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terça-feira, 3 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)


Guiné-Bissau > Bolama > s/d  [ c. 2009] > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros. A sua lotação máxima são 100 passageiros...  E foram 100 "nacionalistas" ou "elementos subversivos" [, no dizer das autoridades coloniais da época, ao tempo do governador da Guiné, de triste memória, o oficial da marinha, António Augusto Peixoto Correia (1913-1988)],  que em 1 de setembro de 1962  foram tranferidos da Ilha das Galinhas, a ilha-prisão do arquipélago dos Bijagós, para o Campo de Trabalho de Chão Bom, no Tarrafal, ilha de Santiago Cabo Verde...

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(...) "Na madrugada de 1 de setembro [, depois da prisão, efetuada nas instalações do BNU em 15 de março de 1962, ainda ao tempo do governador, oficial da marinha, Peixoto Correia], foram buscar-nos em Mansoa para [nos] levar à ilha das Galinhas. Via João Landim, fomos levados no porão do barco Formosa. Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul. Na noite de 1 de Setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. (...).

"No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco Formosa, com o rumo a Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor África Ocidental com destino desconhecido por nós. Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal, onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho."(...)  

(Excerto de: Inácio Soares de Carvalho, "Memórias da Luta Clandestina", no prelo, 2020)


 Por Portaria nº 18539, de 17 de Junho de 1961, assinada pelo então Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, tinha sido reaberto o antigo campo de Tarrafal (que funcionou entre 1936 e 1954), agora designado Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, originalmente destinado aos presos políticos de Angola. 

Em 1962, após uma série de vagas de prisões de nacionalistas guineenses, que sobrelotavam os ass prisões e os quartéis militares de então, o governador da Guiné pede. por um simples ato administrativo,  a deportação para o Tarrafal dos 100 mais... "perigosos".  Juntam-se aos angolanos em 4 de setembro de 1962.

O governador  António Augusto Peixoto Correia viria a substituir o professor Adriano Morerra no cargo de ministro do ultramar.


Capa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020



1. Continuação da publicação de excertos do  livro "Memórias da Luta Clandestina" (que foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.)  (*)

Dois meses antes, um dos filhos, do Inácio Soares de Carvalho , o  Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.

Inácio Soares de Carvalho (ISC) (1916-1994)  trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939,  até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.

Nasceu na Praia (, temos dúvida sobre a sua data de nascimento: ele diz que em 29 de Abril de 1974, quando "terminou para sempre o nosso martírio e sofrimento na Ilha das Galinhas", ele completava "58 anos de idade"; terá então nascido em 29/4/1916 ).
 

Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa  da colónia portuguesa. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG– Movimento para Libertação da Guiné   (**) por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Seria preso pela primeira vez  pela PIDE em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos", para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas). Três depois, em 16/10/1965, 
é transferido  para a  colónia penal da  ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós. 

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau,  até conhecer a liberdade definitiva com o "golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 em Portugal". O seu nome na clandestinidade era Nassi ou Naci Camará. [O de Rafael Barbosa, de etnia papel (c. 1926-2007), era Zain Lopes.]

Nos final dos anos setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em 1994.

"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)



Assinaturas em Relatório do PAIG sobre o dispositivo militar português em Bissau, e nomeadamente o Quartel General a "norte da cidade" [Santa Luzia].  Data: c. 1961. Relatório datilografado, em duas páginas, em papel branco. É assiando pelos eesponsáveis do PAI em Bissau: Latranco da Costa [Pedro Ramos], Zain Lopes [Rafael Barbosa] e Naci Camará [Inácio Soares de Carvalho, acrescentamos nós. (LG)]...

Citação:
(1961), "Relatórios do PAI em Bissau", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41679 (2020-3-3) (com a devida vénia...)

