Mostrar mensagens com a etiqueta LFG Orion. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta LFG Orion. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1526: Em louvor do comandante Vitor Junqueira (Lema Santos)


Guiné > 1971 > Excerto do Relatório da Operação Larga Agora, em que participou o Vitor Junqueira, enquanto comandante de 2 Grupos de Combate da sua açoriana CCAÇ 2753...


Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Manuel Lema Santos (ex-1º TEN RN 1965-1972. Guiné, NRP Orion, 1966/68)

Assunto - Todos portugueses, mas uns mais do que outros...

Caro Luis Graça,

Relativamente ao post publicado (1), permite-me uma pequena observação sobre a palavra chão.

Comecei a ouvi-la em miúdo nos longos dias de férias grandes que passei durante anos de estudante, na aldeola de naturalidade de meu pai, na serra da Estrêla, nos contrafortes do Côa.

Dizia-se de um bocado de terra, muitas vezes uma pequena horta, vinha, etc., dito até por forma a retirar-lhe qualquer possível significado de grande haver como que quem diz: ainda para lá tem um chão... Depois, como tu e tantos outros milhares recordei-a na Guiné.

Aproveito a oportunidade para cumprimentar o Vitor Junqueira, pessoa a quem, sem rebuço, manifesto o meu apreço pela forma desafrontada e fluente como habitualmente expõe uma linha de pensamento pessoal e, sobre diferentes etnias em Portugal, quem melhor que os alentejanos para se preocuparem? O meu BI não me permite a veleidade de esquecer que sou de Sant' Alêxo da Restauração, encostado a Barrancos, e que a minha avó era espanhola.

Não resisto a um desvio lateral para perguntar ao Vitor Junqueira se, e quem melhor que ele, tem na lembrança uma operação denominada Larga Agora , no Tiligi, que bateu as zonas minhas mais que conhecidas do Tancroal, Leto e Concolim, na Região do rio Cacheu, de 13 a 15 de Junho de 1971.

Para lá de muitos outros meios do Exército e Força Aérea, estiveram presentes os Destacamentos de Fuzileiros Especiais DFE12, DFE4 e DFE13 e mais que uma LFG, das tais.

Tudo isto veio ao meu encontro no meio de muitas pesquisas que tenho efectuado e não tenho resistido a efectuar algumas recolhas curiosas de que junto um pequeno retalho, esperando que o Vitor Junqueira me desculpe a ousadia de expor este retalho.

Deambulações...


Um abraço,
Manuel Lema Santos

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Lema Santos, tão português dos quatro costados como eu e o resto dos tertulianos: Eu não sei se o Dr. Vitor Junqueira vai gostar da partida do Eng. Manuel Lema Santos. Chamar-lhe-ia antes inconfidência, em vez de partida. O Vitor, de facto, pelo que já lhe conhecemos, não é homem para puxar dos galões nem muitos menos se gabar dos feitos valorosos em combate... E muito menos ainda paar contra estórias de fanfarronices.

Mas acho que fizeste bem em trazer, até ao nosso blogue, uam cópia desse pequeno pedaço de papel em que se fala do nosso camarada e se louvam as suas capacidades de comando e liderança... "Calma absoluta, clareza e rapidez de decisão", por parte de um comandante, e liderança de "equipas coesas e conscientes da sua missão" eram atributos que, infelizmente, faltavam muito, a todos nós, a começar pelos oficiais, do quadro ou milicianos, que nos comandavam, do ar, da terra e do mar... E, se não chegaram para , só por si, ganhar a guerra, foram de certo decisivos para podermos trazer de volta, até casa, sãos e salvos, muitos dos camaradas que combateram connosco ou sob as nossas ordens... Pensando bem, acho que ele vai ficar agradavelmente surpreendido - e até grato - pelo teu gesto de bom camarada. (LG).

__________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1523: Todos portugueses, mas uns mais do que outros ? Expressões micaelenses (Vitor Junqueira)

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: NPR Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > Fevereiro de 2005 > A viagem de todas as emoções, começada pelo Paulo Santiago em Fevereiro de 2005, continua no nosso blogue... Hoje, reconstituindo, por exemplo, um raide nocturno ao Pilão... Uma noite de copos em Bissau era um dos poucos luxos que um tuga , a caminho do mato, se podia permitir: não eramos santos nem heróis, também não eramos meninos de coro nem escuteiros... Tínhamos vinte anos, muita adrelina, muita vontade de viver e nenhuma de morrer... Em Bissau, longe do Vietname, como eu costumava escrever...no meu Diário de um Tuga (*).

1. Na minha companhia (a CCAÇ 12) tínhamos uma espécie de acordo tácito, nós, os milicianos e o sargento Piça, que nos arranjava a guia de marcha.

Todos os pretextos era bons, médicos ou não médicos, para se fugir do Vietname: o mais vulgar, era ir a Bissau mudar o óleo (sic), tratar dos dentes, arranjar os óculos, ir a um consulta hospitalar, marcar a tão sonhada viagem de férias à Metrópole, beber uns copos, comer umas ostras e uns camarões, enfim, espairecer as ideias… De quem andava por Bissau, assim sem destino, dizia-se que estava ou era desenfiado... A verdade é que não havia muito mais sítios para um gajo fugir à merda da actividade operacional...

Obrigado ao Paulo por esta estória de copos - que felizmente acabou em bem (afinal, eramos todos bons rapazes e não nos comportávamos como ocupantes...) - e sobretudo por nos reconstituir o roteiro de Bissau by night... Na Orion, nunca pus os pés, mas a chungaria do Chez Toi e a tabanca grande do Pilão tive que as conhecer... Aliás, para além das ostras, dos copos e das verdianas, o que é que havia mais em Bissau ? (1)... Seguramente, que muito mais: nós é que não tivemos tempo (nem imaginação) para o descobrir...

Os protagonistas desta estória são o Paulo e os seus amigos: o comandante Rita, da Orion; um tenente da reserva naval, Alves da Silva; o Martins Julião, nosso tertuliano, alferes da CCAÇ 2701; mais o Cap Tomás, ajudante de campo do Com-Chefe...

 Se quisermos, devemos ainda acrescentar à lista mais três figurantes: o automóvel da D. Helena (Spínola); um alferes em fim de comissão, o Domingos; mais um tenente dos comandos, o Oliveira... Como amigos que são (ou eram) do Paulo, não são (ou não eram) gente de cerimónia... Além disso, são pessoas públicas e o Pilão era o mais público dos sítios públicos de Bissau... Enfim, uma estória que, naquela época, bem se poderia ter passado em Lisboa, entre o Cais do Sodré e o Bairro Alto... Uma estória, em todo o caso, digna de figurar numa antologia (portuguesa) das crónicas dos bons malandros... (LG)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 1971 > "Na foto junta, eu e o Tomás estamos bem direitinhos... era de manhã" (PS)... O Cap Tomás, de pingalim, está atrás de Spínola, a quem o Paulo Santiago bate a pala.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O Caco - alcunha por que era conhecido o Com-Chefe - passa revista. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.




Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > NRP Orion > O comandante Rita, "um grande homem, um grande comandante", na opinião de Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73). Na foto, vemos os dois na ponta do navio, a navegar no Cacine. O Cmdt Rita está em segundo plano. O Lauret segura os binóculos.

Foto © Pedro Lauret (2006) . Direitos reservados.


2. Continuação da série Estórias de Bissau (**)

Uma ida ao Pilão

por Paulo Santiago


Foi aí por volta de 30 ou 31 de Março de 1972 que os acontecimentos se passaram. Estava eu em Bissau, de passagem, para mais um mês de férias na Metrópole, embarcava no avião da TAP em 2 de Abril.

O NRP Orion (***) foi onde jantei naquela noite, a convite do Comandante Rita, sendo também convidado oTen RN [reserva naval] Alves da Silva, conhecido entre nós pelo petit-nom de Eduardinho. Não me lembro da ementa, mas foi excelentemente acompanhada pelos belíssimos néctares existentes na garrafeira daquele navio.

O Martins Julião estava em Bissau a chefiar a comissão liquidatária da CCAÇ 2701 [, Saltinho, 170/72]: sabendo que me encontrava a bordo da Orion, apareceu no fim de jantar, ainda a tempo de beber uns uísques.

Por volta da meia-noite, ou ainda mais tarde, resolvemos ir ao Chez Toi, um cabaré chungoso, o que se chama agora casa de alterne. Apanhámos um táxi no porto e lá seguímos para a má vida. O Rita, como habitualmente, ainda poderia beber mais uma garrafa nas calmas, eu, o Alves da Silva e o Julião já estávamos um pouco mal tratados. O cabaré estava repleto, já não cabia mais ninguém. Convencemos o empregado a trazer-nos uma Old Parr, mais quatro copos e ali ficámos encostados ao muro a dar conta da garrafa.

Subitamente chega um carro em alta velocidade, Peugeot 404 preto, que faz uma travagem maluca ali em frente, e donde sai o Cap Tomás, ajudante do Caco. Vinha bastante encharcado, mas deitou a mão à nossa garrafa bebendo uma boa golada. A única pessoa que ele conhecia bem era o Rita. Queria ir para as gaijas, não sei fazer o quê, naquele estado. Convenceu o Comandante e lá entrámos os quatro para o 404, era o carro da D. Helena [Spínola], onde o único meio sóbrio era o meu amigo Rita.

