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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24009: Memória dos lugares (448): a "Esnoga", a sinagoga portuguesa de Amesterdão (séc. XVII) e a história incrível da sua comunidade

 


Amsterdão > Interior da Esnoga / Sinagoga Portuguesa. Gravura do séc. XVII. (Cortesia de:

https://www.esnoga.com/en/history-of-the-community/ )

 1. Visitei a Esnoga (ou Sinagoga) Portuguesa de Amesterdão, no início dos anos 90. E fiquei deveras impressionado com a monumentalidade do edifício, em especial o seu interior e sobretudo a história da comunidade judaica, de origem portuguesa, que a construiu e manteve até aos nossos dias. Aliás, foi um "milagre" ter escapado à destruição, durante a II Guerra Mundial, bem como todo o preciosíssimo recheio (incluindo a fabulosa biblioteca Ets Haim - Livraria Montesinos, considerada a biblioteca judaica mais antiga do mundo, em funcionamento). 

A Esnoga é de há muito monumento nacional neerlandês Vale a pena visitá-la (bem como conhecer o histórico bairro  judeu, onde também se situa  a casa de Anne Frank). 


Roel Coutinho, 2016, foto de
Patrick Sternfeld / capa da revista "Benjamin",
junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...

Já aqui  falámos, no nosso blogue, do médico neerlandês Roel Coutinho, de origem judaico-portuguesa, que em 1973/74 esteve no Senegal (nomeadamente em Ziguinchor)  e nalgumas bases do PAIGC,  da região Norte (como Sara). O seu espólio fotográfico dessa visita está disponível, por doação,  na Internet (Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection)

 A família de Roel Coutinho, embora não pertencesse à comunidade religiosa de Amsterdão, a congregação Talmud Tora, foi igualmente vítima das perseguição aos judeus nos Países Baixos durante a II Guerra Mundial. 

Roel Coutinho, nascido em 1946  (em Laren, a sudeste de Amesterdão) e hoje reformado, é uma figura mediática no seu país, com grande prestígio científico e profissional, tendo-se destacado na luta e prevenção do HIV/SIDA, mas também na pandemia  de gripe A (H1N1) em 2009 e mais recentemente 
na pandemia de Covid-19.

O texto que se segue é uma condensação, feita pelo nosso editor LG, a partir de várias fontes.


História da comunidade judaico-portuguesa

 de Amesterdão  (*)


Kahal Kados Talmud Tora, a comunidade judaica portuguesa, é a comunidade judaica mais antiga dos Países Baixos. 

A comunidade foi fundada em 1639 por judeus espanhóis e portugueses que foram forçados a deixar Antuérpia, na Flandres (hoje Bélgica) depois que a cidade ficou sob o domínio espanhol (em 1585) (**). 

Eles já haviam fugido da Espanha e de Portugal para escapar à sanha da Santa Inquisição. Esses sefarditas encontraram um refúgio seguro na tolerante cidade de Amesterdão.

Num curto período de tempo, três comunidades sefarditas foram estabelecidas emAmesterdão: Bet Jacob em 1610, ou 1602, Neve Salom entre 1608 e 1612 e Bet Israel em 1618. As comunidades fundiram-se em 1639 no Talmud Tora, mais tarde conhecido como comunidade judaica portuguesa. (Talmud Tora quer dizer "o estudo da Lei".)

Na época, a Holanda estava a lutar para sair do domínio  espanhol, a razão pela qual  muito provavelmente os sefarditas (e nomedamente os de origem espanhola) abandonaram a designação 'espanhola'.

Muitos dos recém-chegados eram descendentes de judeus que haviam sido batizados à força. Eles eram conhecidos como “marranos” ou “conversos”. Os sefarditas usavam o português para a sua conversação do dia-a-dia, enquanto o espanhol (estamos no séc. XVII)  era usado para publicações científicas, prosa e poesia. 

Inicialmente, os rabinos permitiram o uso do português no culto para facilitar o retorno. à sinagoga, dos "cristãos novos". Quando a maioria dos membros aprendeu o hebraico, o culto foi novamente realizado inteiramente em hebraico. Até hoje os anúncios sobre assuntos profanos são feitos em português.

Rabinos e Hazanim foram inicialmente trazidos da Itália e, às vezes, de Salónica (então parte do império otomano) e Marrocos. 

Mais tarde Amesterdão tornou-se um centro de aprendizagem, e estudos judaicos. Yesiba Ets Haim (escola "Árvore da Vida") foi fundada e logo adquiriu uma extensa biblioteca. A Ets Haim-Livraria Montezinos existe até hoje e é uma das mais importantes bibliotecas judaicas do mundo. Um dos bibliotecários foi David Montezinos (1828-1916) que doou a sua já de si valiossíma biblioteca particular à comunidade, com a condição de que estivesse aberta ao público duas vezes por semana. Sucedeu-lhe Jacob da Silva Rosa (1886-1943) que, infelizmente, iria morrer num campo de concentração. A biblioteca foi levada em 1943 pelos nazis para a Alemanha para guarnecer o "Alfred Rosenberg Institut zur Erforchung der Judenfrage", em Frankurt. As tropas americanas acabaram por resgatar a biblioteca Ets Haim em Offenbach e devolvê-la à comunidade judaico-portuguesa de Amsterdão.

Durante séculos, Amesterdão foi o centro do mundo sefardita ocidental, gerando muitos rabinos, cientistas, filósofos, artistas, comerciantes e banqueiros, que fizeram uma enorme contribuição para a prosperidade da Holanda a partir do Século de Ouro.

Essa proeminência e riqueza encontraram a sua expressão máxima na Esnoga, também conhecido como Snoge, no coração do antigo bairro judeu. ("Esnoga", é um termo arcaico, corruptela de sinagoga, tempo ou assembleia de judeus).

Até hoje, a Esnoga está no coração desta comunidade. A Esnoga, juntamente com a Antiga-Nova Sinagoga em Praga, é a sinagoga em funcionamento mais antiga do mundo.

A construção foi iniciada em 1671 no que era, na altura,  a periferia da cidade. Foi construída em estilo classicista, popular entre a elite da cidade. A sinagoga foi projetada por Elias Boumanque também construiu a Casa De Pinto,  na vizinha Sint Antoniebreestraat.

