperança de um dia rever o marido, que, afinal, eu sabia garantidamente morto!...), li e reli todos os textos publicados no blogue sobre a emboscada do Quirafo – quase todos da autoria do Paulo Santiago, um combatente de raça, podem crer! - , a fim de tentar perceber melhor o fundamento de algumas das afirmações e comentários sobre pormenores do acontecido, já que, no P4117 (b), de 02 do corrente mês, é referido que “…o Álvaro Basto, ex-Furriel Mil Enf da Cart 3492 (Xitole, 1971/74) constatou pessoalmente, no Saltinho, a impossibilidade de reconhecer os cadáveres dos nossos camaradas da CCaç 3490, que morreram na emboscada do Quirafo, incluindo o António Ferreira…” .

Ora, esta alegada constatação do Álvaro Basto, cuja presença no Saltinho, bem como a do Alf Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo, me passou despercebida no meio daquela verdadeira barafunda – pelo menos, não me lembro de os ter visto -, leva (ou pode levar) os leitores a concluírem que nenhum dos mortos terá sido identificado e os familiares a interrogarem-se mesmo sobre a realidade (o quê ou quem?) escondida naquelas urnas seladas, chumbadas,(**) que um dia lhes remeteram para casa.

Recuando, então, até aos postes de 2006, fui extraindo alguns dos tais comentários e achegas referentes ao tema em questão, susceptíveis (na minha opinião) de, ao longo do tempo, terem vindo a alimentar alguma escusada inquietação e ansiedade por parte dos familiares dos nossos camaradas mortos, os quais passo a transcrever, por ordem cronológica, para , em seguida, prestar o esclarecimento que julgo pertinente:

- P984 / Fur António Duarte/Mansambo:

“…Daquilo que me lembro, havia dois ou três companheiros, vítimas da emboscada, que foram dados como desaparecidos…” (c)

- P987 (Julho/2006)- Comentários do L.G.:

“… O que nos choca, ainda hoje, é o cinismo, o desprezo, o despudor das autoridades militares da época, que, incapazes de falar a verdade às famílias………………., mandavam para os nossos cemitérios caixões de chumbo….vazios!!!............. …….Infelizmente, em muitos casos, manteve-se a suspeita de que os caixões que vinham do Ultramar (e da Guiné, em particular) não traziam os restos mortais dos nossos soldados, mas apenas pedras…” (d)

- P990 (Julho/2006):

“…há um 1º.Cabo de Transmissões que, a certa altura, se levanta, salta com o AVP1 às costas, apanha um tiro num braço e corre em direcção aos atacantes. É apanhado à mão….” (e)

- P1000 (Julho/2006):

“…um dos sobreviventes fala no caso do transmissões que viu ser apanhado à mão, e que estava ferido num braço”. E, mais à frente: “O homem das transmissões desaparecera e iria ser dado como morto”. (f)

- P1230 (Out2006):

O Paulo Santiago, dirigindo-se a mim: “…há dias, o Cosme, um dos meus cabos, disse que o cabo apanhado à mão no Quirafo se chamava Ferreira, e não Batista, nome que utilizei no relato, pois era o que tinhas indicado quando almoçámos em Aveiro e falámos do caso. “ (g)

- P1985 (22/07/2007: “… O Álvaro Basto tem uma questão pertinente. No dia da emboscada, ele e o Alf. Médico Azevedo, que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, a fim de passarem as respectivas certidões de óbito. O Dr. Azevedo, apesar da insistência do Lourenço (capitão da CCaç.3490) recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados…”(h)

Ainda no mesmo post:

“… o António Batista é assaltado por outra perplexidade: - Tenho desde sexta feira outra dúvida – diz ele – um conterrâneo meu, da Maia, António Oliveira Azevedo, ia também a monte na GMC, tendo sido dado como desaparecido em combate. Nunca apareceu…”

- P4046 / Comentários do Luís Graça:

“…Como houve pelo menos um caso de troca de identidades……….e, além do mais, os cadáveres estavam irreconhecíveis, desmembrados e carbonizados (de acordo com o testemunho do Alf Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo e do Fur Mil Enf Álvaro Basto),…., ficou, fica, ficará sempre a atroz dúvida: será que o meu marido morreu mesmo na emboscada?”(i)

Após a leitura destes excertos dos postes assinalados, é fácil, afinal, perceber as dúvidas que vieram assaltando até agora a D. Cidália Cunha, viúva do nosso camarada António Ferreira, de facto o único especialista de transmissões presente no grupo emboscado!... A confusão do número de desaparecidos, o radiotelegrafista apanhado à mão, o 1.º Cabo de Transmissões que, com um AVP 1 às costas… Enfim, parece que tudo se conjugava para lhe transmitir a ideia de que o marido, em vez de, irremediavelmente, morto, poderia, afinal, ter simplesmente desaparecido, ter sido aprisionado e voltar ainda um dia, quem sabe?... “Mas, e a urna?”, - perguntar-se-ia. “Sabe-se lá o que contém a urna!...”, - resposta de alguém…

Vamos, então, aos comentários e esclarecimentos prometidos, que visam, no final de contas, confirmar a generalidade das últimas conclusões do Paulo Santiago e desfazer a ideia de que os corpos estavam mesmo irreconhecíveis.

Malgrado toda a confusão gerada pelas informações deste e daquele de que alguém das transmissões teria sido apanhado à mão, o que é facto é que, na emboscada do Quirafo, apenas foi, com toda a certeza, capturado o soldado António da Silva Batista (Atirador de Infantaria) e, muito provavelmente, um nativo que seguia igualmente na GMC para os trabalhos de desmatação da picada, conforme referido pelo Batista na entrevista que concedeu ao “Comércio do Porto”, em 18/09/1974, após a sua libertação e regresso a casa.

Nenhum outro militar da CCaç 3490 foi capturado pelo IN, correspondendo o número de cadáveres recuperados ao número dos elementos das NT em falta menos um, o qual, assim se justificava, foi dado como desaparecido. Foi possível distinguir os cadáveres dos elementos POP e milícias mortos, os quais, segundo me informaram na altura, foram devidamente identificados pela população de Madina Bucô – a mais próxima do Quirafo -, de onde eram originários, tendo os respectivos parentes assumido a responsabilidade da sua guarda e inumação.