Seguimos em direcção ao Pilão, com o Tomás a fazer uma condução à maluca. Falou numa cabo-verdiana que nenhum de nós conhecia, que ficaria perto da casa da Eugénia, essa conhecia eu bem. Corremos imensas ruas e ruelas do Pilão, eram tantos os saltos que o carro dava que o Rita já dizia estar a apanhar mais pancada que numa tempestade no mar. A determinada altura, uma das rodas do carro cai num buraco com grande violência, ouve-se um barulho de latas e ficamos com menos luz. O Tomás pára o Peugeot e símos para verificar o sucedido. Com a pancada, um dos faróis saltara do encaixe, ficando virado para o solo, preso pelos fios de ligação.

Nenhum problema, continuamos às voltas, à procura das gaijas que nenhum conseguia dizer onde ficavam e o farol acabou por cair, ninguém soube onde. Aí pelas três da manhã, chegamos a um local do Pilão onde se encontrava um grande aglomerado de pessoas, em estado de grande exaltação. Paramos, saímos do carro e vemos no meio daquele maralhal o Alf Mil Domingos, de braço engessado ao peito, prestes a levar, na melhor das hipóteses, uma grande carga de pancada.

O Comandante Rita, graças à sua estatura, vai furando, connosco atrás até chegarmos
ao Domingos, também de cabeça perdida. O que se passara?
- O caralho do Oliveira trouxe-me para aqui, bateu à porta daquela gaja, ela diz que está ocupada, o cabrão manda um pontapé na porta, rebenta-a, a tipa grita, começa a juntar-se este maralhal e o gajo deixou-me sózinho.

Foi complicado acalmar aquela gente mas conseguiu-se. Foi mais um passageiro para o maltratado 404. O Tomás ficou no Palácio e, nós os cinco, viemos beber mais um copo ao Orion. O Domingos embarcava nessa manhã para Lisboa, em fim de comissão.

PS - O Oliveira era Tenente dos Comandos. Pertencera à 26ª e estivera em Fá com o Miquelina Simões a formar a 2ª CCA [Companhia de Comandos Africanos]. O Domingos fora Fur Mil na 4ª CCmds em Moçambique e Alf na 26ª, até apanhar uma porrada e ser transferido para Teixeira Pinto onde teve um acidente do qual resultou um braço partido. Tive com ele várias histórias.

Paulo Santiago
_____________
(...) "Decididamente não queria falar-te de mulheres (e, muito menos, das brancas que, aqui, no cu do mundo, povoam os nossos delírios palúdicos)… Mas como não, se elas são o único antídoto contra a angústia da morte ?!... As paredes das nossas casernas no mato estão forradas de posters de gajas nuas, loiras, de olhos azuis, formas esculturais e pele acetinada, que é “para um gajo não se esquecer da carne branca” (sic)…
"Em contrapartida, a pomada antivenéria (e, claro, a penicilina, em doses de milhões) é o que mais se gasta nos nossos postos de caserna. O bordel é talvez a única instituição castrense verdadeiramente respeitável… Mas se os franceses mandavam para a Argélia putas de campanha juntamente com os seus legionários, nós, tugas, não temos esse problema: fornicamos sem preconceitos raciais, ou não fossemos “um país, muitos povos, uma só Nação”! (...).
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

(***) Sobre a LFG Orion, vd. os seguintes posts:

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)


22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)


5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)


4 de OUtubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)


2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1143: Parabéns, comandante Pedro Lauret, é uma honra tê-lo a bordo (Paulo Santiago)


1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

Photobucket - Video and Image Hosting
Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Foto © Pedro Lauret (2006) . Todos os direitos reservados.


Caro Manuel Rebocho,

Agradeço a tua carta (1) pois ela permite esclarecer alguns aspectos da situação que se viveu naquele mês de Maio e princípio de Junho de 1973 na Guiné. O Blogue do Luís Graça [& Camaradas da Guiné] tem exactamente esse mérito, pôr a falar entre si companheiros de armas que viveram tempos difíceis, recordar acções que viveram em conjunto e contribuir, à sua medida, para que se faça História.

Para poder responder às tuas questões tenho esclarecer em primeiro lugar que o dispositivo de fiscalização nos rios da Guiné era efectuado por Task Groups (TG) constituídos normalmente por uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG) e duas Lanchas de Desembarque Médias (LDM), a bordo da LFG seguiam cerca de 8 botes Zebro III com marinheiros fuzileiros como condutores. O comandante da LFG era o comandante da força (CTG). Este dispositivo permitia efectuar um variado tipo de acções quer de ordem ofensiva, defensiva ou logística.

No dia 1 de Junho de 1973 (não consegui confirmar com toda a certeza o dia pois o Diário Náutico da Orion referente ao período de 1970-1973 desapareceu), cerca das 20:00 encontrando-se o NRP Orion fundeado no rio Cumbijã recebemos ordem para seguir para Cadique e embarcar uma Companhia de Paraquedistas e seguir para Cacine com todo o dispositivo.

O Navio subiu o rio e embarcou a companhia de Paras com botes.

Foram dadas indicações às duas LDM – as LDM tinham como militar responsável, não um Sargento mas um Cabo de Manobra - que integravam a TG, para seguirem para Cacine pelo canal do Melo. A Orion não podia passar pelo canal do Melo por causa do calado pelo que saiu a barra do Cumbijã, navegou para sul entrou a barra do Cacine. Chegámos a Cacine nos primeiros alvores já aí se encontrando as 2 LDM, e desembarcamos a companhia de Paras.

A bordo da Orion entrou o Major paraquedista Pessoa que nos informou do seguinte:

  • Guileje, após intensos bombardeamentos fora evacuada e o contingente aí instalado seguiu para Gadamael;
  •  O Major Coutinho e Lima, comandante do COP, que tinha dado a ordem, seguira para Bissau sob prisão;
  • Gadamael estava sob fogo intenso e a grande maioria dos militares tinha fugido para as margens do rio Cacine (ver depoimento do Capitão Ferreira da Silva no Jornal Público) (1);
  • O General Spínola tinha estado em Cacine e tinha dado ordem explicita para ninguém ir socorrer o pessoal que andava fugido nas margens do rio, apelidando-os de cobardes;
  • O Major Pessoa ainda nos informou que se nós não fossemos recuperar o pessoal ele próprio iria nem que fosse de canoa.

O navio por sua inteira responsabilidade, e sem nada comunicar ao Comando da Defesa Marítima,  decidiu de imediato ir recuperar o pessoal. Foram dadas indicações aos patrões das LDM para seguirem nas águas da Orion.

Passamos o rio Meldabon junto a uma marca radar (marca Lira), a qual já não era passada por uma LFG há muito, não se conhecendo a situação dos fundos. Conseguimos seguir até ao rio Dideragabi (ver carta Cacoca/Gadamael, 1/50 mil), para montante era impossível navegar pois já não tínhamos fundo.

Foram colocados botes na água que passaram revista à margem esquerda do Cacine bem como as duas LDM. Foram recolhendo pessoal que traziam para bordo da Orion onde os feridos passaram a ser tratados, os mais ligeiros no convés,  os mais graves foram para a coberta das praças. Foi fornecida alguma alimentação ao pessoal. Como já havia muito pessoal a bordo,  as LDM passaram a levar o pessoal para Cacine.

Já de noite a Orion dirigiu-se a Cacine não podendo desembarcar os feridos mais graves pois estávamos em baixa-mar e a pista de lodo impedia-o.

Nessa noite a coberta das praças funcionou como navio hospital. O soro, compressas e outra material de primeiros socorros esgotaram. Foi pedido reabastecimento urgente a Bissau. Na manhã seguinte o material chegou num pequeno avião da Marinha.

Continuamos na zona por vários dias com o dispositivo.

Vou agora comentar a tua carta.

- Fotografias – Na primeira vê-se uma das LDM atracada à Orion a passar pessoal para bordo, na segunda os botes e as LDM a recolher pessoal das margens, conforme acima expliquei e como foi relatado pelo jornalista do Público.

Quero dizer, como comentário, que o que foi feito é o que está acima descrito, nunca dissemos outra coisa. Nunca foi dito que a Orion embarcou directamente o pessoal das margens, era absurdo. O que na realidade fizemos foi apenas desobedecer a uma ordem explicita do Comandante Chefe, quando o que estava em causa eram centenas de vida de militares e civis, numa altura em que a Força Aérea não voava quer para apoio de fogo quer para evacuações.

É completamento falso que tenhamos recebido qualquer ordem do major Monje, ou de qualquer outro, ou que as LDM tivessem actuado que não por ordem do navio, o único contacto que mantivemos foi com o major Pessoa. Nesse dia não recebemos ordens, estivemos entregues a nós próprios, o descontrolo era total, só isso explica a ordem do general.

O Major Monje só muito mais tarde viria a bordo, só no dia seguinte e apenas para coordenar acções, os navios dependiam directamente do Comando da Defesa Maritima.

Não fomos flagelados, mas podíamos ter sido, basta olhar para o mapa, também nunca dissemos que o fôramos e nem sequer dissemos em sitio algum que tínhamos corrido qualquer risco maior que os outros.

Na tua carta falas apenas de população nas margens, mas não era só população nas margens mas população e militares. O depoimento do Ferreira da Silva (2) é totalmente esclarecedor.

Penso que para já é tudo, estou sempre à disposição para qualquer outro esclarecimento (3).

Um abraço
Pedro Lauret
_____________

Nota de L.G.:
 
(1) Vd. post anterior

(2) Vd. Segunda e última parte do trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso > (Público, 26 de Junho de 2005), reproduzido no nosso blogue, em post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

(3) Vd. outros posts relacionados com este tópico:

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação da LFG Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, no Rio Cacine, em Junho de 1973 (Manuel Rebocho, ex-Srgt Pára, CCP 123, 1972/74)

Photobucket - Video and Image Hosting


Guiné > Região de Tombali > Cacine > Rio Cumbijã > Junho de 1973 > "A LFG Orion, com populares a serem evacuados (...). A população de Guileje, não sendo aceite pela população de Gadamael, por serem chãos diferentes (no sentido de etnias), embarca num navio Patrulha que a levaria para Bissau, onde desembarcou".


