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domingo, 19 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20875: (Ex)citações (365): Os ex-combatentes, agora confinados por causa da pandemia de COVID-19... Hoje, como ontem, "presos"! (Mário Gaspar, ex-fur mil at inf, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Aquartelamento e tabanca no final da comissão, em 1968

Foto (e legendagem): © Mário Gaspar (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada 
Mário Gaspar,  ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68: 

Date: sexta, 10/04/2020 à(s) 01:36

Subject: Presos

Caros Camaradas Luís e Carlos

A minha vida tem sido complicada. Após me ter envolvido na Poesia – nunca fui Poeta – embora entretanto não tenha paciência senão nessa leitura, comecei a colaborar com o Capitão de Abril, Major General–Médico João Bargão dos Santos – já não o via desde 2000 – convidou-me para a fundação da Associação Salgueiro Maia. Começou com uma Petição. Nada aconteceu como se julgava e o General não se entendeu com os restantes, já após o Registo da Associação e pediu a demissão. Continuo mas contrariado.

Os problemas de saúde agravaram-se, é impossível combater tantas doenças, e sou um Combatente. Antes do jantar resolvi sentar-me defronte do computador, saiu este texto. Foi complicado lembrar-me de alguns nomes.

Aqui vai.

Um Abraço Mário Vitorino Gaspar


2. PRESOS!...

Olá Luís, Olá Carlos e Olá Camaradas

Camaradas de Guerra da Guiné, Camaradas de Guerra das Outras Colónias.

Para os Camaradas do Blogue, regresso agora, sei que estão "fechados a sete chaves, nas vossas casas" – PRESOS. Os Camaradas Sem-Abrigo – segundo consta – continuam a dormir na rua! – PRESOS. É triste, se for verdade. Para eles o meu apoio.

Todos os que passaram 24 horas diariamente na Guiné, fora de Bissau, fomos prisioneiros. PRESOS na rua.

Tínhamos à nossa frente paliçada e arame farpado. Lá adiante avistávamos capim e mata. Só capim e mata. Lá por detrás do capim era a mata. Éramos prisioneiros dum presídio sem grades. Mas capim e…

O Combatente mata, para não ser morto. É um princípio, não podemos abdicar dele.

Agora, com este inimigo [, o novo coronavírus SARS-CoV-2,] só visível porque mata e faz sofrer, nós Combatentes nada podemos fazer, mesmo que possuíssemos a arma mais mortífera, dizer para um nosso camarada: 
– Mata!

Temos de baixar a cabeça, entrar em casa e fechar a porta a sete chaves. Esperar. Penso termos argumentos, porque somos Combatentes, em termos medo. Decerto que o medo existe, como também este surto, haja o primeiro que diga o contrário. Estamos PRESOS.

Avisam, e de consciência tranquila – esses Senhores que nos governam, que não sabem o que é uma guerra – nem sequer lá estiveram. Repetem e voltam a repetir:
– Fechem-se em casa. Lavem as mãos; desinfectem-nas; não levem as mãos ao rosto, etc., ponham a máscara. 

Mas que máscara? Os açambarcadores compraram todas. Agora a Ministra da Saúde nem sabe se os Portugueses devem ou não usar máscaras. A verdade é, quem as possui é de as guardar, não vá o diabo tecê-las.
– Os velhos têm prioridade! – Dizem.

Um PSP disse-me que era velho e que tinha de ir para casa. Respondi:
– Sou doente e se deixo de andar, então tenho mesmo de recolher de uma vez para sempre. As pernas estão ligadas, tenho mesmo de percorrer alguns metros por dia. Vou andando, não se vê ninguém na Avenida. Desloco-me pelo passeio. Peço-lhe de uma vez por todas, não chame velho a ninguém… Velhos são os trapos… Diga antes. "O Senhor está noutra idade, tenha cuidado! E só lhe fica bem!"...

O Polícia riu.

Fui Prisioneiro no Centro de Apoio Social (CAS) do Instituto de Apoio Social das Forças Armadas (IASFA), vi utentes às portas da morte, vivendo isolados no interior de um Palácio, cercado por vinhas e campos de laranjeiras.

Tenho transmitido àqueles que conheço o que sinto.

Na Guiné, partilhámos em períodos diferentes, o confronto com o denominado "IN", que nunca foi o meu inimigo. O inimigo era um regime fascista, desprezado e colocado à parte pela grande maioria dos países do mundo. Enviara-nos para a guerra e PRESOS.

Fui sempre contra a Guerra, bem podia não ter ido... Deixei de estudar. Existiam dificuldades de emprego e a vida obrigou-me a seguir as pegadas do meu Pai, que era Industrial de Panificação. Costumo a dizer que "fui fabricado numa Padaria", mas não sou adepto do alimento, talvez um dos mais necessários da humanidade...

 "O precioso pão"! Fui Ajudante de Padeiro, com Carteira Profissional. Também, tenho a acrescentar, estive Tuberculoso aos 7 anos, durante um ano não frequentei a Escola (1.ª Classe). Nasci na Freguesia de Santa Maria, em Sintra, e foi no Antigo Edifício dos Bombeiros Voluntários de Sintra que fui à Inspecção, embora desde os três anos morasse em Alhandra, Vila Industrial, foi aí que aprendi a ser Homem, embora tenha estudado no então famoso Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira, desde os meus treze anos  namorei com uma sueca, linda boneca, Ingrid Margaretha Gustavsom. Alhandra foi a minha Universidade. Tive como Professores Sábios Avieiros e os Operários.

Nessa dita Inspecção, a dada altura escutei – sacudi os ouvidos – o vozeirão de um Sargento: 
– Todos nus! – Era o princípio de entrar numa prisão. PRESOS ...

Sabia que ia ser complicado para a grande maioria exporem o seu sexo.

Fui nadador (?)... Nadei em competições, com dificuldades respiratórias, era óbvio se estive tuberculoso. Tomava o meu duche após sair da água da Piscina do Alhandra Sporting Club, nascida no digno trabalho de Soeiro Pereira Gomes, o escritor de "Esteiros", que viveu em Alhandra e ofertou aos Operário uma grande herança: Bibliotecas e um "charco" que deu origem a essa Piscina.

Sucede que me expus e nu, de imediato numa varanda, mesmo defronte do famoso Palácio da Vila. Turistas, eram muitos, apontaram o dedo e riam. Dois ou três fizeram o mesmo com o intuito de me apoiarem e os restantes colocaram as suas mãos-folha-de-parra, escondendo o sexo. 

Fiquei Apurado para Todo o Serviço Militar. Refilei, mas nunca disse ser Padeiro. De certeza se o dissesse não seria Atirador. Continuava a namorar a sueca, sempre por escrito, que insistia para ir para a Suécia, tinha emprego na firma do pai e casaríamos depois. Ainda tentei, mas o dinheiro que ganhava, o meu Pai depositava numa conta. Nem sequer tive hipótese de acesso à mesma.

A três de Maio de 1965 apresento-me no RI 5, Caldas da Rainha, para iniciar a Escola de Recrutas no Curso de Sargentos Milicianos. Nem sequer pedi para ir para a Tropa. A partir desta data fiquei preso. PRESOS.

Terminei a Recruta e fico preso no CISMI, em Tavira. Não gostei dos Algarves, embora as algarvias fossem quentes. Muitos colchões de palha e percevejos em liberdade na parada a um sol quentíssimo. Isto em princípios de Agosto de 1965. Tratava-se de um Curso de Armas Pesadas.

O Comandante de Pelotão foi o então Alferes Cadete (Luís Carlos Loureiro Cadete), voltei a reencontrá-lo a Comandar a Grande Operação Revistar, onde tudo aconteceu.

Numa outra Companhia do CISMI, comandava um Pelotão o Alferes Fernando Augusto C. L. Robles – conhecido por muitos – até ser "julgado" no pós 25 de Abril.... Simulo uma lesão, tentei safar-me, ainda estive no Hospital Militar, em Évora, enganei-os e perdi a Especialidade por estar afastado da mesma mais de 10% do tempo. Por pouco tempo deixo de fazer parte dos PRESOS.

Sou chamado para a Escola Prática de Artilharia, Vendas Novas. Tento a minha sorte e na primeira tentativa ganho as boas graças do Major Comandante do Curso. Sou obrigado a Prestar Provas para os Comandos e quase que me apanhavam. Procuravam Monitores para Cursos dos Comandos. Ainda volto ao Hospital Militar de Évora depois de ter enganado meio mundo. Termino a Especialidade, sou promovido a Cabo Miliciano e colocado em Viseu, num Pelotão de Instrução de Recrutas como Monitor.