Ouvi, rodeado de um pequeno grupo de soldados aterrorizados (os mortos vinham a caminho!), as primeiras declarações do Maximiano, condutor da GMC, ao encontro do qual me dirigi nas imediações do aquartelamento do Saltinho, onde ele, em visível estado de choque, acabava de chegar pelos próprios meios (correndo, a corta-mato), desde o local da emboscada. Transmitiu-me repetidamente - entre outros pormenores, obviamente - que o Batista conseguira saltar da viatura antes desta ter explodido e que o vira a correr, ensanguentado, pelo mato.

Ora, como todos os mortos recolhidos se encontravam na picada, e a fazer fé no testemunho do Maximiano, nenhum dos corpos podia, pois, ser o do Batista, cujo nome, confesso, nada me dizia. Aliás, no dia seguinte, foi feito o reconhecimento ao local da emboscada com reforços chegados de outra(s) Companhia(s) do Batalhão (e, eventualmente, de outros vizinhos, mas disso já não tenho a certeza) e apoio de um helicóptero, visando, inclusivamente, detectar e recuperar o tal homem desaparecido. Como não tivéssemos sido bem sucedidos nas buscas efectuadas, concluiu-se que o mesmo, das duas, uma: ou tinha sido capturado pelo IN ou, provavelmente ferido com gravidade, teria sucumbido algures em plena mata - “devorado até pelas feras, quem sabe?“, conjecturou-se, na altura.

Não acredito na história de que “…só o Cap Lourenço afirmava que ele tinha morrido, o resto da companhia (a CCaç 3490) afirmava que ele estava vivo…” (P987, de Julho/06), ou melhor, não acredito que as duas versões tivessem constado simultaneamente no Saltinho, conforme somos levados a supor pela leitura do post (pelo menos até 20/10/1972, altura em que regressei à Metrópole, tal não aconteceu). Agora, o que parece ser claro é que, se porventura, mais tarde, aqueles que, como eu, tinham ouvido da boca do Maximiano a informação de que o Batista saltara da viatura e conseguira atingir a mata, perguntassem ao Cap Lourenço quem tinha realmente desaparecido, este responderia imediatamente (ou após consulta dos papéis, era o mais certo!) que era o António Oliveira Azevedo, uma vez que era este que, como tal, constava na listagem oficial em seu poder. E, então sim, seria imediatamente contestado e passariam a coexistir publicamente as duas versões.

Mas, a verdade é que toda a gente terá ficado convencida (poderá admitir-se alguma excepção, claro) de que o Batista tinha igualmente acabado por perecer, embora o corpo não tivesse sido encontrado. O próprio comunicado de guerra do PAIGC relativo à emboscada (fazia parte da minha rotina ouvir e gravar estes comunicados do IN na Rádio Conacri) era omisso quanto à captura de prisioneiros, o que terá reforçado a tese do comando, ao qual dei a gravação a ouvir, de que o desaparecido terá morrido algures na mata, embora eu tenha sempre chamado a atenção – lembro-me bem disso - para o facto de ser prática conhecida, nossa como do IN, não dar a saber ao adversário a existência de prisioneiros, por forma a poder explorar, eventualmente, informações a recolher dos mesmos (era dos livros!).

Essa possibilidade em aberto, nunca deixei de a considerar, até porque, por incrível que possa parecer - dados os milhares de soldados que, ao longo de uma década, passaram pela Guiné -, quando, um colega do banco onde eu, na altura, trabalhava, chegou com a história de que vinha nos jornais a notícia do regresso de um militar que fora dado como morto na Guiné, comentei imediatamente: - Nunca se sabe se não é um soldado que nos desapareceu durante uma emboscada e que nunca mais voltámos a ver!. No minuto seguinte, estava a comprar o JN - Jornal de Notícias e o Comércio do Porto. O resto, já todos sabeis.

Ah!..., mas dizia eu que toda a malta estava convencida de que o Batista fora repasto para alguma fera e, como tal, quem quereria saber de questionar pormenores?!... Cada um tratou de se remeter ao seu canto e ao seu silêncio. Os mortos estavam a caminho de ser enterrados e o que era preciso era cuidar dos vivos, que a missão ainda nem no adro ia.

Para os camaradas que o conheciam bem, o desaparecido em combate teria o nome de Batista e assim seria recordado. Para o Cap Lourenço e para o Alf Rainha, a listagem que tinham elaborado era de nomes próprios que, porventura, não lhes diziam muito (pertenciam ao grupo do Alf Armandino) e, se calhar, nunca lhes deu para reverem, uma vez que fosse, as cópias da papelada que tinha acompanhado os corpos ou para comentarem os seus termos com quem quer que fosse e, muito menos ainda, para difundirem a listagem pelos restantes elementos da Companhia. Inclino-me até a acreditar que esqueceram rapidamente quem foi e quem não foi que fizeram constar como mortos, feridos e desaparecidos, excepção feita para os casos do alferes e do furriel. E, como atrás já referi, nunca ouvi de ninguém, durante os seis meses que ainda permaneci no Saltinho, qualquer comentário sobre eventual equívoco na identificação das vítimas.

Até à publicação no blogue da lista oficial dos mortos, feridos e desaparecido, que foi elaborada no gabinete do Comandante, onde eu próprio trabalhava (duas secretárias a dois metros de distância uma da outra: a do Cap Lourenço e a minha), nunca me passou pela cabeça que pudesse não estar correcta (nunca senti ou tive necessidade de a consultar e o ambiente - de cortar à faca, com uma atitude hostil da minha parte em relação ao Comando - não era favorável a grande troca de impressões, evitando eu imiscuir-me tanto quanto possível naquilo que não me dizia respeito), sendo minha convicção que o lapso verificado na identificação do corpo - evidenciado publicamente após o regresso do Batista - tivesse acontecido em Bissau, durante a trasladação dos cadáveres para a metrópole.

