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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9108: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (3): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - III Parte - A emboscada na estrada para Gandembel

 


1. Em mensagem do dia 23 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Gonçalves Martins Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), dá mais um passo na narrativa das suas memórias, com o envio da parte três:





MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (3)

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (III Parte)

Retomo o assunto da Emboscada na estrada para Gandembel. Dadas as condições em que a mesma ocorreu e as consequências verificadas, merece uma abordagem especial. Ora vejamos:

- As informações tinham já localizado em Simbeli, (A) um Bigrupo IN em formação e treino de armas pesadas, nomeadamente Canhão S/R. Este facto aconselharia a tomar precauções especiais, na estrada para Gandembel. (B) Não sei se o Planeamento da Operação as referia. Na altura, a comandar interinamente a CCAÇ 798, não tive conhecimento de qualquer Planeamento.

Uma coisa parece evidente: - seria muito difícil a uma coluna auto, constituída maioritariamente por Auto-Metralhadoras FOX e GMC`s percorrer a estrada até Gandembel, sem que o IN, em Simbeli, (6) fosse alertado, tanto mais que houve necessidade de detonar à ida, uma mina anti-carro.

O extrato da carta militar da zona, visualizando as posições de Simbeli relativamente à estrada para Gandembel

O PAIGC teve tempo de escolher o local da emboscada, instalar as armas pesadas, verificar as condições de tiro, escolher as melhores posições e proteções para os atiradores, na zona de morte e finalmente até, ensaiar a retirada.

Para a Emboscada ter sucesso, dado o poder de fogo da coluna, o IN tinha que ser rigoroso no planeamento da operação. Depois, teria apenas que aguardar o regresso das NT, ao fim do dia, na certeza que regressariam, uma vez que a destruição das pontes no Rio Balana, a norte de Gandembel, não permitia a progressão da coluna.

Quando o ruído das FOX´s e GMC´s se começou a ouvir com alguma nitidez, os guerrilheiros ocuparam as posições anteriormente definidas: (C)

- A Metralhadora Pesada, utilizando o enfiamento de um trilho, varre perfeitamente a testa da coluna;
- O Canhão S/R, instalado no enfiamento do pequeno rio permite um tiro sem obstrução do arvoredo;
- Os atiradores, procuram as irregularidades do terreno e os morros da formiga, para se entrincheirar e dissimular da melhor maneira.

Restava agora aguardar que a coluna entrasse na mira das armas. Nesse instante a Metralhadora Pesada deu o sinal de ataque, abrindo fogo sobre a frente da coluna, imobilizando a AM FOX e atingindo o soldado que vinha sentado no seu exterior. Na mira do Canhão S/R imobiliza-se a terceira viatura da coluna, uma GMC blindada do Pel. FOX. Os disparos do Canhão atravessam a blindagem e atingem o apontador e o municiador da Metralhadora Pesada. O condutor da GMC protege-se debaixo da viatura que se incendeia, carbonizando os 3 militares.

Entre as viaturas anteriores seguia uma GMC da CCAÇ 798, sem blindagem que se imobiliza na zona de morte. Os ocupantes em número de 17, reagem e procuram abrigar-se para responder ao fogo do IN. Mas ao saltar da viatura, são atingidos por uma autêntica barragem de fogo. Quando conseguem abrigar-se, já estão feridos e em dificuldades. O Soldado Maçano que se abrigou atrás de um morro de formiga é atingido por um tiro e uma granada de um guerrilheiro que, do lado contrário, escolhera a mesma proteção.

Croqui da Emboscada, onde se pode ver como o IN tomou partido do local escolhido para desencadear o ataque, entre um pequeno rio e uma picada.

