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quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P273: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (2): "Periquito vai no mato, que a velhice vai p'ra Bissau"... (João Varanda)


João Varanda, em Có, sentado num enorme bagabaga (feito pelas segregações das formigas gigantes).

© João Varanda (2005)

Segunda parte da história da CCAÇ 2636 (Cacheu e Zona Leste, 1969/71). Autor: João José Varanda, de Coimbra. Há uma parte sobre os "senhores da guerra" (Spínola e Nino Vieira) que será publicada, à parte, noutra altura (1).

Percurso em África

Depois de seis longos dias [em Bissau], a partida para Có levou-nos a saborear não só as implicações bélicas envolventes, mas, não menos importante, também a grandeza dos prazeres que uma terra tão pródiga e fascinante nos pode conceder.

Retirando desta experiência alguns valores acrescidos, compartilhados com o ambiente frenético e redutor da luta que então se travava dentro de uma envolvência onde a magia da terra africana serviu de estímulo e compensação perante as horas amargas da luta, do sofrimento e da alienação de outras referências essenciais.


Primeira etapa: a comissão em Có

Bissau ficará para trás passados que foram estes seis dias (sem outro atractivo que não a ausência da guerra). A noite foi toda passada a levantar arraiais e consumar despedidas, pela manhã cedo ainda nos foi servido o pequeno almoço – café com leite e casqueiro com manteiga.

Em Brá, ao longo de quinhentos metros que iam desde o centro do aquartelamento até à saída da porta de armas, a coluna auto que nos foi atribuída, composta por viaturas civis (para transporte da nossa bagagem) e viaturas militares (Unimog e GMC), foi-se espreguiçando enquanto os problemas logísticos relacionados com a nossa deslocação para Có se resolviam.

Foram longas as horas para colocar a coluna em marcha. Antes da partida, a verificação de que tudo estava em ordem, toda a bagagem, quer pessoal, quer da companhia estava nas viaturas. Cerca das 12,30 horas, com tudo em ordem, eis que após as últimas recomendações do Capitão Medina Matos, este subiu para o lado do condutor do Unimog que abria a coluna, dando ordem ao pessoal para montar nas viaturas.

G3 segura na mão, lenços coloridos no pescoço (cada cor destrinçava o grupo de combate), toca a andar!... Fora dado o sinal para iniciar a marcha até João Landim, era perto (30 Kms), estrada segura, foi rápida a viagem. João Landim era posição isolada e de paragem obrigatória. Fomos bem recebidos e assistidos por um grupo de fuzileiros que fazia segurança da zona, viviam em abrigo subterrâneo na encosta da cambança do Rio Mansoa.

Guiné > 1965/66 >

A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

© Virgínio Briote (2005)

O rio Mansoa apresentou-se-nos calmo, com uma cor cinza. Foi atravessado de jangada. Viaturas e homens, em levas ininterruptas, foram sendo transferidos para a outra margem. Foram longas horas neste vai e vem para colocar a companhia do lado de lá de João Landim. A jangada tinha, com bom comportamento, uma vez mais realizado a sua missão. A travessia, dadas as fortes correntes, era tarefa dura. Teve de ser passada a corda de margem a margem, esta servia para evitar que se deslizasse com a corrente e para garantir a atracção no sítio certo, rampa de acesso íngreme da beira rio para a planura que nos separava de um tecto.

Cerca das 6,00 horas da tarde do mesmo dia a travessia de João Landim para a margem do corredor de acesso ao cruzamento de Bula estava finalmente no lado para onde seguíamos Có, lado esse onde nos esperavam prometidos meses de sofrimento e trabalho duríssimo.

Atravessado o rio Mansoa, tínhamos mais umas dezenas de quilómetros de tensão acrescida, uma vez que até ao cruzamento da placa para Bula era território completamente abandonado. Nem sequer era patrulhado. Um grupo de combate de tropa veterana de Có, a CCAÇ 2584, cumpriu a segurança junto à margem do rio Mansoa.

Do lado de Cá de João Landim até ao cruzamento da placa para Bula era perto e por estrada segura. Foi rápida a viagem até à pequena tabanca na margem esquerda da estrada junto à placa para Bula, onde a população veio junto da estrada ver passar a companhia, estendendo-nos o dedo polegar, à laia de saudação e boas vindas à tropa e gritando "Periquito vai no mato”.

Desta pequena tabanca para a frente foi a avançar com precaução até à fatídica curva de Bula onde do lado direito teria existido uma antiga destilaria. Esse local era zona habitualmente pouco acolhedora e de maus resultados para as nossas tropas, era (ponto negro) onde as forças do PAIGC faziam as suas repetidas emboscadas.

Daqui para a frente só Có esperava por nós, aonde chegámos já noite (cerca das 8,30 horas), exaustos por termos feito grande parte do percurso para esta tabanca em cima de viaturas sobre tapete de alcatrão que só ficara interrompido na placa que nos indicava o destacamento de Có, sem luz e cada um agarrado ao do lado para não nos perdermos na escuridão de breu. Contudo, e na primeira experiência, só o cansaço era tudo quanto se podia lamentar.


© João Varanda (2005)

Em Có fomos recebidos pela velhice daCCAÇ 2584, com grande algazarra e desejo de bom regresso. Chegados ao destacamento, o nosso pessoal começou, de imediato, o frenezim da descarga da coluna, e o desenrrascanço de como passar a primeira noite no aquartelamento de Có, já que este era pequeno e não tinha instalações suficientes para nos acolherem na sua totalidade, dado o ajuntamento da nossa companhia com a guarnição normal do aquartelamento da CCAÇ 2584. Mas na guerra há sempre lugar para mais um, e apesar dessa tensão toda a companhia ficou acomodada e tudo correu pelo seu melhor.