Mas, o que terá, então, induzido em erro o Lourenço e o Rainha, levando-os àquela troca de condição (morto ou desaparecido) entre os soldados António Batista e António Azevedo?

Penso (mas já não posso garantir) que, em primeiro lugar, foi feito o levantamento dos elementos em falta no Grupo de Combate e, só em seguida, a verificação e reconhecimento dos cadáveres, com a colaboração dos camaradas que lhes eram mais próximos. Talvez aqui se tenha verificado o lapso, quando alguém, que não ouvira o Maximiano, apontou o corpo do António Azevedo como sendo o do Batista. E como, estando os restantes corpos identificados, ficava a faltar o corpo do primeiro (o do António Azevedo), foi este dado como desaparecido. Mas, atenção!, isto não passa de uma mera teoria, podendo, como tal, corresponder à realidade ou não.

Como o Alf Rainha já não se encontra, infelizmente, entre nós, caberá (caberia?) ao Cap Lourenço (porque não?...) prestar o devido esclarecimento, já que foram os dois quem superintendeu na elaboração das listagens e relatórios, impondo-se, a bem da verdade, que se acrescente que, quem, como eu, pôde testemunhar todo o terror e desorientação provocados por aquela verdadeira tragédia, no seio de uma Companhia de jovens soldados com apenas três meses de Guiné, compreende, sem grande esforço, que qualquer falha deste tipo pudesse facilmente acontecer, pese, embora, a gravidade das eventuais consequências – mas, quem estaria tão responsavelmente preocupado com isso naquele momento?! Não éramos, afinal, todos uns miúdos, como escreveu ou disse algures o nosso antigo camarada de armas António Lobo Antunes?!...

Já agora, quanto à guerra dos papéis (que, ficámos a saber, havia de se revelar desastrosa), a mim, que era carta fora do baralho, tocou-me apenas a parte artística (perdoai-me o cinismo), ou seja, fui solicitado - embora tal não me competisse - para a feitura do croquis da emboscada, do qual conservo ainda uma cópia (claro que fiz igualmente a parte que me competia realmente a nível do SIM, que era elaborar e remeter para o Com-Chefe o Relatório de Informações relativo à emboscada).

Avancemos, agora, em passo mais rápido, para o resto do esclarecimento, que já tarda.

O Paulo Santiago, altamente motivado pelo Luís Graça (penso que os restantes co-editores só apareceram mais à frente), teve o grande mérito de, paulatinamente, ir recolhendo novas pistas, novos depoimentos, embora vagos e algo imprecisos, que o foram levando a correcções de pormenor, as quais poderiam parecer irrelevantes, mas, para os familiares de alguns dos nossos camaradas mortos, que – soube-se agora – seguiam atentamente toda a informação difundida no blogue, viriam a revelar-se importantíssimas, já que ajudavam a desfazer dúvidas que os atormentavam desde sempre ou que os passaram a inquietar a partir de determinada altura. Para além do mérito do seu excelente esforço de pesquisa aquém e além-mar – só mesmo alguém com a generosidade e pertinácia do Paulo! -, é justo que se saliente a sua honestidade intelectual – que grande palavrão! -, quando, a páginas tantas do P4046, de Março de 2009, assume que “…talvez tenha lançado algumas dúvidas no espírito da Cidália, ela não me disse, mas até encontrar o Batista, estava convencido que o militar apanhado à mão no Quirafo – penso que está nos meus postes – era de transmissões e também havia a troca de nomes”.

Infelizmente, eu tinha deixado entretanto de aceder ao blogue e perdi, assim, a oportunidade de o rectificar, já que estava à vontade para insistir que o desaparecido se chamava mesmo Batista e tinha a especialidade de Atirador, conforme nossa conversa anterior em Aveiro. Mas, há ainda um antecedente curioso - para não lhe chamar outra coisa! – no meio de tudo isto. Vejam só:

Em 18 de Setembro de 1974, o JN entrevista o Batista, acabado de regressar à terra, após a sua libertação, e deixa, entre outras, a informação do seu nome completo (António da Silva Batista) e da respectiva especialidade (Atirador de Infantaria). Como explicar, então, que as fontes de informação do Paulo Santiago tivessem, posteriormente, feito tanta confusão com a especialidade do desaparecido (“era de informações(!); era radiotelegrafista(!)”)?...

Com toda a sinceridade, acho que, involuntariamente (tal como o Paulo Santiago), contribuí para a confusão. E passo a explicar porquê:

No conto de minha autoria “O Morto-Vivo”, inspirado na história do Batista e publicado pelo JN em 28 de Setembro de 1985, o “dito-cujo” tem a especialidade de “Transmissões”, tendo sido, por castigo, destacado para aquela missão, em que desapareceria sem deixar rasto.

Já todos perceberam onde quero chegar, é isso mesmo! Admito como muito provável que vários dos nossos camaradas que tiveram acesso à leitura do conto (não pela sua qualidade literária – coitadinho do conto! -, mas pelo seu título apelativo e já familiar e, acima de tudo, pelo facto de ter sido publicado no jornal de maior tiragem no nossos país), tenham ficado com o registo no subconsciente de que aquele tal desaparecido no Quirafo, de que muito se falou, era mesmo de Transmissões, quando, na verdade, a especialidade por mim escolhida para a personagem era, também ela, mera ficção.

Vamos, agora, à parte mais delicada deste assunto, razão fundamental desta minha intervenção no blogue, que é a das dúvidas quanto ao conteúdo das urnas.

É verdade que, como o Luís Graça refere no P987, de Julho/2006, sempre constou que mandavam para os nossos cemitérios caixões de chumbo vazios ou com pedras. Porém, felizmente, não terá sido esse o caso na situação em análise, já que testemunhei a transferência dos cadáveres dos balneários, onde estiveram temporariamente expostos, para as respectivas urnas, as quais, quando chegaram ao Saltinho, foram depositadas na parada, junto à messe (parte nascente). Cada uma delas, após fechada e selada, foi marcada a tinta com um número de ordem - precedido de um “X” (?) -, correspondente ao de cada morto constante na listagem oficial, por forma a não haver equívocos. Despachadas as urnas para Bissau, acompanhadas da listagem referida, não havia razão nenhuma para que não viessem a chegar ao respectivo destino no continente com a identificação devidamente controlada.