A comunidade portuguesa inspirou a fundação de comunidades semelhantes em Nova Amesterdão (atual Nova York), Londres e Curaçao. Isso pode ser visto claramente na sinagoga Mikvé Israel-Emanuel em Willemstad, cujo interior é quase uma cópia exata da Esnoga.

Até à Segunda Guerra Mundial existiam também comunidades portuguesas em Den Haag, Naarden, Roterdão e Middelburg.

A perseguição aos judeus naquela época sombria, da ocupação nazi, foi um duro golpe para a comunidade: 3.700 dos 4.300 judeus portugueses (mais de 85%) pereceram. 

No entanto, em 9 de maio de 1945, quatro dias após a libertação da Holanda, os serviços foram retomados na Esnoga, como pode ser visto claramente numa famosa fotografia tirada por Boris Kowadlo. Mostra o parnassino,  o diretor da sinagoga, carregando um rolo de Tora, quase como se nada tivesse acontecido. A Esnoga e seus objetos cerimoniais permaneceram intocados. (Vd. foto à esquerda: reabertura ao cuto da "Esnoga", em 9 de maio de 1945, foto de Boris Kowadlo, cortesia de https://www.esnoga.com/en/history-of-the-community/

Os sobreviventes e seus descendentes trabalharam duramente para reconstruir a comunidade. Hoje, o seu número está a crescer, embora lentamente. Cerca de 250 famílias estão inscritas na comunidade e há cerca de 630 membros.

Os valiosos bens da comunidade, o magnífico edifício, os riquíssimos objetos cerimoniais e a biblioteca Ets Haim-Livraria Montezinos, foram transferidos para uma fundação separada, chamada CEPIG, em 2003. Isso facilitou a arrecadação de fundos e a obtenção de subsídios para a restauração e a manutenção da sinagoga e dos bens da comunidade. Desde janeiro de 2009, o CEPIG é administrado e operado pelo Museu Histórico Judaico, permitindo que a comunidade se concentre nas suas tarefas religiosas e sociais.

Sobre alguns líderes históricos da comunidade, vd. aqui:

(i) Menasseh Ben Israel (1604-1657), também conhecido como Manoel Dias Soeiro, nasceu em 1604 na ilha da Madeira. A família refugiou-se em Amesterdão em 1610. Fundou a primeira tipografia hebraica de Amsterdão. Convivia com a elite cultural da cidade. (...)

(ii) Jacob ben Aaron Sasportas (1610-1698): nasceu em 1610 em Oran (que hoje faz parte da Argélia). Chegou a Amesterdão em 1646...Foi rabi, diplomata, fez oponente do falso Messias (Shabtai Tzvi) (...)

(iii) Irmãos De Pinto:

Isaac, Aron e Jacob nasceram no séc. XVIII, no seio de uma das famílias mais ricas, de comerciantes e banqueiros, de origem judaico-portuguesa. O pai, David de Pinto, figurava na lista dos dez mais ricos portugueses de Amesterdão. A família possuia uma casa senhorial nas margens do rio Amstel, Tulpenburg, e outra em Sint Antoniesbreestraat, conhecida com a Casa De Pinto, desenhada pelo mesmo arquitecto da Esnoga.

Até 1760, os três irmãos alternaram no papel de líderes da comunidade. Jacob de Pinto foi também um conhecido filósofo das Luzes, tendo-se correspondido com Diderot e entrado em polémica com Voltaire (na defesa dos judeus pobres expulsos de Bordéus). (...)

(iv) Samuel Sarphati (1813-1866)

Nasceu no seio de uma família de comerciantes de tabaco. Frequentou a escola médica de Leiden. Doutorou-se em 1839. Estabeleceu-se em Amesterdão como médico de clínica geral. Em contacto com os graves problemas de saúde do emergente proletariado industrial , desenvolveu uma série de projetos que contribuiram em muito para a melhoria da saúde pública e o planeamento urbano de Amesterdão (...)


(v) Num foto dos líderes da comunidade, em 1925, por ocasião do 250º aniversário da Esnoga, podem ver-se 8 personalidades, todas com apelidos bem portugueses

  • A. J. Mendes da Costa (secretário);
  • N. de Beneditty;
  • Dr. E.H. Vaz Nunes;
  • M. Rodrigues de Miranda;
  • M. Álvares Vega;
  • M. Vaz Dias;
  • J. Milhado; e
  • M. Cortissos 

(Fonte:  Judith C. E. Belinfante et al. - The Esnoga: a monument to Portuguese-Jewish culture. Amsterdam, D'Arts, 1991, il, pág. 61). (Capa à direita)

2. Informação adicional sobre a Esnoga (***)

Fica situada próxima do centro histórico de Amesterdão, em frente ao Museu da História Judaica. Endereço: Mr. Visserplein 3, 1011 RD Amsterdam. Horário: segunda e quarta-feira, das 10h00 às 15h00; sexta-feira. das 10h00 às 13h00.
 
O imponente edifício escapou milagrosamente à destruição pelos nazis (a maioria das sinagogas alemãs foram incendiadas). Diz-se que o regime nazi queria fazer naquele local o museu da "raça judaica",  cuja extinção estava planeada com o  Holocausto ou Solução Final...

Em finais do séc. XVI, haveria apenas uma  centena de portugueses em Amesterdão. Em 1610 seriam perto de 200. Por volta de 1725 seriam já 2 500Os sefarditas, os judeus ibéricos,  em breve se tornariam uma minoria, com o afluxo de judeus dos territórios da Europa de Leste (os chamados asquenazes), mais numerosos mas normalmente mais pobres. Os portugueses eram considerados gente culta e bem sucedida, com  dinheiro e influência política. Ainda hoje, os nomes de família portugueses na Holanda   detêm um aura de prestígio.

 A comunidade judaica portuguesa produziu muitas figuras de renome nacional e internacional, como rabinos, escritores, filósofos, banqueiros, médicos, comerciantes, empresários, tais como  Gracia NasiIsaac de PintoDavid RicardoMenasseh ben IsraelIsaac Aboab da FonsecaUriel AcostaBaruch de Espinoza, etc. (****)

[Seleção / Adaptação / Revisão e fixação de texto / Negritos / Notas / Subítulos: LG]
___________

Notas do editor:

(*) Adaptação de Portugees-Israëlietische Gemeente - Amsterdam (https://www.esnoga.com/en/



(**) Sobre Antuérpia > Wikipedia (excerto):

(...) "Quando os portugueses abriram a rota marítima para a Índia, Antuérpia se tornou um centro de comércio ainda mais proeminente, porque o rei de Portugal para lá enviava quase tudo que chegava a Lisboa, vindo da Ásia; as corporações da cidade compravam carregamentos inteiros que daí seguiam para o resto do mundo ofuscando o brilho comercial de Veneza. Transferiram dessa forma a feitoria que na Idade Média mantinham em Bruges. Este facto revelou-se da maior importância para a cidade.