[No Arquivo Amílcar Cabral, há vários documentos, como este,  com a assinatura de Zain Lopes e N. Camará, da Secção de Controlo e Defesa, do PAI, em Bissau,  datados de 1961. Rafael Barbosa e Inácio Soares de Carvalho serão presos em Março de 1962. Pedro Ramos (, irmão do Diomingos Ramos,) consegue furar o cerco militar à base clandestina onde estava escondido  o presidente do PAI,nio Rafael Barbosa, na Zona 0, em Bissalanca, nos arredores de Bissau. Sabe-se que o Rafael Barbosa teve, na época, um papel fundamental na mobilização dos jovens para a "luta de libertação". Era considerado uma figura carimástica e respeitada pelos mais jovens até à sua  prisão em setembro  de 1962 e posterior libertação, em 1969, ao tempo de Spínola. A sua evental participação no conspiração para prender e/ou matar Amílcar Cabral, em janeiro de 1972, é ainda hoje motivo de controvérsia. Tornou.se um dissidente do PAIGC, sendo a sua memória, hoje, na Guiné-Bissau,  objeto de uma relação de amor-ódio.  Leopoldo Amado entrevistou-o e fotografou-o em 1989. (LG)]


2. Excertos do livro - Parte III (*)

(Continuação)

Rafael Barbosa – o regresso a Bissau

Estando o Alfredo Menezes d’Alva ainda em liberdade faz todos os possíveis para entrar em contacto com o Rafael  [Barbosa] que se encontrava já nas matas no interior da Guiné, em campanha de mobilização, com a ajuda de um nosso companheiro [1].

Entretanto, esse companheiro nosso acabou por ser informado por nossos agentes de ligação do que se passou em Bissau. Dali então tomou a precaução de pôr o Rafael Barbosa na clandestinidade sob a vigilância de um dos nossos responsáveis em Bissorã que, do seu lado, tudo fez para entrar em contacto com o Menezes. 

Como não havia lugar seguro onde se podia esconder o Rafael, a única solução que foi encontrada foi metê-lo numa horta de mandioca enquanto, durante a noite, se procurava um lugar definitivo para o pôr a salvo da PIDE. Foi efectivamente muito complicado tirar o Rafael de Bissorã e pô-lo em Bissau, ainda mais sendo ele um deficiente físico [2].

Com a prisão de nossos companheiros, responsáveis do Partido, e crentes de que o Rafael se encontrava em Dakar, os agentes e informadores da PIDE deram uma festa para comemorar porque estavam presos todos os principais responsáveis do Partido no interior da Guiné e contavam que o Rafael estivesse em Dakar. Esta convicção dos agentes da PIDE de que o Rafael estava em Dakar foi uma grande sorte para nós.

A minha grande preocupação nessa altura era que a PIDE não soubesse que o Rafael já estava dentro da Guiné, porque se soubessem desencadeariam uma perseguição até o encontrarem, o que seria uma desgraça, pois seria um grande atraso para a nossa luta, sobretudo nessa fase muito difícil.

Estando o Rafael em Bissorã, o nosso maior problema agora é fazê-lo entrar em Bissau, tendo em conta o aumento do número de informadores que a PIDE fez em toda a Guiné, principalmente em Bissau, capital da província.

A entrada do Rafael Barbosa em Bissau só foi possível devido à vontade e muita coragem do Alfredo Menezes d’Alva e alguns jovens companheiros de luta como Nicolau Cabral [3], Mandu Biai [4] e Albino Sampa [5].

Amigos leitores, não fazem ideia da minha grande satisfação quando o Alfredo Menezes foi ao Banco [, o BNU, ]  dar-me a notícia de que o Rafael já se encontrava em Bissau e o sítio onde se encontrava escondido. Ele foi levado e escondido em casa duma prima dele que se situava na margem esquerda da ponte de Cobornel [6] ], para os lados do futuro Bairro da Ajuda ?, (LG)].  Informou-me ainda a forma como chegar ao local onde estava escondido.

Mas para ver o Rafael,  o Menezes recomendou-me para fazê-lo só a partir das 3 horas da tarde, pois, é uma zona muito movimentada e tinha que ter muita atenção. Mais me disse que o Rafael estaria à janela à minha espera, pois, já estava tudo combinado com ele. Assim, não foi difícil localizar a casa e encontrar o nosso companheiro de luta.