É claro que a responsabilidade da identificação dos corpos coube ao comando, que contou, para o efeito, com a colaboração de todos quantos foram capazes de ir reconhecer nos cadáveres expostos os alegres amigos e camaradas de umas horas antes, como foi o meu próprio caso. Não tendo uma relação muito próxima com a quase totalidade dos soldados, dado que, para além de não lidar directamente com eles, a Companhia encontrava-se no Saltinho há apenas três meses, reconheci prontamente alguns dos seus cadáveres (quase podia jurar que o fiz também em relação ao António Ferreira, cuja foto, agora publicada no blogue, me avivou a recordação da sua figura). Outros, pese embora o facto de se encontrarem carbonizados, foram identificados sem qualquer hesitação pelos camaradas mais chegados, tal como eu fiz em relação ao Alf Armandino e ao Fur Santos.

Não corresponde, pois, à realidade a ideia de que não terá sido possível a identificação dos corpos, conforme poderia inferir-se do teor do P4117. Na verdade, o Fur Álvaro Basto e o Alf Médico Alfredo Azevedo poderão não o ter conseguido fazer (e, se calhar, é justamente isso que o Álvaro pretende dizer), justificando-se perfeitamente a eventual recusa de emissão das certidões de óbito (não conhecendo pessoalmente as vítimas e perante corpos tão maltratados, mais não se lhes poderia exigir, mesmo disponibilizando-lhes os documentos de identificação, com foto, da totalidade das vítimas). Mas, outros puderam fazê-lo com segurança: traços fisionómicos e/ou outros característicos permitiram, felizmente, esse reconhecimento, pelo que não havia razões para inventar nada, como terá sido o caso em situações análogas (constava, não sei se de facto existiram) verificadas nos três teatros de operações. De qualquer modo, acredito que, na Guiné, durante o consulado de António de Spínola, isso seria absolutamente desaconselhável de tentar, dado o pendor patriarcal do General e a sua reputação de Comandante-Chefe implacável para com os incompetentes e irresponsáveis.

Assim, e em síntese, não haverá razões para duvidar de que, com excepção da urna remetida para a família do Batista, que, tudo leva a supor, continha o corpo do António Oliveira Azevedo, todas as restantes enviadas para a Metrópole continham os cadáveres efectivamente correspondentes às fichas de identificação que as acompanhavam, podendo os familiares dos nossos camaradas mortos em 17 de Abril de 1972, na emboscada do Quirafo, ficar sossegados sob esse ponto de vista, tal como poderá a D. Cidália continuar a venerar a memória do seu marido na sua sepultura de sempre, na certeza de que ali estarão os seus restos mortais.

(**) estes dois últimos adjectivos foram propositadamente extraídos dos comentários do Luís Graça no P4046

Esposende, 09/Abril/2009
Mário Migueis Ferreira da Silva
migueisdasilva@gmail.com

Nota: Gostaria de, através do blogue ou outra forma de contacto, saber notícias da malta da tão sacrificada “3490” (Que é feito de ti, Custódio Henriques?!... E de ti, Fonseca?!...Ninguém fala, ninguém diz nada!...).


3. Mensagem de Paulo Santiago com data de 15 de Abril de 2009:

Vinhal:

Estou a enviar-te esta mensagem porque serve para melhor compreendermos as causas do Luto Traumático da Cidália, viúva do 1.º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, morto em combate no Quirafo em 17 de Abril de 1972.

Em Junho de 1972, dia 6, chegou a Águas Santas o Armão Militar transportando a urna com o corpo do António Ferreira que foi depositado no Mosteiro, para as respectivas cerimónias fúnebres com Honras Militares. O mesmo armão seguiu para Moreira da Maia transportando outra urna que vinha identificada como sendo do Soldado António da Silva Baptista.

Em Setembro de 1974, trabalhava a Cidália numa fábrica de confecções em Rio Tinto, recebe, nesse seu local de trabalho, um telefonema informando-a que o António Ferreira estava vivo e a chegar a casa. Imaginem a situação. O patrão, acompanhado pela esposa, agarram no carro e transportam a Cidália até Águas Santas, onde se encontrava uma verdadeira multidão, tanto assim que resolveram deixar o automóvel e irem a pé até à residência da Cidália, onde esta entrou e não encontrou o amado marido. Algumas pessoas dirigem-se a ela perguntando-lhe:
- Onde está o Ferreira?
- Não está aqui - responde-lhes.

Alguém chega e diz:
- Quem já chegou foi aquele, o Baptista, de Moreira da Maia, sepultado no mesmo dia do Ferreira.

Lá segue a Cidália ao encontro do Baptista, onde se encontrava outra multidão. Falou com ele, lembrava-se do Ferreira mas não tinha qualquer recordação se ele ía na coluna, emboscada no Quirafo.

A Cidália confessou à Cátia que aquele dia de Setembro foi o mais feliz e o mais traumático da vida dela.

Paulo Santiago

__________

Notas de CV:

(a) Vd. poste de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1230: Onde se fala do Henriques da CCAÇ 12, do ranger Eusébio e da tragédia do Quirafo (Mário Miguéis)

(b) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

(c) Vd. poste de 24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)

(d) Vd. poste de 25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P987: A propósito do morto-vivo da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) (Paulo Santiago]

(e) Vd. poste de 26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

(f) Vd. poste de 28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

(g) Vd. poste de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1230: Onde se fala do Henriques da CCAÇ 12, do ranger Eusébio e da tragédia do Quirafo (Mário Miguéis)

(h) Vd. poste de 22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

(i) Vd. poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4194: Tabanca Grande (134): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné 1970/72)

domingo, 22 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 19 de Março de 2009:

Caro Luís
O camarada Paulo Santiago(*) veio lembrar uma das piores emboscadas que ocorreram na Guiné, em que estiveram envolvidos elementos da CCAÇ 3490, pertencente ao meu Batalhão – o BCAÇ 3872 (Galomaro). Foi um dia terrível, um desastre em que morreram 9 militares, 1 sargento milícia e 2 elementos da população ao nosso serviço, havendo ainda a lamentar diversos feridos e a captura do soldado António Baptista(**) pelos guerrilheiros.

