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terça-feira, 7 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25488: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (23) : Camisa Mara, o guardião e guia deste projeto, votado ao abandono depois da morte do Pepito, em 2014... Aqui recordado numa peça da agência Lusa.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Chegada do Presidente da República, Malam Sanhá Bacai, com a esposa  (à sua esquerda) e o primeiro ministro, Carlos Gomes Júnior, atrás (à sua direita)... 

Embora esteja de perfil,  reconhecemos, de imediato,  de lado direito, cumprimentando o Presidente, o nosso amigo Domingos Fonseca, quadro técnico da AD, então responsável do Núcleo Museológico e membro da Tabanca Grande.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje   > O Primeiro Ministro, Carlos Gomes Jr,  "Cadoco", entre a multidão.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico Memória de de Guiledje > A nossa representante na cerimónia, Júlia Neto, viúva do nosso camarada José Neto (1929-2007), em conversa com a combatente do PAIGC Francisca Pereira, sob o olhar do nosso amigo Pepito.

Fotos (e legendas): © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados (Legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine)


1. No passado dia 5 de maio, domingo,  o Patrício Ribeiro, o nosso "cônsul em Bissau", autor da série "Bom Dia desde Bissau", sempre atento e oportuno, mandou-nos um link do portal Sapo, com uma peça da Lusa sobre o antigo quartel de Guileje (ou o que resta dele), e onde se fala de um personagem curioso, o Camisa Mara (e não Cassima Mara, como grafou a jornalista).

O nome desse guardião (e guia local) do que foi "o mais fortificado quartel português nas ex-colónias" (sic), aparece, no programa do Simpósio Internacional de Guiledje, como "Camisa Mara (ex-milícia do Exército Português)" (*), tendo inclusive apresentado, na parte da manhã do dia 6 de março de 2008, uma comunicação oral sobre a vida quotidiana em Guileje, antes do seu abandono em 22 de maio de 1970 pela tropa portuguesa (CCAV 8350 e subunidades adidas).

O título da peça é "O guardião que sonha nova vida para o histórico quartel de Guiledge na Guiné-Bissau". A reportagem da Lusa é assinada por Helena Fidalgo (texto) e Júlio de Oliveira (vídeo). Não vamos, naturalmente, reproduzir na íntegra a peça (até porque tem erros factuais), mas resumi-la, e citar algumas declarações deste histórico guardião e guia local.

Esta história, de resto, interessa-nos, a nós, Tabanca Grande, por que demos muito apoio (incluindo material) à construção do Núcleo Museológico Memória de Guiledje (descritor que tem vinte e tal referências no nosso blogue).

Já suspeitávamos (e temíamos) há muito do desleixo e ruina a que a fora votado este projeto que era tão caro ao nosso Pepito, o engº agr. Carlos Schwarz da Silva (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), e onde colaborámos com muito entusiasmo. 

Diz a jornalista da Lusa, Helena Fidalgo: 

"Este guineense esteve na luta ao lado dos portugueses e agora está empenhado em fazer cumprir o propósito daquele a quem chamavam 'o fazedor de sonhos', conhecido por 'Pepito', e que sonhou para Guiledje o único espaço museológico na Guiné-Bissau sobre a luta de libertação nacional para a independência' ". 

A jornalista constata, catorze anos depois da sua inauguração (em 2010, com a presença do presidente da República e o primeiro ministro da Guiné-Bissau, Malan Sanhá Bacai e Carlos Gomes Jr, respetivamente) (**); que "o projeto parou com a morte do (seu) mentor, em 2014" e ficaram apenas dois pavilhões com algum espólio" (...)... O resto são ruinas. 

O Mara serviu de guia à equipa da Lusa, numa visita recente ao local. E esclareceu a jornalista que ele passou a frequentar o quartel quando tinha entre "15 e 16 anos". Terá, hoje, portanto, cerca de 65 anos (ou mais, não sabendo nós em que ano se tornou "milicia" ou passou a servir no quartel como "djubi", fazendo-nos lembrar a figura do Cherno Baldé, "menino e moço em Fajonquito"). 

O Mara, nascido em Guileje, tem consciência da importância histórica daquele lugar: "a história não se perde, a história valoriza um local". (...) "Sente orgulho quando fala de Guiledje"... E, exagerando um bocado, diz: 

"Aqui era o grande amparo dos portugueses, havia todo o tipo de materiais aqui, inclusive abrigos blindados. Só os militares portugueses eram um batalhão, também havia aqui milícias recrutadas, militares locais muito valentes para os portugueses". (...) 

"O Mara 'fazia alguns serviços para os portugueses, lavava pratos, trazia a comida, levava as roupas para a lavadeira e trazia água para os militares' ". (...) "Também fazia carregamento de munições de armas pesadas quando havia um ataque ao quartel".(...) 

Não saía para o mato, como saíam os milícias e os militares, "mas se houvesse guerra aqui no quartel eu era uma das pessoas que ajudava os portugueses a carregar as munições das armas"... 

Recorda depois o dia (o do abandono das instalações, na noite de 22 de maio de 1973), "em que fugiram juntos e o destino foi Bolama, depois de uma longa caminhada de militares, mulheres e crianças"... 

Há aqui um erro de registo ou de interpretação por parte da jornalista: os militares e civis de Guileje foram para o quartel mais próximo, Gadamael Porto. É possível, depois, que alguns civis, para fugir da ewscalada da guerra em Gadamael,  se tenham refugiado na ilha de Bolama.

(...) "Este guineense e outros conterrâneos decidiram voltar para a tabanca depois da independência, quase um ano passado e com o quartel já na posse do PAIGC e do novo Estado guineense." (...)

Mais tarde, por volta de 2006, o Pepito, diretor executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, no bairro do Quelelé, começa a trabalhar a ideia de criar ali o "Núcleo Museológico Memória de Guiledje", com financiamemto externo (União Europeia). E o Camisa Mara foi um dos habitantes locais que deu o seu melhor para ajudar a levar o projeto para a frente (o que está muito bem documentado, aliás, no nosso blogue)..

(...) "No início da construção do museu, tivemos que desmatar o local, porque havia perigo para andar, tinha minas, tinha cobras, fui eu que fiz o caminho e contratei pessoas". (...).

No final o Pepito encarregou-o de gerir o museu (sic). E ele continua a guiar as ocasionais visitas. Mas o que foi feito, "está desprezado", votado ao abandono, por incúria de todos, a comunidade local, a ONG AD, a administração pública, o Governo...

(...) "Gostava que esta ideia, que sonharam juntos (ele e o Ppeito), se concretizasse e que a memória não se apague." (..:)

(...) "Nas memórias guarda o dia da abertura do quartel de Guiledge, em que 'veio um batalhão de artilharia' (sic) "(leia-se um Pelotão de Artilharia).

Lembra-se da visita do próprio António Spínola

(...) "Pepito", como recordou, "fez um grande esforço" para revitalizar este espaço, "mas a canoa ficou pelo caminho" porque "sem sucessor o trabalho não vai".

Ninguém lhe paga nada por esta tarefa, ele tem outras fontes de rendimento. Mas é o seu amor a este projeto que o leva a guiar os visitantes e a zelar pelo que resta. (***)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 7 de fevereiro de 2018 > Núcleo Museológico Memória de Guiledje >  Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973. De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também conhecida por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG..

Em segundo plano, vê-se o nicho que ao tempo da CCAÇ 3477 (1971/77), "Os Gringos de Guileje", abrigava a  imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres. A CCAÇ 3477 era, na alturam, comandada pel cap mil Abílio Delgado, nosso grã-tabanqueiro.

Fotos: © Anabela Pires (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]




 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje >  > Placa indicativa do local onde existiu um dos espaldões de artilharia. do obus 14.