"Com os portugueses, instalou-se igualmente forte colónia mercantil espanhola, passando os negócios das coroas ibéricas a fazer-se maioritariamente por aqui. Assim, ao longo do século XVI, Antuérpia tornou-se um centro da 'economia do mundo'. O volume de negócios financeiros era de tal monta que em 1519 a sucursal alemã, a empresa Fugger, emprestou mais de meio milhão de florins de ouro a Carlos V para patrocinar sua campanha a Imperador do Sacro Império Romano Germânico.

"A prosperidade desta cidade prosseguiu ao longo desse século, atraindo assim inúmeros judeus, expulsos de Portugal, - na sequência da implementação de política antissemita desencadeada pelo governo português, - que buscavam nessa cidade livre grandes oportunidades de enriquecimento. Essa comunidade de exímios mercadores e artesãos enriqueceu o negócio da indústria dos diamantes e, consequentemente, a própria cidade, que passou a contar com a colaboração de artífices especializados no trato comercial.

"Para além de ser um centro económico, Antuérpia era igualmente centro cultural e intelectual. Por exemplo, ali nasceu em 1599 o pintor Anthony van Dyck. No entanto, a sua pujança foi irremediavelmente abalada por problemas religiosos depois de 1567, data em que tropas espanholas saquearam a cidade. Antuérpia foi de novo atacada em 1584, sendo, dessa feita, forçada a render-se aos espanhóis em 1585.

No século XVII, mais precisamente em 1648, foi mais uma vez lesada na sequência da Guerra dos Trinta Anos. Em questão estava o Tratado de Paz de Vestefália, que determinou o encerramento do rio Escalda à navegação, o qual foi reaberto somente em 1795 
pelos franceses" (...)

(***) Vd. Wikipedia > Sinagoga Portuguesa de Amesterdão
 
(****) Último poste da série > 14 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23980: Memória dos lugares (447): Poortugaal, antigo município de origem portuguesa, nos arredores de Roterdão (Valdemar Queiroz)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23971: "Una rivoluzione...fotogenica" (5): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte IV: escolas no mato para adultos


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 24 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 25 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 26 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 27 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 29 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974.



Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 29 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974. (Tudo indica que a aluna seja guineense, e que a aula seja de português... Pormenor: tanto quanto se consegue ler: "Sumário, 29-3-74 (,,,) Eu quero ser primeiro (?) professora. Eu quero ser (...)".




Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. O jovem médico Roel Coutinho (*), então com os seus 26/27 anos, passou uma temporada na Guiné-Bissau e no Senegal, ainda antes do 25 de Abril de 1974, altura em que voltou ao seu país natal, os Países Baixos.

No seu livro de memórias, "Crónica da Libertação" (Lisboa, "O Jornal", 1984, 464 pp.), Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau (1973-1980), derrubado pelo golpe de Estado do 'Nino' Veira (em 14 de novembro de 1980), cita o nome do "dr. Raul Coutinho" (sic), a propósito do apoio ao PAIGC, ainda na fase da luta pela independência, de diferentes países e organizações no domínio médico-sanitário. Escreveu ele, na página 337:

"O comité da Holanda, como a Fundação Eduardo Mondlane, destacou-se por uma solidariedde contínua com as nossas formações sanitárias também concretizada pelo envio de pessoal médico. Os drs. To, Raul Coutinho  e Yob trabalharam sucessivamente no nosso Lar do Combatente de Ziguinchor".  

Não são referidas datas, maas sabe-se que as fotos do Roel Coutinho tªem dieferentes datas: (i) março-abril de 1973; (ii) 1974;  (iii) março-abril de 1974... Umas foram toradas no Senegal (Ziguinchor), outras na Guiné-Bissau, em "áreas libertadas", junto à fronteira norte ou a sul do Morés (em Sara).  Não parece haver fotos tiradas no sul do território, ou em bases do PAIGC em território da Guiné-Conacri, como Boké (onde também havia um hospital tal como em Ziguinchor, no Senegal).

2. E a propósito da Fundação Eduardo Mondlane (Eduardo Mondlane Stichting)  sabemos que se fundiu mais tarde,  em 1997, com outras duas organizações, o Comitê Holandês sobre a África Austral, antigamente denominado Angola Comité (Komitee Zuidelijk Afrika)  e o Movimento Holandês de Oposição ao Apartheid (Anti-Apartheids Beweging Nederland) , dando origem ao  Nederlands instituut voor Zuidelijk Afrika (NiZA).  

O NiZA (http://www.niza.nl)  focava-se então  nas questões  relativos ao desenvolvimento e aos direitos humanos na África Austral, mantendo os arquivos com os materiais de suas organizações-mãe:

Numa folheto, de duas páginas,  do NiZA, disponível em formato pdf, em português pode ler-se:

 (...) "A colonização inicial holandesa da África do Sul, suas conexões religiosas tradicionais, ligações com o idioma falado pelos afrikaners, e o número relativamente alto de imigrantes holandeses na África do Sul contribuíram para o alto interesse da sociedade holandesa pelos assuntos relativos à África do Sul, inclusive a luta contra o apartheid. 

A experiência dos holandeses durante a ocupação nazi na Segunda Guerra Mundial e a descolonização na Indonésia também contribuíram para o apoio de movimentos de libertação na África Austral. 

Todos esses fatores resultaram na ampla cobertura da imprensa e no surgimento de um forte movimento contra o apartheid e em prol da libertação africana na Holanda. 

Um dos primeiros grupos se concentrou na libertação de Angola e das outras colônias portuguesas, o que ajudou a dar ao movimento uma perspectiva ampla sobre a região da África Austral. 

Em três ocasiões distintas, desentendimentos graves sobre as sanções contra a África do Sul entre a maioria parlamentar e a administração incumbente ameaçaram derrubar o governo. Os sindicatos, as igrejas, os governos locais e as organizações de desenvolvimento agiram ativamente nesse sentido, assim como as organizações cujo enfoque específico era a solidariedade com a luta na África Austral. 