 O Instrutor é o Alferes Antunes que iniciara uma Comissão em Moçambique, caiu numa mina ficando com o rosto desfigurado. Operado na Alemanha, ficaram alguns sinais. Aguardava ser chamado para uma outra cirurgia. Outros Monitores: Um Cabo Miliciano e um Cabo Readmitido. Cada Pelotão dava Instrução a 77 Recrutas. Lá tive a minha História. O Comandante do RI 14 era um dos futebolistas heroicos que venceram a Taça de Portugal pela Académica de Coimbra, em 1939, Carlos Faustino da Silva Duarte. 

Não seria mobilizado se me tivesse apresentado a horas no Quartel. O Coronel era amante do Desporto e reuniu da parte da manhã com os Aspirantes do Quadro e os Cabos Milicianos. Pretendia saber quem praticava Desporto e a Modalidade. Podia-me inscrever na Natação, o futuro disse-me que fosse um bom militar me tinha safo. Entrei nos Campeonatos da Região Militar, em Tomar e fui à Final dos 100 metros Costas. Nadava Costas de brincadeira. Tinha regressado dos Rangeres, Lamego onde me obrigaram a Prestar Provas e fui chamado ao Coronel Faustino que me pediu para nadar o Estilo Costas, porque assim o RI 14 podia concorrer por Equipas. Tínhamos terminado uma Instrução e foi no Juramento de Bandeira. Os familiares dos Recrutas, como sempre, traziam cestos de comida. Os Soldados queriam que petiscasse e bebesse uns copos. Não me sentia bem. Chamam-me, um Tenente Amigo que fazia parte da Equipa de Natação, diz-me: 
– Mário, estás mobilizado para a Guiné! Não digas a ninguém…
– E os outros Cabos Milicianos?
– Também. Mas só os mais velhos…

Voltei para junto dos Soldados e comi, bebi ainda mais.

O Coronel Faustino chama-me:
– Sabe, está mobilizado. Tenho tentado ver se o safava. É pena porque estava apurado para o Campeonato das Regiões Militares.

O Capitão da Companhia, informa-me:
– Não sei se leu a Ordem de Serviço? Mas de qualquer modo fica a saber que é o Responsável pelo Controlo da próxima Recruta.

Vai a cada Pelotão e observa como estes tipos Aspirantes dão a Instrução. Você sabe que não quero que comecem a ensinar como se faz a esquerda volver, sem saberem fazer a direita!

Só tive chatices. Quando via que os Aspirantes não faziam conforme o que o Capitão pretendia aproximava-me do Aspirante – eram todos acabados de chegar da Academia – dava o recado, mas de modo que ninguém ouvisse. Gritava logo:
– Ó Nosso Cabo!
Não respondia, nem sequer era Cabo. Muito embora fosse Cabo no Pré e Sargento de Serviço. Iam fazer queixa ao Capitão, ele respondia:
– Não sabem que o Mário é Cabo Miliciano?

O Alferes Antunes, um grande Amigo. Combinara comigo e com o outro Cabo Miliciano que o tratamento entre nós fosse por «tu». Morava na Rua Direita, em Viseu. A esposa estava grávida. Todos os dias conversávamos, um dia diz-me:
– Nunca mais me chamam para a Cirurgia. Abriram Concurso para a Brigada de Trânsito da GNR, vou candidatar-me!

No dia que saio do RI 14, já me despedira dos Sargentos da Secretaria que me encobriram todas as baldas – uma de 11 dias em casa, sem licença – e tocou a hora da despedida do Capitão Amaral (Militarista): e Alferes
– Mário, você é bom rapaz. Mas isso não é nada! Dê-me um abraço!

O Alferes abraçava-me e chorava. Só mais tarde entendi. O Antunes tinha Stress Pós Traumático de Guerra.

Apresentei-me no Regimento de Artilharia de Costa (RAC), Oeiras, à civil, mas depois de ir até à casa. Cheguei pela noite ao Quartel e o Oficial de Prevenção, um Aspirante recebeu as Guias e acompanhou-me ao local onde ia dormir. Ao chegar vejo uma cama, tapete e mesa de cabeceira. Estranhei! O mesmo Aspirante acordou-me atrapalhado:
– Nosso Cabo Miliciano, estas instalações são dos Oficiais, tem de sair! 

Enviam-me para a Escola Prática de Engenharia (EPE), Tancos para tirar o Curso de Minas e Armadilhas. Até um rebentamento houve no XX Curso de Minas e Armadilhas.

Tudo prisões. PRESOS. A pior de todas foi ter tirado este maldito Curso. Antes Comandos ou Rangeres.

Algo aprendi neste período de tempo, principalmente ter conhecido o perfil do Heroico Soldado Português. Dei diversas Recrutas em Viseu... Muitos nunca tinham sequer visto um comboio; e nunca terem visto o mar (?); outros nunca tiveram o prazer de tomar banho, decerto que tinham mergulhado em águas da ribeira; e o cansaço antes e após o esforço (?). Alguns nem sequer conheciam o cansaço. 

Depois só necessitavam de manejar uma arma. Vivia a maioria em aldeias distantes das vilas ou cidades, nuns casos nem sequer conheciam essas mesmas terras, de qualquer modo como não existissem transportes era a pé que andavam quilómetros. Com a enxada cavavam desde o nascer ao pôr do sol. Poucos ou nenhuns tinham passado fome, podiam não terem acesso a determinada alimentação, mas não era por aí. Quando chegavam novos Recrutas tínhamos de acompanhar, cada vez que íamos à Porta de Armas, 50 futuros Soldados. Um dia surgiram à porta-de-armas dois inimigos do banho. Quando chegou o momento de todos irem ao duche disse para um tirar a sujeira do outro, usando sabão e unhas. Mas pénis e cu, cada um lavava o seu. Fizeram aquilo que mandei e ficaram ambos no meu Pelotão. Pois um deles passou a tomar banho todos os dias.

Aquilo que aproveitei foi conhecer bem o Nosso Soldado Português.

Vou para o GACA 2, em Torres Novas para uma "Escola de Quadros" – fico em vias de apanhar uma porrada – afinal estávamos lá por engano. É quando conheço o Capitão da minha Companhia. Apresentei-me no RAL 5, Penafiel, onde as CART's 1659; 1660 e 1661 fizeram a Instrução Operacional, para rumarem para a Guiné, onde conheço quase todos os Soldados.

A decisão estava tomada e decidi partir mesmo, e cumprir. Continuaria a tratar os Soldados por «você», esperava ajudá-los e que me ajudassem. Como possuía uma grande força interior, por ser o primeiro Cabo Miliciano que o Capitão conheceu e sermos somente três com este Posto, tive influência em quase tudo o que vem a suceder. Todo o Pessoal Especializado não está nesta Instrução. Tivemos de fazer a escolha daqueles que seriam os 1.ºs Cabos e o Pelotão e Secção onde iam ficar integrados. Atribuída a minha Secção, que era maior e peço que acrescente mais um elemento, o Capitão aceita. Intrigado, ri quando indico o nome do Soldado Armando Pardelinha. Tinha medo de saltar o galho. Acompanhou-me sempre, e em todas as Operações.

Pois Gadamael Porto era um Quartel junto da fronteira, da Guiné Conacri. Estava agregado o Destacamento de Ganturé. Em Gadamael existiam dois edifícios que tinham pertencido a colonos. Partilhávamos o espaço com a população civil. Posso dizer que passe pelos Comandos e Rangeres, terminei nas Minas e Armadilhas, até me deram um Diploma numa Cerimónia no Palco do Cineteatro, de Tancos.

Curioso que nunca vi no mato – foram praticamente 23 meses – nenhum Fuzileiro, Comando ou Ranger. Aliás, minto. Existia na minha Companhia um Ranger, o Furriel Miliciano José Nicolau Silveira dos Santos – o grande Amigo Açoriano que vive no Canadá.

Somos Combatentes e PRESOS, de Serviço durante 24 horas; não autorizados a licenças de recolher; sem fins-de-semana. Os chamados Tropas Especiais – tenho muitos Amigos Combatentes nessa Tropa – mas viviam em Bissau e eram chamados para Operações. Podiam ir "às meninas", petiscar no Zé da Amura ou andarem aos tiros uns contra os outros após de jogos de futebol entre eles.