Photobucket - Video and Image Hosting

Guiné > Região de Tombali > Cacine > Junho de 1973 > Uma LDM [Lancha de Desembarque Média] com militares e populares e a costa do rio onde nunca o Orion conseguiria chegar".

Legendas de Manuel Rebocho. Fotos de Delgadinho Rodrigues (2006), gentilmente cedidas por Manuel Rebocho (2006). Todos os direitos reservados.

Fotos alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.




Manuel Rebocho, ex-srgt pqdt, BCP12 / CCP 123 (BS 12, Bissalanca, 1972/74)

Foto: © Manuel Rebocho (2006)


Texto enviado pelo Manuel Rebocho, ex-sargento paraquedista da CCP 123 (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975").

Carta a Pedro Lauret (1)

Não pretendo fazer polémica mas também a não recuso. Assumo a frontalidade e a responsabilidade do fiz e vi fazer.

A actuação da LFG [Lancha de Fiscalização Grande] Orion, na evacuação das populações de Guileje, que tinham sido forçadas a acompanhar as tropas portuguesas que se retiraram para Gadamael Porto, na manhã do dia 22 de Maio de 1973, teve o seu mérito (2), mas não exageremos.

Nas duas fotografias, que junto, a primeira é da LFG Orion, onde se vêem os populares a serem evacuados. Contudo, a segunda mostra uma LDM [Lancha de Desembarque Média] com militares e populares e a costa do rio onde nunca o Orion conseguiria chegar.


Temos assim que só chegaram ao Orion as pessoas que foram transportadas pela LDM, que era comandada por um Sargento. Acresce, que esta LDM estava aportada em Cacine e foi o então Major Manuel Monge, que desempenhava as funções de Segundo Comandante do COP 4, quem lhe ordenou aquela missão. 

Tendo o Sargento procurado esquivar-se ao cumprimento da ordem, a mesma foi-lhe imposta pela força já que o então Capitão Pára-Quedista Norberto Crisante de Sousa Bernardes que, como eu próprio, assistiu à ordem, determinou a uma força, que ele próprio integrou, que acompanhasse o Sargento e assegurasse a defesa da dita LDM.

Todos sabemos que Manuel Monge era um dos Oficiais mais íntimos de Spínola, cujo comportamento não pretendo justificar, mas antes, ser cientificamente sério. Neste sentido, Monge determinou a evacuação só depois de ter o beneplácito de Spínola.

Neste caso, não recuso méritos ao Orion, que os teve, mas não exageremos, quanto às motivações e iniciativas. O Orion cumpriu uma missão que lhe foi ordenada. E só. Lembro que o Orion estava no local, porque havia ido buscar a CCP [Companhia de Caçadores Pára-quedistas] 123, que integrei como operacional durante 26 meses, a Cadique (Cantanhez) no rio Cumbijã, precisamente para auxiliar Gadamael Porto, como fez. 

O Orion desembarcou a CCP 123 em Cacine, tendo a companhia seguido depois para Gadamael,  de LDM, mas, mesmo assim, desembarcou na zona onde estava a população, seguindo depois a pé até Gadamael, dado que o porto estava a ser constantemente bombardeado.

O Orion esteve sempre muito distante do alcance das granadas que o PAICG estava lançando sobre Gadamael. A população estava dispersa na margem, mas também muito distante de Gadamael.

A presente carta é da responsabilidade do tertuliano Manuel Rebocho, mas não só, também o é do Sargento-Mor Pára-Quedista Manuel Rebocho, que esteve nos actos que refere, e também do Doutor Manuel Rebocho que investigou estas operações durante mais de cinco anos.


Aceite o tertuliano, o camarada e V. Excia. os protestos dos meus mais elevados cumprimentos pessoais.

PS - O Delgadinho Rodrigues era na altura dos factos, tal como eu, Segundo Sargento Pára-Quedista e éramos da mesma companhia [CCP 123]. O facto de ele ter tirado as fotografias prova que estava lá. Como estava.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)


_________

Notas de L.G.:

(1) Vd post de 1 de Outubro de 2006 >

(2) Vd. posts de 15 de Junho de 2006 :

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1143: Parabéns, comandante Pedro Lauret, é uma honra tê-lo a bordo (Paulo Santiago)

A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967.

Foto: © Lema Santos (2006)

O Paulo Santiago, no seu regresso à Guiné, em Fevereio de 2005.

Foto: © Paulo Santiago (2006)


1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1972/73) a Pedro Lauret (oficial imediato do NRP Orion, 1971/73). Embora privada, a mensagem faz parte das nossas memórias (individuais e colectivas) e diz respeito à nossa tertúlia. Ambos consentiram, na sua publicação:

Caro Comandante:

Acho ser uma honra ter um Tertuliano condecorado com a Ordem da Liberdade (1). Ainda que atrasados, os meus parabéns.

Fui um frequentador, sempre que ía a Bissau - em 72 fui algumas vezes -, do NRP Orion. Conheci o Comandante Rita uma noite em Bissau, não sei precisar quando e onde. Ficámos amigos, assim como do Ten RN Alves da Silva, o Eduardinho, engenheiro silvicultor. É estranho não me lembrar do Imediato daquele navio, possivelmente serias tu. Lembro o Imediato do Comandante Sarmento, não sei o nome, mas encontrei-o em Coimbra onde dava aulas na Faculdade de Ciências.

Voltando ao Orion. Depois de conhecer o Rita, mal chegava a Bissau, procurava logo saber se o navio estava no cais. Se estivesse, regressava ao mato com o fígado em péssimas condições. Em Janeiro de 72 vim do Saltinho de heli para Bissau, em trânsito para Bambadinca, encontrei o Rita que me pediu para lhe mandar fazer um anel em prata no ourives de Bafatá com o nome em caracteres árabes. Depois de feito, fui ao Xime entregá-lo ao Comandante Pires Neves que me trouxe umas botas de fuzo enviadas pelo meu amigo.

Nunca mais encontrei o Rita. Perguntei por ele, há anos, penso que ao Comandante Barreto de Albuquerque - não tenho a certeza-, que me informou ter o Rita sofrido um terrível desgosto com a morte da única filha, com um tipo de cancro raríssimo.

Gostava de encontrar o Comandante Rita. Se o encontrares, dá-lhe um abraço.

Vamos encontrar-nos em Montemor.

Um grande abraço do
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53)


Foto: © Pedro Lauret (2006)


2. Resposta do Pedro Lauret (actualmente, capitão-de-mar-e-guerra, na reforma)

Caro Paulo:

Fiz a minha primeira metade da comissão com o Rita, um grande homem e um grande comandante. Infelizmente o Rita faleceu há menos de um ano, também com um cancro. Morreu amargurado com a morte da filha. Ficou também muito desiludido por não ter chegado a almirante, o que pessoalmente considero uma grande injustiça. Em 1972 era eu o imediato da Orion, não nos encontrámos provavelmente por eu ter a minha mulher em Bissau e, logo que podia, ia para casa, claro…

A minha mulher é mais veterana que nós, pois o meu sogro era oficial do exército e em 1961 foi como 2º comandante do 114, o 3º batalhão a chegar a Angola, tendo estado empenhado nas operações em Nabuangongo. Fez a seguir outra comissão como comandante de batalhão em Cabinda. Por isso, a minha mulher tem 3 comissões!

Sou também muito amigo do Albuquerque que, infelizmente, também não está muito bem (coração).

O Pires Neves (hoje vice-Almirante) esteve depois comigo no gabinete do Pinheiro de Azevedo. O Sarmento, também vice-Almirante, está bem e vive agora retirado em Trás os Montes. O Alves da Silva não o voltei a ver.

No dia 14 vamos ter muito que conversar.

Um abraço
Pedro Lauret

PS – A Orion tinha a melhor garrafeira da Guiné e o Rita sabia fazer as honras da casa, não me admira dos problemas de fígado quando passavas pelo navio.



3. Comentário de L.G.:

Camaradas Pedro e Paulo:

Partilho, com o Paulo, a honra que tenho/temos de ter, nesta tertúlia, nesta caserna virtual, um camarada que lutou pela nossa liberdade e que foi merecedor de uma condecoração como a Ordem da Liberdade - Grande Oficial… Espero que esse facto não tenha passado despercebido ao resto da tertúlia…


4. Resposta do Pedro Lauret:

Caro Luís,

Agradeço as palavras que me dirigiste. Quando recebemos uma distinção como a Ordem da Liberdade (2), ficamos divididos entre a alegria pelo reconhecimento e por outro pensamos nos muitos que contribuíram, tanto ou mais que nós, e a quem não foi reconhecido o mérito.

Sinto especial responsabilidade pois sendo ex-combatente e colaborado directamente no 25 de Abril, tenho a noção clara que se criou uma relação incómoda entre a “guerra e a libertação” e, o que é mais grave, criou sobre os ex-combatentes um sentimento de inutilidade pelo sacrifício que foram obrigados a fazer. É necessário inverter este sentimento e dignificar gerações que muito deram para que finalmente fosse encontrada uma saída e uma solução.

Envio-te um texto NOTÁVEL do filho do nosso camarada Coronel Carlos Fabião que saiu numa pequena separata a ele dedicada no último número do Referencial, revista da A25A - Associação 25 de Abril. Podes publicar no blogue com as indicações do costume (3).

Sobre os mails com o Paulo, usa como entenderes. Achei piada ele ser visita do meu antigo navio e conhecer bem o Rita que era um homem excepcional.

Um abraço
Pedro Lauret
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra).