Era a nossa primeira noite. A companhia da velhice foi extremamente simpática para connosco, esses nossos camaradas queriam saber novidades frescas da Metrópole, porque as saudades eram imensas, escusado será dizer que todos estávamos descontraídos, embora nos sentíssemos cansados, já que a sobrecarga tinha sido bastante intensa.

Era a carga psicológica a fazer os seus efeitos. Como era dia diferente para o aquartelamento de Có, todo o pessoal, velhice e periquitos, tivemos a novidade dada pelo cantineiro de que o bar estaria toda a noite aberto e onde teríamos café e toda a espécie de bebibasd espirituosas. Foi bem passada a noite e bebeu-se muito bem.

O aquartelamento de Có tinha um aspecto airoso, cada grupo de combate tinha a responsabilidade de um sector de linha defensiva, vivíamos em abrigos subterrâneos ao longo de todo o perímetro do quadrado mal desenhado, que constituía a nossa posição, com cerca de seiscentos metros de lado. Alguns metros mais para dentro ficavam as casernas dos soldados de serviços, seguia-se o refeitório, a cozinha, a padaria, a sede (secretaria) das companhias, o posto médico, e virado para a porta de entrada do aquartelamento, ao lado de um enorme embondeiro, que dava protecção ao abrigo subterrâneo do posto rádio e à messe e alguns quartos para oficiais, ao lado destes um bar cantina, a oficina auto e nos pontos cruciais de defesa em abrigos cavados no chão estavam as peças pesadas de defesa (morteiros 60 e de 81) e as metralhadoras (Bredas, MG, Borzig). Estávamos poderosamente armados, e no centro do aquartelamento havia um imponente posto de vigia, erguido sobre troncos de palmeira e coberto a colmo.

Circundavam o aquartelamento três fiadas de arame farpado distantes entre si de alguns metros, pregadas na estacaria de palmeira, sendo a parte de fora a orla da floresta, capinada, para termos pontos de observação. Ao longo da fiada de arame mais interior estavam os postes de iluminação do perímetro do aquartelamento com os seus holofotes orientados para o exterior, e cuja a energia era garantida por um gerador, metido num abrigo subterrâneo.

Fora do perímetro defensivo situava-se a fonte de abastecimento de água, que por sua vez descarregava para um pequeno lago, onde colectivamente, nós e população, tomavamos o nosso duche diário. Ainda também, a morança e a tasca familiar (café e minimercado) do velho Tavares, um cabo-verdiano estabelecido no local, pai de duas lindas filhas, tendo uma delas perecido numa flagelação levada a cabo pelas forças do PAIGC ao aquartelamento cuja defesa estava a cargo da CCAÇ 2584, em início de comissão.

Este velho Tavares dizia-se que fazia a guerra nos dois lados, pois os guias da nossa tropa garantiam que sempre que as tropas do PAIGC se aproximavam de Có era no quintal da morança do velho Tavares que, na véspera da iminência de ataque a Có, faziam o local de abrigo e arrecadações de material de guerra inimigo.

Paredes meias com o aquartelamento ficava a tabanca, onde se poderiam ver enormes, mangueiros e palmeiras. Contornava o aquartelamento à excepção da ala norte, onde não havia habitações de africanos. A tabanca era também cercada por arame farpado, junto ao qual existiam diversos postos fortificados para sentinelas (milícias ou tropas paramilitares que faziam parte do dispositivo militar implantado no território, também designadas por tropas auxiliares, ou de segunda linha). Para estes, as causas da independência, da autonomia ou as de uma Pátria para os guineenses não constavam do seu ideário.

Sentiam-se confortavelmente bem a nosso lado, tão Portugueses como nós, sem deixarem contudo de ser Guineenses e amarem a sua terra. Nunca será demais assinalar o comportamento irrepreensível, abnegado, corajoso mesmo desta gente. Duma coragem talvez diferente da nossa, mas não menos eficaz, verdadeira, eloquente. Arquitectada numa longa experiência de combate, numa fé e num patriotismo insuperáveis. Tudo executado com simplicidade, facilidade, gosto e redobradas dose de determinação e vigor. Foram estes homens singulares que também escreveram páginas gloriosas de sangue e sacrifício, que se bateram melhor que nós por todos estes ideais, que nos fizeram acreditar no sucesso daquela guerra, que por lá ficaram. Entregues a si próprios, abandonados à sua sorte, pagando com a vida aquilo que com a mesma vida haviam combatido e sonhado, a nosso lado, sem nada nos exigirem.


A nossa história operacional

Enquanto se combatia um inimigo que não dava tréguas nem descanso numa guerra também ela intratável, havia espaço, tempo e vontade para outros combates. E homens dispostos a assumirem essas e outras preocupações que muito nos honraram, pelos resultados obtidos e pela satisfação gratificante de mais estas missões cumpridas.

À época a que se reportam estas crónicas, combatia-se por um ideário que apontava para a defesa intransigente do Império Ultramarino como parte integrante e inalienável do todo nacional. Ideário bem arquitectado e melhor montado pelo poder vigente, que entendia que a própria sobrevivência do regime e do próprio País dependia inteiramente do êxito daquelas campanhas. E a Nação, nestes primeiros anos do conflito, parecia aceitar placidamente resignada este desfecho, com algumas lamentações, outras tantas recriminações e alguns, ainda poucos, protestos. Enquanto a guerra prosseguia neste e nos restantes teatros sem outras referências ou perspectivas, alguns valores e preocupações eram simplesmente deixados para trás, num completo menosprezo pela natureza humana deste impenetrável conflito.