Mas este flagelo, ou surto que ataca o Mundo não é – como ouvi e li – uma guerra – nem o exagerado termo, 3.ª Guerra Mundial, embora tenha muitas semelhanças, esta é a minha opinião.

O que será então? É o desafio que deixo ao Blogue.

___________

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20609: Banco do Afeto contra a Solidão (25): Comandei um secção de morteiros em Gadamael Porto, fiquei surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Cópia do cartão de beneficiário por doença profissional


Foto: © Mário Gaspar  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem,  enviada hoje às 2h45, do nosso amigo e camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68:


Caras Amigas e Caros Amigos

Comandei uma Secção de Morteiros em Gadamael Porto, Sul da Guiné, bem perto da fronteira da Guiné Conacri. Fiquei Surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais, mas devia ter esse direito como Deficiência de Guerra.

Foi simples: foram tantos as granadas saídas do morteiro que comandava, descuidei-me e encerrei a boca, e os tímpanos deram sinal.

Já passou… O poema [, que anexo,  já aqui publciado em tempos, ] é de Guerra Junqueiro Ou melhor, "O Morteiro" é um paródia a "Lágrima" de Guerra Junqueiro, incluído no Relatório de combate de 9 a 12 de Abril de 1918 - Lembranças, caderno manuscrito por Raul Pereira de Araújo, alferes de Artilharia, sobrevivente da Batalha de La Lys. (**)

NOTA: De qualquer modo vai em Anexo o Cartão de Doenças Profissionais. Por exemplo – para quem não sabe – governos consideraram que um Combatente é e foi um Trabalhador no Serviço Militar. Enganaram-se decerto… E ninguém deu pelo engano...

Acabaram com o Jornal “Ridículos” e com “Parodiantes de Lisboa”.

E esta?


(...) "O morteiro", paródia à "Lágrima" de Guerra Junqueiro
(Mota, 2006, pp. 104-107)

Noite de frio intenso, uma trincha escavada,
Lúgubre, sepulcral, agoirenta... e mais nada,
Trincheira onde a morte apanha vis pancadas
Em banquetes de sangue arrancado em ciladas
Na trincha oposta, onde o boche reina e impera
Em rasgos e expansões de forte besta-fera.
Um oficial audaz, olho do batalhão,
Descobriu, dum morteiro grosso, a posição,
Maquinismo feroz que se cumpre o dever,
Ao perto e ao longe tudo faz estremecer. (...)


domingo, 19 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20574: Recortes de imprensa (111): Homenagem ao psiquiatra Afonso Albuquerque, "pai do stress de guerra e da APOIAR" (Mário Vitorino Gaspar, "O Notícias de Almeirim", 23/8/2019)


Lisboa > No dia 15 de Dezembro de 2000,  a APOIAR organizou um Colóquio, com o tema “A Rede Nacional de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra",  no Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD).  Na foto, da esquerda para a direita, o Presidente da ADFA, Patuleia Mendes, a dra. Trindade Colarejo (SNRIPD), o doutor Afonso de Albuquerque e o Mário Vitorino Gaspar, Presidente da APOIAR.  (Foto: cortesia do Mário Gaspar, 2019)




Doutor Afonso de Albuquerque, 
Pai do Stress de Guerra e da APOIAR

O Notícias de Almeirim, 23-08-2019


[ex-fur mil art, minas e armadilhas,  CART 1659,
  Gadamael e Ganturé, 1967/68; 
tem mais de 110 referências no blogue]



1. Neste artigo, reproduzido por "O Notícias de Almeirim",  com a devida autorixação do autor,  o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar [, foto à esquerda], presta-se uma homenagem ao "Doutor Afonso de Albuquerque:

Presidente e fundador da Associação Portuguesa de Terapia do Comportamento e da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Ex- Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, Presidente, Fundador, Presidente, em vários mandatos,  da Mesa da Assembleia Geral da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra, Sócio Honorário.

Afonso de Albuquerque fez 83 anos em 2018 e completou 50 anos de carreira. Em entrevista à Sábado, 28/10/2018, falo do seu passado, pessoal e profissional. Ficamos a saber que, depous de regressar a Portugal com o título de especialista em Psiquiatria, atribuído pela Royal College of Psychiatrists, fez o seu serviço militar obrigtório, em Moçambique, de 1961 a 1964, antes do início da guerra colonial. Teve problemas com a PIDE e a justiça militar. Voltaria a ser preso pelo PIDE, antes do 25 de Abril. Foi simpatizante do MRPP., mas nunca militante.


2. Mas regressemos ao artigo do Mário Vitorino Gaspar:

[...] Entre outros cargos, [Afonso Albuquerque] é membro do “Royal College of Psychiatrists”  (England), autor de variadas publicações e artigos na área do PTSD [, Post-Traumatic Stress Disorder,]  e da Sexologia, pesquisador do trauma dos Ex-Combatentes, nesse sentido o Serviço que presidia, colaborou com a ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas, no Palácio da Independência, no apoio aos Ex-Combatentes da Guerra Colonial, em Janeiro de 1987. Em Setembro de 1989, os Serviços saem da ADFA.

Como sócio, fundador e dirigente da AOPIAR, doente e conhecedor de um pouco do trabalho desenvolvido pelo doutor Afonso Albuquerque, habilito-me a prestar-lhe a minha homenagem. Após o registo da APOIAR, fiz de parte de diversas listas, o dutor presidiu sempre à Mesa da Assembleia Geral, desde Dezembro de 1994 até Dezembro de 2004.


A APOIAR iniciou o percurso, sempre acompanhada pelo Doutor, investigador da doença, que apresentara o resultado de uma pesquisa científica, em conjunto com a Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes. Neste pode-se ler:

“… o conceito actual de Perturbação Pós Traumática do Stress (PTSD) – posttraumatic stress disorder, no DSM – III em 1980, também já incluído no ICD – 10, da Organização Mundial de Saúde, em 1992”. 

Diz ainda:

 “Não havendo estudos epidemiológicos sobre a distribuição da desordem de stress pós-traumático entre a população portuguesa, apontaram para a «existência em Portugal de 140.000 ex-combatentes vítimas de PTSD, por extrapolação das estatísticas americanas». (…) 

Este trabalho foi feito tendo por base números propostos por estudos epidemiológicos realizados junto da população americana. Tais estudos teriam sido promovidos pelos “ Centres for Disease Control” [CDC].


A APOIAR dava os primeiros passos na Sede, num vão de escadas, gentilmente por ele cedido nos Serviços de Psicoterapia Comportamental, existido uma mesa, duas ou três cadeiras, um armário e uma máquina de escrever. O Dr. Afonso de Albuquerque permitia que a APOIAR se servisse do seu gabinete, no 1.º andar, para receber principalmente a comunicação social, ou qualquer individualidade.


Em Outubro de 1995, o Doutor foi o principal impulsionador do “1.º Encontro sobre o Stress Traumático” na Fundação Calouste Gulbenkian.

Em parceria com a Biblioteca Museu República e Resistência, a APOIAR colaborou neste evento também com uma Exposição com o título «Guerra Colonial», e um Ciclo de Conferências: “Guerra Colonial. Um Diferente Olhar”, de 8 a 18 de Abril de 1996. Num painel intitulado “Mesa Redonda com Ex-Combatentes”, o Dr. Afonso de Albuquerque dirigiu um longo debate.

No dia 4 de Abril de 96, a APOIAR foi convidada a participar num Colóquio, organizado pela ADFA, com o tema «A Realidade do DPTS – Suas Causas e Consequências». Presidiu ao debate o General Ramalho Eanes, e entre outros, o Dr. Afonso de Albuquerque referiu: “A guerra, principalmente a de guerrilha, é a situação mais traumática”.


APOIAR denunciou, e inclusive no seu Jornal: 

(…)  Nas situações de juntas para a reforma, ou de revisão de baixas começou-se a ouvir: “É a doença nova”; “É a doença do Dr. Afonso de Albuquerque” ou: “Desconhecemos essa nova doença”.

A APOIAR participou no Colóquio da ADFA no Porto, no dia 29 de Novembro de 96, com o tema “A Realidade do PTSD – Suas causas e Consequências”. O Dr. Afonso de Albuquerque afirmou: “O PTSD é a única doença de Psiquiatria que pode surgir muito à posteriori”. 

