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segunda-feira, 27 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19829: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (25): Seleção de imagens de Luís Graça - Parte II


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Um fotogénico Juvenal Amado, talentoso escritor e agora avô babado (I)


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Um fotogénico Juvenal Amado, talentoso escritor e agora avô babado (II)


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  José Manuel Cancela e Carminda que vieram de Penafiel (infelizmente desta vez sem os Peixotos, a Margarida e o Joaquim...)


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Vasco Ferreira (V. N. Gaia) e Rodrigo Teixeira (Matosinhos)


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande > Helena Carvalho e São (do Eduardo Jorge Ferreira)... Já se conheciam da Tabanca de Porto Dinheiro, Lourinhã.


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande > Carlos Vinhal e Fernando Gouveia, dois nortenhos.


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quem é esta  menina? Não caiu de paraquedas... (Segundo o editor da Karas de Monte Real, é a Amélia Gonçalves, esposa do Almiro Gonçalves: o casal vive na Praia da Vieira, Marinha Grande, e são presença assídua nos almoços-convívio da Tabanca do Centro, que se realizam mensalmente em Monte Real)... O Almiro [da Silva] Gonçalves é membro  da nossa Tabanca Grande, nº 619, desde 28 de maio de 2013: foi soldado de transmissões de infantaria do Pel Mort 4580, Bambadinca, 1973/74.


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  O Manuel Luís Lomba e o filho: vieram de Barcelos


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande > António Joaquim Oliveira (Vila Nova de Gaia): "estreia absoluta" em Monte Real. Veio com o Abel Santos (Matosinhos), eram da mesma companhia,  a CART 1742,  "Os Panteras" ( Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69)... É "periquito" nestas andanças, convidei-o para integrar a nossa Tabanca Grande...


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande > António Pimentel (Figueira da Foz), um histórico do I Encontro Nacional, na Ameira (2006), e o Fernando Gouveia (Porto)


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro, e elemento da Comissão Organizadora deste encontro.


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Miguel Pessoa e António Martins de Matos, dois bravos dos céus da Guiné


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Jorge Cabral I


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Jorge Cabral II


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Paulo Santiago (Águeda) e Lúcio Vieira (Torres Novas), também "estreia absoluta" nos nossos encontros anuais


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Helena Carvalho e Jorge Araújo... Falam de quê? Do Enxalé...


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  A "Tucha" (Carcavelos / Cascais)


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande >  Um aspeto do almoço na sala Dom Dinis

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19827: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (24): Seleção de imagens de Luís Graça - Parte I

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19794: (In)citações (131): A dureza da nossa infância e a guerra (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 15 de Maio de 2019:


A dureza da nossa infância e a guerra

No passado dia 17 fui à Associação 25 de Abril assistir ao lançamento de "A Minha Guerra a Petróleo" da autoria do José António Pereira da Costa. O apresentador da obra foi o Coronel Carlos Matos Gomes, ex-Comando e escritor de créditos mais que provados.

Excelente orador, deu ali uma lição histórica de literatura portuguesa, com especial incidência no que se refere ao colonial e pós colonial. Mas ao vê-lo lembrei-me de antigos camaradas de escola, que foram comandos também e com principal relevo para dois que estiveram na Guiné mais ao menos no período que eu também lá estive.

O Aníbal Gavião (Laredo de alcunha) foi meu colega na escola em Alcobaça na 1.ª classe e mais tarde na 4.ª quando regressei à vila. O Augusto foi meu colega na escola da Vestiaria entre o final da minha 1.ª classe e a 3.ª e o que aqui escrevo, acaba por se focar na história das crianças daquele tempo, com especial ênfase para as fracas condições económicas, que a grande maioria tinha que ultrapassar com escolas a quilómetros, descalços e com almoço que não passava de um pedaço de pão duro, para render, e um cubo de toucinho assado frio, que lhes servia de pequeno almoço, almoço e lanche, especialmente dos que moravam nas aldeias.

Em 1957 entrei para a escola primária de Alcobaça.
Era uma sala cheia de crianças de bata branca em frente da professora. A secretária ligeiramente para o lado direito, deixava livre a visão para o quadro preto, a cruz e as fotografias emolduradas de António Salazar e Craveiro Lopes que era presidente da República por essa altura. Reza a História, que este não era dos predilectos do regime e assim, ao contrário dos que se eternizavam no lugar, foi despachado tão depressa quanto possível.


A professora era e foi, senhora temida até ao fim da sua carreira. Conhecida por mais que uma geração e que estava castigada a dar só a primeira classe por via de algumas “carícias” feitas com mais afinco na malta pequena.

Naquele tempo a sala de aula era um sítio austero pouco convidativo, onde imperava a máxima da reguada e a cana da índia, para quem não sabia ou se esquecia de trazer os trabalhos de casa feitos, quem sujasse a bata, quem não tivesse algum material, etc.

Éramos obrigados a sair e regressar a casa com a bata vestida impecavelmente limpa, facto que me custou alguns safanões dados pela a minha mãe, pois por vezes tinha que ma lavar quando eu chegava a casa e enxugá-la sabe Deus como, para que eu me apresentasse sem mácula às nove horas do dia seguinte na escola.
A falta dela era imperdoável.

Na verdade, frequentaram comigo a escola crianças de todos os estratos sociais e a bata tornava-nos à primeira vista iguais. As diferenças eram assim mais subtis para quem não soubesse, que haveria crianças com várias batas e umas, a maioria como eu, que só tínhamos uma.
Mas juntando o feitio da professora, com o terror que a minha mãe tinha de vivermos numas águas furtadas na travessa da Cadeia, bem por cima do hoje afamado António Padeiro, que já existia naquele tempo sem tanto “pedigree” mas com a qualidade que o tempo não esmoreceu, por essas razões acabamos por ir viver para a aldeia da Vestiaria, situada a pouco mais de 3 quilómetros, mais precisamente na rua que ia para lavadouro e mais tarde, para a Rua do Loureiro. Dali até ao cruzamento entre os Casais e quem ia para o Pinhal Fanheiro ficava a escola. Palmilhávamos mais ao menos uns 1500 a 2000 metros para cada lado quer chovesse quer fizesse Sol.

A lei era taxativa e vigorava uma sobre a proibição de se andar descalço, mas quando cheguei à nova escola eu parecia um extraterrestre, pois batas e sapatos era coisa que não se via por aquelas bandas. Os garotos descalços traziam umas sacolas com uma ardósia e livro de leitura, mais uma sebenta para os trabalhos casa e assim, é fácil adivinhar o espanto que a minha mala reluzente, com caixa de lápis cadernos e livros encadernados, tudo arrumadinho, causou.
A disciplina na escola também coisa de assombrar, pois conviviam todas as classes da primeira à quarta e não eram poucos os alunos que eram maiores que a professora. A D. Emília, jovem professora de Aveiro para ali desterrada, a viver num quarto alugado, quando ia para lhes bater, eles simplesmente seguravam-lhe os braços “o quê que você quer mulher ?”, quando não saltavam simplesmente pela janela e estava o assunto arrumado.

Não raramente eram as mães que os levavam de volta à escola por medo de represálias, uma vez que a escola era obrigatória e se não fosse isso, teriam muito que lhes dar a fazer no campo ou à volta do gado, na vez de andarem a alimentar a boa vida do rapaz a passear os livros.
As mães de alguns alunos quando chamadas à escola por algo que o filho tivesse feito, usavam da sua autoridade aplicando-a à pancada. Condenação e castigo, que eles levavam logo ali com um sarrafo seco de videira, agarrados por um braço e saltando ao ritmo das bordoadas.
- “Sra professora, você arreie-lhe com força, arreie-lhe” - e iam-se embora a maldizer a sorte, o rapaz, mais a escola, que assim ele nunca mais ia trabalhar.
No fundo era a grande chatice pois sem a 4.ª classe ninguém lhe podia dar emprego, se não ficava assim mesmo, pois para a enxada não era preciso saber o abecedário nem geometria.