Tudo aconteceu num sábado à tarde e, caros leitores, passámos toda a tarde até às 9 da noite a conversar sobre os últimos episódios de nossa luta; mas, como tínhamos muitos assuntos a discutir, acertamos continuar a conversa no dia seguinte, visto que já era tarde e a vigilância da PIDE era apertada e não podíamos correr risco.

No encontro do dia seguinte, começamos logo a pensar na melhor maneira de recomeçarmos as nossas actividades e Rafael contou-nos como passou na vinda de Bissorã para Bissau, dado o seu estado físico.

Caros leitores, podem imaginar um indivíduo fisicamente deficiente e debilitado conseguir fazer um trajecto de aproximadamente 70 kms, tudo dentro do mato até chegar a capital porque não podia andar por via normal, controlada pelos agentes da polícia e da PIDE. Todo este episódio foi contado pelo Rafael na presença do Menezes, Nicolau Cabral, Albino Sampa e mais outros companheiros de luta.

Depois deste acontecimento entrei em contacto com D. Irene Fortes, esposa do Fernando Fortes, e informei das últimas novidades, sobretudo a entrada do Rafael em Bissau. Quando lhe contei toda a estória, ela ficou ainda mais contente do que eu próprio. De seguida, fui levar a mesma informação ao Sr. Rosendo que ficou muito admirado ao saber que o Rafael já estava em Bissau, pois ninguém esperava naquelas horas muito difíceis que isso pudesse acontecer.

Aproveitamos para falar, mas não por muito tempo, pois andava sempre desconfiado com a PIDE porque os companheiros estavam quase todos na prisão.

Com o Rafael já em Bissau, a nossa maior preocupação consistia agora em arranjar um sítio mais seguro para o esconder porque a casa da prima, como dito antes, ficava na beira da estrada e não nos oferecia segurança para montarmos a nossa base, mas sobretudo porque o marido dela já estava com medo porque a PIDE lançou a propaganda de que a casa onde for encontrado o Rafael, este seria preso com toda a família que o escondia.

Assim, para ultrapassar essa situação e encontrarmos um lugar com segurança, fizemos uma pequena reunião da qual saiu a decisão de encarregar Nicolau Cabral, Albino Sampa, Abdulay Bary, Martinho Balanta que é cunhado do Epifânio, Mandu Biai, Abdul Dja [7] e mais outros jovens de procurar um lugar seguro para instalarmos Rafael e “construir” a base para o recomeço de nossas actividades.


A primeira leva de prisões de responsáveis do PAIGC

Todo aquele desentendimento e confusão, em Dezembro do mesmo ano [, 1960 ?], originou a prisão de alguns de nossos companheiros, como o Quintino Nosoliny, o Estevão Tavares e o Lassana Sissé, todos eles responsáveis do Partido em Bissorã. Estes responsáveis faziam parte dos responsáveis que estavam de acordo para se trabalhar conjuntamente com os cabo-verdianos.

A segunda leva de prisões de responsáveis do PAIGC

Nesta leva de prisões [, em abril de 1961 ], foram presos, entre outros, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo, Epifânio Souto Amado, Júlio d’Almeida e João Rosa. Só o Alfredo Menezes d’Alva escapou. (**)

Estes nossos companheiros foram levados e ficaram detidos nas celas na 2ª Esquadra da Policia. A situação deles como a de todos os prisioneiros políticos era desagradável porque eram sujeitos a muitas injúrias pelos agentes da PIDE portugueses e também de alguns dos nossos irmãos africanos que se encontravam ao serviço da Policia portuguesa na referida Esquadra. Depois da prisão destes companheiros, as actividades paralisaram quase completamente.

(Continua)

_________________

Notas do Carlos de Carvalho:

[1] ISC não explicita o nome desse companheiro. Mas, com certeza, trata-se de um dos muitos dirigentes / militantes que o Movimento/Partido tinha já espalhado em todas as zonas do interior da Guiné-Portuguesa, como se poderá constatar aquando das prisões ocorridas em [março de]  62.

[2] Rafael era deficiente da perna esquerda. Segundo a filha Helena Barbosa esse problema foi consequência duma deficiente administração de uma vacina, em criança, contra a meningite, tendo piorado já homem, após ter sido mordido por uma cobra.