Continuando:  “…uma das causas que provocam o PTSD é a exposição ao combate, e existe muito de comum entre a Guerra Colonial e a do Vietname, o serem ambas guerras de guerrilha, e as diferenças, favoráveis às das tropas americanas: melhor armamento, melhores serviços e campanhas inferiores a 12 meses, 3 deles fora das zonas de combate. Gozavam licença,  enquanto o soldado português não. Os americanos não possuem a tradição de confraternizar, ser a sua idade média inferior à do português, alguns casados, noivos ou com namoradas”.

No dia 28 de Fevereiro de 1998 a APOIAR organizou em Cuba [, Alentejo,] com a colaboração da Comissão de Ex-Combatentes e Residentes de Cuba,  um Colóquio, com uma Exposição Fotográfica com o tema «Guerra Colonial – Memória Silenciada».

O Doutor Afonso de Albuquerque afirmou: 

 (i) “… o trabalho de acompanhamento aos ex-combatentes é um trabalho pesado, o mais pesado da minha vida como médico”;

(ii) “A juventude que era de alegria foi marcada pela tristeza”;

(iii) " (...) 30% de combatentes, incluindo oficiais e sargentos – principalmente os milicianos – devido à responsabilidade de comando, sofrem de PTSD. Metade, portanto 15%, estão em estado crónico”;

(iv) (...) Quer dizer, dos 140.000 – número calculado por extrapolação dos dados americanos – 50.000 podem estar incapacitados totalmente para o trabalho”;

(v) “… a doença é perversa, retardada e rebenta mais tarde”;

(vi) “Existem doenças associadas ao PTSD: o alcoolismo surge com frequência, sendo o suicídio maior nos ex-combatentes e menor a longevidade – morre-se mais cedo”.

Interessa antes de tudo que o ex-combatente seja acompanhado por psicólogos e psiquiatras, e que o mesmo acompanhamento seja extensivo à família. Sucede existir pouca sensibilidade de certos médicos, que dizem ignorar a PTSD, embora esta seja aceite pela Organização Mundial de Saúde. 

É bom que a APOIAR e a ADFA colaborem ambas de molde a permitir que a doença seja reconhecida, a doença existe, foi causada pela guerra. Nos Estados Unidos motivado pela Guerra do Vietname, a partir de 1980 surgiram diversos movimentos: Médicos no Congresso e o Movimento dos Combatentes entre outros, conseguindo que fosse publicada legislação.

Em 14 de Julho de 1998,  foi apresentado pelo Deputado Carlos Encarnação,  do PSD,  um Projecto para o reconhecimento em Portugal do Stress de Guerra, e Criada uma Rede Nacional de Apoio às Vítimas de PTSD.

No dia 19 de Setembro de 1998,  a APOIAR reuniu com o Dr. Álvaro de Carvalho, Director dos Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental, que solicitou à APOIAR um parecer técnico para ser enviado por ele mesmo, como responsável máximo da Psiquiatria e Saúde Mental, a todos os Hospitais, Centros de Saúde Mental e Escolas de Enfermagem para que os técnicos conheçam mais pormenores sobre a doença. A APOIAR considerou ser o Doutor Afonso de Albuquerque a pessoa mais indicada para fazer o “parecer técnico”, parecer esse que deu origem à legislação, e o reconhecimento do trabalho da APOIAR. Esse parecer,  elaborado pelo Doutor Afonso de Albuquerque,  foi-lhe entregue posteriormente.

No dia 25 de Setembro de 1998 houve um ciclo com o tema “Amor em Tempo de Guerra”, conjuntamente com uma Exposição denominada “O Erotismo na Arte”. 

O Doutor Afonso de Albuquerque, que cumpriu a Comissão em Moçambique [, enter 1961 e 1964], como médico, disse: 

“A sexualidade em tempo de guerra tem a ver com a experiência havida em tempo de paz. (...) Chegados os soldados à zona de guerra as prostitutas surgiram logo, existindo uma mulher europeia, por cada dez europeus. O perigo das relações sexuais com as nativas eram as doenças venéreas. Não havia preservativo, mas bisnagas de sulfamida. Os soldados afirmavam que aquilo tirava a potência, sucedendo existirem experiências sexuais com animais".

A APOIAR convocou uma Conferência de Imprensa no dia 19 de Maio de 1999. Na Mesa: Doutor Afonso de Albuquerque; Mário Vitorino Gaspar, Presidente e Carmo Vicente, Vice-presidente da Direcção Nacional. Foi entregue à Comunicação Social um documento, que foi lido. Muitas questões levantadas pelos bastantes jornalistas. 

A SIC fez uma entrevista em directo para o Telejornal das 13H00, entre outras questões, e prometendo-nos que nos acompanhava ao Parlamento:  “Qual a posição que a APOIAR tomará caso seja chumbado o Projecto de Lei?" Após consulta rápida decidiu a DN. Foi dito pelo Presidente Mário Vitorino Gaspar:  “… caso o projecto de lei chumbe,  não votaremos nas próximas eleições, que se aproximam, e iremos recomendar a mesma medida aos ex-combatentes e ao país”.

 O Dr. Afonso de Albuquerque afirmou:  “… É extremamente importante a publicação e regulamentação da Lei e a formação de técnicos, temendo que a mesma seja feita de modo a não apoiar devidamente os ex combatentes e família”.

O Stress de Guerra já tem lei, aprovado o Projecto de Lei, por unanimidade na Assembleia da República e fez nascer a Lei de Apoio às Vítimas de Stress Pós Traumático de Guerra e passou a existir uma Rede Nacional de Apoio. A Lei foi promulgada em 27 de Maio. {Lei nºn46/99, de 16 de Junho].

No dia 15 de Dezembro de 2000, a APOIAR organizou um Colóquio, com o tema “A Rede Nacional de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra",  no Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Além do Secretariado, presente o Presidente da ADFA, Patuleia Mendes, Mário Vitorino Gaspar, Presidente da APOIAR e Doutor Afonso de Albuquerque. [Vd. foto acima].


[...] Este, após resumidamente focar a história da doença referiu:   “A terapia de grupo é o melhor dos tratamentos para a doença”, continuando:  “Quanto à criação de Centros da Rede Nacional de Apoio, têm de ser diferentes de um posto dos serviços de saúde, embora necessitando sempre uma ligação com o SNS”. Mário Vitorino Gaspar afirmou: “O apoio só deve ser prestado depois de um ambiente de confiança mútua”.

No dia 4 de Fevereiro de 2002 a APOIAR na pessoa do seu Presidente da Direcção Nacional, Mário Vitorino Gaspar, assinou o Protocolo, no Salão Nobre do Ministério da Defesa Nacional .

A APOIAR, a convite de Sua Excelência o Ministro da Saúde, participou em Lisboa num Workshop, com o tema “Perturbações de Pós Stress Traumático em Ex. Combatentes” no dia 4 de Novembro de 2002. Está agendado outro Workshop no dia 5 de Novembro de 2002 em Coimbra, em 12 de Novembro, no Porto. A APOIAR e a ADFA foram convidados para a Mesa nos três Workshops.

Na sessão de abertura não estiveram presentes os Ministros da Saúde, Estado e da Defesa Nacional, Segurança Social e do Trabalho e Suas Excelências o Secretário de Estado da Saúde, e o do Estado da Defesa Nacional e dos Antigos Combatentes, tal como estava agendado.

Referiu o Doutor Afonso de Albuquerque: 

“… o conceito PTSD é recente, mas as reacções do ser humano são de sempre. Todos aprendemos a lidar com o perigo e já Shakespeare descreve na sua obra as reacções horrores agudas, mas foi principalmente a guerra,  que permitiu que estas reacções fossem estudadas. Na Guerra Civil Americana {surgou] a expressão «Irritable Heart Syndrome». Foram estudados casos, após a II Guerra Mundial, sucedendo a Guerra da Coreia, só existindo 6% de evacuações de origem psiquiátrica. 

"Os portugueses quando regressaram da guerra encontraram um clima anti-guerra, tinham partido como heróis e regressado como assassinos. PTSD de Guerra está considerada como «uma doença ansiosa".

Findou:  “… em 1992 entre 15 a 50% dos militares desenvolvem PTSD com origem na Guerra Colonial. No estudo da população em geral e em Portugal foram encontrados 7,8%”.