Comigo andaram o Zé Loureço e o Coelho, que assentaram praça no CICA4 no mesmo dia que eu. O Mário Farelo, o “Escalracho”, os irmãos Manel e Augusto, o Mendes que me ia furando um olho com uma cana acabada de arrancar da vinha ao lado da escola, quando fez dela uma lança. O Manel e o Augusto, estes dois irmãos mais o “Escalracho”, eram por assim dizer responsáveis por todas as malandrices que se faziam e mesmo quando não eram eles, que roubavam a fruta ou roubavam os ovos da capoeira, era certo e sabido que eram os suspeitos e culpados costume.

A vida da escola era assim colorida e assim fui passado de classe à medida que me iam confundindo no aspecto geral, perdi o brilho e o brio, deixando a bata em casa, com a mala toda esfolada ao estilo de quem te viu e quem te vê.

Voltei para Alcobaça a tempo de fazer a quarta classe. Os meus colegas mais velhos foram trabalhar para os fornos da Crisal ou em oficinas na vila, outros por lá ficaram no amanho das terras. Perdi o contacto com a esmagadora maioria deles e se não fora a tropa nunca mais veria outros tantos. O Manuel trabalhou numa marcenaria lá para os lados da Fonte Nova e o irmão mais novo Augusto, encontrei-me com ele no avião que nos trouxe de férias à Metrópole. Era dos Comandos o que não me admirou dado o espírito voluntarioso e belicoso que lhe conheci. Ostentava orgulhosamente os símbolos da 35.ª ou 38.ª, possivelmente esteve envolvido nas operações em Copá e Canquelifá ou mesmo Guidage.

Voltei a viajar com ele no regresso das férias e bebemos uns whiskies para nos prepararmos para o impacto do arame farpado do aeroporto de Bissau e aí chegados, abrasados pelo o impacto do calor ele foi para os Comandos e eu para os Adidos de má memória.
Não tenho ideia de o ter voltado a ver mas duma coisa não tenho dúvida, é que foi naquela vida dura que se forjaram os nossos jovens, o que lhes permitiu aguentar a dureza daquela guerra durante tantos anos.

Mesa de Honra com: Coronel Carlos Matos Gomes, Coronel Vasco Lourenço e o autor de "A Minha Guerra a Petróleo", Coronel António José Pereira da Costa

Na mesa de honra, no lançamento do livro do Coronel António José Pereira da Costa, estavam três soldados que participaram no 25 de Abril, data que como sabemos, embora sujeita aos detratores de todas as latitudes, continua a ser o primeiro dia de liberdade do resto das nossas vidas.
Um muito obrigado por isso.

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19767: (In)citações (130): As Comemorações de Abril, A Memória e a História (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19328: Blogoterapia (290): O Medo - como nunca pensei que sentisse (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 21 de Dezembro de 2018:

Carlos e Luís
Após a leitura do livro do nosso camarada António Martins de Matos e em especial o capitulo escrito pela psicóloga Teresa Matos sobre o medo, resolvi fazer uma pequena viagem sobre o meu medo ou medos.
Junto vai uma foto onde estão vários dos que seriam sobreviventes da emboscada do Quirafo em Abril de 1972. De notar que o que está na primeira fila ao centro é o condutor único sobrevivente da primeira viatura. Ao lado dele, à nossa esquerda, é o condutor da segunda.

Um Feliz Natal e um próspero Ano Novo para todos os membros da tabanca mais para as suas famílias.

Abraços
Juvenal Amado


O MEDO

No dia 24 de Dezembro faz 47 anos que desembarquei em Bissau integrado no meu Batalhão 3872, o que quer dizer, que no momento que escrevo estas linhas navegava ou estava ao largo da ilha da Madeira. Não tive medo quando fui mobilizado, nem quando embarquei, nem quando desembarquei. Havia um misto de curiosidade e distanciamento, que quase parecia que não me estava a acontecer aquilo e que era um simples observador.

Mas na noite do desembarque, já no Cumeré, provei o medo como nunca pensei que existisse tal sentimento. A violência da guerra chegou até mim, que tinha dado duas dúzias de tiros de G3 e era esse o som mais próximo que tinha dela. Não sabia na altura que a espiral do medo tinha tantos patamares e que, aquele som das antiaéreas, a fazer batimento de zona, que faziam tremer o chão, não era nada comparado com som de um ataque onde as explosões e o matraquear das armas ligeiras têm um resultado tão aterrador.

O medo tolda-nos os sentidos, desfaz-nos o discernimento, penetra perniciosamente nos músculos, tolhe-nos as passadas, encharca-nos a roupa com suor gelado, deixamos de ver e ouvir com clareza, por vezes não se tem controle sobre as mais elementares necessidades fisiológicas, a irracionalidade sobrevem à amálgama de sensações descontroladas, em que nos tornamos seres sem quereres nem vontades próprias. Desse estado, saímos em várias direcções e soluções impensáveis, quando, no estado da razão de que normalmente somos proprietários, faríamos ao contrário .

Ao longo da vida passamos por diversos medos por ou ignorância rotulamos de medo, pois o medo na infância do escuro, do professor, do resultado do exame, o medo de ser rejeitado, o medo do ridículo, em nada é equiparado ao medo que nos descontrola ao ponto de nada mais ter interesse que a preservação da vida.

O medo como escreve a psicóloga clínica Teresa Matos* (vale a pena ler) é bem mais complexo do que até aqui eu pensava. Envolve a produção ou ausência de substâncias que na nossa condição de humanos produzimos. Escreve ela, que sujeitos ao medo o nosso corpo se transforma com reacções físico-químicas, que nos preparam para receber em antecipação o impacto de qualquer agressão que nos ponha em perigo.

Depois respondemos ao medo por ordem de um superior, porque por vezes existe o medo hierárquico, que suplanta o medo do inimigo. Se assim não fosse, como se explicaria, que à ordem de comando um soldado salta para a frente afrontando cortinas de balas?

Noutras, o individuo reage em autodefesa, porque é necessário responder à agressão. Finalmente o medo pode tolher de tal maneira o individuo que nada fará para se defender.

No principio da guerra, falou-se de quem se matou após a mobilização com medo de morrer na guerra, quando afinal dessa forma certeira cumpriu o destino que temia mas, que lhe era incerto.

“o medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”. Mahatma Gandhi

Quem esteve em situações de combate, ou participou em colunas em que minas mataram camaradas, sabe do terror que se sente após os acontecimentos, a dificuldade de abandonar a vala e em especial, em mexer os pés do sítio onde nos abrigamos na urgência.

Conheço um camarada que tendo sofrido uma emboscada onde morreram vários companheiros (Quirafo - Saltinho) sofre de stress pós-traumático e o medo apodera-se dele de tal forma que não consegue responder-lhe, não dorme, é visitado pelos acontecimentos e as caras dos que morreram não lhe saem da cabeça. Os sons da tragédia compõem a banda sonora do que poderia ser um filme. Neste caso são os psicólogos e psiquiatras a administrar químicos em substituição dos que não se produzem naturalmente de que fala a autora Teresa Matos. O organismo do nosso camarada não consegue responder ao medo que se pegou a ele de forma visceral. Cumpre-me aqui informar, que já não falo com o camarada desde que ele começou a ser tratado e por isso, não ter real conhecimento do seu estado hoje.