Foto (e legenda);  © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]





Guiné < Região de Tombali > Carta de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa da povoação de Guileje, situada a cerca de 8 km da fronteira com a Guiné-Cronaki (a leste).

Infografia: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013). Todos os direitos reservados.

___________

Notas do editor:

(*) Simposium Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008) > Quinta-Feira, 6 de Março, na Assembleia Nacional Popular

Painel 4 > Guiledje: Factos, Lições e Ilações

(depoimentos e testemunhos de elementos da população, dignitários, testemunhos presenciais, régulos, ex-combatentes do PAIGC e ex-milícias africanas do Exército português)

Moderadora: Isabel Buscardini (Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria)

9h00 - 9h30: Úmaro Djaló (Comande Militar do PAIGC) – A minha experiência de guerrilheiro e de comandante no Sul da Guiné-Bissau: achegas para a História de Guiledje.

9h30 - 10h00: Buota Na N’ Batcha (Comandante Militar do PAIGC) – A acção dos bi-grupos e dos corpos de Exército do Sul na guerra de libertação nacional: o caso do assalto ao aquartelamento de Guiledje.

10h00 - 10h30: Joãozinho Ialá (ex-guerrilheiro do PAIGC) – Memórias do Assalto ao Quartel de Guiledje, Gandembel e Balanacinho.

10h30 - 11h00: Francisca Quessangue (Enfermeira do PAIGC) – Os aspectos sanitários-logisticos do PAIGC no assalto ao quartel de Guiledje

11h00 - 11h30: Pausa Café

11h30 - 11h50: Fefé Gomes Cofre (ex-guerrilheiro do PAIGC) – O meu testemunho sobre o assalto ao Quartel de Guiledje.

11h50 - 12h10: Salifo Camará (Régulo de Cadique) – O papel das populações civis na guerra de libertação no Sul e no assalto ao aquartelamento de Guiledje.

12h10 - 12h30: Camisa Mara (ex-milicia do Exército português) – A vida no Quartel de Guiledje

12h30 - 12h50: Cadjali Cissé (ex-guerrilheiro do PAIGC) – A minha participação no Assalto a Guiledje

12h50 - 13h10: A designar (condutor) – A minha experiência no transporte de munições e mantimentos

13h30 - 15h00: Almoço (...)


(**) Vd. poste de 19 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6020: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (16): Um dia de ronco, um lugar de (re)encontros, uma janela de oportunidades (Parte I)

(***) Último poste da série > 8 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12127: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (23): A placa toponímica "Parada Alf Tavares Machado" estava afixada na parede da messe de sargentos (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá, ex-fur mil, CART 2410, 1968/70)

sábado, 27 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25450: 20.º aniversário do nosso blogue (12): Alguns dos melhores postes de sempre (VII): Guileje, "colónia penal militar", com pelo menos meio século de história? (Nuno Rubim, 1938-2023)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Outubro de 1968 > "Guileje, Colónia Penal, Terra Ingrata, de Mau Signo, Terra de Bandidos, Terra da Fome"... Nesta altura, a unidade de quadrícula de Guileje era a CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969).

Foto (e legenda) : © Gabriel Chasse / Nuno Rubim (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Mapa do Sul da Guiné no Final do Séc XIX, segundo Pélissier (vd. René Pélissier - História da Guiné: Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936. 2ª ed. Lisboa: Editorial Estampa. 2001. 2 volumes).  Cortesia de Nuno Rubim (2008)
  

Pormenor do mapa (ou carta) de Guileje (escala 1:50000): no quadro das Convenções, pode ler-se que há um símbolo que representa as aldeias abandonadas, como é o caso de Sare Morsô... Só um estudioso como o Nuno Rubim era  capaz de ter olho clínico para estes detalhes que escapam à vista desarmada do leigo...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


1. Excertos de três mensagens do nosso saudoso Nuno Rubim (1938-2023), coronel de artilharia na reforma, historiador militar, esteve em Guileje, à frente de duas unidades, a CCAÇ 726, Out 1964/Jul 1966, e a CCAÇ 1424, Jan 1966/Dez 1966; foi ainda cmdt da CCmds CTIG, em 1965; e voltou ao CTIG nos anos 70.

No 20.º aniversário do nosso blogue, apraz-nos recordar aqui o que ele escreveu sobre "Guileje, colónial penal" (sic)...


Guileje, "colónia penal militar",  com pelo menos meio século de história? 

(1) Durante anos, após a minha permanência em Guileje, ouvi referências sobre o facto de serem enviados para lá militares punidos ou indesejados de outras unidades do CTIG [Comando Territorial Independente da Guiné].

Apesar de ter tido uma experiência pessoal que parece ter confirmado este facto, só agora descobri, no AHM [Arquivo Histórico Militar], um documento oficial que esclarece totalmente a questão !

Mensagem Com-Chefe, Guiné, Dezembro 1969.

Retransmitido pelo Batalhão de Artilharia 2865, reponsável pelo Sector S3 (nessa altura em Catió), que englobava o subsector de Guileje. (AHM )

Por determinação superior “… Considerada a situação de Guileje, cancelamento de mais transferências por motivos disciplinares para aquela guarnição” !!!



(ii) Trago à liça mais uns elementos que consubstanciam essa tese.

Porque vem de longe ... Pélissier, no 2º volume da sua obra sobre as guerras na Guiné, escreve, na página 191:

"Em 1916, um dos tenentes de Abdul Injai, Alfa Modi Saidou, foi convidado a instalar-se em Guileje com 300 a 400 indígenas franceses provenientes dos bandos de Abdul Injai. As mulheres seriam exclusivamente prisioneiras feitas durante a campanha de 1915." 

Ora isto sucede numa altura em que já tinham terminado as negociações entre Portugal e França que tinham definido as fronteiras na região (1906). (Vd. Mapa, acima).

Cabe aqui abrir um parêntese. Toda a região a Leste de uma diagonal traçada no eixo do rio Cacine, para NE até perto do Rio Balana, pertencia à Guinée, colónia francesa [hoje Guiné-Conacri]. Por isso aparecem no mapa supra as designações de Poste Français [posto francês] em Caconda e Cacine. 

Aquando da delimitação de fronteiras, essa região passou para o domínio português, por troca com a zona do Casamansa no Senegal.

Pormenor do mapa (ou carta) de Guileje (escala 1:50000): no quadro das Convenções, pode ler-se que há um símbolo que representa as aldeias abandonadas, como é o caso de Sare Morsô... Só um estudioso como o Nuno Rubim é capaz de ter olho clínico para estes detalhes que escapam à vista desarmada do leigo... (LG).

Mas a anterior linha fronteiriça era praticamente inexistente, não se sabendo realmente as áreas que pertenciam a cada país. Ora constatei, com surpresa, que, segundo Pélissier / vol. II, pp 60- 69, os portugueses instalaram em Sare Morsô, em 1897, um posto militar, a que deram o nome de Posto de D. Maria Pia (como era uso na altura, em quase todas as colónias portuguesas, nomes de rainhas ou princesas ) e que só foi desguarnecido cerca de 1901.

Surge essa designação, como tabanca abandonada, na carta 1:50000 da Guiné. Quando agora passei pelo chamado cruzamento do corredor [da morte ou de Guileje] ainda tive esperanças de lá poder dar uma saltada (cerca de 2,5 km do cruzamento ), mas infelizmente não tive tempo.

Segundo algumas informações,  o PAIGC teria ali instalado uma base durante a guerra.


(iii) Continuando com a saga de Guileje, Colónia Penal:

Pois parece-me que nos tempos modernos fui eu quem deu continuidade a essa triste fama..

De facto, no final de 1965, enquanto Cmdt da Companhia de Comandos da Guiné e em virtude de um contencioso que se abriu com o Cmdt do CTIG ( relacionado, a meu ver, com a indevida utilização que estava a ser dada aos Grupos de Comandos da Companhia ), tive um dia uma acesa discussão com o referido senhor.