[3] Nicolau Cabral foi seguramente dos mais activos militantes do PAIGC na clandestinidade. O seu nome aparece em todos os principais momentos da luta clandestina. Preso em 1962, foi enviado, como ISC, para a Colónia Penal do Tarrafal. Segundo ISC, era pedreiro de profissão.

Segundo informações de Almiro de Carvalho, depois da independência, Nicolau trabalhou na UNTG.

[4] Mandu Biai foi preso em [março de ] 1962 e enviado com ISC à Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, donde terá saído em liberdade em 1969. Segundo ISC, Biai era Empregado Comercial.

[5] ISC fala do Albino Sampa durante todo o decurso da luta. É de se supor que Albino tenha sido mobilizado por Rafael para a luta, pois, na sua “Descrição Biográfica”, uma espécie de “Autobiografia Política”, fornecida por um sobrinho de nome Paulino, Albino escreve que: “Aderiu às fileiras do PAIGC em 1957 com idade muito jovem, tendo cumprido a sua primeira Missão de Serviço em 01/05/61, que lhe fora incumbida pelo Sr. Rafael de Paula Gomes Barbosa, no sentido de efectuar uma viagem para o Senegal, Dakar, portador de correspondências para Luís Cabral, naquela cidade, e para o Sr. Marcelo em Cundará”

Foi um dos principais agentes de ligação entre a Zona 0 e o exterior. Muito seguro e convicto, granjeou respeito no seio de seus companheiros de luta. Ainda após a luta ISC se lembrava com frequência desse incansável lutador pela independência da Guiné e de Cabo Verde.

Ainda segundo sua “Descrição Biográfica” e informações recolhidas junto de vários companheiros de luta (Paulo Pereira de Jesus, Brígido, Constantino, entre outros), Albino, depois da independência, trabalhou como Agente de Guarda nos Empreendimentos dos Serviços Portuários. Morreu em 2014, quase completamente abandonado pelos companheiros de luta. (Ver nos Anexos alguns documentos sobre este herói quase desconhecido da maioria de seus compatriotas).

[6] Cobornel era, na altura, um bairro em construção. Ficava a uns poucos quilómetros do centro da Cidade de Bissau, portanto, uma zona quase que desabitada. Na verdade, a cidade de Bissau quase que terminava na zona situada logo após a “Chapa-de- Bissau”. [Mais tarde ter-se-á construido ali o novo bairro da Ajuda; segundo o Leopoldo Amado, seria em Bissalanca. (LG).

[7] Sobre Abdul Djá,  ISC falará posteriormente.

(Continua)
____________

Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

(**) MLGC ou só MLG?... Não confundir com o PAI (futuro PAIGC). Um e outro entram em rutura antes do início da luta armada..

Vd. poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(...) Aliás, salvo raras excepções, d
e 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (...)  coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.

Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "cabo-verdiano".

Este movimento acusava os cabo-verdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares. (...)

(...) Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (...)

Das pessoas referidas pelo Elisée[Turpin] (...) recordo-me perfeitamente de:

- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, "colonos" incluídos;

- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;

- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de "Swift"; talvez não seja o mesmo;

- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.

Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:

- Fernando Fortes que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;

- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel (...). Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;

- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida.(...)

Vd. também postes de:


segunda-feira, 2 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)



Guiné > Bisssau > Filial do BNU - Banco Nacional Ultramariono > Ofício para o Governador, na sede, em Lisboa, datado de 16 de março de 1962, em que se noticia a detenção pela PIDE, entre outros,  do funcionário,  "contínuo" do Banco,  Inácio Soares de Carvalho, por alegadamente pertencer ao clandestino  PAIGC. Cortesia do nosso colaborador permanente Mário Beja Santos (*).




Capa e contracapa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020. (**)

1. O  livro "Memórias da Luta Clandestina" foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.  Dois meses antes, um dos filhos, Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.

Inácio Soares de Carvalho (ISC) trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.