Alguns destes camaradas sobreviveram à emboscada do Quirafo. O que está na primeira fila ao centro é o condutor único sobrevivente da primeira viatura. Ao lado dele, à sua direita, é o condutor da segunda

Naquele tempo também sofri do medo real e em antecipação ao que poderia acontecer quando ia em colunas mas por outro lado pernoitei em sítios onde só alguma inconsciência da minha parte, permitiu ignorar o perigo. Conheci quem com medo dos ataques, só se deitava após as 11 horas da noite, pois era norma que se não nos atacavam até aquela hora, já não fariam com medo de serem apanhados pela madrugada na retirada.

Fez no dia 1 de Dezembro anos que fomos atacados ao arame farpado. O sentinela na dúvida se eram cabras a pastar ou guerrilheiros, não quis disparar com medo de levar uma porrada do comandante. Valeu-nos outro camarada que pegou na G3 e despejou o carregador sobre os vultos.

Mas o medo também é motor da actividade humana. O medo de ficar para trás, o medo que pareça mal, o medo da solidão e da incompreensão, o medo da velhice quando afinal devíamos ter mais medo de não chegarmos a velhos.

Assim existem vários patamares para o medo. O medo é um sentimento que se revisita como nenhum outro, pois há quem tenha medo de ter medo.

“Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”. Jean Paul Sarte

Um Feliz Natal em paz é o meu maior desejo para todos os camaradas

(*) - Livro de António Martins de Matos Voando Sobre Um Ninho de Strelas, capitulo 42
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19145: Blogoterapia (289): Aquele toque a finados é uma coisa que me arrepia... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19029: Estórias do Juvenal Amado (62): O Vilela, num conto com bolinha vermelha

Alcobaça vista do Castelo


1. Em mensagem de 17 de Setembro de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias, esta a do Vilela.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

62 - O VILELA - NUM CONTO COM BOLINHA VERMELHA

O Vilela era o rapaz do nosso grupo, amigo das paródias, dos matraquilhos dos bailaricos. Adorava anis escarchado e um dia, pregamos-lhe um piela em minha casa. O problema foi quando o foi preciso leva-lo a casa pois tinhas as pernas que pareciam gelatina e não se punha em pé de maneira nenhuma. Quando finalmente o conseguimos levar, a mãe só faltou bater-nos para além dos nomes que nos chamou.

Aprendiz de alfaiate, viu-se impedido de acompanhar os pais que se mudaram para a América, uma vez que estava na idade militar, e assim despediu-se da mãe chorosa e do pai emocionado, porque os homens que eram homens não choravam, e por cá ficou, não sei se me recordo bem mas tenho ideia de que assentou arraiais em casa de familiar próximo.

A partir daí o herói deu-se a ares de magnata e nunca mais parou de exibir belos fatos com colete a condizer, sobretudos e botas que se usavam naquele tempo, à moda dos Beatles. Quem daquele tempo não se lembra das cobiçadas botas com bocadinho de cano e biqueira muito fina, que ficavam a matar com as calças à boca-de-sino. Era rara a semana que não aparecia com uma “encadernação” nova.

Eu, os Pedrosas, o Rego, o Joaquim e José António, todos os dias tínhamos ponto de encontro no café Portugal, onde ele sobressaía mais parecendo o Al Capone e nós os acólitos, mas ele era cómico e nós riamo-nos com as coisas que fazia e dizia.

Está claro que deixou de trabalhar e o dinheiro era como quem abana a árvore das patacas, não parava de chover, porque aos seus pedidos os pais talvez com peso na consciência por o cá ter deixado, abriam os cordões à bolsa no vão intento de que a sangria parasse, que a tropa o viesse buscar rapidamente e desse um fim ao calvário porque passavam, afastados do seu menino que custava os olhos da cara e muitas horas extraordinárias nos empregos que arranjaram lá nos states.

Por cá o Vilela acabou por se indispor com o familiar onde se hospedara e, como os dólares pingavam sempre, hospedou-se nos Corações Unidos, a melhor pensão de Alcobaça, por onde passava toda a gente que era gente, que visitava a linda vila, desde industriais e artistas, músicos e até engates de caixeiros viajantes.

O Vilela estava na maior. Passava dos pedidos de roupas para um anel visto numa ourivesaria, ou para uns óculos Ray-Ban que lhe trouxeram da base americana das Lajes nos Açores, é que lhe faziam muita falta porque cá havia muito Sol. Pudera era só escrever a pedir à mãe, que lá vinham os benditos dólares que não tardou a queixar-se sem grandes resultados.

Assim o grupo de amigos acabava por olhar para a situação com algum misto de incredulidade e não foram poucas as vezes que lhe dissemos que talvez devesse parar com aquilo. Nada feito, dos gastos com roupa e sapatos passou ao gosto desenfreado pelos jogos de alcova, tornando-se assíduo em certo estúdio de fotografia, que o dono transformava em bordel algumas noites por semana. Ora o nosso Vilela parecia um catraio numa loja de doces e passou a assediar o proprietário para que arranjasse mais “meninas”. Vivia num frenesim, o seu aspecto cuidado passou a apresentar algum desleixo, bem como um ar cansado e a rarear nos convívios com o grupo.

Uma bela noite o Rego bateu-me à porta com um ar suspeito a pedir-me para ir com ele, pois o Vilela precisava de ajuda. Lá vou eu direito ao estúdio de fotografia, e ao fundo das escadas lá estava o bom do Vilela embrulhado num lençol com um ar meio esgazeado. Assim que vi o que aconteceu, fui buscar um táxi, e ala para o hospital que se faz tarde.

Quando o enfermeiro lhe retirou o lençol mais o papel higiénico do corte que tinha na glande, foi um mar de sangue. Dizia o enfermeiro Torres que nunca tinha visto uma gaita tão escangalhada e perguntava como tinha acontecido aquilo. Ele contou que se tinha cortado a fazer sexo num cabelo, que estava atravessado à entrada e não vale a pena pôr mais na escrita, pois para bom entendedor meia palavra basta.

Está claro que aquilo foi motivo de muito riso e para mais como é que o Vilela ia estar quieto sem pensar em nada que o fizesse arrebitar, quando ele se tinha transformado viciado em sexo.

Entretanto curou-se e voltou ao mesmo, mas afastou-se de nós que não tínhamos capacidade de o acompanhar em tonteira nem financeiramente.

Finalmente foi para a tropa como nós todos e eu terei sido o último. Mobilizados uns para cada lado, eu e os irmãos José e Joaquim António fomos para a Guiné, um dos Pedrosa foi para Timor e o Luís Pedrosa foi Operações Especiais em Moçambique, o Rego ficou cá como amparo de mãe, o nosso Vilela não faço a menor ideia, mas penso que acabado que foi o seu serviço militar, deve ter ido para a América ter com os pais e nunca mais o vi.

No regresso encontrei os irmãos, soube que o Pedrosa se tinha suicidado em Timor, o Luís contraiu um vírus, que se veio a revelar uma poliomielite infantil tardia, ficando coxo até à sua morte.

Felizmente fui ao casamento do Rego e do José António, que continuam de boa saúde pois têm perguntado por mim aos meus irmãos.

O Vilela é uma recordação que me faz recuar aos tempos de alguma irresponsabilidade e loucura, que cá continuam bem num cantinho e que de vez enquanto acordam misturados com a saudade daqueles tempos, agora que vamos adiantados nos “entas”.

O Vilela nunca lerá esta estória mas se ler, lembrar-se-á e deve dar uma gargalhada, embora eu tenha ficcionado o nome, vai-se reconhecer de certo nela.

Uma abraço
Juvenal Amado

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18912: Estórias do Juvenal Amado (61): Um pouco de todos nós - "Difícil foi libertar-me do abraço", por Carlos Paz

domingo, 26 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)


Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).