(2) A Ordem da Armada, 1ª Série, nº 21, de 24 de Maio de 2006 publica: Ordens Honoríficas Portuguesas: Alvará n° 26/2006, de 9 de Maio: Por alvará de 3 de Março de 2006: Ordem da Liberdade – Grande-oficial: Capitão de Mar e Guerra PEDRO MANUEL CUNHA LAURET.

(3) A publicar proximamente.

Guiné 63/74 - P1141: As (des)andanças do TT Niassa em Dezembro de 1971 (Lema Santos)

Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; com : mais de 151 metros de comprimento, tinha arqueação bruta de c. 10.700 toneladas, uma potência de 6.800 cavalos e uma velocidade normal de 16,2 nós. Quanto a alojamentos, eram 22 em primeira classe, e 300 em classe turística, num total de 322 passageiros. (Quando transportavam tropas, a sua lotação quadruplicava...). O nº de tripulantes era de 132. Armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa . (LG) (1)

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004) (com a devida vénia...)

O nosso camarada Manuel Lema Santos é um enciclopédia viva no que diz respeito a tudo o move na água, em especial os navios (nunca digam barcos, por favor) da nossa gloriosa Armada (1).

Justificando, em tempos (6 de Julho de 2006), algum silêncio (intencional) da sua parte em relação às nossas blogarias, ele escreveu-me o seguinte, a título pessoal:

"Em paralelo com a minha actividade profissional estou a tentar, com outro camarada, levar a cabo uma modesta edição - a possível - sobre a dezena de LFG da Classe Argos (Orion incluída) que ao longo de mais de 56.000 horas de navegação asseguraram as linhas de comunicação fluviais na Guiné - e que outras havia? - coadjuvadas pelas LDG, LFP, LDM, LDP, DFE e CFE.

"Bastarão dois ou três nomes como Mar Verde e Tridente ou, noutra perspectiva, como Cantanhês, Cumbijã, Cafine e Gadamael ou Ganturé, para se ter ideia do que poderá ter representado a participação da Marinha em geral e LFG [lanchas de fiscalização grande] em particular.

"Claro que efectuando pesquisa, recolha de documentos, textos, relatos, etc. de tudo o que existe. É bastante pouco. Sonegado, desaparecido, espoliado, sei lá!

"Continuo a não compreender - até estou a ser repetitivo - como se encara a possibilidade de contribuir para a História recente da Guiné e de Portugal sem a participação da Marinha e da Força Aérea. Instituições diferentes, hierarquias diferentes, filosofias diferentes e até algumas condições diferentes, mas todos igualmente embarcados no mesmo mau navio.

"Em época, local e com conceitos errados, mas pessoas certas e capazes de cumprir as missões para que tinham sido incumbidas ao serviço de um País. Será apenas o futebol que faz cantar a este bom povo o Hino Nacional?"...


Seguramente que não, meu caro Lema Santos. É por isso que nós, que também fazemos parte desse povo, cá estamos no nosso posto, na blogosfera, a fazer o nosso trabalho de casa...

E enquanto tu não acabas o teu (TPC), és bem-vindo e és a pessoa indicada para desfazer umas dúvidas e imprecisões quanto a datas de partidas para (ou chegadas de) a guerra do ultramar (ou guerra colonial, como quiseres)... Não preciso, pois, anunciar que aqui estás tu, galhardamente, a tentar ajudar "com alguns pequenos esclarecimentos", a prestar a felizardos camaradas (Joaquim Mexia Alves, J. Vacas de Carvalho, David Guimarães, entre outros) que, no já longínquo final de 1971, tinham o bilhete de regresso a casa, mas que hoje já trocam o TT Niassa com os Boeing dos TAM. (LG)

Texto do Manuel Lema Santos

1- Em Novembro de 1971 o TT NIASSA foi requisitado pelo Estado e pela O.P.T nº 12.959 foi previsto embarcarem, em 16 de Dezembro, para a Guiné, as seguintes Unidades:

CMD BCAÇ 3872/RI 2 +
CCAÇ 3489/RI 2
CCAÇ 3490/RI 2
CCAÇ 3491/RI 2
CCAÇ 3518/BII 19 (Embarque no Funchal)
CCAÇ 3519/BII 19
CCAÇ 3520/BII 19.

Na viagem de regresso, estava previsto voltarem para o Continente as seguintes:

CCAÇ 2679/BII 19 (Desembarque no Funchal)
CCAÇ 2680/BII 19 (Desembarque no Funchal)
CCAÇ 2681/BII 19 (Desembarque no Funchal)
Pel Can s/r 2199/RI 1
Pel Can s/r 2200/RI 1
Pel Rec Daimler 2202/RC 6
Pel Rec Daimler 2203/RC 6
Pel Rec Daimler 2204/RC 6
Pel Rec Daimler 2205/RC 6
Pel Rec Daimler 2206/RC 6 [o Pelotão do Vacas de Caravalho]
Pel Rec Daimler 2207/RC 6
Pel Rec Daimler 2208/RC 6
Pel Rec Daimler 2209/RC 6
Pel Rec Daimler 2210/RC 6
Pel Rec Daimler 2211/RC 6
Pel Rec Daimler 2202/RC 6
Eq Inst Nat 2224/RI 2

Assinado pelo COR José Herdade Telhada e pelo GEN Barreira Antunes - Director do Serviço de Transportes.

2 - Nada do acima exposto se verificou!

3 - O navio estava em fabricos e por, essa razão, atrasou tudo e foi a partida alterada para 22 de Dezembro de 1971.

(Aditamento à O.P.T. nº 13.179)

Local: Gare Marítima de Alcântara, das 08:00 às 09:30

Pessoal a transportar na ida:

CMD BART 3873/RAP 2
CART 3492/RAP 2 (a Companhia do Joaquim Mexia Alves)
CART 3493/RAP 2 (a Companhia do Manuel Cruz)
CART 3494/RAP 2 (a Companhia do Sousa de Castro)
CART 3521/RAP 2

No regresso o navio veio sem pessoal.

Cap. Bandeira: CFR António José de Matos Nunes da Silva;

Cte. das Forças embarcadas: Ten Cor António Tiago Martins – BART 3873/RAP 2.

Chegada a Bissau em 26 de Dezembro de 1971

Salvo gralha, foi assim a realidade da viagem do Niassa. Espero ter sido útil aos dois e também a toda a tertúlia.

Um abraço,
Manuel Lema Santos
ex-1º Tenente RN [Reserva Naval] (1965/72)
Guiné, NRP ORION, 1966/68


2. Posterior mensagem, dirigida ao Mexia Alves, com data de hoje:

Caro Joaquim Mexia Alves,

Os elementos que vos forneci são rigorosos.

Todos os Transportes de Tropas (TT) eram requisitados por contrato às companhias comerciais e, enquanto ao serviço do Estado, eram enquadrados na hierarquia da Marinha (incluindo obviamente a tripulação), pelo que utilizavam flâmula.

Naturalmente que eram utilizados essencialmente no transporte de FA mas também eram autorizados, a pedido, transporte de familiares, veículos, doentes, prisioneiros, etc. Tudo era tratado entre ministérios.

Para isso era nomeado por portaria um oficial superior da Marinha, denominado capitão de bandeira a quem, sem prejuizo da identidade da própria tripulação e das forças embarcadas, com comando próprio, superintendia o comando do navio do ponto de vista de Marinha.

Como viste na minha mensagem anterior, no TT NIASSA - Lisboa/Bissau, em Dezembro de 1971, não embarcou o Cmd BCAÇ 3872/RI 2, embora tivesse estado programado e não sei porque foi anulado e substituído ou em que transporte foi efectuado, e isto por não ter referências (data de ida ou de regresso e/ou TT).

Um abraço,
Manuel Lema Santos
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXIV: A nossa mobilização para o CTI da Guiné (CCAÇ 12) (Luís Graça)

(2) Vd. posts de:

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXI: Terra e Ar 'versus' Mar (Lema Santos)

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVI: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)

21 de Abrl de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

domingo, 1 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

Capa do filme Siga a Marinha (Titulo original: Follow the fleet, EUA, 1936. Realização: Mark Sandrich; Intérpretes: Fred Astaire e Ginger Rogers; distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes) .
Foto: Costa do Castelo Filmes (2006) (com a devida vénia...)

Mensagem do Pedro Lauret (capitão de mar e guerra, na reforma):

Caro Luís,

Sobre a expressão Siga a Marinha penso ser bem mais antiga que a Guerra Colonial (1). Tenho a ideia que surgiu no tempo da implantação da República num incidente militar, dos que então eram frequentes.

Vou tentar saber ao certo, mas posso afiançar que não teve origem na Guiné. Nos anos cinquenta um filme com o Fred Astaire, Follow the Fleet, teve como título traduzido exactamente Siga a Marinha.

Um abraço
Pedro Lauret
______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira).

Vd. também posts de 1 de Outubro de 2006:

Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

Lisboa > 2006 > Pedro Lauret, capitão de mar-e-guerra na reforma e grande oficial da Ordem da Liberdade.

Guiné > Região de Tombali > Cacine > 1971/73 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Órion (1).

Texto e fotos: © Pedro Lauret (2006)


Dados Biográficos:

Nome - Pedro Manuel Cunha Lauret

Local e data de de nascimento – 23/01/49

1960-1967 – Frequência do Liceu Camões em Lisboa, onde foi dirigente da Acção Católica.

1967-1971 – Escola Naval, onde completa o curso de Marinha. Participa activamente nas acções políticas de apoio à Oposição Democrática, em 1969. Participa nas movimentações em torno do Clube Militar Naval, de 1969 a 1971. É fundador do movimento clandestino de oposição ao regime, de oficiais de Marinha, em 1970.