Nasceu na Praia em 1916,  foi em criança para a Guiné com os pais. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no  MLG – Movimento para Libertação da Guiné, e mais tarde no PAI (futuro PAIGC),  por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Seria preso pela primeira vez em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos",  para o Tarrafal, donde regressa em 1965. É depois colocado na ilha das Galinhas. Em 1967, é solto,  pela primeira vez. Em 1972, é de novo preso e encarcerado na 2.ª Esquadra de Bissau, sendo solto, 3 meses depois, sempre sem culpa formada. Em 1973, é de novo preso, para conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974.  Nos finais de setenta, regressa a sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Faleceu em 1994. O seu nome de guerra era "Naci Camará", mas nunca andou no mato, fazia parte do "back office" do PAIGC.

"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné)


2. Excertos do livro  - Parte II

(...) Em 1956, o Sr. Abílio Duarte, que trabalhava, como eu, no Banco Ultramarino em Bissau [1], foi à minha casa levando um volume contendo uns documentos que me entregou e pediu-me que os guardasse num sítio muito seguro e com muito cuidado, porque "tem uns papéis de muita responsabilidade".

Mas, não me explicou do que se tratava. Dado ser pessoa de minha grande confiança, tomei e guardei no sítio onde penso que era um lugar bem seguro. De vez em quando, ele ia à minha casa pedir tal volume e eu o dava; puxava de uma cadeira e sentava à mesa, fazia as suas consultas e depois amarrava de novo como estava e entregava-me outra vez; eu punha de novo no lugar do costume. 

Naquela altura, eu e o Abílio já éramos compadres, porque baptizara meu filho Celso; isso foi pouco tempo antes de me ter entregado tais documentos. O Abílio de vez em quando dizia-me:

– Compadre, tenho uma coisa muito importante para lhe dizer. 

Dizia-me isso sempre no Banco porque, além de trabalharmos juntos, trabalhávamos na mesma secção. Ele era Chefe de Secção de Correspondência e eu, naquela altura, era encarregado do Arquivo. Não sei se não sentia coragem para me dizer o que queria, mas, o que é certo, repetia-me isso várias vezes. Um belo dia, após ter-me dito a mesma coisa, voltei para ele e disse-lhe:

–  Compadre,  não sente receio de me dizer nada, tanto para o bem ou para o mal, porque além de sermos compadres, o compadre já me conhece muito bem, conhece a minha maneira de ser.

Ao tempo, éramos todos novos, embora sendo eu muito mais velho do que ele.

Quando resolveu abrir comigo e contar-me o que se passava, convidou-me um dia para irmos passar uma tarde no seu quarto. Foi um sábado. Voltei para ele e disse-lhe:

 – Está bem compadre, mas tem que me esperar ir à casa almoçar e dizer a minha mulher que tenho assunto muito urgente a tratar no Banco; e então compadre espera por mim, porque se eu não chegar à casa na hora do costume, ela fica muito preocupada, porque não é hábito chegar fora de hora, sem antes lhe ter avisado.

E  assim ficamos combinados. 

Depois do almoço, descansei-me como era de costume, e depois fui ao Banco ter com ele no seu quarto. Dali então começamos a nossa conversa que foi muito prolongada, e no fim disse-me.

 – Pois,  compadre, fica a saber que existe cá, em Bissau, um movimento muito importante que é para a Independência da Guiné e Cabo Verde. O inicial deste movimento é MLGC – Movimento para Libertação da Guiné e Cabo Verde [, confusão do Naci Camará: na época era o MLG - Movimento para a Libertação da Guiné, "tout court", (LG].

Mas, na altura, não me citou nomes dos responsáveis do Movimento. E depois disse-me que é uma grande responsabilidade para todos aqueles que aderirem ao referido Movimento. E disse-me ainda mais:

 –  Compadre,  deve pensar muito bem antes de tomar a decisão que entender, porque é de muita responsabilidade, e requer grande cuidado.

Naquela altura, eu era pai de 4 filhos,  todos menores. A mais velha, que era Fátima, tinha apenas 8 anos de idade. E realmente pensei muito bem e então decidi aceitar o convite. Isso foi em 1957.