Seleção de comentários ao poste P18949 (*)

(i) José Nascimento:

O saudoso alferes Joaquim da Costa Marques,  comandante do 3.º Pelotão da Cart 2520  (Xime e Quinhamel, 1969/70) também foi oriundo do seminário.

Pouco fiquei a saber dele, era uma irmandade de 9 ou 10 elementos, creio que de uma família modesta. Ainda me lembro que, no dia do meu aniversário em 1969 na Guiné, fez o seu voto de felicidades em Latim. Obrigado Marques, até um dia.

(ii) Juvenal Amado:

Seminarista: o capitão Lourenço do Saltinho. [Referência à CCAÇ 3490, que esteve no Saltinho (1971/74) e que teve uma trágica história (a emboscada do Quirafo em abril de 1972)]...

Seminário: para além do "Cabra Cega", temos o livro "Gente Feliz Com Lágrimas" de João Melo. Niassa, o cheiro no porão a vomitado, urina, nafta e maresia, o nosso miserável regresso 27 meses depois...

(iii) Anónimo:

É uma entrevista? Um diálogo entre dois camaradas seniores com muita experiência de vida? A sua leitura entusiasma, todas as questões humanas, sociais, laborais, políticas, religiosas, de guerra, são abordadas com o realismo, a lucidez, a verdade, de quem é adulto e sabe que a vida é finita.

Virgílio Ferreira no livro "Manhã Submersa" retrata bem o pesadelo desses garotos de doze anos, sobretudo dos meios rurais do interior do país, sem liberdade religiosa e sem liberdade de expressão por imposição dos pais, dos professores, dos padres e dos governantes, quando entravam nos espaços limitados e claustrofóbicos dos seminários e ficavam privados da liberdade de circulação pelas ruas das aldeias e pelos caminhos de terra dos campos onde a sua natureza de potros selvagens se expandia e conseguia nesse contacto sem barreiras com a natureza mais agreste da Terra sacudir o peso de imposições familiares e sociais.

Passei lá um ano, os meus irmãos, três, também passaram por lá, eu confesso que foi o pior ano de "tropa" da minha vida. Quase todos os filhos de lavradores, pequenos, médios e até grandes, da minha aldeia, da minha geração e da seguinte, fizeram essa malfadado tirocínio. Também é verdade que a maior parte se não o fizessem ficariam para sempre a lavrar e cavar a terra. Dessas gerações nenhum saiu padre.

Porque como os outros que procuram fazer a paz com a consciência, a verdade e o passado, eu confesso que só fui para a Guiné, por falta de coragem. Digo falta de coragem, porque eu nesse tempo para lá de alguma agricultura pouco ou nada sabia fazer.

Fui para lá convencido de que era uma guerra perdida e admirei muito os que pensando assim deram o "salto". O espaço do Blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné é um espaço livre, ninguém dúvida disso. Eu gostaria que pelo menos alguns desses "fugitivos" fizessem alguns depoimentos neste espaço.

Muito obrigado ao Luís Graça e ao outro camarada quase anónimo, que eu desconheço, sou doutros anos. Fico à espera da segunda parte e doutras se quiserem.

(Comentário de Francisco Baptista, não assinado por lapso)

(iv) António J. Pereira da Costa:

Ainda gostava de saber por que é que o número de ex-seminaristas era tão elevado nas companhias.

Em 1968, em 4 alferes possíveis 3 eram ex-seminaristas e havia mais nas outras CArts do BArt 1896. Mais tarde, em Mansabá, dos 3 existentes um era ex-seminarista e bastante avançado nos estudos. Quando no encontrámos recentemente fiquei a saber que quando ele saíu do seminário, só lá ficaram 10.

Era uma "crise de vocações" ou a Igreja que tinha deixado de responder às necessidades espirituais das pessoas, neste caso dos jovens seminaristas e futuros padres?

Jogo nesta última hipótese à qual teremos de adicionar o ambiente sócio-psicológico que se vivia em Portugal e a conivência da hierarquia com "o sistema". Era frequente encontrarmos "dissidentes" e críticos, mas só na parte baixa da estrutura, como era o caso do capelão do BCaç 4612. Mas era um fenómeno inexorável a deserção do seminário. Claro que a "tropa" aproveitava-se... atiradores, com alguma tendência para liderar (que se aprendia desde o início no treino dos seminários) faziam sempre falta.

(v) Virgílio Teixeira:

Eu julgo, em resposta ao António Costa, que existiam muitos seminaristas nos batalhões e companhias, mas a nível de furriéis e alferes, devido à escolaridade, pois no seminário era fácil fazer o 5.º para furriel e o 7.º para alferes, e depois deram o salto do seminário porque cá fora já podiam ter uma vida melhor, com a escolaridade que trouxeram do seminário.

Não contavam, talvez, que iriam fazer uma missão bem pior na guerra, do que a de seminarista e depois padre. Se bem se lembram, nos anos 60 não havia assim tanta gente com escolaridade para as funções na tropa de furriel e alferes, o mesmo não se pode dizer do soldado raso, pois desta matéria não faltou durante uns tempos.

Sei alguma coisa, mas não muito, o meu pai também esteve no seminário, saiu com uma grande escola de vida, que nunca teria se não o metessem no seminário, mas pouco mais sei, porque ele sempre muito fechado, nunca se abriu muito sobre estas questões.

Eu próprio, poderia ser hoje um ex-seminarista, ou um ex-padre, pois quando acabei a primária, acho que o meu pai tinha ideia de me mandar para lá, só que eu era rebelde demais para isso, e entretanto como foi mobilizado para a Índia, em 1955, não houve tempo para essas formalidades, e quando voltou passados quase 3 anos já era tarde demais, e assim me safei dessa!

Estou a falar nisto pela rama, mas pormenores não os sei, era tudo muito fechado.

(vii) A. Marques Lopes:

Só uma observação: não considero que o meu "Cabra-cega" seja "romance"... Usei, eu próprio, um pseudónimo como autor e outro como personagem do livro, dei também nomes fictícios a outras personagens reais. Mas os factos são reais, não são romance.   (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18949: A galeria dos meus heróis (8): os seminaristas (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 23 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18912: Estórias do Juvenal Amado (61): Um pouco de todos nós - "Difícil foi libertar-me do abraço", por Carlos Paz

CICA 4 - 8.º Pelotão - Com o Aspirante Pimenta e o Cabo Miliciano Picado


1. Em mensagem de 3 de Agosto de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias, esta sob o pseudónimo de Carlos Paz.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

61 - UM POUCO DE TODOS NÓS

"DÍFICIL FOI LIBERTAR-ME DO ABRAÇO"

Um Conto por
Carlos Paz[1]

Movimentos ritmados, cadência entre a passada e a vara, picamos o chão à frente dos pés. O ar está seco, as botas levantam pequenas nuvens de pó, as gargantas suplicam por água, os sentidos ficam cada vez mais absortos, à medida que o cansaço provoca um tropel na marcha e a respiração cada vez mais audível. Ninguém fala, a mata cala-se à nossa passagem, só sinto um zumbido e o roçar da arma a tiracolo na anca, o calor faz-nos desfazer em suor que encharca o pescoço e a farda.
Quantos passos quantos compassos por hora, quantas gotas de suor se limpam com as costas da mão?
Só penso na hora do regresso, só quero descansar. Viro-me para trás, a fila alonga-se, os rostos ainda com barba mal semeada mas mesmo assim por barbear na sua quase maioria, estão deformados pelo esforço.
Quem nos reconheceria agora?
Quando pisámos o cais éramos praticamente crianças a boiar nos camuflados novos, agora passados nove meses, a cara tisnada, tensa e crespa, corpo dorido, olhos duros não parecemos os mesmos. O nosso aspecto acompanhou a degradação do camuflado, que está roto e com as cores desmaiadas.

