O nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos notícia da apresentação de mais um livro, integrada no 16.º Ciclo de Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na próxima quinta-feira, dia 10 de Novembro, na Messe Militar do Porto.
Desta feita trata-se de mais um livro já nosso conhecido, "Quatro Rios e um Destino", da autoria do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa.
16.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO
149.ª TERTÚLIA
PORTO, 10 DE NOVEMBRO, 5.ª FEIRA, ÀS 15 HORAS
MESSE MILITAR DO PORTO
"Quatro Rios e um Destino", da autoria de Fernando de Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71
Edição: Chiado Editora
Setembro de 2014
Número de páginas: 304
Género: Biografia
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Prefácio do livro "Quatros Rios e um Destino", da autoria do Professor Doutor Amaral Bernardo, à data, Alferes Miliciano Médico em Bedanda.
“Julgo
que ninguém que viu ou venha a ver este filme na plateia seja capaz de
compreender estas situações e muito menos senti-las, porque vão muito
para além da imaginação humana! Os horrores por mim ali vividos naquelas
antecâmaras da morte!...”
“Hoje
atrevo-me a dizer que foram os gritos de revolta destes deserdados da
sorte que abriram as consciências! Foi com as lágrimas destes
inconformados que foram regados os craveiros que fizeram florescer os
cravos do 25 de Abril…”
Fernando de Sousa
Se
alguma legitimidade há para deixar aqui umas palavras prévias ao início
destas Memórias de um período estigmatizante da vida do Sousa, ela
poderá advir de duas circunstâncias.
Uma prende-se com o facto de
termos sido contemporâneos em Bedanda durante seis meses (dos treze que
lá passei), querendo isto dizer que além de camaradas ex-combatentes,
estamos irmanados pelas vivências partilhadas no dia-a-dia de um
aquartelamento (leia-se redil de arame farpado e pouco mais, mas uma
praça militar fortíssima) daquela Região do Sul da então Guiné, naquele
período; acresce que a CCAÇ6,
”Os Onças Negras”, que guarnecia
este aquartelamento e garantia a segurança naquela zona, era uma
Companhia de soldados africanos com quadros europeus - penso que não
seríamos mais de vinte no total. Fizemos, pois, ambos, parte desta
restrita família.
A outra, porque aquando do acidente grave
relatado nestas Memórias, os cuidados de saúde estavam sob a minha
responsabilidade naquela zona e, portanto, também estive naquele
angustiante momento que fez com que o Sousa ficasse sem uma parte dele
(leia-se, parte da vida dele). Primeiro, via rádio, enquanto lhe foram
prestados os primeiros e fundamentais socorros no local, e depois no
posto de socorros da unidade, com os demais elementos da equipe, e até à
evacuação para o Hospital Militar em Bissau. Esta vivência foi
profissional e emocionalmente muito marcante.
O facto
que, certamente, esteve na génese do nascimento deste testemunho vivo
que o Sousa nos dá, data de Julho de 1971 e, desde então, nunca mais
tinha sabido nada dele (visitei-o em fins de Julho desse mesmo ano no
Hospital Militar em Bissau - ele não se recorda). Só quarenta e um anos
depois nos reencontramos na Mealhada, no almoço anual da Tabanca de
Bedanda, que junta os ex-combatentes que lá estiveram - a família grande
de Bedanda! Conheci, então, o homem que hoje é.
E quem
é este homem? Onde e como cresceu e se fez, como foi preparado para uma
guerra que nunca entendeu, que lhe arrancou parte da vida, que por
pouco não o matou? E como chegou lá? A sua estadia nessas terras
desconhecidas que vivências lhe ia dando? Como era o dia-a-dia num
aquartelamento em zona de guerra? E passados todos estes anos, o que
ficou?
Estas Memorias, escritas, melhor, faladas para o
papel, de uma forma natural, espontânea e fluída…. Um filme bucólico e
idílico e a cores por vezes, outras a preto e branco pesado, dão-nos as
respostas.
Contam-nos como um jovem aldeão, com uma vida simples
mas dura, embora cheia de esperança, é transformado num soldado, um
número, e quais foram os caminhos que o levaram para a guerra, que nunca
entendeu.
Denunciam com críticas pertinentes, adequadas e bem
fundamentadas, que ecoam ora como um grito de alerta e revolta ora com
grande desespero e pesar, os multifacetados aspectos deste monstro
insaciável que é a guerra: políticos, económicos e sociais de uns, e a
robotização e sofrimento dos que são a estrutura base desta máquina
infernal de matar e morrer, a troco de nada.
Relembram-nos os
imperdoável e injustamente esquecidos desta guerra - os soldados
africanos mortos nas nossas fileiras e que não têm direito a constar ao
lado dos nossos nos memoriais públicos.
Revelam-nos o pungente testemunho do regresso e permanência no Anexo do Hospital Militar em Lisboa que é, no mínimo, kafkiano.
“Para
mim, esta fatalidade chegou! Como um deus em jeito de raio caído do
céu, ou um demónio saído das profundezas da terra. Ou, até, talvez os
dois juntos, cada um deles exigindo parte de mim, do meu corpo, da minha
carne, do meu sangue, ….”
“Que pena não terem
conseguido tudo, mas mesmo tudo de mim, para não mais os poder maldizer e
amaldiçoar, como desde então o tenho feito, e o faço aqui e agora.”
“Era
precisamente ali, dentro daqueles muros de três e quatro metros de
altura, que o poder político nos escondia miseravelmente de tudo e da
sociedade, totalmente alheia e indiferente à miséria humana, por todos
nós, ali vivida! …”
“Era precisamente para ali
que vinham em lindas caixas de madeira transportadas em cada regresso
dos barcos os pobres soldados. Era dali que durante a calada da noite
saíam, para os cemitérios de Portugal, os restos mortais daqueles que os
deuses nos jogos da sorte e do azar condenara".
Dão-nos
também outras vivências e emoções do dia-a-dia por que passa ou
constata, salientando as que o exotismo africano lhe dá – populações,
hábitos e costumes .
Mostram-nos a sua veia poética, com poesias a
propósito e plenas de sentido, como a que explicita as consequências
dos momentos de desprendimento onde a força das pulsões da natureza, num
meio cheio de ambiência e receptividade para a sua libertação se
concretizam, num dramático e actual poema - Criados à Margem.
Sementes do tuga
Foram tantos em amor escondidos
Lisonjeiros amores de soldado
De amores em pecados dormidos
Por filhos do vento hoje tratados
Entregues a si e abandonados
Órfãos de pai sem o amor merecido
E
ainda nos dizem como atingiu a plenitude serena com a vitória sobre “os
deuses e demónios” que o queriam aniquilar, ao renascer das cinzas que
sobraram para uma nova vida.
“Esta viagem terminou
na estação de Santa Apolónia, fisicamente, há quarenta e três anos.
Porém, esta viagem, para mim, nunca terminará. Vai continuar, não tem
fim! Apenas e só na última estação, no fim da linha, quando este comboio
fantasmagórico, já velho, com todas as carruagens repletas de
recordações e nostalgia percorrer toda a linha, com seu maquinista já
vencido pelo cansaço, se deixar tombar com a mente adormecida num sono
profundo”
Assim será com todos os ex-combatentes,
“maquinistas” de ”comboios fantasmagóricos”, ou como disse o psiquiatra
Afonso de Albuquerque: “Estes rapazes continuam na guerra”
Amaral Bernardo
(Ex-Alf.Mil Médico)
Porto 27 Julho de 2014
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Nota do editor
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