O resultado não se fez esperar ! Mandou-me sair imediatamente do seu gabinete e disse-me que no dia seguinte receberia guia de marcha para seguir imediatamente para Guileje !

Lá fui, pois ... substituir o Cmdt da CCAÇ 726, companhia que na altura já tinha cerca de 16 meses de comissão, em finais de Janeiro de 1966.

Mas isto não ficou por aqui ! Ainda durante a permanência desta companhia em Guileje, chegou a CCAÇ 1424, que a ia render. Pois retiraram-na do comando do seu Capitão, que a tinha formado em Portugal e que o pessoal muito estimava e puseram-na sob as minhas ordens ! Incrível, mas assim aconteceu !

Depois há um vácuo temporal ... ou possívelmente não, mas não me foi dado saber se até 1973 houve mais casos de corrécios despachados para lá ... O que é certo é que me deparei, no AHM [ Arquivo Histórico Militar] com mais dois casos, já em 1973.

Segundo notas da 1ª Rep / CTIG, a 22 de janeiro é transferido do GA 7 para o COP 5, o alf mil art José A. C. Branco da Costa, por motivo disciplinar. E logo a seguir, a 9 de fevereiro, o fur mil op esp Delfim J. Marques dos Santos, é transferido da CCAÇ 3373 para a CCAV 8350, pelo mesmo motivo !

Realmente a inscrição que amavelmente o nosso camarada Gabriel Chasse, que esteve em Guileje, me enviou (ver foto acima ), sintetiza melhor do que quaisquer palavras o que foi o inferno naquele local.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


Vd. tamnbém poste de 23 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25432: 20.º aniversário do nosso blogue (9): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (VI): Na sua já famosa carta aberta a Salazar e Caetano, de 2010, o 'sínico' António Graça de Abreu recomendava-lhes vivamente a leitura do nosso blogue, lá no além...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23995: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (15): Humilhados e ofendidos... (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 / BCP 12, 1972/74, natural de Águeda)


Victor Tavares

1. O Victor Tavares, natural de Águeda, conterrâmeo e amigo do nosso Paulo Santiago (outro dos nossos "históricos"),  antigo presidente da junta de freguesia de Recardães, sua terra natal, não foi um "tipo qualquer"... Foi um grande combatente e um dos melhores do melhores: ex-1.º cabo paraquedista, da CCP 121 / BCP 12 (Bissalanca, 1972/74),  Tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue. Integra a Tabanca Grande desde 6 de outubro de 2006. É, portanto, um dos nossos "veteranos".

Justifica-se, por muitas razões,  a reprodução deste excerto de um poste já muito antigo (*): o Victor dá-nos aqui o retrato do abandono e da humilhação, a que foram sujeitos, em Cacine, os militares que, sob as ordens do comandante do COP 5, major Coutinho e Lima (1945-2022), abandondaram Guileje, em 22 de Maio de 1973, chegando a Gadamael, também fortemente atacada pelo PAIGC, a seguir a Guileje, e salva pelos pára-quedistas e a Marinha -, refugiando-se depois em Cacine. 

A "batalha dos 3 G" foi há 50 anos  (**)... Ainda há gente que se lembra, e participou nos acontecimentos, em Guidaje, em Guileje, em Gadamael... O Vitor Tavares esteve lá,  em todas... Este texto, que voltamos a reproduzir, é também uma forma de ele "fazer a prova de vida"... Andou há tempos atrapalhado com sérios problemas de saúde... Felizmente, superou-os, está melhor, já voltou ao seu Facebook... 

Um abraço fraterno para ele. LG


Gadamel Porto, o outro inferno a sul

por Victor Tavares



Depois de regressada do inferno de Guidaje (***), a Companhia de Caçadores Paraquedista (CCP) 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca [Base Aérea n.º 12], gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, onde chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil,  calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura, sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. 

Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:

Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo?

Responde ele:

− Sei lá, pá, isto é só homens.

 "Gadamael ?!... Vocês vão lá morrer todos!"

Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele, perguntei-lhe:

  
 Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?

Responde-me ele:

 −  Sou.
E pergunta-me de seguida:

 E, você, não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto... Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:

− Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado em Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .


Os militares portugueses que abandonaram Guileje, 
foram tratados como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados, depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando, em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores  
 que eram uns grandes heróis de secretária!  , foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. 

As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os paraquedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, capitão paraquedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva   ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.


Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: 
o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias, se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stresse pós-traumático de guerra) (****)

[ Selecção / Revisão e fixação de texto / Substítulos / Parênteses retos / Negritos, para efeitos de edição deste poste: LG]
_____________

Notas dos editores:

(*) Vd. postes de:


(**) Ultimo poste da série > 21 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)

(***) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(****) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350 (ou a subunidades adidas, os "Piratas de Guileje" foram os últimos a deixar Guileje, por ordem do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima (*****).  

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amílcar Cabral), obrigando as NT a abandoná-lo (juntamente com algumas centenas de civis)

(i) 2 grupos de combate da CCAÇ 4743 (unidade de quadrícula de Gadamael) (incluindo o seu comandante); 

(ii) CCAV 8350 (unidade de quadrícula de Guileje) (incluindo o comandate do COP 5, major Coutinho e Lima);

(iii) Pelotão de Artilharia, comandado pelo Al Mil Pinto dos Santos (já falecido); 

(iv) Pel Cav Reconhecimento Fox (reduzido, havendo apenas duas Fox); e

(v) Pelotão de milícias local...

 A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre outubro de 1972 e maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos. Foi seu Comandante o Cap Mil Abel dos Santos Quelhas Quintas,  também ferido.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)


João Seabra, hoje advogado;  foi alf mil, CCAV 8350 (1972/74). Tem apenas 15 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 3/2/2009.


1. Carta ao Director do Público, enviada pelo João Seabra, advogado com escritório em Lisboa, ex-alf mil, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73); não sabemos se chegou a ser publicada naquele jornal, nem quando. 

Ele facultou-nos uma cópia, que publicámos em 27/1/2009, sob o poste P3801 (*). Por ocasião da morte do cor art ref Coutinho e Lima (Viana do Castelo, 1935 - Lisboa, 2022), justifica-se plenamente voltar a dar a conhecer, sobretudo para os mais novos, alguns dos acontecimentos de maio / junho de 1973, relatados na primeira pessoa do singular por aqueles que os viveram. No próximo ano comemoraremos os cinquenta anos da chamada batalha dos 3G (Guidaje, Guileje e Gadamael) (**).

Escusado será lembrar as regras do nosso blogue: as opiniões aqui expressas, sob a forma de postes ou de comentários, assinados, são da única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, não podendo vincular o proprietário e editores do blogue e demais colaboradores permanentes. Mantemos o subtítulo original: "Cobarde num dia, herói no outro"... E quem o ler percebe que é um documento para a história, desassombrado,  frontal e corajoso.. 

Senhor Director,

Tendo lido as peças de Eduardo Dâmaso “A nave dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos” e “Ninguém entregou a condecoração ao coronel”, publicadas no “Público de 26/6/2005”, achei conveniente pôr à sua disposição as tardias considerações que se seguem, às quais dará o destino que bem entender.

Fui alferes miliciano na CCav 8350, retirada de Guileje, em 22/5/73, por sensata decisão do comandante do então COP5, sr. major (coronel) Coutinho e Lima.

Nunca estive a bordo da “fragata Orion” (não seria uma LFG – lancha de fiscalização grande?), pela simples razão de que nunca me ausentei de Gadamael na sequência dos ataques dos dias 1/6/73 (uma quinta-feira) e seguintes.

Escreve-se numa das peças em causa: “os três ou quatro soldados que sobraram da tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva, ficaram sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem posto de rádio ...”.