******

Quanto tempo passou na verdade? Aqueles momentos parecem tão longe.
Em pouco tempo percorremos o espaço entre os bailaricos, das festas, dos namoricos e a idade adulta. Uma cavalgada desenfreada em que galgámos os dias e as noites num salto no tempo. Aceitámos sem revolta ir combater numa terra estranha e que da qual, só conhecíamos o que aprendemos na escola e pouco ou nada nos lembrávamos.
Tudo se passou rapidamente no implacável contar das horas, dias e meses. Quase sem darmos por isso, passámos da vida despreocupada, do convívio com familiares e amigos, para um mundo diferente no clima, nos costumes e cheio de armadilhas, umas imaginárias e outras, bem reais como rapidamente constatamos.
Por vezes tanto se dá correr como saltar porque as curvas, as escorregadelas e as pedras do caminho, estão lá à nossa espera. Depois de escorregarmos pareceu-nos tão simples, ficamos a pensar como não antevimos o obstáculo, como não nos desviamos a tempo, porque aceitámos inexoravelmente que não havia outro caminho, não questionámos quem nos mandou naquela direcção. Costuma-se dizer que não vale a pena chorar sobre leite derramado e é uma grande verdade.
Difícil foi libertarmo-nos do abraço, do inevitável, enquanto num fio de voz murmurava baixinho: “Isabel não me esqueças mas ajuda-me a libertar-me deste abraço e ajuda-me despedir-me de ti”.


******

Estações cheias, comboios apinhados de mancebos, fardas verdes, boinas castanhas, na sua esmagadora maioria destinos incertos, despejados em Sta. Apolónia, cais dos nossos medos. Com graçolas e risadas engana-se o aperto no peito e a ansiedade pelo passo seguinte.
No rio ali perto baloiçam navios e um deles abre os porões para nos engolir. Aperta-se a tenaz à nossa volta e para muitos a viagem vai ser uma descida aos infernos.
Só virão para cima às costas dos camaradas, tão doentes do enjoo, que facilmente se deixariam definhar e morrer naquele porão nauseabundo e fétido. Tudo ficou enevoado e esquecido, perante os dolosos incontroláveis arranques que vêm do fundo das suas entranhas e que lhes levam as últimas forças. Naquela atmosfera de humidade extrema e pegajosa, vomitam e urinam-se, sem forças para subir ao tombadilho onde instalaram as latrinas. Ninguém gosta de lembrar esses momentos em que o homem perde a dignidade e se dá ao abandono físico e anímico. Deixa-se de lutar, pois a cabeça não raciocina e o corpo deixa de ter vontade. A nossa juventude não merecia tal tratamento, tal falta de respeito, tanto desprezo.
Não enjoei mas estou com a cabeça levemente zonza pelo contínuo balançar do barco e o barulho em surdina dos motores, que se espalha pelo o porão abaixo do nível da água. Recordam-se os sorrisos e a trocas de olhares, as promessas mudas, o leve roçar dos corpos ao som da música, a respiração junto ao rosto que, tantas promessas encerram.

Ao largo da Madeira

A bordo do Angra do Heroísmo

******

Hoje ansiamos pelo dia do correio, onde esperamos reviver os dias brilhantes de romance contido, dos beijos mais ao menos tímidos, por isso mais saborosos na maravilhosa descoberta um do outro.
Naquele dia encontrámo-nos. Um e outro tinham a certeza nos olhos daquele amor reprimido. Não é sexo mas entrega, é paixão incontrolável num acto tantas vezes desejado, mas mesmo assim assumido com atracção irreprimível de promessa e dos segredos por desvendar.
O desejo explode com as caricias e beijos, os seios crescem para serem afagados, as bocas entreabrem-se, línguas tocam-se as mãos percorrem cada centímetro dos corpos frementes. Nada é calculado nada é previamente estudado. A natureza, o desejo vibra não há reserva, há necessidade de consumar de ir na corrente que nos leva para um doce abismo. Um soluço agudo a dor que desaparece como a dúvida, já nada nos faz parar é o assomo que nos transcende, que nos transforma num só.
É a beleza do momento consumado, universo alinhado, é a natureza que comanda que dita as leis, as dos homens e de Deus, ficaram esquecidas, pois só há lugar para nós dois, que ficaremos ligados para sempre a este momento mágico.
Por fim descansamos abraçados com a respiração ofegante, a realidade e os sons voltam pouco e pouco. Há uma felicidade pela descoberta, há algum receio pela consequência, mas nada nos pode tirar o que acabamos de sentir e viver. Está tudo mais belo mais humano mais florido o nosso segredo é um elixir para os sentidos.
O lugar vai ser repositório dos nossos encontros, catedral dos nossos arrebatamentos e fortaleza do nosso amor. Não deixa de haver algo trágico e belo nos encontros e nas despedidas.
Depois acorda-se e é preciso encarar a vida, a dor e a separação que nos espera, como que à esquina, sem apelo sem queixume e sem justificação.
Era o dever, disseram.
O carteiro vai saber o nome do remetente de cor e salteado, tantas vezes escrito e lido. Vai fazer de arauto a cada nova carta e também vai reparar, no dia que não houver nenhuma.
O correio só sai duas vezes por semana e só nessa altura recebemos também as cartas dos nossos. Há um desfasamento de datas entre o seu recebimento e a resposta, o que por vezes confunde.
No meio da parada, sob Sol escaldante gritaram o meu nome e apressei-me a receber aquele envelope tão simples, mas que tem o teu cheiro, que foi tocado por ti e ao tocares-lhe, o transformaste num bem mais preciso que o ouro, mais resistente que os diamantes, água que transborda límpida e fresca, que sinto correr pelos meus sentidos, que me dá vida e transporta para fora dali onde o Mundo é porventura perfeito.

“10 de Outubro 1972
Jorge meu amor
Espero que estejas bem de saúde, que eu cá vou andando com muitas saudades e à espera do passar dos dias em que te voltarei a abraçar, a beijar e tornarmo-nos um só novamente repetidamente. Até durmo com a tua fotografia a que dou mil beijos logo de manhã. Bem sei que é preciso ter paciência mas o desejo de te ter, faz os dias dolorosos que não vejo o fim deste castigo.
Meu querido são tantas saudades tuas que até doem. Ontem recebi várias cartas tuas pois o correio anda com atrasos.
Entre a fábrica e os afazeres em casa, só fica para mim o tempo em que leio e releio as tuas cartas. A tua recordação mantém-me os dias. Gostei de saber que não vais mais para o mato e que ficas impedido no quartel, só não percebi bem porquê e a fazer o que vais fazer.
Os teus colegas perguntam-me por ti sempre.
Ouvi dizer que que José António também vai para aí. Se for verdade vou-lhe pedir que te leve alguma coisa de que precises".