O MLGC [, ou melhor, MLG,]  foi fundado por um grupo de alguns Guineenses e Cabo-verdianos, mobilizados por Amílcar Cabral, em 1956. Mais à frente encontra-se nomes de alguns daqueles fundadores.

Quando aceitei o convite, ele disse-me que agora devo ter muito mais cuidado ainda com tais documentos. Falamos muito naquela tarde, e eu então fiquei muito entusiasmado com tudo o que ele me falou sobre a Independência da Guiné e Cabo Verde, e de mais colónias que estão sob domínio português.

Dali então continuamos a trabalhar no sentido de mobilizar pessoas, o povo para a luta pela liberdade.

Depois da sua saída, então o Sr. Rosendo, que era também empregado do Banco, entrou em contacto comigo e dali então começamos a falar muito do nosso Movimento e começou a dar-me nomes de alguns responsáveis que fazem parte do referido Movimento, como: Srs. Fernando Fortes, de S. Vicente, Inácio Semedo, de Bissau, Aristides Pereira, de Boavista, Elisé Turpin, de Bissau, João Rosa, de Bissau, Ladislau Justado Lopes, de Bolama, Epifânio Souto Amado, de Tarrafal, Júlio Almeida, de S. Vicente, José Francisco, de Calequice, Alfredo Menezes d’Alva, de S. Tomé, Rafael Barbosa, de Bissau, Luís Cabral, nascido em Bissau, mas saiu daqui muito criança, mas toda a gente o conhece, e ainda o nome do próprio fundador do nosso Movimento, Sr. Amílcar Cabral, de Geba [2]. E há muito mais que já não me lembro dos nomes.

Dali então o Sr. Rosendo deu-me a responsabilidade de mobilizar todos os meus amigos e conhecidos, mas de minha grande confiança, lembrando-me sempre da grande responsabilidade que vou assumir no seio do nosso Movimento.

O massacre de Pidjiguiti e o inicio da luta

A 3 de Agosto de 1959, aconteceu o massacre de Pidjiguiti.

O 3 de Agosto foi organizado por responsáveis do nosso Movimento, a fim de, por um lado, chamar à atenção do povo para a luta contra o colonialismo e, por outro, chamar à atenção do mundo para o facto de que os povos da Guiné e de Cabo Verde estarem sob o domínio colonial e de não aceitarem pacificamente essa condição. É nessa perspectiva que os militantes do nosso Movimento organizaram a greve e a manifestação que desembocou no grande massacre de Pidjiguiti.

[...] Com o acontecimento de 3 de Agosto, muitos guineenses e cabo-verdianos descobriram que alguma coisa estranha estava a acontecer na Guiné, o que muito nos encorajou e motivou a trabalhar com mais dedicação.

A fundação do PAIGC

No fim do mês de Setembro a Outubro de 1960, o nosso grande líder, Amílcar Cabral, decidiu mudar a denominação do Movimento de MLGC – Movimento para Libertação da Guiné e Cabo Verde,  para PAIGC  – Partido Africano para Independência da Guine e Cabo Verde. E para o efeito, mandou pedir que fosse à Dakar um dos principais responsáveis do Movimento a fim de contactar com ele, para poder trazer de lá um esclarecimento do motivo que lhe obrigou a fazer tal mudança do nome Movimento para Partido.

Para a designação do responsável que devia seguir para Dakar cumprir a missão, realizamos uma reunião de grande escala. A reunião, como não podia deixar de ser, foi presidida pelo Fernando Fortes visto ser ele o responsável máximo do Movimento que se encontrava dentro do território da Guiné-Portuguesa. Depois do Fortes ter esclarecido o motivo da reunião, ficou-se a espera da pessoa que se disponibilizaria para realizar a missão que era seguramente muito espinhosa. Depois de um largo silêncio, ninguém se oferecendo, o Rafael Barbosa levantou o braço e ofereceu-se como voluntário para ir contactar com o nosso grande líder em Dakar.