No dia 27 de Novembro de 2002,  a APOIAR, esteve representada pelo Presidente e Vice-presidente, respectivamente Mário Vitorino Gaspar e António Pinheiro e Técnicos, a convite dos Laboratórios Pfizer, Lda.,  surge:

Doutor Afonso de Albuquerque e da Professora Doutora Catarina Soares, esteve presente na “Apresentação dos Resultados do 1º. Estudo de Prevalência de Perturbação do Stress Pós Traumático, em Portugal”, estando presentes igualmente outras Associações e Técnicos de Saúde.

O Doutor Afonso de Albuquerque fez uma breve resenha histórica, e referindo o impacto na Psiquiatria das Guerras Mundiais e das Guerras da Coreia e do Vietname, e por tal a publicação em 1980 do DSM-II, em Portugal, o impacto da Guerra Colonial Portuguesa e posterior luta em defesa dos ex combatentes que deu origem à publicação da Lei nº. 46/99”. 

Frisou ainda: 

“Neste trabalho, quanto aos acontecimentos traumáticos que causaram PTSD, [surge] 

(i) o combate com 10,9%;  

(ii) abuso sexual antes dos 18 anos com 21,7%; 

(iii) violação com 23,1%; 

(iv) catástrofe natural com 1,4%; 

(v) morte violenta de familiar ou amigo com 12,3%; 

(vi) testemunha de acidente grave ou morte com 3,8%; 

(vii) acidente grave de viação com 5,6%;

(vii)  incêndio com 0,5%; 

(viii) ameaça com arma com 5,5%; 

(ix) ataque físico com 9,3%;

(x)  roubado ou assaltado com 2,4%”. 

"… PTSD na população exposta ao combate foi de 0,8% da amostra total é de 10,9%, relativamente aos indivíduos expostos."

Considerando a totalidade de acontecimentos traumáticos que foram causa de PTSD, verifica-se que a situação que mais contribuiu para o total de casos foi «morte violenta de familiar ou amigo».

No conjunto, os resultados deste estudo assemelham-se aos encontrados em estudos epidemiológicos realizados noutros países”. (...) Limitações do estudo: (...) em 1º. lugar a existência de potencial «enviesamento» da amostra; entrevistas realizadas por pessoas sem formação clínica e necessidade de confirmação destes resultados com mais estudos (população geral e/ou populações específicas).

Em 14 de Dezembro de 2002, na 16ª Assembleia Geral da APOIAR, no Salão Nobre do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, por proposta da Direcção Nacional foi atribuída a qualidade de Socio Honorário ao Doutor Afonso Abrantes Cardoso de Albuquerque.

Atrevo-me a afirmar: Doutor Afonso de Albuquerque, Pai do Stress de Guerra e da APOIAR. (...)

O Notícias de Almeirim, Edição online semanal, 23/8/2019

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]
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Nota do editor:

Último poste da série >17 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20464: Recortes de imprensa (110): Pinto Leite, Leonardo Coimbra, José Vicente de Abreu e Pinto Bull, os parlamentares que pereceram no acidente aéreo de 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 27 de julho de 1970)

domingo, 2 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19850: Blogpoesia (623): "Mas velhos são os trapos" (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)

1. Mensagem, de 12 de Maio de 2019, do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar, (ex-Fur Mil Art MA da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com um poema de sua autoria intitulado "Mas velhos são os trapos":


Mas Velhos são os Trapos

Mário Vitorino Gaspar

Pequeno corria ventos e com as nuvens falava:
– Por que não constróis castelos mirabolantes?
Gentes de todas as idades rindo como dantes.
Moço com vinte ri e grita - Por favor não minta!
Andas a sonhar e casado, pai e homem aos trinta?
Rebentas pela vida! Quem a suporta e aguenta?
És vida que espera, sem esperar pelos quarenta.
Num ápice atingiste os cinquenta os que sonhavas.

O que interessa é viver a vida e não só a contar:
– Quantos palmos… palmo a palmo e a medir…
Cantar. Cantar. Segundos, minutos horas a sorrir!
Cantar. Cantar, longe de tormentos e ais de sofrer.
Cantar canções de vida e amores a vida que viver.
Música cresce nos tons nostálgicos de uma flauta
A orquestra e seu maestro, batuta baque na pauta.
Vamos sorrir nos anos poucos ou muitos a amar.

Quero gritar! Grito e tenho vontade de gritar…
Um ser humano existe não é velho farrapo!
Velho e remendado… é aquele solitário trapo.
Um reformado… sente bem o tempo ocupado.
Outro sozinho triste, vazio oco… desconsolado
Um o tempo medido e pesado é curto e escasso
Outro a vida que era vivida virou fracasso
Grita. Canta, por que não? Dançar e a cantar?

Os dias dão as mãos, óbvio és um sexagenário
Atingidos com alegria a verdade dos setenta
Correm os ponteiros, às voltas. São oitenta
Anos seguidos, a vida é matemática sua soma.
Noventa? Mas por que razão pedi a reforma?
Centenário? Cem anos? Pudera é a verdade?
Vivi, gozei e vi. Filhos e netos é mesmo a idade!
Galguei os anos sem sequer olhar o calendário.

Aprendermos que a vida é também feita de zeros
Nados, ventre da mãe, mulher criada do mundo
Fêmea que amou o homem somente um segundo
E repete-se. Repete. A luz que acende e aquece
Repete. Anos repetem-se e há alma que esquece
Música que toca nos rádios todo a hora e dia
Dancemos ao toque do tambor e da melodia
Matematicamente o mundo é feito de números.

Mas velho… velho, sem voz, mudo e calado?
– Velho, caco de barro esburacado e partido?
Cala-te! Não sabes que esse termo foi abolido?
Inexistente nem lês nas palavras do abecedário!
No mundo: mesmo no mais catalogado dicionário…
Velho! A palavra foi extinta, não se lê nem se lia
Em todos os acordos do mundo de ortografia…
Velho era alguém com idade. É caso acabado.

Vivemos neste mundo anos seguidos de felicidade
Amamos flores do campo e as borboletas voando
Escutamos a voz do mar, ondas leves se enrolando
Há muito que aprender, melhor conhecer este ninho
Lama, palha rendilhada a mãe tece berço do filhinho
Viver sem pecar neste caminho, decerto é duro
Nunca será esforço infinito, decerto será seguro
Seres deste mundo são estrelas do céu sem idade.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19849: Blogpoesia (622): "Rubros telhados", "Gotas de chuva" e "Cada manhã", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

domingo, 12 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19777: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (18): Quem dá uma boleia ao Mário Gaspar, a partir de Lisboa, para ele poder juntar-se a nós, em Monte Real, no dia 25 ?

1. Mensagem de Mário [Vitorino] Gaspar, com data de hoje, às 3h36
[ex-fur mil art MA da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; tem cerca de 110 referências no nosso blogue: na vida civil, foi lapidadot de diamantes; e foi também cofundador e dirigente da associação APOIAR]

Caros Amigos Combatentes – muito especialmente da Guiné – mas também de Outras Colónias, Esposas, Filhos, Netos, Bisnetos.

Há quantos anos vou ao Almoço Anual do Blogue ? Talvez desde 2012?. Praticamente estacionei, mas com armas e bagagens, julgo ter reaprendido nestes anos, algo que esquecera.

Sucede que não me inscrevi no Almoço por não ter transporte. Tive uma experiência, indo de comboio mas não me atrevo a arriscar.

Quanto a escrever para o Blogue teria imenso gosto, até porque tenho textos prontos e com facilidade escrevia uns tantos. Estou carregado de doenças, não foi por mero acaso que me inscrevi nos Centros de Apoio Social (CAS) do IASFA, fui aceite sem cunhas, primeiro em Runa e também para o Porto. Ao Porto foi de visita.

Foi-me diagnosticada a Doença de Parkinson, e como Combatente, fiz-lhe frente mas tive um início que saí vitorioso mas tudo mudou e neste momento estou a perder. Para manter, no mínimo o cérebro em funcionamento necessito de me ocupar, mas está a ser difícil por ter muitas doenças e Consultas e Exames. 

Caí no ciclo das quedas, e foram já muitas as vezes que caí, numa das vezes nem sei como sobrevivi. Bati com a cabeça na parede e depois no chão e levei 9 pontos na cabeça. Como temos um Serviço Nacional de Saúde (SNS), fiz os Exames à cabeça e após me tirarem os pontos disseram que não valia a pena. 

Fui a um Médico, sem lhe contar nada, perguntou o que tinha acontecido. Respondeu de imediato para ir fazer o dito Exame e respondi que talvez por razões menos graves morreram-me amigos que também caíram e passado algum tempo foram vítimas mortais de embolias. Um deles foi na ginástica do colégio onde estudei.