A vivência dos combates, pelo menos daqueles prestados em verdadeiro cenário de guerra como o nosso, ia deixando marcas impressivas em alguns dos seus intérpretes, sem que disso o poder instituído mostrasse qualquer remorso ou apresentasse qualquer tipo de terapêutica. Nós, ao nosso nível, na altura também não assumíamos por inteiro essa realidade. Não por inconsciência, má formação ou insensibilidade crónica. Unicamente, todavia, porque em relação a alguns desses aspectos não tínhamos sido alertados, nem existia no campo de preparação para este tipo de campanhas qualquer prevenção específica, profilaxia, ou simples preocupação. Não constava dos manuais, pura e simplesmente, essa séria problemática e como tal, não se discutia, sequer. Marcas essas das quais só viemos a adquirir alguma consciência no decurso dos acontecimentos e já no final do nosso percurso e, bastante tempo depois, face ao tratamento que ao assunto veio a ser dado, cientificamente, um conhecimento bem mais profundo e esclarecedor. A Nação e os seus mentores limitava-se a mandar combater a qualquer preço. Não falando já das aludidas carências materiais, técnicas, logísticas e humanas largamente referenciadas nestas ou moutras crónicas afins, o acompanhamento psicológico dos homens, se assim o quisermos singelamente denominar, em qualquer fase do seu empenhamento, nunca foi visto, tratado ou falado.

Havia efectivamente a chamada "acção psico-social", ou simplesmente "psico", mas esta era destinada unicamente aos então "terroristas", configurada a promover a sua apresentação, a renúncia à luta e aos seus propósitos, em troca de favores e de uma melhor vida, longe das agruras da mata austera. E aí alguma coisa efectivamente se fez, embora com resultados muito aquém daquilo que chegava a ser propalado. Muitos meios foram aqui empenhados, muita doutrina e recursos humanos se consumiram, muitos quadros aqui se esgotaram em campanhas de duvidosa realização, mas tudo vocacionado para a captação de um inimigo e população afectas, que nunca terá consubstanciado resultados à altura do esforço dispendido.
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(1) Primeira parte: vd post de 15 de Novembor de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCI: Campanha da CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (1): De Santa Margarida ao Pilão ...

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P271: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (1): De Santa Margarida ao Cupilom... (João Varanda)


Caserna-abrigo com trincheira de armas pesadas em Có (Pelundo).

© João Varanda (2005)

Primeira parte da história da CCAÇ 2636 (Cacheu e Zona Leste, 1969/71). Autor: João José Varanda, ex-furriel miliciano da CCAÇ 2636, actualmente funcionário da Faculdade de Diereito da Universidade de Coimbra (FD/UC) (1).

Dada a situação geográfica em relação à Metrópole, do Arquipélago dos Açores, onde se situa o B II / 18 e o aspecto quase repentino como se revestiu a mobilização, uma parte dos graduados sé se apresentou quando a Companhia se encontrava no Centro de Instrução Militar (CIM), em Santa Margarida, onde chegou em 24 e 25 de Agosto de 1969, depois de ter feito viagem a bordo dos Navios da Marinha "Ponta Delgada" e "Angra do Heroísmo" até Lisboa, tendo a deslocação para Santa Margarida sido efectuada de comboio.

Seria no Centro de Instrução Militar, em Santa Margarida, que se iria desenrolar o IAO [Instrução de Aperfeiçoamento Operacional].

Convém, aqui referir que a maior parte dos graduados tomou, desde início, contacto com a Companhia, já que foram os instrutores dos próprios recrutas sob o seu Comando, no capítulo da ER (Escola de Recrutas) e respectiva especialidade.

Durante o IAO , a Companhia ficou instalada em Santa Margarida. Do ponto de vista administrativo ficou sob a dependência do CIM (Centro de Instrução Militar), já que para efeitos de instrução, foi a Companhia colocada sob a dependência do BCAÇ 2888.

Como o tempo de que se dispunha na IAO era demasiado curto para um completo adestramento do pessoal, para o particular tipo de luta que nos foi imposta, procurou-se incidir a instrução sobre os aspectos julgados mais convenientes: técnica individual do combate, tiro, emboscadas e reacção às mesmas, golpes de mão e, finalmente, e porventura o ponto fulcral, uma adequada mentalização. Neste aspecto, se bem que não se lograsse atingir o óptimo, dada a limitação de meios, conseguiu-se, todavia, alcançar um grau de instrução razoável, grau esse que se notou quando do falecimento de um recruta ainda durante a IAO

A composição da Companhia, segundo os locais de nascimento dos seus componentes, é algo heterogénea, notando-se, como se depreende, uma predominância do pessoal do pessoal açoreano sendo só os especialistas e a quase totalidade dos graduados do Continente.

Da contribuição ultramarina para a composição da Companhia, há a mencionar o Comandante que é oriundo de Moçambique, um Alferes de Macau e um Furriel de Cabo Verde.


Descolamento para o CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné

A Companhia saiu de Santa Margarida, em caminho de ferro, no dia 22 de Outubro de 1969, pelas 0,30 horas, tendo chegado pelas 8,00 horas ao Cais da Rocha de Conde de Óbidos. Após o desfile e as cerimónias de despedida a Companhia embarcou em 22 de Outubro de 1969 a bordo do Navio da Marinha "Uíge", desembarcando em Bissau seis dias depois a 28 de Outubro de 1969.

Durante a viagem que de correu sem incidentes, procurou-se encontrar a linha adoptada para a mentalização do pessoal através de reuniões diárias, onde lhe eram ministradas frequentes instruções de Educação Moral Cívica e Militar com vista a dar uma noção da Província para onde se dirigiam com carácter mais objectivo, relações com a população, suas características e palestras com a finalidade de consolidar o espírito de corpo de Unidade.