Os grupos holandeses agiam não só ao fazer pressão para transformar as políticas ocidentais e isolar a África do Sul, como também para apoiar diretamente os movimentos de libertação da África Austral. Os grupos normalmente trabalhavam juntos em coligações, apesar de rivalidades e discórdias estratégicas entre si. Juntos, atingiram todos os setores da sociedade holandesa, exercendo forte influência na opinião pública." (...) 

A gente às vezes esquece-se que a Holanda / Países Baixos foi também uma grande potência colonial e que a descolonização desses territórios também não foi pacífica.... (Veja-se, por exemplo, o caso da Indonésia que foi o primeiro país após a Segunda Guerra Mundial a lutar pela independência e a ser reconhecido pelas Nações Unidas, mas só em 1949 pela potência colonizadora... E só agora, ao fim de muitos anos, os Países Baixos pedem desculpa pela violência contra os indonésios e outros povos que estiveram sob o seu domínio.
)
 
3. Chamámos a este série  "Una rivoluzione... fotogenica". Destina-se a divulgar algumas imagens "do outro lado do combate"... Na realidade, o PAIGC e sobretudo o seu líder histórico, Amílcar Cabral (Bafatá. 1924- Conacri, 1973) sempre beneficiou de uma "boa imprensa", a nível internacional, e nomeadamente nalguns países europeus, como a Suécia, a Holanda, a Itália ou até a França.

Alguns excelentes fotojornalistas (como Bruna Amico ou Uliano Lucas) mas também cineastas, médicos e escritores foram às florestas e bolanhas da Guiné para se documentar "in loco" sobre o progresso da "luta de libertação" dos guineenses contra o colonialismo português. Pode-se dizer que criaram ou ajudaram a criar uma "estética da guerra de libertação" (**).


(**) Vd. poste de 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23531: O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje? (5): Acordei com alguma inveja de ver os meus netos, neerlandeses, partir de regresso das férias em Portugal... (Valdemar Queiroz)


Valdemar Queiroz, minhoto por criação, lisboeta por eleição, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; aqui, na foto, em Contuboel, 1969. 


1. Trancado em casa, em pleno agosto (aquele que deveria ser "o nosso queridp mês de agosto"), por causa da sua DPOC de estimação, desolado por ver partir os seus netos, filho e nora de volta para os Países Baixos (depois de umas sempre curtas férias em Portugal), o nosso querido amigo e camarada Valdemar Queiroz não desiste de enriquecer (ou complexificar)  as respostas à pergunta (tramada, para os portugueses) que é a de saber o que quer dizer "ser português", aqui e agora, "hic et nunc"... Aqui ficam cinco dos seus comentários de antologia:


(i) 11 de agosto de 2022 às 16:03 (*)

O que é ser português ?

Mas, depois de três dias de viagem a atravessar a França e, por não aguentar mais tempo, uma directa de San Sebastian pra chegar a Bragança. Ufff!, chegar a Portugal, e começar logo a sentir a diferença do calor, do cheiro, ver o céu azul, tudo diferente mas nunca esquecido, e ouvir 'bócê nem sabe o calor pro aqui'.

Depois, é só passar por Valverde, Vale do Porco, Vilar de Rei e chegar a Mogadouro, estacionar a autocaravana no Parque de Campismo e descansar para viajar em Portugal.

Parece que estes emigrantes dos anos 2000 já não se sentem emigrantes, antes vão trabalhar para outras paragens...mas a razão é sempre a mesma: um país com mais conventos que palácios e fábricas ter mar à porta de casa.

Assim cá chegaram os meus netos, filho e nora para passar férias vindos dos Países Baixos. (...)


(ii) 13 de agosto de 2022 às 02:13 (**)

Sempre me fez muita confusão ver os neerlandeses ir à casa de banho e não lavar as mãos. Nunca me deram uma explicação, talvez seja por causa do tempo frio.

Depois, lembrei-me de ter lido uma crónica de um estrangeiro em Lisboa no séc. XVIII,  que dizia que os portugueses parecem estar a cometer pecados a qualquer hora, estão sempre a lavar as mãos. Dizem que nos ficou do tempo dos árabes, tal como o "Se Deus quiser" (Insha' Allah") por tudo e por nada.

(iii) 13 de agosto de 2022 às 18:28  (***)

E sobre moinhos também há para escrever.

Do latin molinu apareceu o português 'moinho', que perdeu o l intervocálico e o galego 'muiño' também. Não é muito diferente do latim o espanhol 'molino', o catalão 'moli' e o francês 'molin'. Em alemão 'müle' e em neerlandês 'molen'.

Com 'moleiro', do latim molinariu, foi um pouco diferente, por em galego ser 'muiñeiro', em espanhol 'moinero', em catalão 'moliner' e em francês 'meunier'. Os alemães dizem 'müller' e os neerlandeses 'molenaar'.

Agora, o querer ir ao Restaurante "De Hoop" num moinho em Bavel (NL) e perguntar por molen, môlen, mólen, e uuuu? molin, molino, e uuuu? ah! móla,  respondeu-me a senhora indicando o caminho. 

Os vizinhos flamengos que povoaram os Açores,  também levaram para as ilhas os seus conhecimentos na construção de moinhos que ainda por lá se encontram.

Os neerlandeses, não digo os holandeses por haver moinhos sem ser nas províncias da Holanda do norte e do sul, aproveitando as suas "estradas" de água construíram moinhos de vento junto dos muitos canais que utilizam para tudo e mais alguma coisa. São uma força motriz para as mais diversas actividades.

E temos o célebre "Molin Rouge" em que as velas ao vento são as pernas em movimento das bailarinas de can-can.

PS -  Sem pretender ser um letrudo e escrever como que velas ao vento, desculpem a confusão da explicação, que não será nenhuma novidade para a rapaziada da nossa idade.


Meu caro Fernando Ribeiro:

... "Ser português ... é dar porrada na mãe" ... e o resto que eu transcrevi, são palavras de parte de um interessante texto humorístico, de Guilherme Duarte, com o título genérico "O Fado de ser Português".

O estigma dar "porrada" na mãe ficou-nos por causa do D. Afonso Henriques ter batido a mãe na batalha de S. Mamede. É o que dizem e sempre se prestou para textos de humor.