1971-1973 – É promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971, onde exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na Guiné exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).

Em Maio de 1973 encontrava-se em missão no Rio Cacheu quando se dão os ataques a Guidage, desembarca o Destacamento de Fuzileiros 8 no Jagali, afluente do Cacheu, após terem sido abatidas duas aeronaves (1 DO e 1 T6); nesse dia seria abatida mais 1 DO. No mesmo mês, no rio Cacine é a primeira unidade a chegar a Gadamael depois da retirada de Guileje, evacua, contra a ordem expressa do General Spínola, um número indeterminado (mais de 300) militares e civis que se encontravam fugidos nas margens do rio.

1973-1975 – Participa activamente no MFA integrando a comissão política que redigiu o seu programa.

Após o 25 de Abril integra o Gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional. É membro da Comissão Coordenadora do MFA na Armada e integra a assembleia do MFA.

Foi condecorado pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, com o grau de grande Oficial da Ordem da Liberdade, pela sua acção no 25 de Abril.

É actualmente Capitão-de-mar-e-guerra na reforma.

Exerceu actividade privada na área da engenharia informática.

Faz parte da Direcção da Associação 25 de Abril.

Actualmente lidera um projecto de investigação Histórica com a designação –´“Marinha: do fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior, P1136.

Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

O comandante Pedro Lauret, antigo imediato da LFG Orion, à esquerda, ladeado por Ulisses Faria Pereira, ex-grumete electricista...
Foto: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia) (1).


Texto do comandante Pedro Lauret (2)

Caro Luis Graça,

Envio uma pequena história, passada comigo, um pouco diferente do usual no nosso blogue, mas penso que tem algum interesse. Se considerares que é de colocar no blogue, força…

Um abraço e até dia 14 [, na Ameira, em Montemor-O-Novo, no 1º encontro da tertúlia].
Pedro Lauret


Uma história simples… ou talvez não

por Pedro Lauret

Pouco tempo passara do 25 de Abril de 1974, era eu então 2º tenente e prestava serviço no gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

Na Guiné, no fulgor da revolução, marinheiros resolveram fazer uma manifestação nas ruas de Bissau, o que foi justamente considerado inconveniente quando foram as Forças Armadas a tomar o poder e a mudar o regime.

O Almirante determinou que me deslocasse à Guiné pois ainda não fizera um ano que terminara a minha comissão e conhecia bem o meio e o ambiente naval.

A minha missão era explicar a nova situação político-militar e apelar (determinar) para que actos de indisciplina não se verificassem, muito menos tivessem demonstração pública.

Acabei por ser acompanhado pelos meus camaradas, Comandante Almada Contreiras e o Major Melo Antunes, dois bem conhecidos companheiros de conspiração, que se deslocavam a Bissau com uma missão, penso eu, bem mais complexa do que a minha.

Chegado a Bissau cumpri a minha missão, penso que com sucesso e tive o grato prazer de abraçar camaradas que ainda não vira após a revolução.

Antes de regressar, os meus companheiros de viagem desafiaram-me para ir com eles a alguns quartéis do Exército para, igualmente, dar alguma informação sobre o que cá se passava - de notar que nessa altura ainda não havia sido decretado um cessar-fogo formal entre as nossas Forças Armadas e o PAIGC.

Deslocámo-nos a um aquartelamento, não sei precisar exactamente qual, mas penso ter sido nas proximidades de Bula pois atravessámos o [Rio] Mansoa em João Landim.

Aí chegados, não pudemos conter o nosso espanto quando vimos ensarilhadas G3 com Kalashnikov e em franco convívio soldados do nosso Exército bebendo generosas Bazookas (3), com guerrilheiros do PAIGC.

O cessar-fogo estava consumado para lá das determinações dos poderes políticos.

Uma história simples…ou talvez não.

Pedro Lauret

____________

Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de 15 de Junho de 2006 :

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
(...) A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (Público, 26 de Junho de 2005)

Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
(2) vd posts de:
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)

20 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P887: Dois novos tertulianos: Pedro Lauret e Beja Santos
(3) Garrafas de cerveja, de 0,6 l.

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)




Cópia do título (e da primeira página) do trabalho de investigação jornalística da autoria de Eduardo Dâmaso, publicado no Público, sobre a batalha de Gadamael , em princípios de Junho de 1973, e o papel da LFG Orion, cujo imediato era então o nosso camarada Pedro Lauret, hoje capitão de mar e guerra na situação de reforma o > "A naves dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos: a história secreta do navio Orion, que há 32 anos salvou centenas de soldados na Guiné contra as ordens de Spínola" (****).

Fotos: ©
Pedro Lauret (2006). Direitos reservados.


Texto do comandante Pedro Lauret:

Caro Luís Graça

Dei hoje conta da vossa existência. Sou praticamente da última geração que esteve na Guiné. Fui imediato do NRP Orion entre 1971 e 1973. Sou hoje Capitão-de-mar-e-guerra reformado. O silêncio que se faz sentir em torno da guerra colonial é para mim revoltante. Se perguntarmos a qualquer jovem, até aos 40 anos, o que foi a guerra, na sua maioria tem apenas ideias vagas. A culpa também é nossa. O que contamos às nossas mulheres, filhos e netos?

Estive na Guiné num momento particularmente difícil, em 1973 após o PAIGC ter colocado em operação os mísseis Strella, e a FAP ter deixado de voar numa primeira fase e posteriormente voar com enormes limitações. Deixaram de se verificar evacuações e apoios de fogo.

Sou do tempo em que o Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano afirma ao General Spínola que aceita a derrota (como na Índia), mas nunca a negociação (ver livro Depoimento de Marcello Caetano).

É necessário quebrar este silêncio traumático e doloroso.

Faço neste momento parte da Direcção da Associação 25 de Abril, e estamos a trabalhar para lançar um grande site sobre a Guerra Colonial.

Envio, para os fins que entenderem, uma cópia de um artigo (Jornal Público) sobre a actuação do NRP Orion em Gadamael, quando eu era imediato (1).

Um abraço

Pedro Lauret

_________

Nota de L.G.

(1) Documento que está a circular pela tertúlia, para leitura e análise. Trata-se de um trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso, publicado na Pública, separata de domingo do Publico, edição nº 5571, de 12 (?) de Junho de 2005. Título:"A naves dos feridos, enlouquecidos e desaparecidos"... Recordo-me de ter lido na altura este notável documento onde se fazem inéditas revelações sobre a batalha de Gadamael e a dramática retirada das NT, em 2 de Junho de 1973...

Eis o pedido que formulei, ontem, aos nossos amigos & camaradas da Guyiné, que fazem parte da nossa tertúlia:

"(...) Gostava de pedir ao Manuel Lema Santos (que foi imediato da Orion, em 1966/68) e ao José Carvalho ( o nosso ranger, que esteve na batalha de Gadamael, em finais de Maio/princípios de Junho de 1973), que comentassem o notável trabalho de investigação feito pelo jornalista do Público, Eduardo Dâmaso (“A naves dos feridos, enlouquecidos e desaparecidos”), e de que eu vos enviei um ficheiro (pesado) em “power point” com as cinco páginas da reportagem, documento esse que o comandante Pedro Luret (imediato da Orion em 1973) me fez chegar e que eu já reenviei, ontem, para as vossas caixas de correio…

"(...) O ficheiro, com aquele formato e tamanho (quase 5MB), não pode ser inserido no blogue. Eu acho que merece ser melhor divulgado, tal como as batalhas de Guileje e Guidage… Simplesmente, temos que arranjar uma cópia do jornal, digitalizá-la… O texto tem que ser em word ou rtf… Não consigo, por outro lado, saber a data exacta em que foi publicado: sei que foi na Pública, separata do Público, de domingo, correspondente à edição nº 5571, Junho de 2005, talvez 12 de Junho…

"Se alguém tiver à mão uma cópia do original, que me diga… Talvez o A. Marques Lopes tenha esse recorte (A propósito, deves conhecer o Pedro Luret, ele é da Associação 25 de Abril, da tua associação que, pelo que ele diz, está a preparar um grande site sobre a guerra colonial… Sabes mais alguma coisa disto ?)”…

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P791: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)


A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967

Foto: © Lema Santos (2006)

Texto do Lema Santos, ex-oficial da Marinha (Guiné, 1966/68):

Caro Moura Ferreira,

Inicio esta minha segunda investida como apanhado pelo clima agradecendo-te as Boas Vindas (2), cumprimentando-te com Amizade bem como a todos os Membros e, dentro da minha capacidade e conhecimento, permitir que algum esclarecimento adicional seja acrescentado a toda a Tertúlia e à História, em nome do que é conhecido e também do que o não é, do teatro de operações que foi a Guiné.

Difícil é fazê-lo deixando de lado debates sobre massudos conceitos de estratégia naval, articulados com dispositivos locais existentes, tudo muito pouco interessante, mas sem deixar de respeitar a autenticidade dos factos relatados.

Na diferente emotividade das vivências sentidas e das diversas opiniões expressas sobre um mesmo facto ou narrativa, o oportuno esclarecimento ou opinião por quem participou directamente, marcará sempre a diferença.

Abordarei inicialmente alguns pontos sem os quais será difícil, a quem lê, enquadrar pessoalmente os acontecimentos e, bem pior, compreender correctamente os diálogos e sequências. Se entenderem que estou a pisar o risco das aulas de marinharia , açoitem-me.

Fá-lo-ei sempre com o cuidado de não ferir a veracidade de factos comprovadamente registados, ainda que aligeirados e respeitando diferentes sensibilidades.