A Companhia, após o desembarque seguiu para o Aquartelamento de Brá, tendo no dia seguinte participado na cerimónia de Boas Vindas realizada na parada do Depósito de Adidos e presidida por Sua Excia. o Governador e Comandante - Chefe das Forças Armadas da Guiné, António Sebastião Ribeiro Spínola.

No dia 4 de Novembro de 1969 a Companhia seguiu, em coluna auto, para Có no sector do Pelundo, tendo chegado nesse mesmo dia.

A Companhia foi empregue, logo no dia seguinte da permanência em Có, na protecção aos trabalhos da estrada Có-Pelundo.

Depois de desembarcarmos no cais de Bissau , sobrou a azáfama de transferir material e pessoal para o aquartelamento de Brá onde aguardaríamos continuar a viagem para Có. A instalação no aquartelamento foi um alvoroço habitual, embora controlado e emprestado do tédio de quem vem para uma guerra iniciar uma comissão temperada pela novidade de se enfrentar um novo cenário, o do combate.

Aqui nos foi servida a refeição do jantar, depois e dado o cansaço da viagem marítima tocou a dormir no chão, para esquecer os dias incontáveis que teríamos de aguardar por aquele monstro de ferro que, no momento nos fazia negaças, ancorado ao largo, talvez vinte e quatro meses até nos receber, de retorno.

Tudo tinha ficado para trás, passados que foram aqueles seis dias de mar com cor azul a que chamam marinho. Os peixes voam, enquanto os golfinhos, por períodos largos de viagem a nossa guarda de honra, são prateados e refulgem ao sol como os nossos sonhos. Finalmente, África.

Bissau podia resumir-se a uma avenida com ligeiro declive com estrada para a base aérea de Bissalanca e o cais do rio Pidgiguiti a seus pés. No seu seio de cidade capital, para os periquitos alí chegados Bissau era, sem dúvida alguma, simpática e de serena geometria, sem outro atractivo que não a ausência de guerra e a abundância de cerveja, lagostins, camarão e mancarra frita.

Era uma cidade pequena com o seu tédio específico e com as suas peculiaridades. Quem chega ao palco da que foi guerra colonial, os primeiros passos em terra firme eram para fazer visita à cidade, procurando um amigo, também ele pouco afortunado pela sorte, para se saber o que era a guerra e se obter notícias da guerra. Assim, e de uma maneira geral com os periquitos em terra, foi o primeiro ataque ao nosso grande amigo 2º. Sargento Cruz (todos queríamos dispensa de recolher).

Homem de saber benévolo, ainda e sempre a impor rigor para os seus subordinados nas horas das refeições, regras de atavio e diversas outras normas estritas de comportamento, que no contexto eram perfeitamente ajustadas, começámos por receber a sua primeira palestra avisando-nos do rigor da polícia militar [PM], enquanto materializava o transporte, fardamo-nos a rigor: sapatos bem polidos, meias até ao joelho calções lavados, camisa impecável, boina na cabeça com a ordem na mão, nada de roncos, fora que se faz tarde, lá vai a malta dar os primeiros passos para em pouco mais de meia hora ficar a conhecer a capital Bissau.

Pelo caminho, dada a brancura da nossa pele , os Guinéus e a velhice recebiam-nos bem, entoando a canção de guerra "Periquito vai no mato, olé lé-lé, que a velhice vai para a metrópole, ólaré lé-lé “. Os nativos exibiam uma impassibilidade no olhar e uma neutralidade de porte, recebiam-nos com gentileza no seu distanciamento e a naturalidade dos seus costumes que nunca nos permitiram discernir qual o lado da barricada porque tinham optado.

Bissau, a insalubre capital, sofreu a clássica invasão de refugiados de todas as capitais de territórios em guerra que procuraram fugir das convulsões e encontrar uma actividade para sobreviver, aproveitando a presença dos efectivos militares. A cidade mais que duplicou a sua população durante a guerra, tendo-se formado à volta da urbe de cimento, a “cidade branca”, imensos bairros negros – o Cupilon. Um quarto da população da Guiné concentrava-se no "concelho de Bissau" e ali tinham a sede o governo, os comandos militares, os estabelecimentos de ensino, o porto, o aeroporto e as principais actividades económicas.

Estes primeiros seis dias na Guiné viveram-se entre o deslumbramento do novo e o sobressalto do risco e logo aprendemos que na guerra o tempo perdia sentido objectivo. O relógio tornava-se num aparato inútil, a noite e o dia confundiam-se, fundiam-se. Fomos pontuando pela marcha do calendário, nas nossas mentes sobrava sempre o inopinado da guerra a intrometer-se no fascínio de cada pôr do sol e a escangalhar as noites africanas de que nunca perdemos a saudade.

O tempo passa a acelerar, mas tínhamos de aproveitar todos os minutos até para gastar os derradeiros escudos que restassem do último ordenado e das economias feitas na metrópole, mas não foi difícil em Bissau descobrir em que gastar dinheiro. Nas esplanadas ao longo da marginal de Bissau a tropa mostrava a sua presença a gastar na cerveja nos célebres bifes à bota da tropa, nos armazéns da Cuf, na Casa Gouveia e no Pintozinho, os artigos fotográficos, gira-discos e gravadores seduziam-nos como montras de brinquedos às crianças que nós deixávamos de ser. O que sobrou foi para repartir pelas bajudas e pelos meninos engraxadores de Bissau, o escudo deu para tudo mas como tínhamos chegado a África teríamos de nos adaptar a nova moeda os "pesos", como eram chamados os escudos na Guiné.