Naquele momento, todos os presentes ficaram muito contentes com o gesto do Rafael. A pedido do líder, todos deviam quotizar, conforme a possibilidade de cada um, para as despesas do Rafael na viagem à Dakar. Cumprindo as instruções de Cabral, tomamos todos o compromisso de cuidar da família do Rafael já que ele não tinha meios suficientes para manutenção da família, sendo ele um simples capataz e com um salário mísero que mal dava para aguentar a família.

Foi assim que se preparou a saída do Rafael e ele conseguiu ir à Dakar contactar com o líder do nosso Movimento.

(Continua)
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Notas de Carlos de Carvalho:

[1] ISC ingressa no BNU (Banco Nacional Ultramarino) em 1939. ISC tinha, na altura, 34 anos de idade. O BNU era das mais importantes instituições nas colónias portuguesas.

[2] As pessoas aqui referenciadas constituíram o núcleo inicial dos responsáveis do Movimento, MLGC.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série 29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

(***) Vd. postes de:

16 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20563: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (112): Vamos publicar, com a devida autorização da família, um excerto das memórias, ainda inéditas, de Inácio Soares de Carvalho, um nacionalista da primeira hora, militante do PAIGC, pai do nosso leitor (e futuro grã-tabanqueiro), o historiador e arqueólogo Carlos de Carvalho, cabo-verdiano, de origem guineense

15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20563: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (114): Vamos publicar, com a devida autorização da família, um excerto das memórias, ainda inéditas, de Inácio Soares de Carvalho, um nacionalista da primeira hora, militante do PAIGC, pai do nosso leitor (e futuro grã-tabanqueiro), o historiador e arqueólogo Carlos de Carvalho, cabo-verdiano, de origem guineense


Guiné > Bissau > s/d > Edifício do BNU - Banco Nacional Ultramarino. Cortesia de Mário Beja Santos (2017).

Inácio Soares de Carvalho trabalhou aqui até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos  publicar, em breve, um excerto das suas memórias políticas, ainda inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho. 

Nasceu na Praia, foi em criança para a Guiné com os pais. Envolveu-se na luta política. Foi preso pela primeira vez em 1962. É deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na colóiniua penal da ilha das Galinhas. Em 1967, é liberto pela primeira vez. 

Em 1972, é de novo preso e encarcerado na 2ª Esquadra de Bissau, sendo solto,  3 meses depois, sem culpa formada.  Em 1973, é de novo preso,  para conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974, em Portugal.  

Nos finais de setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde,  e afasta-se praticamente da vida política activa.  Já faleceu. (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho)


1. Mensagem de Carlos de Carvalho (Pria, Santiago, Cabo Verde), com data de 22/11/2019, 19:13

Caro Sr. Luís Graça,
Boa tarde.


Confesso ter ficado surpreso com sua pronta resposta (*). Pensava que levaria dias a me responder. Confesso também ter ficado surpreso, claro pela positiva, com o conteúdo de seu email.

É verdade que é um dever de memória resgatar parte de nossa história comum. É o que faremos publicando a obra de nosso velho.(...)

Envio em anexo, extractos do Livro para sua apreciação e com autorização de o publicar no seu/nosso blogue, se assim entender. Será uma forma de divulgação do que será o livro.

Meus / nossos (da família) antecipados agradecimentos.
Carlos de Carvalho


2. Resposta do editor Luís Graça, com data de 23/11/2019, 18h23

Carlos, aqui tem a autorização do Paulo Santiago. Não se esqueça depois de o citar, a ele e ao nosso blogue. Obrigado pelo texto (resumo das memórias do seu "velho", a cujo memória me inclino), que me mandou e me autoriza a publicar no blogue, o que farei com todo o gosto.

Mas preciso que me dê mais alguns dados  biográficos sobre o seu pai. Gostaria de saber também o título do livro, a editora, o local e o ano de edição (se já tiver editora)... O seu pai deixou-lhe algum manuscrito ? Ou ainda teve tempo de o entrevistar, em vida ?... 

Diga-nos também algo mais sobre si: o que faz, onde vive...Claro que o gostaria de ter, na Tabanca Grande ("onde todos cabemos com tudo aquilo que nos une, e até com aquilo que nos pode separar")... 