A Orion, Lancha de Fiscalização Grande (LFG), com o número de costado P362, pertencia a uma classe de navios denominada Argos das quais estiveram operacionais na Guiné, entre Maio de 1966 e final de Abril de 1968 (data do final da minha comissão), outras quatro unidades idênticas: Cassiopeia, Hidra, Lira e Sagitário.


A LDG Ariete onde se transportava, tal como na Montante e na Alfange, 1 Batalhão.

Foto: Revista da Armada (gentilmente enviada por e-mail pelo Lema Santos)

Todas estas 5 LFG's tiveram como tónica comum, entre 1963 e 1975, o teatro de operações único da Guiné e vida operacional semelhante.

Mais tarde, outras duas, a Argos em 1970, a primeira a ser construída, e a Dragão em 1969, se lhe juntaram. Estas duas últimas já tinham estado na Guiné em 1964/1965 , ano em que, em Fevereiro, foram para Moçambique.

Ainda uma outra, a Escorpião esteve durante cerca de um ano - 1964 - também na Guiné, após o que permaneceu, até ao final da sua vida operacional, repartida entre Angola e S.Tomé.

Em 1975 todas as LFG's rumaram para Angola, salvo a Cassiopeia e a Sagitário, afundadas na Guiné ao largo da costa, pelo justificado mau estado em que se encontravam.

Nenhuma destas LFG's tinha nada a ver, quer em aspecto quer em capacidade operacional, com as que são referidas por ti nas observações que fazes e, referindo-me apenas à época da minha comissão de serviço, havia ainda:

- LFP's (Lanchas de Fiscalização Pequenas) - Bellatrix, Canopus e Deneb.
- LDG's (Lanchas de Desembarque Grandes) - Alfange e Montante.
- LDM's (Lanchas de Desembarque Médias) - diferindo apenas em aspectos de pormenor e nos números de costado.
- LDP's (Lanchas de Desembarque Pequenas) - como as LDM's mas de porte mais pequeno.

Limitando-me apenas às LFG's e especificamente à Orion, refiro alguns aspectos genéricos:
O aspecto visual do perfil era claramente o de um patrulha. Em profundidade, havia navio até 2,20 m abaixo da linha de água o que lhes vedava, em alguns rios, o acesso parcial ou, noutros casos, total. O risco corrido da não observação deste princípio náutico, a respeitar na informação dada pela sonda, era o encalhe pura e simples, como sucedeu algumas vezes.

Estas unidades navais efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.

Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT's. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal.

Para lá de toda a zona costeira da Guiné, incluindo os Bijagós, eram navegáveis, para as LFG's, os cursos do rio Cacheu (até Farim), do Mansoa, do Geba até ao início do Corubal, do Grande Buba até um pouco acima de Bolama, do Tombali praticamente apenas na foz, do Cumbijã até em frente a Cadique e do Cacine até um pouco acima da foz do Unconde.

Quando a curso dos rios já o não permitia, a navegabilidade mais para montante era preenchida complementarmente pelas LFP's. Depois as grandes heroínas do tarrafo, do lôdo, dos desembarques, dos pequenos transportes, as LDM's e as LDP's; nos imprescindíveis grandes transportes de pessoal, material e abastecimentos as LDG' s assumiam a função.

Depois destes minúsculos esclarecimentos passo a temas específicos que e muito bem, colocaste:

Pela descrição, penso que terás ido para Cufar (podia ser Bedanda) numa LDM, na companhia de alguns batelões e que, certamente, foram escoltados até à curva da mata do Cantanhês, frente a Cadique, por uma LFG e uma LFP; era uma das missões de rotina no Sul dado que se encontrava permanentemente em cruzeiro nessa área uma LFG que era rendida ao fim de duas semanas; alternava a fiscalização do rio Cacine com o Cumbijã e era complementada por uma LFP, mantendo-se também na área uma ou duas LDM's.

Sempre que havia um comboio de abastecimentos, transporte de pessoal ou material e escoamento de produtos comerciais (Bedanda), a escolta de ida, para montante ou de regresso, para juzante, era feita pela LFG que permanecia na área. Conjuntamente com os restantes meios navais no local navegavam em comboio, a maioria das vezes com o apoio da FA:

Iniciava-se na barra do Cumbijã, na parte açoreada junto da Ilha de Melo, a montante da foz do rio Massancano (Canal de Melo), junto da marca Almirante.

Navegando para montante, deixava-se a estibordo (à direita) o braço de rio Iade que conduzia ao aquartelamento de Cabedú, nosso último reduto a Sul da mata do Cantanhês.

Curvava largo e lento para bombordo (à esquerda) deixando desse lado as povoações de Sinchã e Cametonco, agora quase rumo a Norte, à foz do Cobade, próximo de Catió.

A estibordo recortava-se a sempre temível mata do Cantanhês - relembrando a Operação Tridente (1) - com as povoações de Catesse e Darsalame primeiro e já depois de inflectir francamente para estibordo, depois da foz do rio Cobade, Cafine e depois Cadique zona onde, salvo raras excepções, os comboios eram sistematicamente flagelados.

A travessia fazia-se sempre com o apoio da FA (T6 e mais tarde os Fiat G91). Morteiro, metralhadora pesada, as nossas peças Boffors de 40 mm, as MG's 42 nossas e das lanchas, os lança-rockets da LFP, mata incendiada, o T6 que entrava pela copa das árvores para voltar a sair mais à frente, num cenário e espectáculo indescritíveis.

Depois de nova curva a bombordo junto à foz do rio Macobum, navegação para Norte na direcção de Cufar. Mais tarde, nessa zona, foi referenciado canhão sem recuo.

Uma longa meia-hora para cada lado, deixando o combóio em segurança, já para montante de Cadique.

O registo da ponte alta da LFG Orion em 1967: 18 ataques, 32 impates e 1 ferido grave

Foto: © Lema Santos (2006)

Há vários relatos registados e especificamente um da Orion que ostentava na ponte alta uma placa de honra, em bronze,Rio Cumbijã, onde foi violentamente atacada em 8 de Maio de 1966. A situação foi tão frequente que a tua observação até se torna caricata...apenas saudações dos turras! Eram alguns dos espinhos que a Marinha também tinha. Pelos menos 3 ou 4 LFG's tinham placas idênticas de datas diferentes. Reparem que, depois da foz do Macobum o comboio, normalmente, não tinha problemas até Bedanda.

Num belo dia tudo isso ficou gravado num Sony pré-instalado para o efeito, com os cabos de som a passar para o exterior pelas vigias da câmara de oficiais. Não na Orion mas na irmã gémea Lira; ainda tenho guardadas as fitas originais cedidas pelo meu camarada da LFG. Tenho andado a adiar a oportunidade de as converter em som audível num CD para podermos reviver e partilhar também esses pesados momentos (2).

Sabes em que datas, ou datas próximas, chegaste e saiste da Guiné? Seria interessante saber uma vez que, praticamente todos os TT's, eram escoltados na entrada e saída do farol de Caió por uma LFG. Posso talvez disponibilizar esses elementos. Há muitas lacunas mas nem tudo está branco.

Há muitos factos, acontecimentos e histórias por relatar e felicito-te pela forma como te identificas na necessidade de alargar o painel de diálogo.

Para se efectuarem relatos decentes, a pesquisa terá de ser obrigatoriamente cuidadosa, criteriosa e isenta sob pena de a história passar a ser filosofia política.

Continuarei ao dispor da Tertúlia com Amizade e voltarei a dar notícias. Da próxima vez, completado o capítulo das apresentações, só mesmo Guiné.

Claro que teria forçosamente de enviar algumas fotos e elas acompanham o magro relato.

Um abraço e obrigado pelo reforço do chamamento.

Manuel Lema Santos
Ex-1º TEN RN 1965/72
Guiné 1966/68 - NRP ORION
__________

Nota de L.G.

(1) vd. post de 2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVI: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)

(...) "Verifiquei com alguma satisfação que tu és do meu tempo (2) e tentei recordar-me do pessoal de Marinha que, com o sacrifício que quem ia metido numa lata a servir de alvo, para os lados do Cumbidjã, nos ia abastecer a Cufar (CCAÇ 1621), acostando, no cais de Cantone, e também a Bedanda (CCAÇ 6), quando, com o coração ao pé da boca, tinham que progredir rio acima tendo na outra margem o celebérrimo Cantanhez, que naquela altura era impenetrável.

(...) "Penso, e tu o confirmarás ou não, que realmente nunca as LDM [Lanchas de Desembarque Médias], que nos levavam abastecimentos a Bedanda, foram atacadas naquela zona. Aliás, como se acontecia com a LDP que diariamente levava a água de Catió para a nossa base no Cachil. Enquanto por lá andei não me recordo de ter ouvido alguma vez notícias de ataques a abastecimentos naquela zona.

"Em Cacine, eu sei que eram habituais as saudações dos turras, mas depois de passarem essa zona havia algum respeito e pode dizer-se condescendência do IN, para com a nossa paparoca" (...).

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P725: Sobre a Op Mar Verde e o Comandante Alpoím Galvão (Lema Santos)

Caro Luis Graça,

Não será por acaso que se tem efectuado bastante pesquisa e recolha de documentação e relatos da operação Mar Verde. Mais se seguirão porque o tema encontra-se longe de estar esgotado e, eu próprio, conjuntamente com outro camarada estamos a elaborar um trabalho sobre LFG's que naturalmente aborda o assunto. Abaixo, apenas um considerando pessoal.

Um abraço,
Manuel Lema Santos


ONDE NÃO ESTAVA E O QUE AINDA NÃO ERA

Ao vosso repto opto por responder, desta vez, pela negativa dizendo “onde não estava e o que ainda não era”.

Já não estava na Guiné mas ainda não me sentia totalmente reequilibrado do ponto de vista de cidadania. Tinha consciência de que não tinha ainda vida pessoal e profissional estabilizadas.