As causas para o sucedido poderiam ser melhor explicadas pelo ex – Capitão Mil Dário Lourenço, se quisesse vir ao nosso blogue elucidar-nos sobre os detalhes que determinaram o avanço da coluna naquela maldita segunda-feira, dia 17 de Abril de 1972, dado que o Comandante da Operação foi morto em combate na emboscada que se sucedeu.

Não tendo essa possibilidade, resta-nos falar do que passou a constar no nosso batalhão.

A CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 recebeu ordens para reabrir a picada Dulombi - Jifim, que se encontrava em mau estado de conservação, porque deixara de ser utilizada, após o rebentamento de uma mina anti-carro que causou mortos na Companhia que fomos render – a CCAÇ 2700 – e, em Abril de 1972, iniciou essa tarefa, empenhando diariamente um Grupo de Combate na protecção dos trabalhos, em que estavam envolvidos elementos civis contratados para esse fim.

Também a CCAÇ 3490/BCAÇ3872 (Saltinho) recebeu ordens, na mesma altura, para reabrir a estrada Quirafo – Rio Cantoro.

A Operação Estrada Junta iniciou-se, ao que presumo, em 10 de Abril de 1972. Diariamente foram cumpridas as tarefas, com mais ou menos dificuldade, embora sem quaisquer problemas operacionais até ao dia 18 de Abril. De facto, na zona em que rebentou uma mina anti-carro que matou elementos da CCAÇ 2700 e no meio da picada, foi detectada e levantada uma mina anti-pessoal PMD-6, pelo 2.º GComb (por mim comandado).

A mina fora colocada naquela parte da picada (ao meio) em que o capim cresce melhor, dificultando a hipótese de ser detectada. Na realidade, caso fossemos em patrulha pelo local, poderíamos estar a lamentar uma desgraça. Eu próprio estive com um pé muito perto dela, porque estava a ouvir os elementos das milícias a explicarem o que sucedera naquele local aos camaradas da 27$00. Só que prossegui e um dos elementos civis que vinha a efectuar a capinagem da estrada, logo atrás, bateu com a ponta da catana na madeira da mina, sendo então esta detectada e levantada com os habituais cuidados para estas situações.

A emboscada do Quirafo dera-se na véspera e estávamos todos consternados pela morte de tantos camaradas da CCAÇ 3490 e eu muito especialmente porque me dava muito bem com o Alf Mil Op Esp Armandino Ribeiro (um dos mortos naquele combate), porque quer em Abrantes, quer no IAO na Guiné, tínhamos treinado acções em emboscadas e reacção às mesmas, com os nossos Grupos. Logo a seguir foi dada ordem para pararmos com os trabalhos, ao que parece por iniciativa do próprio Comandante-Chefe, ficando a reparação da estrada por terminar, embora tivesse sido muito pouco utilizada posteriormente (unicamente em uma ou duas Operações em que foram envolvidas forças dos pára-quedistas e em que houve necessidade de os colocar e recolher nas zonas mais perto do Rio Corubal).

Mas este relato prende-se, essencialmente, para referir um facto. No nosso caso, iniciaram-se os trabalhos de arranjo da estrada e quando chegámos ao fim-de-semana, as ordens foram de non-stop, ou seja mantivemo-nos sempre a trabalhar (Sábado e Domingo) o que parecia já ser uma tradição, porque também na nossa primeira Operação, após a saída dos velhinhos, na qual tivemos o primeiro contacto com o inimigo, se iniciara a mesma num fim-de-semana.

Infelizmente, no caso do Quirafo, de má memória, a CCAÇ 3490, parou os trabalhos na 6.ª Feira, para os reiniciar na 2.ª Feira fatídica de 17 de Abril, dando a possibilidade do IN organizar a emboscada, com recurso, inclusive, a um canhão sem recuo, tendo o fim-de-semana todo para escolher o local e estabelecer o plano de fogos para a zona de morte.

E aqui alguma coisa nos escapa, o porquê desta decisão? As circunstâncias que levaram o Comando a ordenar o avanço da coluna de trabalhos se, segundo alguns dizem, sabiam que alguém vira o IN nas imediações e estavam alertados para este facto. Sei que o Armandino era uma pessoa generosa, disciplinada, imbuída do espírito do cumprimento dos deveres militares – um Ranger - e que talvez nessa sua vontade de efectuar o serviço que estava previamente determinado, não tenha feito a correcta avaliação da situação, ou não tenha achado credível a informação obtida e o seu avanço com o seu GCOMB reforçado para o Quirafo, tenha sido feito sem as cautelas que, face às informações aparentemente disponíveis, se impunham, nomeadamente um avanço apeado, em vez de motorizado e ainda uma melhor distribuição do seu pessoal, talvez difcultasse aquele tipo de emboscada. Quem sabe... o que teria sido melhor?

A emboscada ainda poderia ter feito mais mortos, pois as viaturas não chegaram a cair totalmente na denominada zona de morte, dado que o condutor da primeira viatura avistou um elemento IN e lançou a viatura para a berma da estrada e a outra conseguiu retroceder e fugir da zona.

Este desastre deu-nos algumas lições, nomeadamente a sair com viaturas com os taipais erguidos, como acontecia na segurança que se fazia na estrada Piche-Buruntuma, em que o 3.º GComb da nossa Companhia quando ali esteve de apoio ao Batalhão daquela área, chamou a atenção para que as viaturas tivessem, como já era habitual em outros locais, os taipais retirados e os bancos colocados ao meio.