Não foi assim. Para além de mim próprio, permaneceram no interior do destacamento, o alferes Luís Pinto dos Santos, comandante do pelotão de artilharia do Guileje e o alferes Rocha, comandante de um pelotão de canhões sem recuo 57 mm (e já vão três oficiais), e ainda, pelo menos, um furriel, e algumas (poucas) praças desta mesma unidade e da CCaç 4743 (a companhia originariamente de guarnição a Gadamael).

Além disso, encontravam-se em patrulha próxima do aquartedamento um pelotão da CCaç 4743 (com o seu alferes) e outro da CCav 8350 (alferes Reis).

Sou portanto uma das raras pessoas, que reúne em si a dupla qualidade de “cobarde” que, sob as ordens do major (coronel) Coutinho e Lima, retirou do Guileje,  e de pretenso “herói” de Gadamael. Nesta última condição fui louvado por despacho do General Comandante-Chefe de 28/8/73.

E não saímos de Gadamael por razões de decência básica (havia mortos e feridos que não podiam ser abandonados) e de elementar sensatez (uma retirada, devidamente comandada, é uma manobra militar, mas não consigo imaginar nada de tão perigoso como uma debandada).

Acontece que, na situação que se gerou em 1/6/73, só por comodidade de expressão se poderá falar em “tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva”.

Para o perceber, há que retroceder às peripécias que determinaram a retirada de Guileje, e às que se lhe seguiram.

Ao contrário de Guileje, Gadamael era uma posição sustentável, com poços de água potável muito próximos do perímetro exterior do aquartelamento, dotada de um cais acostável, acessível por via fluvial através de LDM, que na praia-mar navegavam sem dificuldades no braço do rio Cacine em cuja margem se situava.

Já Guileje era um destacamento absurdo, necessitando de organização de colunas escoltadas para reabastecimento de água a 3,4 Km, dependente, para o seu aprovisionamento, de complicadas colunas rodoviárias múltiplas, de e para Gadamael, com uma pontualidade que poderia servir de exemplo à CP, e que ficava completamente isolado na época das chuvas.

O inimigo (termo convencional pelo qual designarei a entidade que nos pretendia matar, estropiar ou capturar, e a quem, se tivéssemos oportunidade, faríamos outro tanto) conseguiu conjugar duas vastas operações, praticamente simultâneas, ao norte sobre Guidage e ao sul sobre Guileje.

A primeira dessas operações, quase esgotou a chamada reserva do Comando-Chefe, em tropas especiais.

Os meios utilizados pelo inimigo, tanto em artilharia como em infantaria, eram quantitativa e qualitativamente muito superiores aos das nossas guarnições de quadrícula.

A este propósito, tem interesse a leitura do artigo, publicado no Público, de 26/7/2004, pelo comandante Osvaldo Lopes da Silva do PAIGC, se bem que a desenvoltura com que este oficial transita da astronomia para a geografia e da geografia para a topografia, me sugira não ter sido ele o autor do plano de fogos na operação sobre Guileje.

Seja como for, dada a prioridade à defesa de Guidaje, Guileje foi isolado mediante a interdição dos seus acessos rodoviários a Gadamael e à água potável, através de emboscadas permanentes, por unidades de infantaria do inimigo, numerosas e dotadas de superior poder de fogo, minagem em profundidade dos itinerários, e sujeito a contínuo bombardeamento por todas as armas pesadas de que o inimigo dispunha.

Retirada a guarnição, e população, de Guileje, através de um itinerário ainda não reconhecido pelo inimigo, foi recebida em Gadamael, pelo então coronel (agora brigadeiro na reserva) Rafael Durão 
 [Comandante do CAOP 1, e não 3 (lapso do autor) ], com sede em Cufar). Esclarecido oficial, cuja primeira medida consistiu em promover uma formatura da CCav 8350, para ademoestar os respectivos oficiais, sargentos e praças, em bom vernáculo militar. O major Coutinho e Lima foi enviado para Bissau, onde permaneceu detido, pelo menos até ao 25/4/74.

Ainda hoje estou para perceber por que razão, confirmada a sua evacuação, o aquartelamento de Guileje não foi imediata e intensivamente bombardeado pela Força Aérea. Provavelmente havia quem acalentasse a fantasia de uma reocupação imediata. Certo é que o inimigo continuou a flagelar a posição após a nossa retirada, e só nela entrou dois a três dias depois (como diria Alves a C.ª: “ que coisa prudente é a prudência!”).

Dir-se-ia que, naquela conjuntura, se afigurava, pelo menos, bastante provável que o inimigo procurasse balancear, sobre Gadamael, os abundantes e sofisticados meios que tinha reunido para a operação de Guileje.

Nessa eventualidade – e sem prejuízo do indispensável patrulhamento em profundidade – eram necessárias providências urgentes.

Antes de mais – porque em Gadamael não havia obras ou abrigos adequados a uma guarnição entretanto duplicada – impunha-se a necessária actividade de organização do terreno, fortificando o destacamento, reforçando os espaldões de armas pesadas, abrindo trincheiras eficientes, enquadrando as subunidades, dotando-as de postos de combate defensivos bem determinados e interligados entre si e com o comando.

Em vez disso, o pessoal da CCav 8350 foi caoticamente disperso, em alojamentos de ocasião, pelos cerca de 40.000 m2 do aquartelamento, sem contacto com os seus oficiais e com o comando. Não se iniciaram quaisquer obras defensivas.

Por iniciativa de alguém que não consigo identificar, nas semanas anteriores operou-se uma radical alteração do material à disposição dos pelotões de artilharia de Guileje e Gadamael: as peças 114 mm (Guileje) e 105 mm (Gadamael), foram substituídas por obuses de 140 mm.

Ora, tanto as peças de artilharia de campanha como as próprias armas pesadas de infantaria, quando instaladas numa dada posição, necessitam de regulação do tiro, mediante a observação dos respectivos pontos de impacto, geralmente através de observação aérea, que já se sabia ser impraticável a partir do momento em que o inimigo passou a dispor de misseis solo-ar Strela-SA7.

As causas da desregulação são variadas, tendo a ver, designadamente, com choques sofridos pelas armas durante o serviço, com as condições meteorológicas, com insuficiências de cartografia, etc..

Os nossos obuses 140 mm (modelo 1943), tinham portanto a interessante função de fazer barulho e, nos casos em que abriam fogo de noite, de fornecer indicações de ajustamento do tiro do inimigo.

Nesta prometedora situação, o coronel Durão – certamente a benefício do brio e da disciplina – pôs de parte qualquer trabalho de organização defensiva, determinando um patrulhamento que se pretendia agressivo e que envolvia, em permanência, dois a quatro pelotões de entre as duas companhias.

De tal actividade resultaram dois contactos com pequenos grupos de reconhecimento do inimigo (os quais, por definição, evitam empenhar-se em combate), a quem foram capturadas três espingardas automáticas Kalashnikov.

No dia 31 de Maio de 1973 (uma quarta-feira), de manhã, o coronel Rafael Durão, retirou-se para Cufar, tendo chegado à lúcida conclusão que o inimigo, em consequência dos nossos “sucessos”, tinha retraído o seu dispositivo, sendo improvável um esforço sério da sua parte sobre Gadamael. Tratou-se evidentemente de uma bazófia só comparável com a sua idílica ignorância das intenções e do sistema de forças do inimigo.

Em sua substituição deixou o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva. Nesse mesmo dia, à tarde, iniciou o inimigo uma forte flagelação sobre Gadamael, utilizando, sobretudo, morteiros 120 mm, mas também foguetões Katyusha de 122 mm e peças de 130 mm, com uma qualidade de tiro surpreendente.

No dia 1 de Junho, o fogo da artilharia do inimigo intensificou-se qualitativa e quantitativamente e, entre as 10 e as 13 horas, uma área de 20.000 a 30.000 m2 do destacamento de Gadamael encaixou, seguramente, entre 350 e 400 impactos de morteiro 120 mm, provocando consideráveis baixas na guarnição.

