1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2018:
Queridos amigos,
Pode não ser o que se chama uma lança em África, um olhar refrescado sobre tudo o que aconteceu das vésperas da II Guerra Mundial até o continente africano ter ficado praticamente independente, com exceção de algumas poderosas parcelas da África Austral; mas é um documento de trabalho muito útil que permite ao leitor olhar a evolução do continente passo a passo desde o início da descolonização até ao seu termo, entender o contexto internacional completamente alterado depois da vitória dos Aliados, depois da criação das Nações Unidas e de soprarem os ventos anticoloniais, sobre o comando das superpotências. Temos aqui essa marcha imparável com todas as suas etapas após a independência da Índia e a Conferência de Bandung. Um documento que assegura ao leitor os porquês de uma cavalgada da História onde a exceção esteve nas renitências do Estado Novo e no regime do Apartheid.
Um abraço do
Mário
O continente africano no limiar da II Guerra Mundial e depois (2)
Beja Santos
A obra de Marianne Cornevin foi no seu tempo uma iniciativa singular, pela quantidade de informação oferecida sobre a situação política no continente africano antes da II Guerra Mundial, as operações militares que aqui decorreram, as repercussões económicas que o conflito acarretou, os acontecimentos imediatos a que não faltou o grande impulso da independência da Índia e da África inglesa, a marcha para a independência desde a década de 1950 até junho de 1977, dia da independência de Djibuti. Trata-se de uma informação rigorosa que contextualiza o que de primordial ocorreu e que veio justificar a onda descolonizadora: “História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias”, por Marianne Cornevin, I Volume, Edições Sociais, 1979.
Já se aludiu à situação política no continente nas vésperas da II Guerra Mundial, viu-se como África pesou nas operações militares que levaram às perdas do Eixo e prepararam o assalto ao sul de Itália, muitos africanos combateram em diferentes teatros de operações, não só a sua vida mudou como descobriram que tinham direitos à liberdade, à autodeterminação, e daí o conjunto de movimentações no imediato pós-guerra que a autora regista. A segunda parte deste volume vai da independência da Índia e da Conferência de Bandung até às mudanças que se operaram na África Austral, com as independências de Moçambique e Angola.
Essa década de 1950 traz independências em África e aproximam este continente da Ásia, houvera a emancipação do Sudeste Asiático e a proclamação da República Popular da China, a Grã-Bretanha concedeu independência ao Império das Índias, ou seja, quatro quintos da população do Império Britânico; a mesma década vai trazer calafrios à política francesa por causa da Indochina, como observa a autora, um salto terrível: “Os números oficiais indicam 15 mil africanos mortos na Indochina, ao lado de 11 600 legionários, 26 mil e 600 franceses da metrópole, 26 mil indochineses do exército francês, 17 mil e 600 soldados dos estados associados”. Uma década em que houve mudanças na Palestina e no Egito e a Conferência de Bandung (1950) não foi meramente simbólica. As superpotências, já em confronto, deram conta de que os países afro-asiáticos tinham querer. Depois da Conferência espalhou-se no mundo que a África colonizada iria fatalmente seguir o destino da Ásia. Aos olhos de muitos autores, Bandung apareceu como o pendente exato do Congresso de Berlim, em 1885, a África fora colonizada porque era colonizável, em 1955 a África iria ser descolonizada porque se tornara descolonizável. Como aconteceu: Líbia, Egito e Sudão; os combates sanguinários na Argélia que levarão à sua independência em 1962; a emergência de uma literatura negra sobretudo de expressão francesa e inglesa; Nkrumah é quase visto como um Messias, ele lança ideias de federação e de unidade entre Estados, uma fórmula de exponenciar potencialidades dos recursos; haverá mudanças no Togo, na Costa do Marfim, nos Camarões, no Senegal, no Quénia, no Uganda.
E a autora escreve:
“Os dez anos que se seguem à Conferência de Bandung vão assistir a um refazer total do mapa político da África. De quatro em 1955 (Egipto, Etiópia, Libéria, Líbia) e cinco se contarmos com a União Sul-Africana, o número de Estados soberanos passará a 36 em 1965, 38 se contarmos com a República da África do Sul e a Rodésia. Dos quatro grandes conjuntos coloniais africanos em 1955, apenas restará em 1965 o português. A África belga já não existira, da África francesa restarão os minúsculos territórios de Djibuti e das Comores; da África inglesa apenas subsistirão os três territórios do Lesotho, Botswana e Suazilândia”.
A previsão dos novos ventos da História concretizou-se, com muitas dores de renúncia, como a Argélia, com atribulações sangrentas, como o Congo e com os holofotes apontados aos resquícios do colonialismo, nomeadamente a África austral. O trabalho de Marianne Cornevin discreteia sobre as independências proclamadas antes de 1960 e as posteriores: as catorze independências da África francesa, o Congo belga, a Somália; mas também outras independências como a Nigéria, a Serra Leoa, o Tanganica, Ruanda e Burundi, Argélia, Uganda, Quénia, Zanzibar, Niassalândia-Malawi, Rodésia do Norte – Zâmbia, Gâmbia, Rodésia do Sul – Rodésia.
Inevitavelmente, o termo da obra foca-se na África a sul do Zambeze até à independência de Moçambique e de Angola, dando atenção aos acontecimentos da África do Sul, da Namíbia, do Lesotho, Botswana, Suazilândia, o que se passou na Rodésia entre 1965 e 1975.
Falando de Moçambique e dos dez anos de guerra, a autora observa que não foi nada de surpreendente a guerra de libertação se ter iniciado quinze dias após a independência do Malawi, como nada tem de espantoso o facto de ser essencialmente entre os Macondes que a guerra se tenha desenvolvido. Depois do morticínio de 1960, os Macondes tinham passado em massa o rio Rovuma e juntaram-se na Tanzânia, a Frelimo era produto da união de vários movimentos e tinha como líder Eduardo Mondlane assassinado em 1969. O 25 de abril de 1974 coincide com um período de intensa atividade da Frelimo, atacando as vias férreas que partem da Beira para a Rodésia e para o Malawi. Ao contrário de Moçambique, onde foi a Frelimo que combateu sem nenhum outro apoio interno, e que se apresentava como o partido “único, supratribal e nacional”, a questão angolana foi mais complexa pelo facto de existirem três movimentos que se guerreavam entre si, tendo havido a habilidade das autoridades portuguesas em explorar tais dissensões. A autora enumera os acontecimentos a partir de 4 de fevereiro de 1961, quem era quem no MPLA, na FNLA e na UNITA. E tece o seguinte comentário: “Do ponto de vista militar, é incontestavelmente o FNLA que apresenta em 1974 as perspetivas mais favoráveis. O FNLA dispõe de três campos de treino situados no Zaire que pertencem, na sua quase totalidade, à etnia Kongo. A UNITA é certamente o mais fraco dos três movimentos. Os efetivos do exército do MPLA ou FAPLA são nitidamente inferiores aos do FNLA”. Refere igualmente o espetacular desenvolvimento de Angola no final do período colonial, graças ao petróleo, a riquíssima jazida de minério de ferro de Cassinga e os diamantes. O livro termina com a II Guerra em Angola em 1976, com a vitória do MPLA, a sua admissão como membro da OUA e o seu reconhecimento a partir de 17 de fevereiro pela CEE e Portugal.
Mapa político de África depois da descolonização.
____________Nota do editor
Último poste da série de 8 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22697: Notas de leitura (1392): "História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias", por Marianne Cornevin, I Volume; Edições Sociais, 1979 (1) (Mário Beja Santos)