O texto completo do "O Fado de ser Português" tem frases com piada e com alguma verdade.

Abraço e saúde da boa.

Hoje acordei com alguma inveja de ver os meus netos partir de regresso das férias em Portugal. Inveja de outros os poderem ver todos os dias.

O Camões chamava invejosos aos portugueses? Só poderia ser por nos aventurarmos à procura de novas rotas das especiarias com inveja dos muçulmanos, venezianos e genoveses o fizessem no Mediterrâneo. 
Ou antes a inveja era dos outros por não serem como o D. Sebastião e o Vasco da Gama?

Ou por sermos invejáveis? Ou até, dividindo bem as orações, a INVEJA final pode estar relacionado com outro canto. não sei por nunca ter sido bom a português.

Ah, também tenho inveja não poder respirar como deve ser....talvez por ter inveja de ver os outros fumar quando tinha 15 anos !!

Inveja em neerlandês é jaloezie (lê-se: iáluzi) que quer dizer ciúmes, e invejar é benijden (lê-se: beneida).

Saúde da boa (sem invejas)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23512: Notas de leitura (1473): Eduardo Lourenço (1923-2020): afinal, quem são os portugueses, e o que significa ser português? (José Belo, Suécia)

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22327: Efemérides (349): Recordando o dia 24 de junho de 1622, a vitória de Macau sobre os holandese, hoje dia da cidade (Virgílio Valente, ex-alf mil, CCAÇ 4142/72, Gampará, 1972/74)

 

 紀念澳門「六月廿四」過去‧現在‧未來 

24 de Junho em Macau - Memórias e perspectivas para o futuro 

 Vídeo (23' 09'') > 24/6/2021 | IMM - Instituto Português de Macau



1. Mensagem do nosso camarada da Diáspora Lusófona, Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha há mais de 2 décadas, em Macau, região autónoma da China, e que foi alf mil, CCAÇ 4142/72, "Os Herdeiros de Gampará" (Gampará, 1972/74); é o nosso grã-tabanqueiro nº 709, desde 18 de dezembro de 2015, e régulo da Tabanca de Macau :

Date: terça, 29/06/2021 à(s) 03:39
Subject: Sessão sobre o dia 24 de Junho | 紀念澳門 「六月廿四」講座 | Session regarding the 24th of June


Sessão sobre o dia 24 de Junho

No dia 24 de Junho, Dia da Cidade, o Instituto Internacional de Macau promoveu uma sessão aberta ao público, destinada a comemorar o acontecimento histórico que marcou Macau neste dia, em 1622, da vitória sobre os holandeses que tentaram apoderar-se de Macau, no dia de São João Baptista, pelo que a edilidade lhe consagrou Padroeiro da Cidade.

A sessão pretendeu de forma simples homenageá-lo, relembrando à população uma promessa que tinha sido feita há quase 400 anos.

O IIM tem vindo a realizar desde 2018 diferentes manifestações, destinados as estudantes e à camada mais jovem para uma continuada promoção deste acontecimento que poderá ajudar a população a compreender melhor a importância desta data, e contribuir para melhorar o sentido de pertença e uma percepção mais nítida da importância da preservação desta memória, que recentemente tem sido comemorada através de um Arraial que foi classificada como um dos elementos do Património Cultural Intangível de Macau.

Houve uma breve apresentação por várias representantes presentes, do IIM, com a moderação do seu secretário-geral, Rufino Ramos, Miguel de Senna Fernandes, da Associação de Macaenses, Amélia António, da Casa de Portugal, Paula Carion da Associação dos Jovens de Macau, e Wallace Kwah, da Associação dos Embaixadores do Património de Macau, que colaboraram no projecto, além de uma intervenção online da investigadora Mariana Pereira, que apresentou e lançou uma página electrónica dedicada a este acontecimento (https://macaense24junho.wixsite.com/evento).

O IIM apresentou e lançou ainda um vídeo sobre o acontecimento histórico, memórias das celebrações anteriores e perspectivas para o futuro sobre esta importante data, agora com acesso nas suas redes sociais, através do seu canal YouTube e Facebook (iim macau).

A sessão contou com o apoio da Fundação Macau.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=5ac3-TUp4eM

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de junho de  2021 > Guiné 61/74 - P22320: Efemérides (348 ): Foi há 50 anos, a partida da CCAÇ 3398 / BCAÇ 3852 (Buba, 1971/73) (Pinto Carvalho, ex-alf mil, poeta, músico e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar)

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22078: Blogoterapia (297): Obrigado, a todos, por se terem lembrado de mim no dia dos meus anos... sozinho em casa, com o computador nos "cuidados intensivos" e agarrado à máscara de oxigénio por causa do pó do Saara... (Valdemar Queiroz, Agualva-Cacém)


Cacém > PC-Doctor > Rua Marquês de Pombal,nº 89, loja, esquerdo... Tem página aqui. (Passe a publicidade, mas é uma informação que pode ser útil para os camaradas da Tabanca da Linha)


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais  de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:


Date: terça, 6/04/2021 à(s) 23:58
Subject: Obrigado, Luís Graça


Luís, muito obrigado pelo teu telefonema.

Já estou um pouco melhor, embora agora com uma ciática (?) numa perna, e deu para ir buscar o meu computador que já está pronto para mais umas viagens.

Embora com algum atraso, já fiz um comentário no post do meu aniversário no nosso blogue. (*)

Teve piada o meu computador ter estado em cuidados intensivos na loja dum PC-Doctor, indicado pelo meu filho por terem sido colegas no Secundário.

E cá vamos andando.
Abraço
Valdemar

PS - Anexo uma foto do consultório do PC-Doctor


2. Comentário do Valdemar Queiroz, no poste P22050 (*)


Obrigado a todos.

Não é por ser meu hábito, mas só agora estou a agradecer a atenção pelo vossos Parabéns no dia do meu 76º. aniversário. Fico muito sensibilizado.

Este atraso de agradecimento deves-se ao facto do meu computador não ter escapado a mais um vírus e ter de ser internado nos cuidados intensivos num PC-Doctor com internamento de 24/03 até 05/4/2021. Afinal não era propriamente um vírus, era mais um problema da idade avançada com necessidade de substituição dumas peças (, afinal até nos humanos assim acontece).