Os dois capitães (comandantes, respectivamente, da CCaç 4743 e da CCav 8350), foram evacuados entre as 10,30 e as 11,00 horas, e não “ao princípio da tarde”.

Apercebendo-me de que se estava a gerar uma debandada, tentei impedi-la, pelas razões acima expostas, com resultados muito limitados.

O pessoal estava completamente entregue a si próprio e a falta de condições de comando era total: só conseguíamos transmitir ordens a quem nos passasse ao alcance da voz.

Dois dos três espaldões das peças de artilharia receberam granadas de morteiro 120 mm, que feriram, mataram ou dispersaram a totalidade das respectivas guarnições.

O pessoal que ia debandando dizia-me que o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva tinha dado ordens para se “sair do quartel”.

Dirigindo-me a uma das posições da artilharia, encontrei o alferes Luís Pinto dos Santos, que sobreviveu, com ferimentos ligeiros, e resolvemos ambos procurar o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, para lhe perguntar se tinha ordenado a evacuação do aquartelamento. Respondeu-nos que tal não era a sua intenção, tendo apenas recomendado ao pessoal que se deslocasse temporariamente “para fora do arame”, isto é, para o exterior do perímetro do destacamento, uma vez que o seu interior estava a ser intensamente batido pela artilharia inimiga.

Fizemos-lhe saber que tal “deslocação temporária” tinha degenerado em debanda incontrolável.

O alferes Pinto dos Santos, com a minha ajuda, conseguiu improvisar um mínimo de serventes (entre os quais o furriel de transmissões da CCav 8350) para activar um dos três obuses 140 mm, à cadência de um tiro de quarto de hora em quarto de hora.

Tudo visto, recolheram-se os mortos, evacuaram-se os feridos por via fluvial, e garantiu-se, com fogo esporádico de obus 140 mm, de morteiro de 81 mm e de canhão sem recuo de 57 mm, uma aparência de capacidade de reacção que dissuadisse um eventual reconhecimento em força por parte do inimigo (que aliás não se mostrou muito afoito).

Enfim: o trivial. As munições para as armas pesadas eram transportadas do paiol em uma viatura Berliet temerariamente conduzida por um cabo escriturário (Raposo) da CCaç 4743, o qual, na volta, também transportava feridos para locais de embarque.

Nesse mesmo dia 1 de Junho à tarde:

Reentraram no quartel os dois pelotões que estavam em patrulha exterior; desembarcaram, de helicóptero, dois oficiais de confiança do Comando-Chefe (capitães Caetano e Manuel Soares Monge) e o coronel Rafael Durão (pessoa dotada de coragem física em proporção inversa à do respectivo discernimento).

No dia 3 de Junho (Sábado), desembarcou a companhia 122 de paraquedistas (capitão Terras Marques), e no dia seguinte a 123 (capitão Cordeiro).

Uns dias mais tarde chegou a companhia de paraquedistas nº 121 (comandatada pelo então tenente, e hoje tenente-general, Hugo Borges), o que significa que foi deslocado para Gadamael um batalhão completo de paraquedistas (BCP 12).

Entre sexta-feira, dia 2/6/73 e o domingo seguinte, a presença do major Pessoa, do BCP 12, pôs termo ao efémero comando do capitão (coronel /dr.) Ferreira da Silva) no, assim chamado, COP5.

Um verdadeiro e próprio comando das forças de Gadamael foi estabelecido no domingo (4/6/73) na pessoa do tenente-coronel Araújo e Sá (comandante do BCP 12).

Nesse mesmo dia – por razões que, para mim, permanecem obscuras – o major Pessoa (era o 2º comandante do BCP12) retirou-se de Gadamael.

Apesar de não figurarem habitualmente como “heróis de batalha de Gadamael”, as operações das diversas companhias paraquedistas, em cerca de duas semanas, desarticularam o dispositivo inimigo, sofrendo baixas moderadas (uns 25 a 40 feridos, na maior parte ligeiros, com estilhaços de RPG 7).

Nunca será demais sublinhar a qualidade destas tropas de elite. Recordando os contactos que mantive com os seus oficiais (designadamente os capitães Terras Marques e Cordeiro), anoto, como curiosidade, que se mostravam extremamente críticos (no limiar do humor negro) em relação aos fundamentos e à condução da guerra, sendo a sua considerável eficiência, fruto exclusivo de um extraordinário brio profissional.

O corpo de tropas pára-quedistas – das melhores que se poderiam encontrar, inclusivé a nível da NATO – foi destroçado, como unidade combatente, em 1975. Ao que me consta o brigadeiro Rafael Durão e o major Pessoa tiveram, nessa meritória obra, a sua função, cada um do seu lado, respectivamente, no “11 de Março” e no “25 de Novembro”.

Não sei se o tenente-coronel Fabião tinha condecorações para atribuir. Recordo que o alferes Pinto dos Santos e eu próprio fomos ouvidos como testemunhas num processo de averiguações para atribuição de condecoração militar ao capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, pelo major (brigadeiro) Manuel Soares Monge, no quartel general do Comando-Chefe, em Bissau.

A nenhum de nós dois pareceu que fosse caso de condecorações a propósito do que se passou em Gadamael no dia 1 de Junho de 1973 (excepção feita ao cabo Raposo, atentos o seu posto e especialidade).

Recordo-me que, na altura, o então capitão Caetano me disse que tinha chegado a “fase dos baldes de plástico” (brinde comercial muito apreciado à época). Temíamos o aproveitamento de tal “fase” para transformar o capitão Ferreira da Silva numa espécie de contra-exemplo, em relação ao major Coutinho e Lima.

A serem atribuídas condecorações, deveriam elas ser, obviamente, atribuídas a oficiais, sargentos ou praças das tropas paraquedistas.

A partir da chegada do BCP 12, a CCav  8350 e a CCaç 4743 não tiveram qualquer actividade operacional de relevo.

Aliás nem poderiam ter, uma vez que não tinham treino, nem armamento, para se defrontar com a infantaria inimiga em reconhecimento avançado, do que foi feita a (desnecessária) demonstração no dia 4 de Junho, quando um pelotão da CCav 8350, reduzida a uma dúzia de elementos, caiu numa emboscada a menos de 1 km do aquartelamento, sofrendo quatro mortos (entre eles o respectivo alferes) e cinco feridos graves.

Será a este episódio que o dr. Ferreira da Silva, por equívoco, se quererá referir quando alude a “seis paraquedistas mortos no mesmo dia” (os cadáveres foram efectivamente recuperados por um pelotão de paraquedistas).

O objectivo desta pretensa patrulha era o de “descongestionar” o aquartelamento da sua, por assim dizer, densidade humana, face à eficiência do tiro da artilharia inimiga. Em suma: a CCav 8350 e a CCaç 4743 tinham passado a desempenhar a proverbial função de carne para canhão.

Note-se que a nossa tropa de quadrícula (companhias tipo caçadores), nem sequer estava dotada de uma metralhadora ligeira decente (a nossa inacreditável HK-21 encravava ao fim de cinco ou seis tiros).

As tropas especiais usavam as metralhadoras ligeiras MG 42 e, em considerável quantidade, equipamento capturado ao inimigo: metralhadoras ligeiras Degtyarev, lança granadas RPG 2 e RPG 7, espingardas automáticas Kalashnikov. Excelente material que, ainda hoje, está ao serviço, do Iraque ao Afeganistão, do Sudão à Libéria.

Tive a inspiração de selecionar, de entre os meus pertences, que carreguei de Guileje, um grande livro: Bouvard et Pécuchet, de Gustave Flaubert.