Breves notas de seis dias de Bissau.

1 – Cupilon

Bairro tabanca da população, geralmente na periferia, eram um misto de atractivo irresistível e de perigo potencial mas nós, os militares recém-chegados, ignorávamos que a guerrilha tinha apoio em todo o lado, e assim todos os militares chegados a esta querida terra africana procuravam saber onde era e onde ficava (local de africanização e de gozo sexual) sempre apinhado de militares, dado que nele permaneciam lindas bajudas sem cabaço e partiam catota a toda a força: desprendidas da vida teriam nos prazeres da carne sustento bastante para fazerem vida desafogada, que de uma outra forma não conseguiam (2).

O convívio com aquela gente de população fascinava. Fosse pelo exótico dos usos, fosse pela atracção das raparigas, que designávamos por bajudas, independentemente de o serem. E só o eram enquanto virgens. Os seus erectos seios, tensos de jovem e dos nossos apetites, não escapavam ao despudorado atrevimento dos militares brancos.

Apalpar era palavra de ordem. Fiquei sempre, todavia, com a ideia que se riam de nós (era o custo da moeda escudos: os militares tinham esses escudos os africanos tinham necessidade deles. Algumas bajudas com quem conseguimos ter relação de alguma confiança, disputavam-nos abertamente assumindo elas o direito de posse, cortejavam-nos descaradamente e apaixonavam-se por nós. Contudo cobiçavam-nos, o seu olhar de cúpido concentrava-se sempre no prolongar da noite e com o olhar no infinito onde sempre dentro de ingenuidade não se cansavam de perguntar "se em Lisboa tínhamos bajuda e se era linda".

Bissau era local obrigatório de estacionamento, para além dos militares de diversos orgãos ligados ao comandos da máquina militar, estacionavam as tropas de elite: comandos, pára-quedistas e fuzileiros. Estes tão depressa disputavam as beldades como pensavam e tinham as mais variadas suposições de adultério e traições e não era raro, ao menor pretexto, às vezes sem pretexto nenhum, se envolviam entre si em verdadeiras batalhas. E que era a PM [Polícia Militar]e a PA [Polícia Aérea] a ser chamada para pôr cobro à situação.

2 – Clima

O clima, na Guiné, apresenta duas zonas diferenciadas: tropical, com elevadas temperaturas e humidade nas zonas costeiras, e continental, seco e quente, subsariano no interior. Existem duas estações; a seca, entre Dezembro e Fevereiro, em que as temperaturas chegam a descer aos 15º., e a das chuvas. A partir de Fevereiro, o calor associado ao vento leste, torna a atmosfera “irrespirável”, com temperaturas de 35º a 40º à sombra. O regime de monções provoca tornados no início das estações, que dificultam particularmente o tráfego aéreo.

Num clima como o da Guiné-Bissau, com altas temperaturas e elevados índices de humidade do ar, era vital acomodar a acção ao movimento, e para tal havia de adequar as nossas atitudes às condições climatéricas de cada circunstância, o pino do calor durante o dia, era matéria que não se podia deixar ao acaso, assim e na fase de adaptação para os periquitos, nada melhor que aprender os segredos depressa.

Para adaptação ao clima e como o calor na Guiné é impiedoso, nada melhor que bem sentados á volta de uma mesa de esplanada bem servida de incontáveis cervejas e whiskies de mais de 12 anos com [água de] Perrier ou Seven-up ou Coca-cola, bem gelados.

Para o guerreiro, o cigarro é de uma maneira geral companheiro inseparável. Por entre umas fumaças tínhamos longas conversas de guerra, sobre tudo e sobre nada, as mesmas aproveitavam-se para curta cura de esquecimento que o álcool providencia em maior ou menor grau.

Na Guiné só as chuvas tinham época e datas certas, de resto toda ela era na verdade um barril de pólvora, bastava um simples movimento de acender um cigarro, que já era mais que o suficiente para tudo mexer á nossa volta, fazia-se silêncio, ouviu-se no subúrbios de Bissau o súbito troar da saída de morteiro e o sequente rebentamento de granadas algures nas matas, foi o rastilho, logo de seguida o som cavo das granadas dos canhões sem recuo anunciavam mais um ataque com armas pesadas.

Que horror, os estrondos por muito longe que fossem, provocaram-nos um arrepio que nem a proximidade da morte alguma vez conseguira, por momentos pela frente dos nossos olhos passou o absurdo da guerra, porque não dizâ-lo daquela guerra.

Ainda há pouco tempo tínhamos chegado, seis dias foram o suficiente para entrar-mos dentro da dimensão do conflito que estava desenhado, das conversas da mesa da esplanada da marginal, encontramos sempre quantidade enorme de pontos obscuros e sombrios onde se escondiam as nuances que acompanhavam os momentos mais agudos da luta que iríamos travar com o PAIGC. Eram conversas de estilo conspirativo e de ambiente com armas na mão.

Destes dias para nós combatentes do ultramar ficou o cheiro. África tem cheiro a África. Ele é indisfarçável, indefinível, inesquecível, hoje é um cheiro de saudade.
___________

(1) O João Varanda já me tinha telefonado, em tempos, a prometer este material. Ele fez parte da açoreana CCAÇ 2636, que esteve na região do Cacheu (Có/Pelundo e Teixeira Pinto) e depois foi para a zona leste (passando por Bafatá, Saré Bacar e Pirada).