Mas, com a saída,  expus-me às ditas poeiras/areias do Saara e fiquei bastante enrascado com o meu problema DPOC [doença pulmonar obstrutiva crónica] e foram dias seguidos a máscara de oxigénio, incluindo o dia dos meus anos.

Sem o computador que faz de livro, jornal de notícias, sala de cinema e teatro, troca de conversas com familiares, amigos e camaradas da Guiné, e sem poder sair de casa, deu para voltar a ler "Viagem a Portugal", de José Saramago, e reler algumas "Vida Mundial" e uns Suplementos Literários do "Diário de Lisboa" que, com uns filmes do Estúdio do Cinema Império, faziam parte da 'militância de ser culto' para fazer boa figura em tertúlias de mesa de café... naqueles belos anos sessenta.

Obrigado, Cherno Baldé, o que será feito dos outros Embalós?
Obrigado, Luís Lomba, nunca mais voltaremos a passar naquela inesquecível Ponte Caium.
Obrigado, Gaspar, não te esqueças de quem nos lixou aqueles belos anos sessenta.
Obrigado, Luís Graça,  pela amabilidade do teu telefonema.
Obrigado,  Duarte, para o mês de Junho não pode faltar a nossa sardinhada.
Obrigado a todos.
Os meus Parabéns ao António Graça Abreu e à Rosa Serra.
Para o ano há maís.

Abraços
Valdemar Queiroz

6 de abril de 2021 às 23:22

3. Comentário do editor LG:

A gente às vezes pensamos que somos "os mais coitadinhos do mundo"...Basta dar uma vista de olhos pelas salas de espera dos nossos hospitais, centros de saúde, consultórios... Cada um, cada uma, mergulhado/a na "sua dor"... Enfim, basta ouvir as conversas, agora mais mitigadas pelas restrições impostas pelo confinamento: ai a minha perna, ai o meu braço, ai o meu problema de saúde que é muito maior do que o teu, ai os meus medicamentos que são muito mais caros do que os teus... 

Mas adiante, não vim falar de mim... nem do meu umbigo, parafraseando o nosso camarada Alberto Branquinho (que tem andado arredado do nosso blogue). Venho, sim, dizer que fiquei, há dias, sensibilizado com a situação d0 nosso camarada Valdemar Queiroz que vive há anos sozinho na sua casa em Agualva-Cacém, e tem que saber lidar com uma doença crónica tramada, uma DPOC (**)... Foi o Renato Monteiro, outro portador de uma DPOC, que me deu o seu nº de telemóvel. 

Fiquei a saber que o Queiroz divide os 365 dias do ano entre a Holanda (onde tem filho e netos) e Agualva-Cacém... O clima da Holanda é tramado para um portador de DPOC, razão por que passa cá uns meses... E aqui só sai para o estritamente necessário, tem o carro à porta, mas é de uma autonomia impressionante. Está habituado a (e gosta de) cozinhar. E tem um sentido de humor que o ajuda a superar as dificuldades e contrariedades... 

Há dias o seu PC "pifou" e foi preciso ir ao PC-Doctor... Valeu-lhe o filho, na Holanda, que à distância lhe deu umas dicas... Meteu-se o Queiroz ao caminho até ao consultório do PC-Doctor, mas em mau dia, com a atmosfera carregada de pó do Saara... Resultado: teve uma crise dos diabos...

No dia dos anos, não consegui que ele me atendesse. Consegui ontem, e ele ficou sensibiizado. Até o gesto de pegar no telemóvel lhe custa.

Conversámos um pouco, não quis maçar. O meu respeito por ele aumentou. Já estava a ficar mais aliviado, depois de uma crise de vários dias. E estava entusiasmado porque o PC estava pronto e ia buscá-lo. É a sua ligação ao mundo, para mais neste tempo de não-tempo de Covid. 

Fico feliz por saber que ele também já pode voltar ao nosso convívio na Tabanca Grande. E se alguém quiser telefonar-lhe, que me peça o número: dá-lo-ei, com todo o gosto... Sabe tão bem ouvir uma voz amiga quando se está doente e sozinho, em casa!... (***)
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sábado, 13 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19675: Os nossos seres, saberes e lazeres (315): Viagem à Holanda acima das águas (19) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Era uma visita de ajustamento, dois dias em Bruxelas para abraçar amigos, ficar à sua disposição. E preparar uma viagem no início do outono, que se realizou, como aqui se irá contar.
Mesmo sujeito à compressão dos horários, voltou-se a locais que já se visitaram muitas vezes, mas como diz José Saramago, o que se vê no verão não é o que se vê no inverno, nem ao amanhecer nem ao entardecer, sozinho ou acompanhado, sempre se vai descobrindo algo mais que dita o consolo da visita e a vontade de ali retornar, como acontece sempre quando para o viandante se fala em Bruxelas.
Uma cidade com cerca de cem museus, pejada de alfarrabistas e lojas de traquitana, mesmo muitíssimo maltratada pelas destruições em prol de edifícios novos que albergam as instituições comunitárias, os negócios e os lobistas, tem sempre coisas novas a oferecer, tais e tantas são as suas pedras de tesouro.

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas e Namur, numa certa repentinidade (19)

Beja Santos

Quem diria que esta praça tão formosa que começou a ser erigida na geometria que hoje conhecemos entre os séculos XIII e XIV, ficando concluído no século XV o edifício da Câmara Municipal, tenha sido barbaramente destruída num bombardeamento francês de 1695? Depois houve depredações, no tempo da Revolução Francesa, até que se chegou aos anos 1840-1850 e ganhou-se consciência da necessidade de salvaguardar este património de valor universal. Deve-se a Charles de Buls a política de salvaguarda da praça. Sempre que aqui se entra, fica-se de boca aberta perante a riqueza e a variedade das fachadas barrocas, douradas e esculpidas, com os seus engalanados emblemas corporativos. É uma decoração quase teatral, impossível ficar indiferente à justaposição algumas vezes violenta dos estilos e das épocas, à formosura de todo o conjunto.