Quando saí de Gadamael, faz agora trinta e dois anos, tinha chegado a uma passagem célebre: “alors une faculté gênante se développa dans leur esprit, celle de percevoir la bêtise e de ne plus pouvoir la tol
érer.” [“então uma faculdade embaraçosa se desenvolveu em suas mentes, a de perceber a estupidez e não mais ser capaz de tolerá-la.” [tr. do editor LG ]

Dê a este enfadonho relato, Sr. Director, o destino que bem entender.

João Seabra

Antigo Alferes Miliciano da CCaV 8350 (1972/74)

P.S. - Porque, em certos aspectos factuais, confirma algo do acima relatado, junto segue extracto da minha folha de matrícula. 

[Revisão e fixação de texto / Negritos , para efeitos de publicação deste poste: LG]



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art ali destacado.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012).   Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

__________

Nota de L.G.:

 (*) Vs. poste de 
27 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

)**) Último poste da série > 21 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23633: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (13): Cumbamori, uma das mais violentas acções das NT em território estrangeiro e um dos maiores desaires do PAIGC... Mas falta-nos a versão do outro lado...

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23901: In Memoriam (465): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022) - Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Augusto Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74) com data de hoje, 20 de Dezembro de 2022:

Caro amigo e camarada Coutinho e Lima
Partiste.


Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si. Destaco a sua coragem em situações de guerra muito difíceis, mas cuja perceção não esteve ao alcance de todos os seus camaradas. Foi a vítima escolhida, para outros exibirem os seus troféus de glória e se vangloriarem. Os homens que comandou da CCAV 8350, fazem aqui eco de tudo o que de bom fez por eles.
E foi muito. Eles não esquecem.

Recordo aqui um dos momentos mais difíceis da sua vida e da vida de todos nós. Guileje encontrava-se numa encruzilhada de vida ou de morte. Ataques contínuos de armamento, avançado para a época, iam destruindo todas as instalações que se encontravam ao nível do solo. Permaneciam intactos os abrigos, de betão, onde se abrigavam 200 militares e 317 elementos da população. Muita gente para pouco espaço o que, com o avançar do tempo, transportou problemas de saúde.

Tudo começou com uma emboscada, preparada com minúcia, onde as NT tiveram 2 mortos e 11 feridos, a 18 de Maio de 1973. Uma semana antes, o Comandante Chefe preparou-nos para a situação que se avizinhava e garantiu-nos que nenhum ferido deixava de ser evacuado.

Recusadas as evacuações, o Major Coutinho e Lima procurou uma saída. A picada para Gadamael estava bloqueada e a única escapatória era um pequeno riacho, a 5 km de distância, onde a Companhia se abastecia de água e que, naquele momento, estava desimpedido, o que não aconteceu no dia seguinte. Os mortos e feridos, acompanhados pelo Major Coutinho e Lima, dirigiram-se a Cacine, em botes, e posteriormente para Bissau.

Coutinho e Lima relata a situação que se vivia em Guileje, numa reunião pedida para o efeito e solicita o apoio de uma companhia de Comandos ou Paraquedistas. É recusado o apoio e humilhado... Siga para Guileje e será substituído!
Entra no aquartelamento no dia 21, debaixo de fogo, recusando permanecer na mata sob a proteção de um grupo de combate de Gadamael.

Faz o ponto da situação:
- Substituto não aparece. Encontrava-se perto, em Gadamael.
- Instalações destruídas
- Falta de qualquer apoio, apenas a Força Aérea sinalizava a nossa presença. A sua incapacidade era notória, a presença de mísseis Terra-ar era limitadora da sua atividade.
- A artilharia estava desarticulada com a troca inoportuna dos obuses, apenas um obus 14 funcionava, sem estar regulado.
- O acesso à água estava cortado.
- O moral dos militares era diminuto, agravado pela insalubridade dos abrigos, onde permaneciam bastante crianças.

Guileje está perdido. Ficar ou retirar?
Ficar significava um massacre, com mortos, feridos e prisioneiros, com elevada probabilidade. A mata em Guileje era impenetrável na maior parte das zonas e qualquer saída do aquartelamento estava condicionada ao insucesso.
Retirar de modo ordenado, antes do nascer do sol, por um trilho que só a população conhecia era a hipótese menos arriscada.

O Major Coutinho e Lima depara-se com este problema: Durante a noite a decisão de retirar ou não, altera-se. Só às 3 da manhã, decide definitivamente retirar, perante a presença de um representante da população. Desabafa que a sua vida militar terminou ali!
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73) > O Alf Mil Manuel Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf  Mil Victor Lourenço, dos "Piratas de Guileje", morto em 5 de março de 1973, na explosão de uma armadilha.

Descansa em Paz camarada e amigo.
Os meus pêsames à família.
Manuel Reis

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Nota do editor

Poste anterior de 20 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23900: In Memoriam (464): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022), ex-Cap Art, CMDT da CART 494, Gadamael (1963/65), ex-Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné (1968/1970) e ex-Major Art, CMDT do COP 5, Guileje (1972/73)

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23487: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (10): o massacre do alf mil Artur José de Sousa Branco e do seu pequeno grupo, nas imediações de Gadamael, em 4/6/1973 (J. Casimiro Carvalho / Manuel Reis / Carmo Vicente / Manuel Peredo / Jorge Araújo)

Calendário português: junho de 1973. Cortesia de: www.calendario-365.pt. O dia 4 foi uma segunda feira. Infografia: Blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Uma das dezenas de vitimas, em Gadamael, na altura da "batalha dos três G", foi o  alf mil art Artur José de Sousa Branco, da CCAV 8350 (1972/74): morreu, em combate, nas imediações do quartel e  tabanca de Gadamael Porto, em 4/6/73.  Era uma segunda feira.

Era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Recorde-se que na tarde de 4 de junho de 1973, em Gadamael, o alf mil Branco sai com um reduzido grupo de combate (12 homens. pouco mais do que uma secção) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. 

O pequeno grupo cai de imediato numa emboscada das tropas do PAIGC espalhadas pelas redondezas, e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCP 122/BCP 12), acabadas de chegar a Gadamael, na manhã de 3 de junho, domingo,  sob o comando do cap paraquedista Terras Marques.

Um pelotão, sob o comando do alf paraquedista Francisco Santos, da CCP 122, vai em socorro do grupo do alf mil Branco, da CCAV 8350,  e ainda consegue resgatar os corpos e socorrer os sobreviventes. 

"Os cadáveres tinham sido selvaticamente baleados, ainda estavam quentes e os fatos empapados de sangue" (José Moura Calheiros - A última missão, 1.ª ed. Caminhos Romanos: Lisboa, 2010, pp. 527/528).

Além do alf mil Artur José de Sousa Branco, natural de Lisboa, morreram nesta ação os seguintes camaradas, todos eles sold cav da CCAV 8350, "Piratas de Guileje" (entre parênteses, o concelho da sua naturalidade): 
  • António Mendonça Carvalho Serafim (Cartaxo); 
  • Fernando Alberto Reis Anselmo (Macedo de Cavaleiros); 
  • Joaquim Travessa Martins Faustino (Santarém); 
  • José Inácio Neves (Alcobaça).
O infortunado Artur José de Susa Branco, jogador de futebol antes da tropa (tendo  chegado a jogar nos escalões juvenis do S.L. Benfica), foi amigo e colega de liceu do nosso coeditor Jorge Araújo (andaram juntos no Liceu Camões, em Lisboa) (*****).


2. Sobre este sangrento episódio, há várias versões publicadas no nosso blogue, que merecem ser aqui recuperadas, na véspera dos 50 anos da efeméride (*), a primeira das quais a do J. Casimiro Carvalho, que integrou a pequena força comandada pelo infortunado alf mil Branco, e foi um dos sobreviventes.