O nosso Batalhão chegara à Guiné em 24 de Dezembro de 1971 e aos seus locais de destino um mês depois do IAO no Cumeré. Em Abril de 1972 (em apenas 3 meses), depois da emboscada no Quirafo, o Batalhão sofrera 4 mortos em Cancolim (1 numa mina a/c e 3 numa flagelação ao aquartelamento da CCAÇ 3489) e 9 na emboscada do Saltinho (CCAÇ3490), tendo a CCAÇ 3491, tido a sorte de não ter sofridos baixas no contacto/emboscada sofrido em 11 de Março, na área de intervenção do Dulombi, ao seja 13 mortos em tão pouco tempo de Guiné.

No fim da comissão, já em Bissau, o Comando do Batalhão foi alertado por um soldado da CCAÇ 3489 (Cancolim), que fora feito prisioneiro do PAIGC e que conseguira evadir-se, que lhes referiu que o soldado António Baptista, dado como morto em combate na emboscada do Quirafo, estava vivo e era prisioneiro do PAIGC.
Nesta altura, apenas uma prece por todos aqueles que tombaram no Quirafo. Paz às suas almas.

Luís Dias

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74) que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74).

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Um convidado especial, que veio de Matosinhos, trazido pelo Álvaro Basto: o nosso tertuliano António Batista da Silva, a quem chamamos, com ternura, o morto-vivo do Quirafo.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

(**) Sobre o caso António Batista vd. postes de:

26 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

25 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e Pereira da Costa)

1 de Fevereiro de 2008
Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)

31 de Janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)

8 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

25 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)

21 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

28 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)

9 de Agosto de 2007 >
Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

30 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BCAÇ 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

26 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)

24 de Jullho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

21 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)

Notas de L.G.:

Sobre a tragédia do Quirafo, vd. postes de:

21 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

12 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

1. Cátia Félix, amiga da viúva de António Ferreira, Cidália Cunha, deixou o seguinte comentário ao poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

Boa noite, amigos

Desde já apresento-me...sou a Cátia, amiga da Cidália Cunha (viúva), que entrei em contacto com o Paulo Santiago (um SENHOR). Agradeço imenso a dedicação de todos, acreditem que tudo o que fizerem fará a diferença.

Tenho uma relação com a Cidália como mãe/filha e numa das nossas muitas confissões ela contou-me toda a sua história. O casamento de sonho com o grande amor da sua vida e o desabar de tudo nas terras da Guiné.

Esta grande Mulher que desde sempre fez frente aos "grandes" do exercito à procura de respostas que nunca conseguiu ter.

As perguntas: "Será que o Ferreira morreu mesmo no Quirafo? Será que naquela sepultura, que é adorada todos os Domingos, está mesmo o corpo do Ferreira?" mantêm-se depois de todos estes anos por falta de explicações. Além disso o Ferreira disse sempre que fugia antes de morrer...Se calhar todos disseram o mesmo...

O que é certo é que a Cidália e toda a familia vivem na esperança que mais um "morto" apareça vivo. A filha que nunca conheceu o pai, o neto que adora o avó que nunca conheceu, a esposa que o continua a amar como no 1ºdia, desde sempre até ao fim...

Por isto tudo e muito mais, mais uma vez agradeço em meu nome e em nome da Cidália e familia:

-tudo o que têm feito e sei que continuarão a fazê-lo;
-toda a dedicação em encontrar respostas;
-por este blogue que nos deu uma enorme esperança, aquando das minhas pesquisas até altas horas...

Estarei sempre disponível para acompanhar a Cidália, já que ela não conduz, para sabermos algo mais.

OBRIGADO!

NOTA - Só para corrigir um lapso, o Ferreira estudava na Escola de Engenharia de Arca d'Água e, pelo que li algures aqui no blogue havia um Sr. chamado Sousa de Castro que frequentava esse mesmo curso, que poderá ajudar-nos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74) que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)...

Foram utilizados LGFog e Canhão sem recuo. Houve 9 militares mortos, da CCAÇ 3490, nais 1 desaparecido (o António Batista, capturado pelo PAIGC)... Houve ainda mais 3 mortos: 1 sargento de milícia e 2 civis ao serviço das NT.

No relatório da CCAÇ 3490, faz-se ainda referência a 6 feridos, 4 militares e 2 civis. No início deste dossiê, falámos aqui num "número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro", o que não parece estar documentado. Sabemos hoje quem comandou o bigrupo que montou esta emboscada, o comandante Paulo Malu.

A brutal violência da emboscada ainda era visível em Fevereiro de 2005, mais de três décadas depois, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram, na altura, à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Direitos reservados.




Cópia do relatório da CCaç 3490, Saltinho, 21 de Abril de 1972 [, já aqui publicado por nós, no P2422, de 8d e Janeiro de 2008]. Transcrição de Virgínio Briote, nosso co-editor; bold, do editor L.G.:

Exemplar nº...
CCaç 3490
Saltinho
210800ABR72

Anexo B (Relação do pessoal morto e ferido em combate) ao relatório de emboscada nº 03/72.

1.Causas que deram origem às baixas sofridas pelas NT

-Contacto com o IN na emboscada sofrida pelas NT no dia 17 de Abril de 1972, na
região do Quirafo (Contabane 9. B7-60).

i) Relação numérica e nominal dos militares, milícias e elementos da População
colaborantes com as NT, mortos em combate:


- Sr. Alf. Mil. Nº 00788271 – Armandino da Silva Ribeiro
- Furriel Mil. Nº 01142371 – Francisco Oliveira dos Santos
- 1º Cabo Radioteleg. Nº 08845271 – António Ferreira
- 1º Cabo A.P.Met. nº 14964771 – Sérgio da costa Pinto Rebelo
- Soldado nº 09334069 – António Marques Pereira
- Soldado nº 10665171 – Bernardino Ramos de Oliveira
- Soldado nº 10896771 – Zózimo de Azevedo
- Soldado nº 10998071 – António da Silva Baptista
- Soldado nº 11117671 – António de Moura Moreira
- Sargento Mil. Nº 044665 – Demba Jau
- Civil – Serifo Baldé
- Civil - Tijane Baldé

ii) Relação numérica e nominal dos militares desaparecidos em combate

- Soldado nº 11331671 – António Oliveira Azevedo

iii) Relação numérica e nominal dos militares, feridos em combate

- 1º Cabo Atirador nº 11549071 – Augusto Carlos Leite
- Soldado Atirador nº 10819171 – José Manuel de Barros Fernandes
- Soldado Atirador nº 10977271 – Manuel Hernâni Martins Alves Gandra
- Soldado Atirador nº 11060971 – Manuel da Costa Almeida
- Civil – Saico Seidi
- Civil – Cabirú Baldé

Assina pelo Comandante da Companhia (Dário Manuel de Jesus Lourenço, Cap Mil Inf ) o Alf Mil Alexandrino Luís F.... [restante ilegível].