Mas só um terço da coluna entrara na zona de morte. As restantes forças reagem com determinação: O mato na zona da Emboscada fica destroçado, quase ceifado pela intensidade das rajadas, enquanto as armas pesadas batem a retirada do IN. O poder de fogo das NT é muito intenso mas o IN consegue retirar sem deixar baixas. (7) No terreno, provocara 4 mortos ao Pel. FOX e 1 morto e 14 feridos à CCAÇ 798, entre os quais o Alf. Pinheiro com várias perfurações.

O dia não tinha corrido bem e pior acabaria para os feridos graves se, naquele fatídico fim de tarde, o Comandante de Batalhão que regressava de Bissau não alterasse a rota para Buba. Ao sobrevoar a estrada para Gandembel, depara-se com uma viatura em chamas. É estabelecido contacto via rádio. As evacuações são pedidas directamente a Bissau, através do Piloto do DO27, o que permite a sua efectivação, antes do cair da noite e a garantia de assistência hospitalar imediata aos feridos mais graves.

No dia seguinte, manhã cedo, preparava-se em Guiledge (E) uma força para ir resgatar os corpos carbonizados que tinham ficado na GMC em chamas, quando se ouvem rajadas para o lado da emboscada.

O Comandante do Aquartelamento dirige-se ao Morteiro 81, regula cuidadosamente o tiro e várias granadas partem em direção ao objectivo.

As NT põem-se em andamento e quando se aproximam da GMC redobram os cuidados de segurança, pois o IN podia estar novamente emboscado. Mas não estava e o que encontram são as marcas, bem visíveis, do rebentamento de três granadas do Morteiro 81: duas nas imediações da GMC e uma terceira sobre o ramo de uma árvore.

Depois de recuperarem os corpos regressam sem incidentes.

A emboscada na estrada de Gandembel foi assunto tratado do lado de lá da fronteira e pelas informações ficamos a saber que o IN também teve baixas: - quando retirava, após a emboscada, uma granada de Morteiro 60 atingiu um guerrilheiro num braço com alguma gravidade; foram também atingidos, sofrendo 2 a 3 mortos, (não consigo precisar) quando, no dia seguinte, vieram “fazer ronco” junto da GMC carbonizada.

Receando que as NT estivessem a montar segurança à viatura, fizeram fogo de reconhecimento. Como não houvesse resposta avançaram e foi nessa altura que foram atingidos pelas granadas do Morteiro 81.

Na fotografia, vê-se a Delegação do MNF com a sua Presidente. Dr.ª Supico Pinto, falando informalmente com os militares, junto à enfermaria.

Passado algum tempo, os feridos, depois de tratados, regressaram à Companhia, enquanto o Alf. Pinheiro viajava para a Metrópole.

Com o intuito de “elevar o moral das tropas” visitou Gadamael uma Delegação do Movimento Nacional Feminino que deixou, como marca da sua passagem, um autografo no gesso da perna de um militar.

Entretanto, o Pel. FOX de Guiledge permuta com Pel. FOX 839, vindo de Aldeia Formosa.

O PAIGC que, se a memória não me atraiçoa, utilizou em combate, pela primeira vez, um Canhão S/R, deixou aqui um aviso muito sério: - as Minas deixaram ser, na estrada, a única arma anti-carro verdadeiramente eficaz.

(6) – Simbeli, em números redondos, distava da fronteira 1800 metros e da estrada 5000 metros
(7) - Pensa-se que, o IN retirou para Paroldade, (D) dada a existência de trilhos que se cruzavam na antiga tabanca, ligando-a, quer à zona da emboscada, quer a Simbeli.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9047: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (2): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - II Parte - Actividade militar

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9047: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (2): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - II Parte - Actividade militar

1. Em mensagem do dia 14 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Gonçalves Martins Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), dá continuidade às memórias da sua Unidade, com o envio da segunda parte dos seus apontamentos.

MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (2)

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné


Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (II Parte)

A Situação Militar junto da fronteira, que era de tensão, quando da chegada da Companhia, foi melhorando. O PAIGC parecia agora mais interessado em consolidar a sua presença noutras zonas, nomeadamente no Catanhez, para o que lhe era vital manter aberto o “corredor de Guiledje”.