2.1. Gadamael, 4 de junho de 1973: "A Patrulha Fantasma” (**)

por J. Casimiro Carvalho (ex-fur mil, op esp, CCAV 8350, 
"Piratas de Guileje",  Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, 
Cumbijã e Colibuia, 1972/74; vive na Maia]

(...) Em Gadamael, a mortandade era tanta, a cadeia de comando rompeu-se e houve fugas para o mato e para o Rio Cacine.

De salientar a bravura do capitão Ferreira da Silva (Comando/Ranger), que avocou a si o comando desse pequeno contingente [, que restava em Gadamael,] e debaixo de fogo coordenou os cerca de 30 ou quarenta, verdadeiros heróis, que até à chegada dos abnegados Paraquedistas [do BCP 12], aguentaram aquele apocalipse!

Não havia condutores, o pessoal andava atarantado... aterrorizado e sem chefias que chegassem. Era assim em Gadamael em 1973.

A enfermaria estava pejada de cadáveres, um cheiro nauseabundo, os mesmos eram constantemente regados com creolina, não haviam urnas, os bombardeamentos eram constantes, as granadas caíam com precisão dentro do quartel, se fugíamos para o rio, elas caíam no rio, se fugíamos para o parque auto, caíam aí, havia coordenação de tiro por parte do IN.

Cheguei a conduzir uma Berliet, dos paióis para as bocas de fogo, de tal forma que, quando havia saídas de fogo, nós já não as ouvíamos. Comigo andava um açoriano [, o 1.º cabo Raposo], dois autênticos loucos varridos, saltávamos em andamento e, quando acabava o fogachal, voltávamos ao camião e seguíamos com o serviço.

Nessa altura, mais valia estar no mato, estávamos sitiados, e por isso, quando formaram uma patrulha "ad hoc" onde me incluíram, até fiquei contente. Nessa patrulha ia o alferes Artur [José de Sousa] Branco, que antes tinha dito que o mandaram para ali, e que ia morrer; iam dois putos que tinham vindo voluntários para a tropa (, dois meninos!), aos quais ordenei que ficassem no quartel, ao mesmo tempo que disse: "Sois muito novos para morrer" (ainda se lembram disso e sempre o repetem aos filhos, dizendo que me devem a vida); ia um negro (o "pica"), o cabo José Neves e os soldados F. Anselmo [Fernando Alberto Reis Anselmo, natural de Macedo de Cavaleiros]; e o A. Serafim [António Mendonça Carvalho Serafim, natural do Cartaxo] (um destes soldados nunca saíra para o mato), e outros que desconheço. Era uma “patrulha fantasma”.

Saímos para a zona da pista abandonada de Gadamael, as ordens era para emboscar nessa zona, para prevenir aproximações do IN. Fomos em fila indiana ao longo do rio Cacine junto ao tarrafo. Passámos por um sítio, onde se vislumbrava uma pequena clareira, de capim médio, e o pica disse: "Alfero, melhor ficar por aqui, boa zona para montar emboscada"... O alferes Branco retorquiu que as ordens eram ir para a pista velha, pelo que continuámos. Uns 200 metros à frente, o negro disse que a pista estava minada e armadilhada pela tropa anterior. Posto isto, o alferes reuniu comigo e chegámos a um consenso: que o melhor era recuarmos.

Recuámos em silêncio e ordeiramente, até chegarmos à tal zona da clareira, e começámos a entrar na mesma, agachados para passarmos por baixo do tarrafo. Normalmente eu ia em 2.º ou 3.º lugar nas patrulhas, e, ao entrarmos nessa clareira, um dos militares deu-me passagem, e eu disse que não: "Ide entrando que 'eles' podem estar aí", num tom bonacheirão e em sussurro, e assim foi.

Uns seis já tinham passado, quando ouvi uns estalidos e, com gestos e murmúrios, dei a entender que estava ali algo. Todos pararam,  espaçados e em silêncio. Como mais nada se ouviu, eu disse: “Deve ser passarada, avancemos” .... Logo a seguir, outra vez o estalar de ramos e mexer de vegetação. Imediatamente gritei: “Emboscada!”.  Coloquei a arma em modo de rajada, e atirei-me para o chão, não sem antes ver a cara do alferes desfeita por uma rajada, com sangue e ossos (?), a saltar.

Já no chão e com um fogachal tremendo, próprio de armas russas, com a cara de lado bem rente ao mato, passou-me a vida pelo cérebro, e a mente a pensar na “minha mãe”. Estou neste estertor, pensando se abria fogo ou não, pois iria denunciar a minha posição, imaginando um turra a disparar nas minhas costas, deitado.

Nestas fracções de segundos, ouço uma G-3 a disparar ao meu lado, o som era mesmo nosso, então comecei a dar rajadas de 3 ou 4 tiros, enquanto outro militar dava tiro a tiro, compassadamente. Freneticamente, tirei o carregador vazio e coloquei outro, disparando pequenas rajadas por cima da cabeça, que continuava “colada ao solo”. 

Ao pegar no 3.º carregador, o tiroteio IN parou abruptamente, quando vislumbro um turra no meio da vegetação que se levantou, e assim mesmo levou uma rajada minha que o “tombou” logo ali, depois uma gritaria infernal, por parte deles, e eu, sozinho com um militar ao meu lado, berrei para o mesmo: "Vamos, ou morremos aqui".

Ele gatinhou à minha frente, passámos pelo cadáver do cabo Neves [José Inácio Neves, natural de Alcobaça] e seguimos para o rio, em direcção ao quartel, sempre a olhar para trás a ver se algum IN nos mirava para nos abater. Larguei o cinturão, com a ração de combate e os restantes carregadores, para melhor correr, fugindo da morte certa, levando apenas a G-3 sem carregador nem munições.

Chegado ao quartel, sozinho, o meu corpo colapsou, e todos pensaram que eu morrera ali mesmo. Fui recolhido por camaradas daquele inferno, tão aterrorizados como eu, e descansei um pouco, bebi água sofregamente, sem saber ao certo quantos morreram.

De seguida, saíram paraquedistas [da CCP 122, um Gr Comb, comandado pelo alf paraquedista Francisco Santos] e foram ao local (a 1200 metros) da emboscada, onde encontraram aquela cena traumatizante, derivado ao que os turras fizeram aos meus camaradas, que me dispenso de pormenorizar aqui, tal o horror.

Quando regressaram, eu quis ver os meus camaradas, que estavam numa Berliet, e não me deixaram. Peguei numa G-3, meti bala na câmara e berrei: “Ou vejo, ou varro esta merda toda”!... Claro que vi, e essa imagem persegue-me ainda hoje, como fantasmas do passado!

Passados uns dias, noutro bombardeamento, fui ferido, e evacuado pelos fuzos até à [LFG] Orion, para Cacine. No entanto, quando fiquei bom, ofereci-me para ir outra vez para o holocausto, onde os meus camaradas morriam.

(...) Décadas se passaram, e numa simples conversa, descobri quem era o herói que ao meu lado disparou até ao último segundo (o tal da decisão de viver... ou morrer): era o soldado Borges, da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", o qual abracei chorando e soluçando, revivendo aquele tormento. (...)


 2.2. Apeteceu-me gritar ao alferes Branco: "Não vás!" (**)

por  Manuel Augusto Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", 
Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; 
vive em Aveiro]

(...) Fui testemunha "in loco" de tudo o que relata o José Casimiro. Foi de uma violência tremenda essa emboscada e foram bravos esses homens que foram obrigados a efectuar esse patrulhamento. Eram 11 homens, mal equipados e mal armados, que partiram do aquartelamento sob os berros e ameaças do comandante de companhia.

Não calei a minha revolta e indignação pelo sucedido, o que me valeu uma despromoção de 2.º comandante, o que para mim constituiu um prémio. Acabei por ser massacrado com tentativas de aliciamento para depor num determinado sentido, caso fosse aberto um inquérito.