AUTENTICAÇÃO

P'lo Comandante da Companhia (Dário Manuel de Jesus Lourenço, Cap Mil Inf ), Alf Mil Alexandrino Luís F. [restante ilegível].


1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada e amigo Paulo Santiago

Assunto - A Guerra e o luto continua presente

Luís, Briote,Vinhal

Recebi em 3 de Março passado um mail, que reencaminho, enviado por uma jovem, Cátia Félix, a pedido de Cidália Nunes, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, morto em combate em 17/04/1972 na emboscada do Quirafo (*).

Como imaginam, ao receber aquele mail, dois sentimentos brotaram de mim: satisfação e tristeza. Satisfação pelo que escrevi sobre a Tragédia do Quirafo, satisfação, também, por existir este blogue que o Luís em boa hora lançou, permitindo aos ex-combatentes da Guiné contarem a verdade que, a maior parte das vezes, não vem nos documentos oficiais. Tristeza, porque adivinhei que por trás daquele mail estava um luto com quase trinta e sete anos. Tanto tempo...

Há poucos minutos, tive um longo telefonema da Cidália, onde pressenti uma imensa saudade e uma imensa resignação, ainda que ponteada por algumas dúvidas, sendo a principal "O meu marido morreu naquela emboscada ?"

A esta pergunta pude afiançar-lhe que foi naquela emboscada e naquele local que o marido morreu. Existem outras dúvidas que eu, em consciência, não soube nesta altura dissipar, caso saber se o António Ferreira estava reconhecível, é uma pergunta que irei pôr aos meus amigos Cosme e Mário Rui, respectivamente 1º Cabo e Fur Mil do PEL CAÇ NAT 53, e que foram ao Quirafo recolher os corpos.

Quero, quando me encontrar pessoalmente com a Cidália, quem sabe em 17/04/09, ter respostas para lhe dar com VERDADE. Se algum dos camaradas que me lê souber algo sobre isto, agradeço que me informe.

O António Ferreira, segundo percebi, frequentava a Faculdade de Engenharia no Porto e tinha uma filha (que tem hoje 38 anos), com um ano e poucos meses quando embarcou para a Guiné, numa viagem sem regresso.

Quando a Cidália soube da aparição do Batista (**) em Setembro de 1974, que oficialmente tinha morrido no mesmo dia do marido, correu para a Maia, procurando saber se aquele "morto-vivo" lhe poderia dizer mais alguma coisa sobre o Ferreira. Infelizmente o Batista apenas se lembra, como também sabemos, das explosões e de o terem agarrado à mão, mais nada, quem morreu, só o soube já em Portugal após a sua libertação.

Devo dizer, inconscientemente, talvez tenha lançado algumas dúvidas no espírito da Cidália, ela não me disse, mas até encontrar o Batista estava convencido que o militar apanhado à mão no Quirafo - penso que está nos meus postes - era de transmissões e também havia a troca de nomes.

Lamentavelmente nunca apareceu ninguém daquela CCAÇ a dizer nada. A Cidália contou-me que em 74 recebeu um telefonema de um Furriel, já não se lembra do nome, daquela Companhia dizendo-lhe que gostaria de falar com ela sobre a morte do marido mas teria de ser uma conversa a sós (?) marcando um dia. Jovem de 22 anos, viúva recente, resolveu ir acompanhada por familiares, mas o dito graduado não apareceu.

Termino dizendo que a Cidália e o António Ferreira têm um neto de 16 anos que faz muitas perguntas sobre o avô.

Não é fácil dominar as emoções quando se recebem telefonemas destes.

Abraço a todos

P. Santiago

2. Mensagem anterior (3 de Março) do Paulo Santiago (após conversa telefónica comigo, L.G.):

Luís

Em seguimento da nossa conversa, reencaminho o mail recebido. Agora pensei melhor e penso que o António Ferreira é um dos mortos do Quirafo. Não sei se vou encontrar no blogue uma lista publicada pelo José Martins, vou tentar, e tu vê também se a encontras.

Vou responder à Cátia, disponibilizando-me para me encontrar com a esposa do António Ferreira. Vai ser um encontro, possivelmente doloroso, mas, como diz a Cátia, as histórias da Guiné permanecem na vida de todos.
Diz-me qualquer coisa.

Abraço
Paulo

3. Mail enviado ao Paulo Santiago, em 3 de Março último, por Cátia Félix

Assunto - As histórias da Guiné...

Caro Paulo Santiago

Sou leitora assídua do blog dos ex-combatentes da Guiné pois apesar da minha tenra idade (25 anos) sempre me suscitou muito interesse as histórias verídicas por todos vocês vividas.

De tudo o que li, a Tragédia do Quirafo foi sem dúvida a que mais me impressionou, talvez por conviver com uma familia de um militar da CCAÇ 3490. Possivelmente já ouviu falar desse militar, António Ferreira (Porto), que era das Transmissões (radiotelegrafista) dessa companhia.
Estou a enviar-lhe este email a pedido e em nome da esposa do Ferreira, Cidália Cunha, que gostaria imenso de entrar em contacto consigo para trocarem impressões, pois apesar de já terem passado muitos anos as histórias da Guiné permanecem na vida de todos.

Porquê enviar um email ao Paulo? Porque de tudo o que lemos, sentimos que se tem dedicado imenso a todas as causas mal explicadas que se passaram naquelas terras áridas.