A caixa vai enchendo com as cartas, aerogramas e fotos. Todos guardam ciosamente o seu correio e é doloso quando a má sorte bate à porta de algum camarada. Ao juntarmos os seus pertences, a sua correspondência recebida em que as ultimas cartas já não terão resposta. “Meu querido
Nas últimas fotos que enviaste, vi que deixaste crescer o bigode e gosto de te ver com ele, mas não gostei de ter ver agarrado à rapariga negra. Vê lá como te comportas e não mandes mais fotos dessas. As minhas colegas gozam comigo e dizem que tu andas para aí só metido com essas mulheres”
.
Como viveremos depois de passar pelo que vimos e as provas a que fomos submetidos? A mentira de que está tudo bem, que não vamos mais para o mato, é recorrente para sossegar os nossos entes queridos.
Não há impedimentos para tantos, assim, só nos livramos das colunas e patrulhas quando estamos doentes.
Alguma coisa secou em nós só se mantém viva a esperança do regresso, mas como ainda falta tanto não se pensa muito nisso. Dizem, que o verdadeiro medo começa quando se acredita que estamos prestes a deixar para trás aqueles caminhos. Aí pensamos duas vezes no que vamos fazer e onde nos vamos meter.
Isabel meu amor, o que eu não daria para estar contigo, abraçar-te, sentir as tuas mãos, cheirar o teu cabelo, fazermos amor e esquecer tudo ao nosso redor. Por vezes julgo ouvir-te, sinto a tua cara molhada contra a minha na hora da despedida, a tua recordação é como um bálsamo que me acompanha a todas as horas, quando estou acordado penso em ti e quando durmo só quero sonhar contigo.
“- Jorge meu amor aqui as notícias não são boas sobre o que se passa aí, mas tu dizes que está tudo bem e não sei em que acreditar. Se correres perigo diz-me por favor.”
A caminhada parece não ter fim, o calor cada vez aperta mais. Por fim há ordem de parar e descansar, mas não abandonamos a picada uma vez que é perigoso sairmos dela. As armadilhas são um tormento.
Troco um lata de corned beeff por uma de cavala em óleo com o Lopes. A carne em pasta enlatada dá-me vómitos. O Sol a pique, por isso só existe sombra fora do caminho debaixo de umas árvores, mas quem é que se arrisca a ir para lá?

"- Jorge ontem estive com a tua mãe, que se queixou de não escreveres. Quase tive acanhamento de lhe dizer que recebo carta tua, uma por cada dia. Por um lado esconder-lhe isso, seria preocupá-la mais, assim sabe por mim que tu estás bem.”

Falámos pouco pois mantivemos as distâncias da marcha.
- O que ia agora era uma cervejinha fresca - murmura alguém que no fundo diz o que todos pensamos.
Foi breve o descanso, há que retomar a marcha, cada vez mais perigosa pois há muito deixámos zona mais ao menos segura e encontrar alguém será com certeza hostil. Volto a pensar na casa, lembro os sítios e as pessoas, as mesas de refeições onde estão os meus pais e irmãos, a Isabel a sair da fábrica com o seu passo rápido, jovem e sensual e eu que tudo fazia para me encontrar com ela. Parecia impossível que ela para mim olhasse, que finalmente correspondesse aos meus sentimentos.

- “Tenho tantas saudades que até doem, sonho com os teus beijos e quando estamos juntos. Acordo de noite com pesadelos em que não voltas para mim, por favor diz-me que me amas e que nunca me deixarás”

******

É de esperar sempre o pior, mas quando acontece é um choque, a dúvida e terror instala-se, o bafo da explosão chega até mim. Mergulhamos em busca de protecção com terra a cair por cima de nós, alucinados de arma pronta. O coração bate desordenadamente ameaça sair-me pela boca. Ouvem-se gritos que abafam o estrondo da explosão, rasgam o silêncio em que o eco se vai desvanecendo. Momento mil vezes temido acontece sempre quando nunca se espera e nunca se está preparado para isso. Nada será igual daí em diante. Este momento lembra-nos que podia ser qualquer um de nós. Gritos e mais gritos misturam-se com o medo o calor e suor. Cheira a pólvora e sangue.
Pisou uma mina. Está sem pernas. Já deixou de gritar e nada podemos fazer por ele a não ser lembrá-lo, até que o tempo esmoreça o seu rosto quase irreconhecível, a sua farda em farrapos, a sua cama vazia, a última cerveja bebida o cigarro que ardeu até queimar os dedos. Quantos mais terão de morrer?
O Santos morreu, mas ninguém morre de imediato para toda a gente ao mesmo tempo. Neste momento só morreu para nós, daqui a umas horas, a notícia da sua morte atravessará o oceano, atingirá a sua aldeia os seus pais, mulher, amigos e conhecidos. Até lá o Santos estará vivo. Está em contagem decrescente até que o eco da sua morte se junte com a notícia do facto consumado.
A mulher, talvez ainda esteja a escrever a derradeira carta que porá na caixa do correio. Esta viajará milhares de quilómetros sem encontrar destinatário, voltará pois às mãos dela que a receberá de volta mais dia, menos dia, pois o tempo deixou de ser importante. Olhará para ela e a dor atingirá mais um degrau e a certeza cavará um buraco no seu peito, a lágrimas rolarão como ácido a queimar as faces, o grito de animal ferido partirá para o vazio que sente. Depois, abraçará o filho de ambos e deixará que o seu calor e a doce respiração faça amainar a sua dor.
Suamos em bica, as moscas e mosquitos fazem nuvem sobre nós, despejo um pouco de água sobre a cabeça com o cantil. Está quente mas mesmo assim tenho que a poupar, pois só teremos água quando regressarmos. A mata agiganta-se ameaçadora, parece que nos vai engolir a qualquer momento sem que possamos fazer algo para o impedir.
A mala com os pertences dele será enviada à família.
O corpié, o serviço de chá e o robe chinês, comprado no “Libanês”, para os dias felizes, serão os bens materiais a que se juntarão as cartas da mulher as fotos dela e do filho que ele só conhecia por elas, que cuidadosamente exibia em cima do armário improvisado ao lado da espingarda, cartucheiras e granadas de mão.
Estava tudo igual como estava ontem e anteontem em perfeito estado, ele é que já não serve, como escreve o poeta[2]. Fazia parte do plano dele para o seu futuro agora perdido irremediavelmente.

[2] - Fernando Pessoa no poema “O Menino de Sua Mãe”

Dirão as velhas da aldeia na sua simplicidade que não tem remédio, remediado está, que foi o destino, ou a vontade de Deus, que no fundo acaba por ter as costas largas para servir de ónus para todas as culpas, que resultam da estupidez humana.
O cemitério será local de visita semanal. Ele na sua inocência brincará à volta das campas, quando a mãe ali for depositar flores e cuidar da última morada do marido. Dir-lhe-ão que o pai foi para o céu e seus olhitos responderão com a incompreensão da inocência.

******

É o quinto morto. Vêm-me à lembrança os outros quatro. O primeiro de acidente, os outros três ceifados num ataque com morteiros ao destacamento.
Também eles tinham muitas cartas começadas por meu amor.
A galeria de rostos cresce, morre-se naqueles sítios perdidos quase sem nome, o local só perdurará na nossa memória e a certeza de que nada ali vale um pingo das nossas lágrimas, nem do nosso sangue.
Cresce com a dor e esgotamento físico.
Tento dormir, a mata tem barulhos próprios que parecem passos, perigos iminentes, rastejantes e sombras que estão à espreita. Estou alagado em suor, mas sei que vou ter frio sobre a madrugada, ponho o pano de tenda e o mosquiteiro por cima da cabeça e das costas para ficar mais confortável e em vão tento dormir. O amanhecer traz a luz que afasta as sombras fantasmagóricas, que parecem espiarem-nos durante toda a noite mal dormida e a certeza de outro dia a caminhar sob Sol escaldante.
Vamos regressar ao destacamento pois já ali não estamos a fazer nada. O rebentamento da mina denunciou-nos e perdeu-se o efeito surpreso da operação. O que estamos aqui a fazer tão longe de casa?
Faltam 16 meses, bebo água que refrescou durante a noite e como a ração de combate sem prazer. É hora de voltar a caminhar, não interessa para onde. É penoso voltar a caminhar sem saber bem onde pôr os pés. Se caminhasse para regressar aos teus braços até voaria.
As viaturas com escolta vêm ao nosso encontro, e é com algum regozijo que nos afastamos dali. A natureza cumprirá o seu designo de apagar rapidamente os vestígios que a tragédia deixou no local. Se alguma coisa fizesse sentido, ali e em muitos lugares da Guiné, nasceriam flores ou ervas cor de sangue.
Lá na terra, a família e amigos podiam pôr flores ou ergueriam mesmo pequeno monumento, onde se podia pôr uma vela a arder, mas aqui, o momento ficará para sempre na memória de quem o viveu.
Finalmente acendo um Português Suave, aspiro fundo o fumo e o cheiro a gasolina do isqueiro, e solto grossa coluna de fumo. Sinto uma leve tontura e, ao dar-me tosse, lembro-me das ordens do médico para deixar os cigarros, pois tenho os brônquios em mau estado, mas quem se preocupa com o perigo do tabaco, quando corre tantos perigos todos os dias?