O stress pós-.traumático é pior ainda que muitos Combatentes pensam. Os governos, esses que se governam em lugar de governarem, estão-se borrifando para os Combatentes. Deu uma notícia há pouco que vão ser aumemntados,

Envio algo que nunca vou denominar de Poesia. Aceito que digam ser prosa poética, poesia nunca. Julgo ter lá chegado algumas vezes. Unicamente lhes falta a alma.

Sobre o Almoço, podem inscrever-me se existir uma boleia, caso contrário não me inscrevam. Quero acrescentar que pretendo pagar a minha parte da gasolina.

Tenho umas novidades para lhes dar mas fica para depois.

Sempre tive grande facilidade de dar uma resposta oportuna, no devido momento. Não uso as armas que aprendi a manejar, não só na guerra como na vida.

Abraço à Tabanca

Mário Vitorino Gaspar

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Nota do editor:

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19219: Os nossos regressos (35): Dia 5 de Novembro de 1968, chegada a Lisboa (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68, com data de 5 de Novembro de 2018:

Caro Luís e Carlos
Dia 5 de Novembro de 1968
Faz hoje 50 anos que a minha Companhia de Artilharia 1659 - CART 1659 regressou pelas 17 horas no Paquete Uíge - pasme-se, depois de ir encostar ao cais de Alcântara, Lisboa, recebeu ordens para parar e pouco depois afastou-se para o largo - e foi-nos informado que não desembarcaríamos. É difícil explicar como ficou o pessoal. Pensei logo lançar-me ao Tejo e ir a nado. Aquela noite não se esquece.

Cumprimentos à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar


Regresso da Guiné

Mário Vitorino Gaspar

Finalmente no dia 31 de outubro de 1968, embarcámos para Lisboa. Tal como sucedeu, no embarque numa lancha para Bissau, não me recordo de tal, o mesmo sucedeu na entrada no Uíge, nem mesmo de como uma mala de cânfora, fora parar ao porão, com alguma bagagem dentro. Fomos colocados no Forte da Amura. Como sucedera quando vim de férias, fomos colocados de serviço. Não ficámos isentos de Serviços. De qualquer modo houve tempo para tudo – principalmente compras – tinha pensado adquirir uma mala de cânfora, fiz a escolha. A comida em Bissau era diferente, eu e alguns camaradas optámos por fazer as refeições, sempre com a alternativa de uma ou outra fora da Messe.

Bissau era um jornal diário aberto da guerra no território. Inclusive, a pequena informação chegava às esplanadas. Tratando-se da Operação em que Portugal se empenhara – considerada de “Confidencial” – alguma em que nem a Nossa Tropa tinha conhecimento, discutia-se à frente de uma cerveja. O pessoal da Nossa Companhia que envergava camuflados novos, recém-chegados do Casão, e entregues uns dias antes da nossa saída do mato, exibindo no braço o dístico da Companhia de Artilharia 1659 (“ZORBA”). Em qualquer local alguém gritava:
– Salta que é periquito!

Habitualmente o pequeno-almoço era no famoso – lá no burgo – “Zé da Amura”, pombos verdes fritos, sempre acompanhados com cerveja. Bebida nunca esgotada nestas terras. Visitas ao Mercado para ver as novidades do dia. Iam aparecendo peças de pau-preto, principalmente máscaras; punhais e catanas forradas a pele de animais.

Tivemos oportunidade de conhecer melhor Bissau. Grande parte dos Nossos Jovens Heróis nem a cidade conheciam. As noites eram diferentes, nem um não ao convite para conhecer o “Bairro do Pilão”.

Os Militares preparados para tirarem a Carta de Condução lá estavam no dia marcado. Toda a Companhia festejava essa grande vitória, tratava-se de uma boa porta aberta para um emprego.

Por vezes parava no tempo e fazia um balanço desta experiência que nunca iria esquecer. Um primeiro período, após a chegada ao largo de Bissau, recordado sempre a mesquinhez de que ordenava, de fazer o favor de dar viagem de luxo a Oficiais e Sargentos e empurrarem para o porão os soldados, garrafões e garrafas de aguardente. Iria esquecer a dádiva de um quarto de pão, um ovo cozido, uma laranja, uma maçã golden… Um destino incerto. Recordo que no primeiro balanço que fiz após uma semana na Guiné, explica-se com a frase:
– Mais parece ter sido anestesiado!
Agora posso dizer:
– Deixei de estar anestesiado há uma semana, dia em que pensei: – pode ser que saia vivo!

Não sou capaz de me lembrar como entrei na LDM em Gadamael Porto, nem como em Bissau subi para o Paquete Uíge. Resumindo: – continuo na Guiné! Será para sempre.

A viagem de regresso a Portugal foi muito idêntica à da ida para a Guiné. O mar estava mais calmo. Eu só pensava na chegada a Lisboa. Era um milagre este regresso. Ia bebendo mais cervejas que o habitual. Escrevera para casa e pedira que levassem para o cais de Alcântara a bandeira do Alhandra Sporting Club. A maior que existisse, para que eu pudesse vê‑­la do paquete. Continuavam os jogos. Jogava‑­se a dinheiro. Tal como da ida para a guerra, não esquecendo o Bingo.

Os constantes enjoos continuavam. Perto da Ilha do Sal o mar agitou‑­se um pouco, mas existia quem não suportasse os balanços do Uíge. Bebia‑­se, e não só cerveja. E fumar? Cada vez fumava mais.

Fomos assistir a uma sessão de cinema:
– “Festival de Twist N.º 1” e “Negócio à Italiana” (este com Alberto Sordi e Gianna Maria Canale). Foi um momento bem passado, que fez esquecer alguns traumas mal geridos.

Lembrei a morte do Furriel Vítor Correia Pestana e dos Soldados António Lopes Costa e do Manuel Ferreira Silva.
Membros da população civil maior percentagem de mulheres e crianças que tombaram a 4 de julho de 1967? Feridos. Todos os feridos que tivemos. Nunca acreditei que fosse obra do PAIGC.
Ainda estou a ouvir o tiroteio nas emboscadas e ataques aos aquarte­lamentos de Gadamael Porto, Ganturé, Sangonhá (quando lá fomos montar segurança), Cameconde, nas mesmas circunstâncias, Guileje e Mejo. No “corredor da morte”? Aqueles locais sinistros cheiravam a guerra. Tudo parecia um cemitério.
Mas tudo muito difícil de explicar: as crateras das granadas que reben­tavam no chão, as árvores esburacadas pelas balas, estilhaços, ofereciam‑­nos simultaneamente um ar belo. A vegetação era exuberante, eram belos aqueles locais.

A sede, fome, falta de notícias da família, da namorada e dos amigos. A importância das madrinhas de guerra.

Curiosidade: transcrevo a Ementa do Almoço, a bordo do Paquete Uíge, no dia 2 de novembro de 1968 dos Sargentos:
Sopa: Juliana – Peixe – Iroses de Caldeirada; Ovos – Tortilha à Espanhola; Entrada – Favas à Transmontana; Fruta; Chá – Café.





Segundo se dizia, estávamos prestes a chegar a Lisboa. Falava‑­se que seria no dia 5 de novembro de 1968. Eu continuava a fumar cada vez mais.

O Paquete chegou. Segundo informação não íamos desembarcar por já ser tarde. Espreitávamos para a marginal de Cascais e víamos as luzes das viaturas que percorriam a marginal. Gritava‑­se:
– Olhem para os carros!

Fomos deitar‑­nos, a ver se o tempo passava mais depressa. Protes­tava‑­se:
– Ainda é dia! Por que não nos deixam desembarcar?

Deviam ter informado pela televisão e rádio que a tropa, oriunda da Guiné, não desembarcaria no dia 5. Embora estivéssemos bastante afastados do cais de Alcântara, poucas pessoas víamos.
Passámos a noite nesta angústia, até que eu me lembrei de ir tomar um duche, num intervalo de uma ida ao bar ou de fumar um cigarro. Os maços de tabaco que comprara para levar para casa, estavam quase no fim.
Quando vou para tomar banho, eis que verifico que a água estava gelada. Não havia água quente. Tinham‑­na desligado. Lá tive que tomar um banho de água fria, que teve o condão de aquecer a mente.
Depois do banho verifiquei que quase todos se encontravam cá em cima, do mesmo lado do Uíge. O barco estava inclinado, até parecia que se ia virar.