Vd. post de 22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIII: Notícias da açoreana CCAÇ 2636 (Bafatá, Contuboel, Saré Bacar, Pirada)

(2) Questões terminológicas:

Cupilon, Cupilom, Cupelon ou Pilão ? No meu tempo (1969/71), eu dizia Pilão... Na planta da cidade de Bissau, capital da Guiné-Bissau, que nos foi fornecida pelo A. Marques Lopes, vem Cupelon (de Cima e de Baixo),na parte setentrional, ladeada à direita pela Estrada de Santa Luzia...

Para os tugas que nunca estiveram na Guiné: (i) cabaço = hímen (o símbolo da virgindade): bajuda (com cabaço) = rapariga virgem; cabaço também é usado no nordeste do Brasil, nesta acepção; (ii) partir catota = dormir com uma mulher, ter relações íntimas com uma mulher (partir = dar, partilhar); não sei exactamente o que quer dizer catota, no creoulo da Guiné; no nordeste brasileiro, é sinónimo de meleca, ou mucosidade do nariz). L.G.

Guiné 63/74 - P270: Tabanca Grande : João Varanda da CCAÇ 2636 - Vou para a caserna dos 'tertulianos'



João Varanda, da CCAÇ 2636 (1969/71). Posto de vigia em Có.

© João Varanda (2005)

1. Mensagem do João Varanda

Estimado amigo Dr. Luís Graça

Apresenta-se ao serviço, batendo-lhe continência com a respectiva batidela forte e bastante ruidosa de tacão de bota da tropa, solicitando-lhe uma entrada na caserna de todos os que fizeram a guerra da Guiné – Bissau, de 1963 a 1974, independentemente da bandeira e da arma que empunhavam.

Curvo-me perante todos os tertulianos, num gesto sentido de agradecimento pelas mais belas páginas cheias de verdadeira história de todos quantos viveram e combateram na Guiné. Ciente de que cada página reflete a existência do sacrifício sem expressão brutal e ajuda-nos a refletir, à distância de 30 anos, a maior tragédia do nosso tempo.

A caserna dos combatentes lembra os episódios, com extraordinários relatos cheios de serenidade de quem haver cumprido uma simples missão do delírio da guerra, com um sentimento que hoje nos emociona.

O Luís Graça & Camaradas > Blogue – Fora – Nada é sem dúvida alguma o melhor, o mais real e mais autêntico de tudo o que se escreveu e contou duma guerra em que nós combatentes não abdicámos do direito à vitória de um combate em que foi preciso pôr em causa a própria vida, e registe-se a elegância e a atitude com que os tertúlianos o fazem é digna de louvor.

Na guerra colonial, na Guiné – Bissau, cruzámo-nos e, mesmo sem nos cruzarmos, percorremos os trilhos da mesma aventura, navegámos os mesmos rios, pisámos a mesma terra, vivemos os mesmos perigos, suportámos os mesmos sacrifícios, socorremos os nossos feridos, chorámos os nossos mortos, colhemos experiências comuns, e chegámos até a frequentar os mesmos quartéis.

João, hoje. Ele trabalha na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Confidenciou-me que gostaria de voltar à Guiné, hoje Guiné-Bissau, mas já não sente forças para ir sozinho...

© João Varanda (2005)

Mas para além de tudo a Guiné – Bissau deixou marcas, de rigor e respeitabilidade, conforme todos os ex-combatentes reconhecem, facto este porque recomendo e aconselho a leitura da vossa obra, não apenas aos ex-combatentes, como a todas as pessoas particularmente sensíveis ao tema, mas todas em geral, porque para além das emoções que revelam em cada página, há também a beleza da linguagem que nos prende e nos seduz.

Com um grande e fraterno abraço, peço a Vª. Excª. licença para entrar na caserna da tertúlia dos ex-combatentes da Guiné (1963/74).

João Varanda

2. Comentário de L.G.

Licença concedida. Entra, e que sejas bem-vindo. O tratamento de Sua Excia era só para o Com-Chefe. Na caserna dos tertulianos, todos se tratam por tu, à boa maneira republlicana e romana...

sábado, 22 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P233: Notícias da açoriana CCAÇ 2636 (Bafatá, Contuboel, Saré Bacar, Pirada)

1. Tefonou-me o João Varanda, que nos tinha contactado em Maio passado, mas cujo endereço de e-mail estava errado. Por esse motivo, ele deixou de estar integrado na nossa tertúlia: os e-mails para ele eram sistematicamente devolvidos. Agora percebo o motivo: como na tropa, o material tem sempre razão!

Pelo que ele me contou, é fã do nosso blogue, que lê com regularidade e crescente entusiasmo. Recorde-se que ele fez parte de uma companhia açoreana, a CCAÇ 2636, que esteve na Zona Leste (Bafatá e depois Saré Bacar e Pirada, na fonteira norte, com o Senegal), mas primeiro passou pela região do Cacheu (Pelundo e Teixeira Pinto).

Ele vive e trabalha em Coimbra, mais exactamente nos serviços académicos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Secção de Alunos), Porta Férrea - Paços da Escola, 3004 - 545 Coimbra.

O João confidenciou-me que gostaria de voltar à Guiné, mas devido a um problema de saúde nunca se atreveria a ir sózinho. Esuqeci-me de perguntar como ia o livro dele... Ficou de mandar umas estórias (e fotos, espero) para a semana que vem.

Em contrapartida, prometi-lhe que publicar, uma dia destes, o relato da Op Tigre Vadio, a Madina/Belel, no regulado no Cuor, já no corredor do Morès, em 1970. Não tenho aqui à mão os meus apontamentos, mas tenho ideia que um pelotão de morteiros de Bafatá, do tempo do João Varanda, participou nessa operação, cujo ponto de partida foi Missirá e o regresso, dramático, Enxalé... Foi, como se costuma dizer, uma volta ao bilhar grande!