A praça retangular é dominada pela alta silhueta do edifício da Câmara, é um dos principais monumentos da arquitetura civil gótica do país. O bombardeamento de 1695 destruiu e danificou arquivos e numerosas obras de arte, foram devorados pelo fogo quadros de Van der Weyden, Rubens e Van Dyck. Frente à Câmara temos a famosa Maison du Roi, o museu da cidade de Bruxelas, recheado de obras de valor incalculável. Quase todas as casas da Grand-Place pertenciam às corporações de mesteres, identificadas pelas esculturas ou motivos alegóricos aplicados nas fachadas: corporação dos padeiros, a guilda dos arqueiros, dos construtores de barcos, dos carpinteiros, etc. Todo e qualquer edifício está associado a uma história e nalguns deles, está historicamente seguro, encontraram-se figuras célebres como Karl Marx, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud. Não se pode ficar indiferente a tanta beleza, mil vezes que se entre nesta praça.



Regresso a Namur, almoço em casa de uma grande amiga, passei pela cidade, visita à cidadela e um passeio a Dinant, nada mais, ao anoitecer é regressar cedo a Bruxelas, na manhã seguinte parte-se pela alva a caminho de Lisboa.




O viandante é sempre recebido com desvelo e ternura, trata-se de uma amizade que já passou os 35 anos de relação profundamente cordial, conheceu-se o essencial deste recheio na cidade de Bruxelas, depois dessa mudança para Saint-Marc, a poucos quilómetros de Namur. Uma bela sopa, entradas, uma tábua de queijos, saladas, um bom Beaujolais, café e pralinês. Um passeio pelo jardim, Nelly Alter mantém com todo o esmero o seu jardim cercado de bosques. No pós-prandial, ruma-se à cidade.


Olha-se para o relógio, é arriscado ir passear a Dinant, o melhor é vagabundear por Namur, resiste-se a visitar a feira de antiguidades, o viandante já lá foi várias vezes, são esplendorosas cavernas de Ali Babá, o melhor é só cirandar pelo centro, e assim caiu-se numa praça de flores, está aqui a riqueza luxuriante de um fim de verão, como é que se pode resistir à intensidade de tanta luz, de tanto colorido?



É o fim do dia, vai seguir-se o comboio para Bruxelas, os tons ígneos do céu fazem prever um bom tempo para amanhã, uma viagem amena de regresso. Como é que é possível resistir a este céu em fogo?


No termo da viagem, o viandante quer recordar um templo religioso que visitou vezes sem conta nas suas deambulações por Bruxelas, Nossa Senhora da Finisterra, construção barroca, em plena Rua Nova, uma das zonas comerciais mais intensas, por aqui se andava de saco a comprar vitualhas e lembranças para a família, depois passava-se para a gare central, aqui se toma o comboio para o aeroporto de Zavantem, já no Brabante flamengo. Aqui se fazia pausa para agradecer privilégios, ficou o hábito, só em circunstâncias excecionais é que o viandante aqui não regressa para cantar hossanas, desejar paz para os seus mortos e glória para os seus vivos.

Igreja de Nossa Senhora da Finisterra, Rua Nova, Bruxelas.


É a despedida. Dentro em breve aqui se regressa, será uma visita comovente, quem aqui recebeu o viandante durante décadas tomou a decisão de partir para um lar, a madura idade sénior é mais forte. Deixamos para mais tarde a despedida comovente, amanheceu cedo, o céu é límpido, o viandante voltará sempre que lhe for possível, este entusiasmo é uma sarça-ardente, e ainda bem.

FIM
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19633: Os nossos seres, saberes e lazeres (314): Viagem à Holanda acima das águas (18) (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19633: Os nossos seres, saberes e lazeres (314): Viagem à Holanda acima das águas (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Os tempos são outros, podemos desenhar as nossas incursões, deitar contas à vida, escolher os voos mais baratos, quando necessário completá-los com comboios, isto da 3.ª idade tem muitas vantagens, Bruxelas-Antuérpia-Bruxelas ou Bruxelas-Namur-Bruxelas fica por menos de 5 euros, entramos e saímos em pontos centrais. O resto é organização.
Foi o caso deste regresso da Holanda, comboio para Namur, concerto coral em Barbençon, regresso, mais uma passeata pelo centro histórico, ala morena que se faz tarde, ir até Watermael-Bois Fort, na fímbria da cidade, gozar da companhia de um velho amigo, amanhã ainda temos muito para ver, em Bruxelas e na Valónia, como se mostrará.
Admirável mundo, admiráveis amigos!

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas e Namur, numa certa repentinidade (18)

Beja Santos

Se o leitor ainda se recorda, o viandante andou à procura de uma solução baratucha para chegar aos Países Baixos, encontrou um voo low cost de Lisboa para Bruxelas, preço mais abordável não podia haver. Aproveitou uma breve estadia para visitar amigos do peito. Não se pretende ser enfadonho, Bruxelas é um chamamento encantatório pelos seus cafés, pelos seus monumentos, museus, igrejas, pela circulação multiétnica, não sei mesmo se neste último capítulo Bruxelas não ultrapassa Nova Iorque. O que o leitor está a ver é o átrio da gare central de Bruxelas, aqui se compram passagens para toda a Europa, para já não falar na Bélgica. O projeto deste edifício é de um dos nomes mais relevantes da arquitetura mundial do seu tempo, Victor Horta (1861-1947), arquiteto e decorador, o chamado pai da Arte Nova em Bruxelas, revolucionou a arquitetura privada utilizando materiais da arquitetura industrial, a começar pelo ferro, deu a esses novos materiais uma forma inédita, criando uma linguagem orgânica com curvas, inspirada na natureza, fez com que a estrutura metálica se identificasse à decoração. Parece que não chegou a ver toda esta gare ferroviária construída, mas o seu nome aparece bem destacado, é um edifício Victor Horta.


Em todas as circunstâncias, os belgas revelam esta constante do caráter, a gratidão por todos aqueles que combateram e tombaram nas duas guerras, aqui está a homenagem aos ferroviários caídos, é tocante e singelo.


Sempre o viandante ouviu dizer que Bruxelas é um estaleiro em perpétua evolução. Não haja ilusões, é uma cidade traumatizada por uma destruição do que era antigo em razão da especulação imobiliária, tudo começou nos anos 1960 quando passou a ser a capital da Europa e a acolher as instituições comunitárias, a NATO, os escritórios de uma quantidade mirabolante, assim se demoliram monumentos maiores da história da arquitetura, um dos casos mais escandalosos foi a Maison du Peuple, construída por Victor Horta em 1898 e destruída em 1965. Encontramos estas chagas e remendos em comunas como Ixelles, Saint-Gilles, Saint-Josse, Uccle, entre outros. É por isso que o viandante, mal chegado, anda por ali a circular e a registar fachadas irrepetíveis de simples prédios urbanos de outras eras.