O Comandante da CART 1659 chamou‑­me:
– Mário, você fica responsável pela bagagem de porão. Fica em Lis­boa, a Companhia paga‑­lhe o alojamento e a alimentação e depois segue para casa, – disse.
– Nem pensar, já basta o que já fiz, quero é ir para casa. Capitão, escolha outro!
– Então fica responsável pelo guião da Companhia. Vai haver uma formatura e o Mário forma com a CART, com o guião, depois vai discursar um Oficial.
– Nunca fiz isso, mas está bem. Onde ficar o guião no princípio, con­tinua no mesmo sítio até que termine a parada! – Disse eu.

Fui descendo. Encontrei alguns soldados da minha Companhia que se encontravam mal dispostos. Estive um pouco com eles, e sem dar por isso estava a fumar mais um cigarro. Fui ao camarote onde dormia. Alguns Furriéis estavam deitados.
– Levantem‑­se, estamos quase a desembarcar!

Depois de subir, e espreitar para o cais, vi entre uma multidão a ban­deira do Alhandra Sporting Club. Ali estava a minha família.
No cais estava a Polícia Militar, e no barco os militares gritavam em uníssono:
– Malandros, vão para o mato!...

Bandeira do Alhandra Sporting Club

Até que chegou a hora de desembarque.
Fui ter com os meus, levando a bagagem comigo. Estavam a minha namorada, que viria a ser a minha mulher, o meu irmão José e a minha cunhada Fernanda.
A formatura não se chegou a efetuar e fomos automaticamente trans­portados para um quartel nas imediações de Oeiras, que estava desativado.
Arrumei a minha bagagem. Quando estava indeciso com o guião na mão, coloquei-o sobre a bagagem do Capitão. Fomos almoçar, e engraçado, o prato que naquele momento mais desejava: – carne assada no forno com batatas. Fomos no carro do meu irmão e depois do almoço regressámos ao quartel.

– Então é sempre a mesma porcaria. Colocou o guião por cima da minha bagagem e foi‑­se embora, Mário? – Disse o Capitão.
– Houve azar Capitão? – Respondi‑­lhe.
– Tivemos que entregar o guião, ao responsável do Regimento de Artilharia de Costa, deveria haver uma cerimónia, e nada disso sucedeu! – Retorquiu o Capitão.
– Então ficou entregue! – Disse, sorrindo.
Não se tratava de falta de respeito. Tinha muita consideração pelo nosso Capitão. A verdade é que o Capitão Mansilha estava mesmo zangado.

Depois de trocas de opiniões, e de terem começado a pagar os mon­tantes que o Exército Português nos devia, gritou para o Capitão o Alferes Miliciano Luís Alberto Alves de Gouveia:
– Paguem já ao Mário, não o façam esperar, ele tem a família à espera!
Recebi o dinheiro, despedi‑­me do pessoal, e fui para junto dos meus que se encontravam no exterior, junto ao carro. Fomos até Alhandra.

Chegados a Alhandra, desloquei‑­me a casa para tirar a farda e vestir­‑me com a roupa que a minha mãe tinha deixado em cima da cama e saí.
Em lugar de me dirigir para um jantar que o meu pai organizara, fui na direção do cais “14”, ver o meu Tejo.
Lá estavam as Fragatas, os barcos desportivos que treinavam e os avieiros nas suas bateiras. Fiquei ali, esquecendo completamente, os meus pais, meus familiares e amigos que esperavam por mim.
Foi quando entrei em mim e dirigi‑­me para a Padaria do meu pai, onde era, de facto, a festa em minha homenagem.

Tamanha alegria! Ria‑­se. Chorava‑­se. Meu pai fez rebentar uns dois morteiros, e uns tantos foguetes.
Todos queriam saber de mim. A família grande e os amigos também. Chegou o Cabo da GNR, e quando me viu cumprimentou‑­me militarmente. Olhei para ele e parece que ri ao lembrar aqueles tempos em que ele nos perseguia, e até escondia a roupa deixada em cima da areia. Convidei-o para comer e beber qualquer coisa.

Segundo consta no meu Processo Individual do Exército, depois de ter passado à Primeira Classe de Comportamento em 3 de maio de 1968, em 28 de novembro de 1968 terminei a minha obrigação de Serviço, depois de ter gozado 21 dias de licença. Passei às tropas licenciadas em dezembro de 1978 por ter completado 35 anos de idade.

Reiniciei a minha vida naquele dia. Teria de recuperar o tempo perdido. Esquecer, retirar as folhas dos calendários correspondentes a todos os dias? Pouco provável esquecer, conhecia-me bem e jamais vou esquecer uma guerra.
Os amigos? Como era possível esquecê-los?
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19218: Os nossos regressos (35): 21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19093: Efemérides (291): Faz hoje 51 anos: 12 de outubro de 1967, o dia em que eu morri....Por outro lado, sou o "único culpado" do suicídio do ex-alf mil, madeirense, Gouveia (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)



Fotocópia da folha da caderneta militar, página 5,  do Mário Gaspar... onde foi averbada a sua morte, supostamente ocorrida em 12 de outubro de 1967.


Fotocópia da folha da caderneta militar, do Mário Gaspar, correspondente à página das "ocorrências extraordinárias", onde é de novo referida a sua  morte...

Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem, de hoje, às 5h35, do Mário Gaspar, ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR; tem mais de. uma centena de referências no nosso blogue]

Caros Camaradas,


Que interesse têm os portugueses de saberem que existiu uma Guerra Colonial? Já basta o “Aquecimento Global”, que nem sequer sabemos ao certo o que é, ainda para cúmulo essa guerra onde os nossos pais ou avôs combateram. Pois vou narrar-lhes aquilo que me sucedeu, talvez em Agosto, no período das férias de 1969.

– Foi precisamente no dia 12 de Outubro de 1967 que morri (*). Não sei como! Se por doença: paludismo; matacanha; outra.
– Mas o que é isso do paludismo ou matacanha? Compreendia antes se fosse da saudade!
– Esquece!

Morri, curiosamente só tive conhecimento de tal, no dia do meu casamento. Inicialmente fiquei preocupado, quando o Padre na Igreja de São João de Brito disse:
 – Estou a casar o morto vivo!
– Se morreste, não compreendi essa, estás aqui, e vivo… Como a sardinha da Costa!Sorri e tudo se sumiu como espuma!

Pois no dia que me desloco à Sacristia para levantar a Certidão de Casamento, recordei aquele episódio rocambolesco na Igreja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra Caderneta Militar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias:  data do casamento e mudança de residência.

Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos:  "Baixa de Serviço: – por falecimento a 12 de Outubro de 1967!" ... Algumas páginas a seguir: "Morto a 12 de Outubro".

Tudo sem explicações: quem o fez tinha plena consciência daquelas asneiras, podia no mínimo ressalvar esta «morte», uma mentira cruel,  e um Padre que tinha a obrigação de fazer menos comentários.

Verdade é que ia caindo na escadaria e rebolado até ao “passeio português”. Tinha consciência que da tropa podia esperar um pouco de tudo, agora matarem um combatente com tinta parker azul permanente…

Tive de saber o que estava por detrás daquela historieta.

Nas férias em Agosto dirigi-me ao Quartel mobilizador,  o Regimento de Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras. Encontrava-se na Secretaria o Major (julgo ser ainda Major), o oficial que me colocara de Serviço no último domingo que tinha a oportunidade de estar com a Família antes de embarcar para a Guiné.

Quando lhe dei para as mãos a Caderneta logo me arrependi. Leu e disse:
– Que mal faz estar aqui dado como morto?
 Ao senhor pouco ou nada importa!

Interrompi-o ao escrever na Caderneta com uma bic azul e outra vermelha.
– Mas você não pode, nem deve fazer emendas ou ressalvas. Nesse caso as rasuras faço eu. Não tem o direito.

Tirei-lhe a Caderneta das mãos. Tinha sublinhado de um lado e fez uma ressalva.

Tratei-o mal, chamando a atenção àquilo que me fizera colocando-me no domingo anterior à partida de Serviço:
– Sargento de Dia ao Regimento!

Ninguém aceitou fazer esse Serviço por mim por ameaça a todos que de algum modo fizessem esse Serviço, inclusive eu pagava bem.

Passado algum tempo desloquei-me ao Departamento do Arquivo Geral do Exército que funcionava no antigo Quartel na Avenida de Berna e nos dias de hoje emprestado à Universidade NOVA de Lisboa. Segundo consta,  o imóvel foi vendido, esse quantitativo serve para o Fundo dos Combatentes.