Temos aqui diversos "amigos da Guiné", que não foram combatentes, nem de um lado nem do outro, e que são naturais da Guiné: desde o Nelson Herbert Lopes (os nossos "velhos" estiveram ainda juntos no Mindelo em meados de 1943) ao Cherno Baldé (Bissau)... passando pelo saudoso Pepito, mas também o Manuel Amante da Rosa (esse, sim, antigo combatente, fiz o serviço militar na sua terra, em 1973/74...). 

Se aceitar conveniente e oportuna a sua entrada neste grupo (somos 800)... Temos regras de convívio muito simples, de bom senso.

Não somos um blogue de causas (nem temos nenhuma agenda "político-iudeológica"), mas de partilha de memórias (e de afetos). Estamos "on line" há mais de 15 anos. E temos 11,5 milhões de visualizações... Um acervo enorme, plural, sobre a Guiné e a guerra colonial. 

Mantenhas. Bom fim de semana. Luís

3. Resposta do Carlos de Carvalho,  em 25/11/2019, 19:12

Caro Luís Graça

Boa tarde e minhas desculpas pelo atraso na resposta.

Meus imensos agradecimentos pela autorização dada pelo, já considero comum amigo, Paulo Santiago.

Aceito com muito gosto fazer parte da “rede de memórias” que conseguiram criar, sem remorsos, sem ressentimentos. O passado nosso, quer queiramos quer não, foi comum. Tive a felicidade de ter estudado com muitos colegas portugueses que hoje não sei por onde andam mas que na altura éramos amigos, jogávamos à bola juntos, sem perguntarmos donde cada um vinha e quem eram nossos pais.

De seus amigos da Guiné, que citou, o Nelson [Herbert], por exemplo, é meu grande amigo, nossas famílias se relacionam como autênticas famílias mesmo. Ele conhece grandemente a história das memorias e temos trocado ideias sobre o seu conteúdo no geral.

O Amante da Rosa idem. Fui colega de infância e de juventude de seu falecido irmão e ele é colega de serviço de meu irmão. Ambos são hoje Embaixadores.

Como vê,  este mundo é mesmo pequeno.

O triste de tudo é ver aquela linda nossa terra no estado em que se encontra. Dói mesmo!!

O meu velho deixou mesmo suas memorias, instigadas por nós, filhos. O manuscrito existe e algumas páginas irão no livro.

Envio, em anexo, Sinopse e Nota Introdutória das Memórias que permitirão publicar no seu/nosso blogue parte do que vai ser, sem dúvida, umas excelentes memórias sobre a luta clandestina. Segue também o que provavelmente será a capa do livro.

Eu vivo na Praia, CV, e sou historiador e arqueólogo de profissão. Trabalho no Instituto do Património Cultural de que fui Presidente largos anos. Faço mais é investigação no domínio da preservação do património e agora estou também me enveredando pela temática da luta de libertação.

Continuaremos o nosso contacto dentro das regras de convívio que estabeleceram para os amigos do blogue.

Aceite meu abrasu.


4. Comentário de Luís Graça, 26/11/2019, 21:43


É verdade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande. O Carlos já aceitou o meu convite para integrar a Tabanca Grande, onde, como eu lhe disse, cabemos todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar... Autorizou-me a publicar excertos do livro que quer ver publicado, em memória e homenagem ao seu "velho"... Merece o nosso apoio. Gostava que ele me pudesse mandar uma foto, atual, tipo passe.

PS - Vamos oportunamente publicar, aqui no blogue, um excerto das memórias, ainda inéditas,  do falecido pai do Carlos de Carvalho, que foi um nacionalista da primeira hora, um Combatente de Liberdade da Pátria, de seu nome Inacio Soares de Carvalho: na clandestimnidade era o  Naci Camara, trabalhou no BNU - Banco Naciional Ultramarino, erm Bissau, foi várias vezes preso pela PIDE durante o tempo que durou a luta pela independência, conheceu o Tarrafal e a Ilha das Galinhas. As memorias abarcam o período de  1956 a 1974.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)