Feito o reconhecimento e lavada a alma, volta-se à gare central, a viagem vai prosseguir, até Namur. E porquê? Há um festival de música intitulado o Verão Mosan. Desembarca-se na cidade e gente amiga leva-nos até à igreja de Saint-Lambert de Barbençon para ouvir o Ensemble Vocal de l’Abbaye de la Cambre, são obras corais com harpa e harmónio, entre outros de Fauré e Saint-Saens. Um belo passeio de Namur até Barbençon, diga-se de passagem. Barbençon data do século IX, teve o seu apogeu no século XVI, graças a numerosas indústrias, a vidreira, o mármore, as fundições, daí ter sido senhoria. Em 1815, depois de algumas andanças de mão em mão, regressou à posse dos Países Baixos, e depois à futura Bélgica.





Basta ver o exterior da igreja para sentir o peso do gótico. Um belo projeto de reabilitação permite que Barbençon seja uma povoação cuidada e senhora do seu passado. Por ali se deambula com prazer, e com mais prazer se fica vendo estes sinais de recuperação, estes toques de identidade de uma terra que hoje faz parte da Valónia, região federal onde pontifica o francês.




Imagens prévias ao concerto. Este conjunto que aqui se apresenta é apaixonado por repertórios esquecidos, com destaque para a música sacra do século XIX, vamos ouvir uma seleção de obras-primas românticas belgas e francesas entre o fim do século XIX e o princípio do século XX intercaladas pela história da povoação de Barbençon e da sua região por um declamador. Um belíssimo espetáculo, de Berbançon até Namur, e depois Bruxelas. Amanhã regressa-se a Namur para amesendar e cirandar, sempre com uma grande alegria, pois claro.


O burgomestre Charles Buls terá sido uma figura de enorme prestígio no final do século XIX. Era um tempo em que os políticos liberais tinham uma enorme preocupação com a economia social, o espaço urbano, a cultura e a defesa do património. O seu prestígio deve ser tão grande que tem outra placa memorial na Grand-Place. O que aqui importa é o cão fiel amigo, o ambiente fontanário, no meio de um espaço de feirantes, estamos em pleno centro, que grande ternura, esculpir assim alguém que foi intensamente amado pela obra feita em Bruxelas. De seguida, vamos até ao coração histórico da cidade, a Grand-Place, um dos mais belos conjuntos arquitetónicos da Europa, sem discussão.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de23 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19615: Os nossos seres, saberes e lazeres (313): Viagem à Holanda acima das águas (17) (Mário Beja Santos)

sábado, 23 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19615: Os nossos seres, saberes e lazeres (313): Viagem à Holanda acima das águas (17) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
O que é bom tem a sua duração limitada, cumprira-se um tanto à risca um programa previamente negociado para rever recordações perduráveis e conhecer mais a preceito algumas regiões da Holanda do Sul, assim se foi a Amesterdão e Haia e a Leiden, se saborearam as panorâmicas das estradas secundárias e se andou nas fimbrias do Mar do Norte.
E, como já se mostrou, andou-se por museus excecionais, daqueles que apetece repetir, tão depressa quanto possível. Tudo começou com um telefonema a incitar a visita, lá naquele lado de um braço do Reno, encontrou-se uma viagem low cost, de Bruxelas andou-se de comboio e autocarro até ao destino, agora faz-se a viagem em sentido contrário, felizmente que o viandante tem amigos que o aboletam na chamada capital da Europa, onde ele se sente tão bem. É por isso que a próxima viagem vai começar na gare central de Bruxelas, a seu tempo visitará Namur, foi quase uma visita de médico, deu para matar saudades e dizer até breve, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (17)

Beja Santos

A visita está prestes a acabar, hoje vai deambular-se por canais, pólderes, zonas de horto, o viandante quer cheirar as flores da estação; e vamos a Katwijk, um município também na Holanda do Sul, move a curiosidade de ver uma praia no Mar do Norte, em pleno verão. As imagens são concludentes.



Antes de chegar à praia, percorre-se uma longa passadeira entre dunas, por aqui se posicionam esculturas que seguramente têm a ver com os hábitos da terra, aqui predomina a pesca, e aqui viveu Spinoza, um filósofo que trouxe uma visão radical sobre o mundo e sobre Deus.





O sol era esparso, vinha e partia, havia umas réstias de calor, suficientes para entusiasmar aqueles veraneantes que se resguardam nestas curiosas barracas, pois aqui o vento não perdoa.


Havia referência explícita a este bairro de pescadores de Katwijk, foi um prazer andar por aqui, era o fim de estação, Katwijk já estava a meio gás mas com muito comércio aberto, voltados para o mar, viandante e companha saborearam um fish and chips muito à inglesa, com uma saborosa cerveja Pilsen. E de seguida, foram à procura de plantas odoríferas.





Que paleta de cores! Na primeira imagem é uma hortênsia especial, a hortênsia Annabelle, que floco de neve, ao princípio o viandante lembrou-se das hortênsias açorianas, mas não é bem assim, esta é a Annabelle, é cá do sítio; depois temos dálias e verónica, em primeiro plano; e nas duas últimas imagens temos primeiro begónias de todas as cores e feitios e por último begónias com lobélias, havia um perfume especial no ar, era um horto muito cuidado, não faltava a preocupação de manter o ar borrifado naquela estranha época de secura. E meteram-se vários vasos no carro, já se disse que o holandês não vive só cercado de tulipas, gosta de flores de todas as condições.


Nesta sala se comia e conversava, por aqui se pavoneava um gato ronronante, muito amigo de certos restos de comida. Uma sala com vista para pólderes. Quem aqui vive trabalhou no Congo, mais propriamente em Kinshasa, trouxe muita estatueta que ali nos observa. E, como se vê, é impensável uma mesa não ter flores.


É a despedida, daqui se regressa a Gouda, depois Roterdão e depois a gare central de Bruxelas. Aqui acaba a viagem na Holanda, em Alphen aan den Rijn, nunca, em circunstância alguma, o viandante pensara ir viver uma semana junto de um braço do Reno. Para sua felicidade, assim aconteceu, como ficou contado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19593: Os nossos seres, saberes e lazeres (312): Viagem à Holanda acima das águas (16) (Mário Beja Santos)