Permanece viva a imagem do alf Branco, chegado há dois dias à companhia e, na hora da partida, olhou para mim, incrédulo, como que a perguntar o que devia fazer. Nada disse, mas apeteceu-me gritar: "Não vás!"

Coube-me a mim partilhar este sofrimento e dor imensa com a pobre mãe. Não gosto de recordar esta situação, mas o José Carvalho merece uma palavra amiga pela sua abnegação e doação ao próximo. Sem a sua bravura ninguém regressaria do mato. Bem hajas.


2.3. Quatro mortos do exército, três soldados e um alferes, terrivelmente desfigurados

por Carmo Vicente (ex-1º sargento, cmdt do 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74; DFA, escritor, natural de Arganil, vive em Almada)

(...) No dia  seguinte[, 4 de junho de 1960], sentado na vala, como de costume, preparava-me para comer mais uma vez as habituais sardinhas em lata, quando ouvi, vindo da mata, o forte crepitar de varias espingardas metralhadoras e o rebentar de granadas. Achei estranho, porque não tinha conhecimento de haver qualquer força a patrulhar a zona. Estava a comentar o facto com um dos meus camaradas que se encontrava perto de mim, quando chegou o comandante de companhia  [, Terras Marques,] que me disse para preparar rapidamente o meu grupo e ir socorrer um pelotão do exército que tinha sido atacado e sofridos vários mortos.

[...] Saímos rapidamente das valas e correndo dirigimo-nos para o local (guiados por um dos fugitivos), que ficava a pouco mais de um quilómetro do quartel.

O espectáculo que se nos deparou era deveras terrificante. No solo três soldados e um alferes jaziam mortos e irreconhecíveis com os rostos parcialmente desfeitos por rajadas disparadas à queima-roupa. Havia ossos e tecidos sangrentos espalhados pelo chão. Um dos soldados enrolara-se nos seus próprios intestinos estando os restantes parcialmente queimados pelo fogo que, acidentalmente, por acção das balas incendiárias, ou deliberadamente fora ateado ao capim.

Eu conhecia o alferes. Chegara a Gadamael três ou quatro dias antes, ido directamente da Metrópole e eu encontrara-o por acaso e estivera a falar com ele. Com os olhos dilatados pelo medo,  havia-me dito que abominava a guerra, que estava aterrorizado e iria fugir para longe da guerra o mais depressa possível, fosse para onde fosse, pois não podia aguentar por mais tempo aquele inferno. Agora, ao vê-lo morto, pensei: "Afinal conseguiste o que querias, alferes.... Vais sair daqui... da única maneira que o recusarias fazer, se te tivesse sido dado escolher, enquanto vivo".

Carregámos com os mortos às costas e regressámos ao quartel. Ao chegarmos,  começou novo bombardeamento e toda a gente se atirou para o chão tentando encontrar abrigo. O soldado C [...] que carregava o cadáver do alferes, seguindo o exemplo dos outros ou obedecendo ao seu instinto de conservação, também se atirou para o chão ficando com o morto em cima, que, por ter caído a capa impermeável onde o tínhamos embrulhado, o cobriu de sangue. Levantou-se como se tivesse sido picado por uma cobra e ficou a olhar-me de olhos esgazeados. O seu aspecto era terrível. O sangue do morto cobria-o da cabeça aos pés: tinha sangue na boca e nos olhos. Pastas de sangue coagulado caiam do camuflado. Olhou as mãos e vendo-as ensanguentadas entrou em pânico. [...]

Havia que evacuar os mortos e um ferido muito grave com um estilhaço num pulmão, que apanhara dentro do quartel. E o meu pelotão foi encarregado desse trabalho. Atirámos com os mortos para cima de uma Berliet, única viatura que ainda funcionava em toda a unidade e arrumámos o ferido o melhor que pudemos junto dos mortos. A altura era má para nos prendermos com ninharias e não podíamos transportá-lo de outra maneira. Imaginem o que terá sentido aquele homem ferido gravemente, mas consciente, ao ver-se no meio de quatro mortos horrivelmente desfigurados. (...)


2.4. Eu próprio carreguei os mortos para a Berliet...

por Manuel Peredo (ex-fur mil pára, 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74;  emigrante,  em Fança)

(...) Alguns dizem que desembarcámos em botes, mas eu quase afirmava que foi de LDM e era capaz de jurar que só a minha companhia, a 122, é que desembarcou nesse dia e não me lembro de estarem lá duas companhias de páras ao mesmo tempo. Penso que a 123 nos foi render para a 122 poder descansar uns dias em Cacine.

Mal chegámos a Gadamael, dois pelotões foram logo para a mata, onde passaram a noite. Em Gadamael apenas se encontravam lá uns quinze ou vinte homens, o resto tinha fugido. Recordo-me que veio logo uma Berliet conduzida por um açoriano muito destemido para evacuar os mortos e feridos. 

Soube pelo blogue que o José Casimiro Carvalho também fazia parte dos que não fugiram. O meu pelotão, o quarto, fazia parte do bigrupo que passou a primeira noite no mato e, quando estávamos a regressar ao quartel, este foi fortemente bombardeado, originando a morte de alguns soldados do exército que tentaram fazer fogo com o obus 14, salvo erro. Estivemos à espera que os rebentamentos acabassem para poder entrar no quartel.

Um dia ou dois mais tarde  [, em 4 de junho de 1970,]  morreram mais três soldados e um alferes miliciano, vítimas duma emboscada, muito próximo do quartel. Alguém devia ter um grande peso na consciência por ter mandado para o mato um grupo de apenas duas dezenas de militares, se tanto. Este ataque já foi contado pelo José Casimiro e pelo Carmo Vicente.

Aqui o Vicente deve estar enganado. Quem foi primeiro recuperar os corpos foi outro pelotão  [, o do allferes Fernandes, também da CCP 122 / BCP 12], o nosso pelotão foi enviado em reforço porque tínhamos acabado de chegar do mato. Encontrámo-nos a meio caminho e demos uma ajuda a transportar os corpos que estavam muito mal tratados : tinham o corpo queimado e ferimentos causados pelas balas. O alferes [rranco]  tinha um grande buraco na cara derivado a uma rajada e um soldado nem calças trazia vendo-se bem o efeito das chamas.

Quando chegámos ao quartel, os colegas dos militares mortos estavam no cais à espera e houve um pormenor que me deixou surpreendido e até chocado. Nenhum deles teve a coragem de nos ajudar a carregar os mortos para a Berliet. Os corpos eram postos no chão e o pessoal ia para as valas. Eu próprio os carreguei com a ajuda de colegas. Quando estávamos com este trabalho, o IN lançou novo ataque e eu só tive tempo de saltar do paredão do cais para me proteger. Foi a minha salvação pois uma granada caiu no local que tinha deixado. Escapei a uma morte certa por décimos de segundo.

Outro pormenor que me surpreendeu: quando íamos resgatar os corpos, um dos soldados que tinha fugido da emboscada,  dirigiu-se a mim, suplicando-me por tudo quanto me era sagrado, que tentasse recuperar uma medalha ou um fio que a mãe lhe tinha dado. Essa medalha ou fio devia estar no casaco que ele largou durante a fuga. 

Os ataques iam-se sucedendo e talvez mais espaçados e a tropa que tinha fugido ia regressando ao quartel talvez por se sentirem mais seguros com a nossa presença. (...)
___________


(**) Vd. poste de 30 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (100): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973

(***) Vd. poste de 5 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

(****) Vd. poste de 12 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

(*****) Vd. Blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné > 21 de março de 2016 > P256 - Os problemas no Comando Territoria. Independente da Guiné (CTIG): Em 1963. "Memórias de cá e de lá" Por: Jorge Araújo

(...) Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). 

Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica.  Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar, representou (creio) o Club Atlético de Valdevez, na época de 1970/71 (...)

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.

Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão”, através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf  Art como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325-LG, narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento (...)