Ainda com o Cap. Vieira dos Santos que passados 3 ou 4 meses foi colocado no QG, a Companhia começou a operar no “corredor de Guiledje”. Era claro que, para além do patrulhamento e segurança do setor, a Companhia teria que dar apoio logístico no reabastecimento de Sangonha e Guiledje e intervir no “corredor de Guiledje”.

Conjunto de edifícios que englobavam a Messe de Oficiais, o Comando, a Enfermaria e as Transmissões em Gadamael Porto

No entanto, a Companhia estava condenada a não ter Capitão. Passado algum tempo, depois do Cap. Vieira dos Santos sair, foi nomeado Comandante, o Cap. Mil. Anacoreta Soares que não se manteve até ao fim, acabando por ser transferido para o Norte. Quando faltavam três meses para a Companhia regressar à metrópole foi atribuído o Comando da mesma ao Cap. Vilas Boas a quem faltava sensivelmente o mesmo tempo para ser promovido a Major. A situação diminuiu a capacidade operacional da Companhia que só actuava como tal, quando tinha Comandante efectivo. (3)

No entanto, o eixo Kandiafara, (4) norte de Guiledje e Mejo transformava-se numa via de abastecimento fundamental para todo o Catanhez. Nos últimos tempos de permanência da Companhia, o reconhecimento aéreo revelava que o PAIGC desmatava faixas de considerável largura no(s) trilho(s) utilizado(s) para o reabastecimento. Tal facto levava os responsáveis militares a interrogarem-se da utilidade desta medida, suspeitando que estavam a criar condições para a utilização de viaturas.

Vista do interior do Aquartelamento, onde se pode ver do lado esquerdo, o Refeitório, a Cozinha e os Balneários. Ao fundo, a saída para Ganturé

Os contactos entre o Catanhez e o exterior eram ainda assegurados por um helicóptero que levantava da zona de Cadique/Caboxanque e cuja luz era perfeitamente visível de Gadamael, sensivelmente à mesma hora e respeitando, quase sempre, os mesmos dias da semana.

A situação, de relativa acalmia, facilitava a apresentação de nativos e as visitas a familiares, o que permitia conhecer as movimentações do PAIGC. A Companhia não desperdiçou a oportunidade e desenvolveu contactos que lhe permitiam captar informações militares ao longo de toda a fronteira, desde Boké a Kandiafara, (4) na República da Guiné.

Ainda a vista do interior do do Aquartelamento, agora do lado contrário. Vê- se a Arrecadação, o Depósito de Víveres, a Casa do Gerador, a Capela e, por entre viaturas, debaixo das árvores, a Messe de Sargentos e Secretaria. Quase imperceptível, ao fundo, o rio.


A Actividade Militar ao longo da Fronteira apenas registava pequenos incidentes sem grande significado, com excepção a Norte, no setor de Guiledje e a Sul, no sector de Cacine (Cameconde) no Quitafine. Duas situações me ocorrem que merecem registo: - No Setor de Gadamael, no dia 15 de Ago/66, quando um Grupo de Combate patrulhava a estrada que ligava a tabanca de Bricama à fronteira, o soldado Moisés acionou, na tabanca de Caur, uma mina anti-pessoal; No Setor de Sangonhá um pequeno grupo de guerrilheiros, que procurava montar uma “enfermaria”, junto à fronteira, sofreu um Golpe de Mão da Companhia que capturou material e fez prisioneiros.

Esta Ação provocou um ataque de represália ao aquartelamento de Sangonhá comandado pelo próprio NINO. Este instalou o morteiro debaixo de uma árvore e indicou ao apontador dois ramos por entre os quais as granadas deviam passar e passaram. (5) O interior do aquartelamento foi atingido por várias granadas de morteiro e algumas delas caíram em redor do abrigo do Morteiro 81.
Fora do Setor, onde a Companhia 798 atuou, destaco quatro Acções no “Corredor de Guiledje “ e uma no Quitafine.