Desde já agradecemos imenso todo o seu empenho e sabedoria na forma como consegue transmitir na perfeição todos os assuntos relacionados consigo e com os seus camaradas.

Ficamos a aguardar uma resposta.

Com os melhores cumprimentos

Cátia Félix
(P'la Cidália Cunha)


4. Comentário de L.G.:

Obrigado, Paulo. Tu és um homem de grande sensibilidade e com forte sentido de solidariedade e compaixão. Melhor do que ninguém, tu irás representar-nos, a todos nós, que fomos camaradas do António Ferreira, num próximo encontro, a aprazar com a Cidália Cunha, viúva do António, e a sua amiga Cátia Félix, possivelmente até no próprio dia em que passam os 37 anos da tragédia do Quirafo, no próximo 17 de Abril de 2009.

Como vês pela lista (nominal) acima publicada, o único militar de transmisões que foi dado como morto, na sequência da emboscada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972, foi o António Ferreira, 1º Cabo Radiotelegrafista nº 08845271...

O que é poderás dizer mais aos familiares e amigos do nosso infortunado António Ferreira, que não tenhamos já dito aqui no blogue ? Se calhar, mais do que dizer, importa saber ouvir, mostrar disponibilidade para ouvir...

Muito provavelmente, eles/elas nunca fizeram, como devia ser, o luto pela perda do António (marido, pai, filho, amigo...), porque nunca viram o corpo (chegou-lhes um caixão selado, chumbado...).

Como houve pelo menos um caso de troca de identidades (o António Batista, desaparecido, foi dado como morto, em vez do António Oliveira Azevedo) e, além do mais, os cadáveres estavam irreconhecíveis, desmembrados e carbonizados (de acordo com o testemunho do Alf Mil Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo e do Fur Mil Enfermeiro Álvaro Basto, que tu mesmo recolheste: vd. poste P1985, de 22 de Julho de 2007 ), ficou, fica, ficará sempre a atroz dúvida: Será que o meu marido morreu mesmo nessa emboscada ?

Paulo, podemos estar perante um caso de luto patológico, ou seja, de um processo mental associado à perda de uma pessoa amada e decorrente da interrupção do processo normal do luto, eternizando ou tornando crónica a sensação de perda e todas as suas manifestações... É horrível, provoca um grande sofrimento psíquico e crises emocionais, sempre que se fala em (ou se evoca) a pessoa... desaparecida ('e que pode não estar morta').

Acho que a melhor maneira de ajudar a Cidália é voltar a contar a história (e repeti-la, se necessário), com todos os pormenores, mesmo os mais horrendos... E mostrar-lhe a foto da viatura, a GMC, onde o António e os seus companheiros morreram, carbonizados... Mostrar as fotos do Saltinho e dos lugares, à beira do Rio Corubal, onde ele também viveu bons momentos e onde sentiu saudades da mulher e da filha...

Como homem das transmissões, levando as costas o seu rádio, o António seguramente que ia na GMC, perto do Alf Mil Armandino, comandante da coluna... Diz-lhe que foi uma carnificina horrível, mas que tudo se passou num ápice.

Entretanto, será desejável que apareçam mais depoimentos, nomeadamente de malta que conheceu e conviveu de mais perto com o António Ferreira, no Saltinho, como é o caso da malta do teu Pel Caç Nat 53 e da CCAÇ 3490 ou do BCAÇ 3872 (Galomaro).

Do Batalhão, temos apenas, aqui, como membros da Tabanca Grande, o Carlos Filipe Coelho, o Luís Dias, o Juvenal Amado, o Joaquim Guimarães e o António Batista, se não me engano. O Luís Borrega também teve contactos com a malta deste batalhão.

Da CCAÇ 3490 são só mesmo o António Batista e o Joaquim Guimarães. Até agora julgo que não apareceu mais ninguém, embore eu não confie muito na minha memória. Há um outro camarada, identificado pelo Carlos Vinhal, e que pertenceu à CCAÇ 3490: Justino Sousa - contacto: 255 776 190. Tens, por fim, o Joaquim Guimarães, que vive nos Estados Unidos e que era professor no Saltinho (***). Ele deve estar lembrado do António. Mas acredito que seja doloroso para ele e para o resto da malta da CCAÇ 3490 lidar, ainda hoje, com este pesadelo.

Paulo, confio na tua sabedoria e experiência para lidar com este difícil caso. Mas conta com todo o nosso apoio. Sabemos que farás o teu melhor. Transmite aos familiares e amigos do António a nossa solidariedade e compaixão.

____________

Notas de L.G.:

(*) Sobre a tragédia do Quirafo, vd. postes de:

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)


(**) É já vasto, no nosso blogue, o dossiê do António Batista, a quem chamamos o 'morto-vivo' do Quirafo:

26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e Pereira da Costa)

1 de Fevereiro de 2008 Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)

31 de Janeiro de 2008 Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

25 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

30 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BCAÇ 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)

24 de Jullho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)


(***) Vd. postes de:

1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

28 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3097: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (1): Saltinho

(...) "Quero também agradecer ao Paulo Santiago pela maneira como descreveu a passagem do Quirafo, com honestidade, sem dramatizar ou exagerar. Prestou a devida homenagem aos meus companheiros, alguns dos quais não tive grande contacto, mas como dizia respeitou a memória de "eles" e quem sabe dos seus familiares e em particular a minha.

"Eu pessoalmente ainda não tive a coragem de me mostrar. Neste momento ando numa luta com os meus companheiros de Companhia mas ninguém se quer envolver ou comentar. Mais de que nunca penso na minha, na nossa culpabilidade do Quirafo.

"Num dos blogs refere-se em comemtário a questão da recuperação dos corpos. Eu penso que esse pormenor deve ser excluído, não importa como foi, o importante é que tudo foi feito com amor, com respeito e muita dor mas foram dignificados em todo o processo" (...).


1 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3104: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (2): Saltinho

4 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3109: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (3): O Rio Corubal no Saltinho