******

No destacamento as conversas são parcas. A morte do camarada pesa no pensamento de todos. Bebe-se o que há, é preciso ficar dormente e assim conseguir dormir, esquecer, distanciarmo-nos do doloroso momento, do cheiro do estrondo e do medo. O tempo dele a sua recordação, pouco a pouco, dará lugar ao nosso tempo e esse, trará uma forma de esquecimento ainda parcial, ainda assim latente.
O último aerograma que a Isabel me mandou está ali aberto, está inalterável, nada mudou no que lá está escrito e nada mudaria, se o morto fosse eu.
Deito olhar às linhas escritas, não me confortam como seria natural. Há demasiado horror nas pernas decepadas, no rosto há tantas interrogações, há tanta dor e ansiedade, sentimo-nos impotentes para mudar o que se quer que seja. Tento dormir mas vai ser sempre em sobressalto. Os tiros que as sentinelas dão, quando vêm alguma coisa a mexer na escuridão da orla da mata, ou simplesmente para espantar o sono, fazem-me sentir menos só naquele momento.
O que é feito da aventura, da vontade de conhecer outras paragens? Não sabíamos que o preço seria tão alto, que demoraria o resto da vida a pagar.

Dulombi - Monumento de homenagem aos Mortos

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Meu amor, quando regressar caminharemos na areia molhada, sentar-nos-emos a ver o mar, sentiremos o nevoeiro a envolver-nos e propagar o ruído dos comboios a quilómetros de distância, o cheiro das ervas molhadas, ouviremos de madrugada os homens que partem para azáfama dos campos, os cães a responderem uns aos outros, as sirenes das fábricas, todos estes ruídos insignificantes do dia-a-dia, são o ruído que a paz tem e serão música para os nossos ouvidos. Este pensamento aviva-me as saudades, pudesse eu deitar-me nos teus braços e chorar os dias e as noites longe de ti, talvez esta dor desaparecesse e eu fosse finalmente salvo.

-“Meu querido. 
Por hoje é tudo. 
Recebe mil beijos com muita saudade desta que te ama mais que tudo, e conta os dias e horas para ter novamente junto de mim. 
Recebe muitos beijos 
Sempre tua 
Isabel” 

[1] - Pseudónimo de Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18884: Estórias do Juvenal Amado (60): O azar das margaridas

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18907: Estórias de Bissau (19): O Pilão e o Chez Toi que eu conheci... (António Ramalho)... Comentários de Valdemar Queiroz, Virgílio Teixeira, Costa Abreu e Juvenal Amado sobre o primeiro "night club" que abriu na capital guineense...

1. Mensagem de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757:

Data: 4 de agosto de 2018 às 10:58
Assunto: O Pilão e o Chez Toi!

Caro Luís, bom dia!

Cada dia,  o bloque que, em boa hora criaste,  me enriquece pela qualidade e conteúdos nele inseridos, fazendo-me recordar temas que o tempo não conseguiu apagar sendo  interessante motivares a sua lembrança. Relembro alguns factos:

(i) Foi no Pilão que pratiquei o meu "primeiro acto social" aquando da minha chegada a Bissau, levado por um célebre taxista, João Kabala!

Foi lindíssimo, pele sedosa...  memórias que guardo com muita graça já que nos preliminares do encontro a avó se retirou da sala de estar,  levando consigo... o penico!

(ii) No Chez Toi, versão francesa, Gato Preto,  versão guineense, há um pormenor que ainda hoje me arrepia,  que era o facto das raparigas ficarem "encurraladas" na cave durante o dia, uma tristeza!

Todavia nunca assisti a cenas desagradáveis como a que referes (*).

Era um pequenino oásis onde nas poucas vindas a Bissau nos esquecíamos do resto...

Tinha um camarada de Engenharia que tudo fez para conseguir retirar uma daquelas raparigas daquele degredo para irem almoçar... Fartou-se de namorar, nunca o conseguiu. Tinha um vestido lindíssimo em seda para lhe oferecer no dia do repasto, mesmo assim teve dificuldade em fazê-lo chegar à destinatária!

(iii) Uma noite, em Lisboa, fomos tomar um copo à Tágide, ironias do destino, reencontrou-a lá!... Estás a imaginar a cena?!... Foi uma festa, até as paredes abanaram, e a Ponte Salazar também, naquele tempo, presumo eu!

Um forte abraço para ti, extensivo a todos os camaradas da Guiné.
António Fernando Rouqueiro Ramalho


2. Comentários ao poste P18895 (*)

(...) Excelente narrativa, até parece que estamos a ver um filme em que é abordado toda a envolvência histórica daquele tempo, incluindo a zaragata e apenas faltou saber como estava vestido o tipo com o bioxene. Excelente guião para um filme. 

Interessante também é eu ter estado por várias vezes em Bissau, duas vezes para vir de férias, uma para entregar material usado e outra a aguardar transporte para Nova Lamego depois de estar internado no Hospital devido a uma grave infeção numa perna, e não conhecer a Chez Toi e agora não me lembrar de sequer ouvir falar. Ficava sempre numa Pensão, na rua do Serviço de Meteorologia, em que tudo era da tropa e até faltava a almofada da cama. (...)


(ii) Virgílio Teixeira:

(...) Eu que já disse que conhecia tudo, e volto a dizer o mesmo, no Pilão em particular, dada a minha facilidade e autonomia de transporte aliada à minha loucura, não sei mesmo onde ficava, ou se já existia no meu tempo [1967/69] o Chez Toi. Não estamos a confundir com 'A Meta' ? (...)

(...) Ando a marrar no Chez Toi, se ele existia no meu tempo eu tinha de conhecê-lo. Em que ano/mês terá sido aberta esta Boite? (...)


(iii) Juvenal Amado:

(...) O meu amigo de infância e dos bailaricos José António prestava serviço na companhia de Transportes de Bissau. Quando fui de férias, o meu amigo conseguiu arranjar um beliche na sua camarata e assim demos uma volta pela a noite de Bissau e passamos à porta do Chez Toi. Não entrei e as estórias que contavam sobre o estabelecimento eram repletas peripécias. Dizíamos por graça que estava para chegar a rendição, para as que lá estavam, no próximo navio. (...)


(iv) Júlio Costa Abreu:

(...) Lembro-me bem do Chez Toi. O dono/gerente era empregado da casa Pintozinho e estava amigado com uma cabo-verdiana do Pilão. Quanto à Meta,  era do Geraldes, dono da casa de fotografia que ficava na mesma rua do Chez Toi e era casado com a Natália que tinha uma pensão junto a casa da fotografia. (...)
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terça-feira, 31 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18884: Estórias do Juvenal Amado (60): O azar das margaridas



1. Em mensagem de 13 de Julho de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO


59 - O AZAR DAS MARGARIDAS

Juvenal Amado

Costumo dar umas voltas a pé aqui pelo sítio onde moro. Umas vezes aproveito para ir à farmácia, ou supermercado, levar ou trazer coisas da costureira. Umas vezes vou sozinho de auscultadores para ouvir a Antena 1, outras com a minha mulher porque é sempre bom fazer estes passeios acompanhado.