Em 27 de Novembro de 1970 estaria, em princípio, no Estado Maior da Armada mas não consigo precisar onde estava nem o que fiz exactamente. Registos precisos nem pensar e, muito provavelmente teria sido um dia rotineiro. Nunca escrevi diário e até os de bordo da “Orion”, obrigatórios, desapareceram sem deixar rasto.

Vêm-me à memória aquelas lenga-lengas das aulas de história do 2º ciclo liceal do compêndio do professor Mattoso que assumiam, no meu futuro cultural, um aspecto definitivo de massa informe de pepino com um toque de nabo. Exactamente dois dos sabores que erradiquei dos meus hábitos alimentares como conquistas irreversíveis da adolescência.

E depois, tudo aquilo começava sempre da mesma maneira: causas políticas, sociais e económicas das guerras púnicas, da guerra dos 100 anos ou outra escaramuça qualquer.

Então, convenhamos que não me perfilei historiador, assumidamente.

Quem afirma ou pensa sê-lo antecipa sempre o encerramento de qualquer coisa, talvez um escrito sobre determinado acontecimento ou facto, com um ar definitivo, sem mais nada haver para escrever ou narrar.

Ora, para mim, a História é exactamente a antítese da atitude. Coerentemente defendo que a operação Mar Verde não esteja narrada e encerrada em capítulos estanques, contados e já com índice.

Ainda menos a História da Marinha que levou a cabo a operação Mar Verde e ainda muito menos a História da guerra na Guiné que foi, de princípio ao fim, um conjunto de pequenas operações Mar Verde, dia a dia, mês a mês, ano a ano, num grotesco e monstruoso crescendo de 13 anos, levadas a cabo pelos três ramos das Forças Armadas.

Mais uma vez, das LFG’s, lá estiveram a Orion, a Hidra, a Dragão e a Cassiopeia e, das LDG’s, a Bombarda e a Montante, além dos DFE’s.

Não venero heróis estereotipados e também não sou um especial admirador da personalidade do comandante Alpoim Calvão.

Conheci-o pessoal embora muito pontualmente, como comandante do DFE8 e, provavelmente conhecendo-me, não se lembrará de mim. Servi na Guiné sob o comando do oficial general (CDMG) que mais impulsionou lá os fuzileiros e, mais tarde, já depois de regressar, continuei como seu ajudante de ordens durante dois anos.

Estou em vantagem mas paro, olho, escuto e fundamentalmente calo, no respeito que alguma ignorância minha me impõe, mas também na dúvida que algum conhecimento adquirido me permite.

Entendo que, no momento certo, teve os apoios necessários para uma operação militar difícil, de elevado risco e de resultados previsivelmente duvidosos.

Julgo que, na génese de um qualquer herói, reside apenas uma pessoa comum que, em circunstâncias extremas, executa as missões necessárias para garantir a sua própria sobrevivência ou do grupo que integra.

Nesse sentido, apenas um ténue risco demarca a fronteira entre coragem e instinto de sobrevivência e, para bem de todos nós, felizmente que assim é.

Na perspectiva oposta, muitos e diria mesmo demasiados, não chegaram a dispor de oportunidade para demonstrar que também seriam capazes. Tombaram antes.

Resta-lhes na História o respeito, o silêncio e a homenagem dos que continuaram.

Muitas vezes com o assumido empenhamento, dignidade e sofrimento das Mães que perderam a sua razão ultima de vida: os Filhos.

Que título ou medalha para Elas?

Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P721: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

Guiné > Região Leste > Xime > 1969 > Uma Lancha de Desembarque Grande,a LDG 101, ao largo do Ximne, no Rio Geba.

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006).

Texto do António Lema Santos (ex-1º tenente da Marinha em 1972, serviu como Imediato na NRP Orion, na Guiné, entre 1966 e 1968; hoje é empresário e reside em Massam):

Caros Humberto Reis e Luis Graça:

Desejo-vos um excelente regresso às actividades incluindo as blognotícias.

Por vezes com exagerada persistência a rondar a palavra obstinado, vulgo chato, tenho a preocupação de não alterar, pela narrativa simplificada, factos e acontecimentos que se encadeiam uns nos outros, documental e historicamente.

Como permaneci na Guiné e naveguei nos rios Cacine e Cumbijã um par de dias fora do habitual, atrevo-me a tentar esclarecer alguns pormenores que não me parecem suficientemente precisos:

(i) Enquanto Imediato da LFG Orion, conheci pessoal, profissionalmente e até familiarmente o 1º Tenente José António Cervaes Rodrigues, à época Comandante da Companhia de Fuzileiros nº 9, com quem mantive simpático e agradável relacionamento, quer profissional quer pessoalmente;

(ii) O relacionamento entre militares embarcados em unidades navais, em instalações em terra no INAB (Instalações Navais de Bissau), CDMG e Esquadrilha de Lanchas, alargava-se ao saudável convívio na vida civil e não só, também com militares de outros ramos das FA's [Forças Armadasa] e familiares de alguns que em Bissau permaneciam; assim foi e até usufrui, algumas vezes, da possibilidade de utilizar um Land Rover cedido pela CF9;

(iii) Naquela altura, as LFG's (Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário) tal como as LDG's (Alfange e Montante), tinham comando autónomo, estavam atribuídos operacionalmente ao CDMG e incluiam na guarnição dois oficiais:

- comandante, em princípio um primeiro tenente dos QP's [Quadros Permanentes] da classe de Marinha, era nomeado pelo CEMA com publicação em OA; apenas conhecido um único caso de comando, durante algum tempo, por oficial da Reserva Naval - a Cassiopeia;

- imediato, em princípio um oficial da Reserva Naval, igualmente da classe de Marinha, nomeado em OA e que, por inerência do cargo, substituia sempre o comandante em caso de ausência ou impedimento daquele; alguns deles também foram oficiais dos QP's;

(iv) As LFP's (Bellatrix, Canopus e Deneb) apenas dispunham de um oficial, o comandante, nomeado da mesma forma pelo CEMA, da classe de Marinha e da Reserva Naval; alguns das LFP's também foram comandadas por oficiais dos QP's.

(v) Nenhuma unidade naval (navio) foi comandada por um oficial que não fosse da classe de Marinha e, apenas em caso de operações conjuntas, podiam várias unidades navais participantes ficar a depender, apenas operacionalmente e durante o tempo da operação, do comando de um oficial único nomeado pelo CDMG, também da classe de Marinha e, por norma, sempre mais antigo que qualquer dos oficiais participantes na operação;

(vi) Os comandos da Esquadrilha de Lanchas, de uma Companhia de Fuzileiros e de um Destacamentos de Fuzileiros dependia operacionalmente do CDMG, da mesma forma que as LFG's ou as LDP's e estavam sob o seu comando os elementos das respectivas unidades; especificamente, no caso da Esquadrilha de Lanchas, as LDM's e as LDP's e até outras embarcações;

(vii) As LFG's apenas participavam nos comboios para Bedanda com a responsabilidade da escolta e não incluídas nele, dado que, normalmente, até tinham a seu cargo a fiscalização de uma área Sul alargada que incluía o rio Grande Buba, Tombali, Cacine e os Bijagós mas essencialmente centrada no Cumbijã e Cacine;

(viii) As LFP's integravam-se igualmente na escolta desses comboios. Nunca chegavam exactamente à zona de Cufar, quedando-se pela foz do rio Macobum, ligeiramente a montante ou a jusante de Cadique; o comboio prosseguia com os batelões e as LDM´s com FZ's embarcados como forças de protecção;

(ix) Considerando o conjunto de todas as LFG's era uma zona em que, quase sistematicamente, havia sempre ataques;

(x) Por curiosidade apenas, a informação de que, no período de 10 a 20 de Fevereiro de 1968 o Cacine e o Cumbijã foram fiscalizados pela LFG Orion, rendida de seguida pela LFG Hidra, de 21 a 29 de Fevereiro do mesmo mês.

Mais um acrescento aos relatos.

Um abraço,

Manuel Lema Santos

sexta-feira, 21 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P713: Tabanca Grande: Manuel Lema Santos, 1.º tenente da Reserva Naval, ex-Imediato da NRP Orion (1966/68)



O Lema Santos de ontem (1º tenente da marinha em 1972, que serviu como Imediato na NRP Orion, na Guiné, entre 1966 e 1968) e o de hoje (2004), empresário, residente em Massamá.

Julgo que é o Lema Santos é o primeiro oficial da classe de marinha que nos contacta e pede licença para entrar na nossa caserna... de tropa-macaca. É óbvio que o vamos receber de braços abertos: estamos todos de acordo que a história da guerra da Guiné só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas Portugueses mais os nossos queridos turras. Até à data, e nas vésperas de completarmos um ano de existência, as tropas especiais, bem como a malta da marinha e da força aérea, está ainda subrepresentada na nossa tertúlia. Seria interessante tentar saber porquê...

Ao falar com este camarada pelo telefone, constatei que ele conhece todos os rios da Guiné, é um excelente contador de histórias, tem uma memória fotográfica e possui uma vasta rede de contactos pessoais e sociais... Welcome to board, captain!

© Lema Santos (2006)


1. Texto do Manuel Lema Santos, que me foi enviado em 5 de Abril de 2006 e que só agora, por razões de agenda (leia-se: engarrafamento de tráfego...), chega ao conhecimento dos nossos tertulianos (com o pedido de desculpas ao próprio, com quem já tinha tido uma longa e agradável conversa ao telefone).

Prezado Luis Graça,

Tenho seguido com atenção cuidada a descoberta do Blogueforanada e tenho de te cumprimentar porque, com esforço e determinação, conduzes naquele andamento tão espinhosa tarefa.