Interessa neste caso a explicação sobre a minha morte. Logo que disse a razão da minha ida , s três indivíduos riram. Entreguei a Caderneta e logo vi segurar uma pasta, diferente das outras, estava toda agrafada. Disse:
– Vi que tenho toda a razão: morri a 12 de Outubro de 1967!

O Sargento tirou os agrafos – eram os três Sargentos – e referiu logo:
– Olhem,  este camarada era nosso vizinho na Guiné!

Disse-me junto ao balcão:
– Aquele estupor esteve comigo em Guileje e o outro do canto era de Mejo.

Curioso, estivemos todos juntos. Respondi:
– Agora estou a reconhecê-los, estivemos mais de uma vez a comer juntos.

Referiram estar tudo na ordem, com o inconveniente de estar registado na Caderneta. Não compreendiam a razão do Major em Oeiras ter feito esta gatafunhada. Ninguém o autorizou.

Ainda fui a Programas de Rádio; dei entrevistas para jornais e fui a dois Programas de televisão. Um deles, da Fátima Lopes.


 

Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Memorial aos Mortos do Ultramar >  c. 2018 > O Mário Gaspar aponta os nomes dos seus camaradas  António Lopes Costa, soldado, e Victor Correia Pestana, furriel, mortos em acidente com arma de fogo, em 12 de outubro de 1967, perto de Ganturé, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri.  (**)


Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Talvez tivesse algo a ver com esta asneira, terem morrido o meu Amigo, vítima do rebentamento de uma granada armadilhada, o Furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana, de Abitureiras, Santarém e o Soldado António Lopes da Costa, de Cerva, Vila Real. Ambos mortos por acidente, um acidente, e grande, era estarmos na guerra.

Quando gozei férias fui entregar à Família do Vítor pequenos utensílios que lhe pertenciam. Como o Vítor falasse muito no Mário, trataram-me como sendo o filho, primo, etc.. Custou-me imenso. Como tivessem morrido num período em que não estava, fui verificando não me terem narrado tudo sobre ambas as mortes, por saberem sermos muito amigos. A razão de tal é termos cumprido grande parte do Serviço Militar juntos.

Um dia insisti com um camarada que a chorar pelo telemóvel contou. A CART 1659 iniciou uma patrulha até à fronteira com o fim de montarem armadilhas, o que foi feito. Esta patrulha era sempre no mesmo sentido, nunca no contrário nem regresso pelo mesmo lado.

O Alferes Gouveia que comandava, já na fronteira deu ordens para regressarem pelo mesmo trajecto da ida e o Vítor Pestana referiu ter feito o croqui mas no sentido da ida, não possuía pontos de referência no sentido contrário. Insistiu o Alferes, eram ordens. O Costa disse ao Furriel que o acompanhava, os dois avançaram. Pára o Pestana, olhando para os pés. Não podia escapar e lançou-se sobre a granada armadilhada que rebenta. O Costa fica encostado a uma árvore, parecia descansar, nem sequer sinais de ter atingido, estava morto. O Pestana tinha braços e pernas seguros do restante corpo por linhas. No peito um buraco. Estava vivo. Ainda chegou vivo a Gadamael Porto e foi visto pelo Médico do Batalhão que se encontrava perto.

O Pestana pedia, e por favor, aos Furriéis Milicianos, que lhe dessem um tiro na cabeça. Morreu. Tive só conhecimento da sua morte ao regressar de licença. A história que me contam é sobre o local das mortes e das ordens que recebeu.

Todas as vezes que via o Alferes Luís Alberto Alves de Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:
– Você matou o Pestana e o Costa!

Ele nunca me respondeu. Anos depois, encontrei-me com o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, [,nosso antigo comandante,]  que me informou:
– O Gouveia suicidou-se na Ilha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!

Respondi-lhe:
– Sou o único culpado.

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18875: Efemérides (290): 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

(**) Vd. postes de:


4 de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18537: O Cancioneiro da Nossa Guerra (7): "Marcha de Regresso" (Recolha de Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/ 68)



Brasão da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68). Divisa; "Os Homens Não Morrem".




Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Liga dos Combatentes > 22 de maio de 2014 > 17h30 > Sessão de lançamento do livro do nosso camarada Mário Gaspar, "Corredor da Morte", edição de autor, 2014 > Sessão presidida pelo gen ref Chito Rodrigues, presidente da direção da Liga dos Combatenrtes, com a participação ainda do psiquitra Afonso de Albuquerque (que prefaciou a obra), da prof Ermelinda Caetano, do presidente da APOIAR, Jorge Gouve

"Nesta foto, estou a autografar o livro do capitão [, hoje, advogado,  Manuel Francisco Fernandes de Mansilha,] que fala com o 1.º cabo cripto Mendes, o autor dos versos "Os Homens Não Morrem".1O ex-1.º cabo cripto António Luís Faria Mendes foi funcionário da Ordem dos Médicos na cidade do Porto."


Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Marcha de Regresso


Rapazes, cantai cantigas,
Alegres e animadas,
Acabaram-se as fadigas
Das patrulhas e emboscadas.

Bravos rapazes da ZORBA,
Dispostos a trabalhar,
Sejam barcos ou colunas,
É sempre, sempre, a alinhar.

Viemos para a Guiné,
Prontos a combater,
Pica, estiva e sapa até,
Tudo soubemos fazer.

Ao partirmos com saudades…
A saudade é uma mulher,
Que tenha felicidades
Quem depois de nós vier.

CORO

Cá vai a malta da ZORBA,
Toda alegre e sorridente,
Alegria não nos falta,
Que a tristeza mata a gente.
Cá a vai a malta da ZORBA...
Corações cheios de fé,
Depois da missão cumprida,
Gadamael – Ganturé,
Situadas lá no sul,
Da província da Guiné.


Ao regressarmos a casa,
Para nós a vida muda,
O cântaro perde a asa,
Nós ganhamos a peluda.

Já vai chegando o momento
De à Guiné dizer adeus,
De acabar o sofrimento,
Voltar a abraçar os meus.

Mais de vinte meses é vitória,
A ZORBA é das primeiras
E vai constar da história
Lá no RAC, em Oeiras.

A ZORBA cumpriu o seu dever
E seu nome deixou gravado,
Nunca a iremos esquecer,
Honra ser-se seu soldado.

(Recolha de Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/ 68)

[Revisão / fixação de texto: MG / LG]


Mensagem, de 17 do corrente, de Mário Gaspar

Luís,

Tenho imensos textos da minha autoria, escritos após o regresso, principalmente aqueles que publiquei no meu livro “O Corredor da Morte” [edição de autor, 2014]. No mesmo livro também constam versos que escrevi em Gadamael Porto para um grande amigo (nalguns casos possuo os aerogramas e cartas). Estes versos possuem a curiosidade de estarem virgens – publiquei-os sem os rever – transmitem o meu estado de espírito da altura.

Ainda existem os versos da autoria da prima da minha falecida mãe, de nome Piedade, que a mesma ofereceu, feitos numa Gráfica Tipografia,  aos convidados (amigos e familiares) no dia do meu regresso a casa, na festa que os meus pais organizaram.

Também os versos da “Marcha do Regresso” da “ZORBA”, que agora junto, Estes foram escritos por vários autores.

Os versos recolhidos no almoço, de 2015, da CART 1659, ZORBA,  “Os Homens não Morrem”, são de António Luís Faria Mendes,  ex-1.º Cabo Operador Cripto, que não esteve nessee  almoço de confraternização.(*)

Julgo não teres dúvidas. Como disse inicialmente,  escrevi muitos versos posteriormente à chegada. Alguns, nunca os publiquei, outros foram lidos em tertúlias de poesia, onde esteve a minha grande amiga Felismina Mealha, membro da nossa Tabanca Grande, tendo ela lido alguns.

Envio, talvez o principal. Como disse,  escrevi já após o regresso da Guiné alguns versos - denomino-os como "POÉSIAS". Possuem o inconveniente de serem longos. Se tiveres dúvidas diz.

Um abraço, Mário Vitorino Gaspar

PS - Lá em Gadamael, criámos  um conjunto musical denominado “Os Caveiras” cujos instrumentos tinham a particularidade de serem feitos com chapa de bidão, peles de cabra de mato, marmitas, colheres, etc. e quase sempre animou os almoços de confraternização realizados mensalmente entre todo o pessoal da Companhia.

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