A propósito, tenho que arranjar um voluntário, na nossa tertúlia, para ir espetando os alfinetes no mapa da Guiné com o número dos pelotões, companhias e batalhões. Já é muita areia para a minha camioneta. Às tantas, a gente perde-se no mato...


2. Reproduzo aqui parte do e-mail que ele em tempos mandou ao Guimarães e que foi depois inserido no nosso blogue: vd. post de 25 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXV: Aerogramas de amigos e camaradas (1)

18 de Maio de 2005:

Amigo David Guimarães:

Cá recebi o seu e-mail, fiquei muito sensibilizado pela sua gentileza. Como todos os que passaram por aquela guerra, naqueles vinte e quatro meses, a Guiné-Bissau é hoje uma terra mítica, algo inesquecível que vive presente para todo o sempre na nossa cabeça. Daí a necessidade de buscar algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra, o que se torna para nós uma forma de dizer que estamos vivos.

Meu bom amigo, também fui companheiro de luta na nossa querida Guiné, como elemento da CCAÇ 2636 (companhia açoreana) e fizemos o percurso coroa com o seu início em Brá-Có (fizemos a segurança da estrada alcatroada para Pelundo e ligação a Teixeira Pinto).

O Pelundo era a região onde, em 20 de Abril de 1970, o comando de zona do PAIGC traíu as negociações que decorriam com o grande Chefe General Spínola para a rendição das forças do PAIGC que operavam naquela zona e a respectiva população), fazendo o PAIGC o assassinato dos três majores, Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório (1).

Depois saltámos para a zona leste, para Bafatá, ficando metade da companhia adstrita ao Batalhão de Caçadores 2856 (2), e a outra metade ao Esquadrão de Cavalaria 2640. No leste e naquela altura o homem grande da guerra o era o Carlos de Almada, o célebre Chefe Gazela [3). Um grupo de combate entrou em auto-defesa em Ualicunda, outro em Sare Uale (4) na linha limite da fronteira do Senegal, ficando a base do comando destes dois grupos sedeada em Contuboel.

Os outros grupos ficaram em actividade operacional no sector leste com sede em Bafatá, para cortar a eficácia de ataque do PAIGC, assim tudo o que era risco foi batido em operações de sector como sejam Fá Mandinga, Xime, Bambadinca, Porto Cole, Capé e Mansomine (5) (Mansomine, de má memória, na durissíma Operação Fareja Melhor onde tivemos a primeira baixa, que foi um voluntário que, em acto de coragem e bravura, quis dar solidariedade ao grupo a procurar, detectar e aniquilar quaisquer elementos inimigos, destruindo todos os meios de vida e recuperar as populações civis sob controlo inimigo).

No leste (6) tudo quanto foi matas, rios ou bolanhas foi por nós calcorreado à procura de quem não prometeu vir até nós, para tudo quanto mais não fosse dialogar os caminhos da paz. Por fim, assentamos arraiais em Sare Bacar, a pouco mais de cem metros da linha limite com o Senegal.

Operacionalmente estivemos em exercício em Pirada e Paunca(7), ficando com dois grupos de combate estacionados em Sare Aliu, Sene e Sora (corredores de infiltração do PAIGC para selecção de guerrilheiros e por onde infiltravam o armamento pesado).

Meu bom amigo, muitas peripécias se passaram fizemos a guerra sem querer, enfim agora isto faz parte da história que está pouco passada para o papel. Temos de unir esforços e todos contar o que foram aqueles dias, não podemos deixar para trás o que foram esses tempos e deixá-los esfumar-se como o fumo de um cigarro.

(...) Não quero findar este e-mail sem dizer ao meu bom amigo que estou a escrever um livro de memórias sobre a nossa passagem pela guerra colonial na Guiné-Bissau.

Com um grande abraço. Varanda

Tomem nota do endereço de e-mail : maito:jvaranda@fd.uc.pt (jvaranda e não jvarandas)
______

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

(2) Este Batalhão editava, em 1969, o jornal Macaréu.

(3) Vd. carta da Guiné (1961): na fonteira cpm o Senegal há, pelo menos, duas povoações com este nome, Sare Uale: uma a nordeste de Farim, na região do Cacheu; outra já na zona leste, no triâmgulo Cambau-Contuboel- Sare Bacar

(4) Na região do Óio, a nordeste de Mansambá.

(5) Chefe ou Comandante Gazela ?

(6) Hoje, região de Bafatá e região de Gabu

(7) No nordeste, na fronteira com o Senegal, região do Gabu.

quarta-feira, 25 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P25: Aerogramas de amigos e camaradas (1) (Luís Graça)

Amigos e camaradas da Guiné, do tempo da guerra colonial:

Lembram-se do aerograma ou, mais prosaicamente,do "corta-capim" ? A partir de agora vamos publicar nesta secção as vossas mensagens, desde que não estejam directamente relacionadas com o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, o nosso triângulo da morte, o sector L1. Malta de outros sectores, dentro ou fora da Zona Leste, podem-me fazer chegar as vossas mensagens, que eu prometo divulgá-las, neste blogue e nesta secção (Aerogramas de amigos e camaradas). Cliquem no nome que assina a mensagem: encontrarão o respectivo endereço de e-mail, sempre útil para futuros contactos. E não se esqueçam: tragam mais cinco (amigos e camaradas daqueles tempos e daquelas paragens).

25 de Maio de 2005:

Amigos, algum de vocês conhece alguém que tenha feito parte da CART 6254 "Os presentes de Olossato", Março de 73/Agosto 74 ? Se, por acaso, conhecerem alguém, agradecia contacto.