Estão satisfeitos, por certo, todos os bloguistas pela disponibilidade que lhes facultaste de se exprimirem livremente, sobre tão sensíveis quanto subjectivos temas, criticando, opinando, partilhando, mas também revivendo épocas tão conturbadas como controversas.

Também eles estão de parabéns porque o fazem por vontade própria, sem reservas, servindo uma causa comum: pesquisa e regresso ao passado, com esclarecimento e sem fantasmas.

Resumidamente, escreve-se história. Muitas vezes, tão do foro intímo de cada um que a exposição pública se torna penosa e de difícil conciliação pessoal.

Para mim não é diferente e daí o ter procurado o teu - quão difícil é assumir este teu - contacto pessoal telefónico para me apresentar previamente, no rigoroso respeito da ideia de quem, sabendo que pode partilhar igualmente informação interessante, sente alguma inibição em levar essa colaboração à prática.

Diga-se, em abono da verdade, que passei a estar em dívida contigo, pelo teu tempo pessoal disponibilizado à nossa conversa e simultaneamente à minha apresentação.

Guiné é tema único e também lá estive, envolvido naquela dramática vivência!

Não consigo compreender, no meu modesto entendimento e sem noções concertadas de estratégia militar, como é possível escrever a estória da Guiné sem estar a ela associada a própria história da Marinha de Guerra, conjuntamente com a história dos outros dois ramos das Forças Armadas.

Fui oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, o que equivalia, em termos práticos, aos seus pares congéneres milicianos do exército. Não mais do que universitários, licenciados ou em vias disso, que, tendo de cumprir num horizonte próximo e ao serviço da cidadania o serviço militar obrigatório, optavam pela inscrição nesse ramo das Forças Armadas, vindo posteriormente a ser seleccionados ou não, de acordo com as exigências e os resultados dos testes prestados no ramo.

Fui apenas um entre os quase 3000 oficiais da Reserva Naval que, entre 1958 e 1982, desfilaram naquela Instituição; daqueles, cerca de um milhar terão desempenhado missões de serviço nas antigas colónias portuguesas, entre 1961 e 1975.

No meu caso, depois de um curso de seis meses na Escola Naval, a viagem de instrução de cadete e o juramento de bandeira com promoção a Aspirante (Outubro de 1965 a Maio de 1966) marcaram, em sucessão, instrução e formação, camaradagem, também crescimento.

Depois, já promovido a Subtenente, o destacamento para uma unidade naval na Guiné, o NRP Orion - P362 (LFG - Lancha de Fiscalização Grande) onde fui oficial Imediato de Maio de 1966 a Abril de 1968; uma unidade naval de 42 metros, com 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças entre outras 6 idênticas (Argos, Dragão, Hidra, Lira, Cassiopeia e Sagitário).

Seguiram-se inúmeras operações, apoios à navegação (LDG's, LDM's, LDP's, TT's, embarcações e batelões) e oceanografia, escoltas, fiscalização, transportes, ataques e respostas, evacuação de feridos, prisioneiros e até transporte de agentes da PIDE.

Na memória que o tempo em mim não apaga, esfumam-se relatos, acontecimentos, documentos, registos, afinal também História. Em tudo idêntica no tempo à que tenho vindo a ler no Blogueforanada mas, muito mais do que idêntica, complementando-se mutuamente.

Do Cacheu a Norte ao Cacine no Sul, com o Mansoa, Geba, Corubal, Grande de Buba, Tombali e Cumbijã pelo meio.

Numa enorme bolanha em que as marcas radar, a sonda e algumas vezes a sorte, nos serviam de anjos anti-encalhe.

Bijagós, mais um nome, mas num mundo à parte! Cabo Verde nas obrigatórias e periódicas docagens nos estaleiros.

Sem grande possibilidade de lhes soletrar os nomes que a memória aí não chega, o meu cumprimento a todos os militares do exército com quem convivi, especialmente no Cacheu, Barro, Ganturé (Bigene), Farim, Caió, Bissau, Nhacra, Mansoa, Bolama, Cacine, Cabedú e muitos outros locais, sem esquecer uma aventura radical na forma de uma ida a Cameconde, a 8 km de Cacine.

Foi ainda possível, vejam só, em 13 de Setembro de 1966 (alguém presente?) embarcar, em Cabedú, a companhia ali estacionada e, na LDM 307, transportá-la até à Ilha de Melo, efectuar um desembarque - nome de operação: SOL -, aguardar a praia-mar, voltar a reembarcar a companhia, levá-la de volta ao aquartelamento e regressar ao patrulha.

Éramos nómadas, mas nunca teria sido possível por o pé em terra em alguns locais sem lá estar o exército ou levarmos fuzileiros. Noutros, não teria sido possível lá passar, quem sabe?... sem o apoio dos T6 ou dos Fiat da FA. Na memória o som (a soundblaster possível na época) dos diferentes tipos de "instrumentação" utilizada nos "jogos de guerra", aquando das escoltas que efectuávamos nos abastecimentos ao aquartelamento de Bedanda (tenho material de som gravado).

Cafine, Cadique, Cufar, canhão sem recuo incluídos ou as peças anti-carro 57 mm com que éramos brindados na barra do Cacine, podiam ser bons exemplos mas os RPG's no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar.

Depois de 2500 horas de navegação e dois anos decorridos, o regresso ao Continente, já como 2º tenente. Família constituída e a necessidade de completar a minha formação académica e profissional levaram-me a prorrogar, por mais algum tempo, a minha permanência na Velha Escola. Em 1972, promovido a 1º tenente, pedi a passagem à disponibilidade.

Num passado comum a preservar, a minha homenagem pessoal a todo o enorme grupo de marinheiros da Marinha de Guerra que, ao longo de 13 anos, mantiveram bem alto a fasquia de valores pessoais e militares naquele território, lembrando especialmente aqueles para os quais, a implacável lei da vida, tornou o percurso mais curto.

Estarão sempre connosco.

Disponham do meu modesto conhecimento para qualquer colaboração entendida como útil.
Um abraço,

Lema Santos

Anexo: 2 fotos pessoais (1972 e 2004) - o facto de gostar de fotografia desde muito novo leva a que, de mim, a família tem poucas fotos.

2. Ficha pessoal do novo membro da nossa tertúlia, que me foi enviada nestes termos: "Na sequência da nossa conversa telefónica e para evitar complicações de apresentação, tomo a liberdade de te enviar uma ficha descritiva do meu perfil pessoal bem como os meus contactos. Grato pela disponibilidade e abertura que demonstraste. Um abraço e dispõe,
Manuel Lema Santos"


Nome > Manuel Lema Pires dos Santos (normalmente omito o Pires pelo facto de o não utilizar desde há muito)

Idade > 63 anos

Estado civil > Casado com Maria João Lema Santos, economista, com dois filhos de 21 e 17 anos respectivamente; 2 filhas de 1º casamento (37 e 36 anos respectivamente)

Formação académica:

(i) Liceu Pedro Nunes de 1952 a 1959; (ii) Curso de engenharia mecânica do IST, incompleto na licenciatura (6º ano da antiga reforma); (iii) Escola Naval (Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval - 8 º CEORN) de Outubro de 1965 a Maio de 1966; (iv) Viagem de Instrução no NRP Corte Real em Abril de 1966, juramento de bandeira e promoção a Aspirante.

Formação Militar:

- Nomeado Imediato do NRP ORION - P 362 (guarnição de 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças), com promoção a SubTenente, em serviço na Guiné.
- Embarque para a Guiné em 31 de Maio de 1966.
- Permanência naquele lugar até 24 de Abril de 1968, cumpridas cerca de 2500 horas de navegação e algumas idas a Cabo Verde (Mindelo) para alagem (docagem).
- Promoção a 2º Tenente em 31 de Maio de 1967.
- No regresso e até Agosto de 1968, formador no Grupo nº 1 de Escolas da Armada (Vila Franca).
- De Agosto de 1968 a Maio de 1970, ajudante de Ordens do Comandante Naval do Continente e Base Naval de Lisboa

Formação Profissional:

- De Maio de 1970 a Novembro de 1972 dirigi, a pedido e como adjunto, o Serviço de Publicações do Estado Maior da Armada, primeiro estágio profissional na indústria gráfica, ramo que abracei até hoje.

- Promovido ao posto de 1º Tenente em Novembro de 1972, tendo pedido a passagem à disponibilidade.

- Final de 1972 - Admitido como Director de Produção da Livraria Bertrand (parque industrial da Venda Nova - Amadora); pedida a demissão em Fevereiro de 1977.

- Março de 1977 - Admitido como Chefe de Produção da Avery Portugal - B. Nascimento, Lda.; diversos estágios realizados na Alemanha, Dinamarca, Suécia e Espanha no âmbito da mesma indústria gráfica (serigrafia e etiquetagem). Pedida a demissão em Março de 1983.

- Entre 1984 e 1987 ainda passei em duas outras empresas em lugar equivalente (Selegrafe, Litografia Amorim e Copinaque);

Formação complementar:

- Desde aquela altura e até agora, primeiro como empresário em nome individual e depois em sociedade com a mulher, em M. Lema Santos - Comunicação Gráfica, Lda., pequeno estúdio gráfico, de índole familiar, na área digital/pré-impressão/Internet.

Actividades diversas:

- De 1969 a 1981, presidente da Direcção de uma associação cultural e desportiva (Clube Arte e Sport).

- Desde 1997 sócio e colaborador na AORN (Associação dos Oficiais da Reserva Naval) tendo aceite o lugar de vogal neste último elenco directivo; por divergências em questões de fundo afastei-me no final de 2004.