Gaivotas e pombos cruzam os céus, em comparação não vi andorinhas por aqui este ano.

À medida que passo pelas ruas da primeira cidade de Abril vou apreciando como é diferente dos sítios onde morei. A falta de limpeza das ruas motivado pelo excesso populacional, a falta de civilidade que raia o incompreensível com papeis, plásticos, que redopiam ao vento e se espalham pelas ruas e caneiros.

Mas a riqueza étnica com que nos cruzamos a cada passo, dá-nos a ideia que é viver a par com África. Ao envelhecimento da população branca respondem a quantidade de crianças e jovens negros, ciganos de origem romena, brasileiros, etc.

No trabalho de jardinagem são as mulheres negras bem como nas limpezas, nos cafés, restaurantes são brasileiros e os chineses tomaram conta do comércio de bairro, indianos pequenas mercearias, quanto aos romenos para além de terem filhos com fartura não sei o que fazem na verdade, mas são felizes nas suas vidas pouco sujeitas a imposições sociais.

Nota-se pelos costumes que há populações oriundas da Guiné, de Cabo Verde e Angola. A par de velhos com olhar perdido talvez de melancolia, é engraçado ver passar crianças com o cabelo às trancinhas, com contas coloridas nas pontas e algumas mães com os filhos nas costas tipo Racal, hábito bem conhecido das Fulas. Nos adolescentes imperam os hábitos importados dos states, com roupas e bonés tipo rappers, que publicitam clubes futebol americano ou mesmo de basebol, coisa que por cá é um “ignoro”, mas modas são assim e não vale a pena pôr mais na escrita.

No meu prédio, uma moradora queixava-se do barulho que a vizinha de cima fazia logo de manhã a batucar. Dizia a queixosa para a outra, que não sabia o que ela fazia para provocar aquele barulho. Pensei para mim, que talvez a tal vizinha confeccionasse alguma coisa no pilão ou estivesse a fazer “funge” (acompanhamento típico angolano) para o marido e filhos.

Aos Sábados de Sol coisa que tem andado arredada, é ver a criançada a jogar à bola aqui no pátio na linha de prédios, que noutros tempos foi resguardado, para que hoje haja um local onde os carros não entram. Mas não há bela sem senão, pois no resto-chão mora uma velha, que de bengala em punho, qual condestável, entende que ali não é sítio para jogar a bola e passa a vida a ameaçar a garotada com a policia e com a bengala. Bem, o policiamento da velhota não é bem encarado por todos e já resultou em troca de galhardetes entre aos prós e os contra sem Fátima Campos a moderar os debates.

Estes lugares vulgo florestas de cimentos, que há quase cinquenta anos afastaram muitos lisboetas da sua cidade com promessas de melhores condições de alojamento na periferia, onde puderam comprar apartamento, onde criaram os filhos e hoje alguns cuidam dos netos, bem felizes uns e outros. Na verdade há um tempo para tudo mas não deixam de ser efectivamente cimento e mais cimento, não é fácil viver em especial para os mais velhos que vivem sozinhos, por vezes em equilíbrio instável.

Mesmo assim é visível o esforço da Câmara Municipal no cuidar dos poucos espaços com relva.

Hoje, quando passava, vi que com a relva brotam milhares de margaridas com as suas cabecitas amarelas e pétalas brancas. Se lhes dessem tempo também algumas papoilas tingiriam o verde de vermelho empoleirado nos seus delicados caules pretos.
Mas as cidades são normalmente desprovidas destes pruridos e à mediada, que também não se condoem com as necessidades individuais de cada um, também as flores, que teimam nascer livres e selvagens, têm os dias contados. Quando regressei a casa e passei pelo jardim, vi que tinham andado a cortar a relva. Pensei como era diferente ver, como ainda se vê, nas pequenas cidades e vilas os terrenos baldios polvilhadas de flores silvestres, como quando íamos para a escola e apanhávamos e sugávamos a sua seiva avinagrada.

A relva tinha sido aparada e as margaridas tinham sido erradicadas no “holocausto” jardineiro e só se viam os caules em pé misturados com a relva aparada.

O tempo é severo, vai e não volta e também passou o tempo das “margaridas “ só que elas renascem sempre, quanto a nós há várias opiniões não condicentes.

Um abraço
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18300: Estórias do Juvenal Amado (58): Histórias com Pharmácias

quinta-feira, 8 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18390: Blogpoesia (557): No Dia Internacional da Mulher - "Mulher", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > Beldades de Fulacunda: bajudas biafadas... Pensando nas mulheres, em todas as mulheres do mundo, e em especial, neste Dia Internacional da Mulher, de todas aquelas que são (ou  foram) vítimas da Guerra, Mutilação Genital Feminina, do Casamento Forçado, da Rapto e da Violação, do Assédio Moral e Sexual, da Violência Doméstica, da Discriminação com base no género, na idade e na cor, da Intolerância Política e Religiosa, etc., etc., etc.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em mensagem de ontem, 7 de Março de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos este poema, a propósito do Dia Internacional da Mulher que hoje se celebra.

Olá Carlos e Luís,
Aproxima-se o Dia Internacional da Mulher. Aqui vai um apontamento. 
Celebrar a mulher é um prazer e não sabem aquelas culturas que a segregam, que a querem menorizar como individuo, a grande alegria que elas nos dão com a sua companhia e partilha. 
Há dias a Sara Tavares disse que o sorriso era a parte mais bonita do corpo humano. Como podem em certos países obrigar a esconder esses sorrisos? 

Um abraço
Juvenal Amado


MULHER 

Mostra um lindo sorriso 
Põe uma flor no cabelo 
Veste o teu melhor vestido 
Solta a rebeldia 
Grita bem alto a tua condição 

Esquece as dores nas pernas 
As mãos maltratadas 
O transporte público incómodo 
O assédio na fábrica 
Ri-te com desprezo de quem não te respeita 

Porque o teu rosto nos ilumina 
Mostra o teu poder 
Não deixes que te ignorem 
Sai para a rua 
Reclama-a como tua 

Assume-te de corpo inteiro 
Canta aquela canção em voz alta 
Celebra que este é o teu dia 
Tu és a alegria dos nossos dias 
Exige que eles sejam todos teus 

E salta para o palco da vida 
Dança como uma bailarina em pontas 
Salva-nos com a tua magia 
Mostra-nos o teu sorriso 
E transforma o cinzentismo em vibrante cor 

Juvenal Amado 
8 de Março 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18377: Blogpoesia (556): "Devasso minha alma...", "Moinho de vento", e "As regras...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18361: Blogpoesia (555): "Simplesmente um homem", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872



1. Em mensagem de 23 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos este poema.


SIMPLESMENTE UM HOMEM

Olhem para o Homem
Não um ser incorpóreo
Não transparente
Mas sem forma precisa
Universal!

Um misto de todos os homens
Passivo e contemplativo
Ora agressivo e destruidor
Insaciável e benemérito
Misto dos tempos que correm
Mistura de uma alma antiga

Receptáculo dos antepassados
Continuidade justificável do presente
Única garantia da sua ascendência
Esperança na descendência

Não apagou o seu percurso
Trilhou o caminho, caminhando
Escravizou e recusou ser escravo
Fecundou a Terra
Nela gerou a continuidade

Viveu nas trevas mas via
Encandeado pela luz, ficou cego
Não decifra o que ouve
Não vislumbra o que vê
Na idade da razão pensou ter certezas
Certezas e enganos iludiram-lhe as passadas

Tropeçou…
Levantou as mãos em busca da salvação
Ignorante, destruiu a paisagem
Quer o regresso da Natureza
Busca a salvação
Efémero
Nunca procurou a solução

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18353: Blogpoesia (554): "Pedra Maria", "Feira das ideias...", e "Filho da natureza...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728