Manuel Castro (Viana do Castelo)


25 de Maio de 2005:

Manuel Castro, indico-lhe dois contactos:

(i) António Pedras (seripbar@sapo.pt);

e (ii) o ex-furriel miliciano João Ferreira (ilferreira@net.sapo.pt)

Certamente que os conhecerá. Eram seus ex-camaradas da CART 6254.

Afonso M. F. Sousa

24 de Maio de 2005:

Caro amigo: Antes do mais, os meus parabéns pelo óptimo trabalho do seu sítio "Subsídios para a história da guerra colonial". É bom que se saiba o que foi [essa guerra], sobretudo as gerações mais novas. Daí que eu lhe esteja a dar a minha colaboração nos seus objectivos.

Queria, agora, dizer-lhe que eu não me chamo A. Américo Marques mas, sim, A. Marques Lopes e que não sou tenente-coronel na reserva, mas, sim, coronel (DFA) na situação de reforma.

Peço-lhe desculpa pela trapalhada do envio das "fotografias de Banjara". O que sucede é que não me dou bem com estas coisas da informática...

Um abraço e bom trabalho.
A. Marques Lopes

Nota de L.G. - O A. Marques Lopes não foi capitão da CART 1690, aquartelada em Geba, com destacamentos em Cantacunda e Banjara. Os relatos que ele publica, neste blogue, sobre o ataque a Cantacunda e depois a Banjara, remonta a acontecimentos passados em meados de 1968. Nessa altura ele era apenas alferes miliciano. Como terá ocasião de explicar melhor, neste sítio, o povo da Guiné ganhou um amigo. Em 1998, trinta anos depois, ele voltou lá... E sobretudo continua a escrever sobre os encontros, felizes e menos felizes, que ele teve com os povos guinéus. Na Net fui encontrar um fabuloso texto (presumivelmente, excertos de um livro que ele anda a escrever). Tomem nota:

Na bolanha, dá para pensar... (13.02.2005)


18 de Maio de 2005:

Amigo David Guimarães:

Cá recebi o seu e-mail, fiquei muito sensibilizado pela sua gentileza. Como todos os que passaram por aquela guerra, naqueles vinte e quatro meses, a Guiné-Bissau é hoje uma terra mítica, algo inesquecível que vive presente para todo o sempre na nossa cabeça. Daí a necessidade de buscar algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra, o que se torna para nós uma forma de dizer que estamos vivos.

Meu bom amigo, também fui companheiro de luta na nossa querida Guiné, como elemento da CCAC 2636 (companhia açoreana) e fizemos o percurso coroa com o seu início em Brá-Có (fizemos a segurança da estrada alcatroada para Pelundo e ligação a Teixeira Pinto).

O Pelundo era a região onde, em 20 de Abril de 1970, o comando de zona do PAIGC traíu as negociações que decorriam com o grande Chefe General Spínola para a rendição das forças do PAIGC que operavam naquela zona e a respectiva população), fazendo o PAIGC o assassinato dos três majores, Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório.

Depois saltámos para a zona leste, para Bafatá, ficando metade da companhia adstrita ao Batalhão de Caçadores 2856, e a outra metade ao Esquadrão de Cavalaria 2640. No leste e naquela altura o homem grande da guerra o era o Carlos de Almada, o célebre Chefe Gazela.Um grupo de combate entrou em auto-defesa em Ualicunda, outro em Sare Uale na linha limite da fronteira do Senegal, ficando a base do comando destes dois grupos sedeada em Contuboel. Os outros grupos ficaram em actividade operacional no sector leste com sede em Bafatá, para cortar a eficácia de ataque do PAIGC,
assim tudo o que era risco foi batido em operações de sector como sejam Fá Mandinga, Xime, Bambadinca, Porto Cole, Capé e Mansomine (Mansomine, de má memória, na durissíma Operação Fareja Melhor onde tivemos a primeira baixa, que foi um voluntário que, em acto de coragem e bravura, quis dar solidariedade ao grupo a procurar, detectar e aniquilar quaisquer elementos inimigos, destruindo todos os meios de vida e recuperar as populações civis sob controlo inimigo.

No leste tudo quanto foi matas, rios ou bolanhas foi por nós calcorreado à procura de quem não prometeu vir até nós, para tudo quanto mais não fosse dialogar os caminhos da paz. Por fim, assentamos arraiais em Sare Bacar, a pouco mais de cem metros da linha limite com o Senegal.

Operacionalmente estivemos em exercício em Pirada e Paunca, ficando com dois grupos de combate estacionados em Sare Aliu, Sene e Sora (corredores de infiltração do PAIGC para selecção de guerrilheiros e por onde infiltravam o armamento pesado).

Meu bom amigo, muitas peripécias se passaram fizemos a guerra sem querer, enfim agora isto faz parte da história que está pouco passada para o papel. Temos de unir esforços e todos contar o que foram aqueles dias, não podemos deixar para trás o que foram esses tempos e deixá-los esfumar-se como o fumo de um cigarro.

Meu bom amigo vou deixar-lhe os meus contactos:

(i) Casa: João José Braga Neves Varanda,
[...]

(ii) Serviço: João José Braga Neves Varanda, Serviços Académicos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Secção de Alunos), Porta Férrea - Paços da Escola, 3004 - 545 Coimbra.

Deixo-lhe os meus préstimos para tudo o que desejar de Coimbra. Não quero findar este e-mail sem dizer ao meu bom amigo que estou a escrever um livro de memórias sobre a nossa passagem pela guerra colonial na Guiné-Bissau.

Com um grande abraço.
Varanda