Aspeto particular da vista anterior, onde é mais claro o Depósito de Víveres, (redondo) a Casa do Gerador e parte da Capela. A fotografia captou um ritual de que falarei noutra parte


“No Corredor de Guiledje”

- A 1ª Operação, integrando outras forças, ocorreu a 01/AGO/65 com o Cap. Vieira dos Santos a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo era Salancaur Fula que foi abordado com intensa chuva, surpreendendo a sentinela. Destruiu-se o acampamento, capturando-se algum armamento.

- A 2ª Operação, de iniciativa do Batalhão, ocorreu a 18/JAN/66. O objectivo era a limpeza de mato e de minas na estrada para Gandembel, até às pontes do Rio Balana. Deveria ser executada por um Grupo de Combate da CCAÇ 798 e pelo Pel. FOX de Guiledge com o apoio de nativos para a desmatagem. O percurso de ida decorreu sem incidentes, para além da deteção de uma mina anti-carro que foi detonada no local. O regresso foi feito em coluna auto até esta ser interrompida por uma emboscada que provocou 5 mortos e 14 feridos.

- A 3ª Operação, integrando outras forças, ocorreu a 22/JUN/66 com o Cap. Anacoreta Soares a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo situava-se na zona de Salancaur. Tendo-se saído de Mejo a corta-mato, o percurso apresentou-se muito difícil e mais difícil se tornou, quando um guia acionou uma armadilha que provocou baixas entre os nativos. Quebrada a surpresa e localizada a posição das NT, o Capitão recuou, tendo retomado novo itinerário no dia seguinte, mas sem efeitos práticos. Note-se que os efectivos envolvidos na Operação, não se limitavam à Companhia 798. A Operação fora planeada, tal como a anterior, a nível de Batalhão.

- A 4ª Operação, integrando também outras forças, ocorreu a 02/NOV/66 com o Cap. Vilas Boas a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo situava-se entre Mejo e Salancaur Jate. O objectivo foi alcançado e destruído.
Interessa sublinhar a táctica que o IN normalmente seguia, na defesa das zonas ocupadas: - Dispunha as suas sub-unidades na periferia das unidades principais ou bases, barrando todos os acessos possíveis com vigilantes. Assim criava um sistema de defesa e alerta que era muito difícil surpreender e ultrapassar.

- Operação no Quitafine, integrando ainda outras forças, ocorreu a 12/MAI/66, tendo como objectivo o ataque a Cambeque/Cabonepo. O objectivo da CCAÇ 798 era proteger a retaguarda das restantes forças em acção. Entretanto, por engano, a FAP fez 4 mortos e uma dezena de feridos das NT. A CCAÇ 798 teve de socorrer e evacuar os feridos para uma zona de segurança, tendo-se distinguido o 1.º Cabo Ivo e o Soldado Agonia que foram agraciados com a Cruz de Guerra.

OBS:
(3) - De acordo com as Normas Militares, não era permitido ao Alferes, comandante interino, assumir o comando operacional da Companhia
(4) - Kandiafara, Canchanfara ou Canchafarim, conforme a língua e/ou dialeto, situava-se bem dentro da República da Guine (12 a15Km) e transformou-se numa base fundamental de apoio logístico ao “corredor de Guiledje". Dispunha de uma situação privilegiada, na estrada n.º 3 que ligava a fronteira a Boké e a Konacry.
(5) - Informações recolhidas na CCAÇ 798

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8993: Tabanca Grande (305): Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Gadamael Porto, 1965/67)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8993: Tabanca Grande (305): Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Gadamael Porto, 1965/67)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67, com data de 1 de Novembro de 2011:

Camarada Luís Graça:
Com a “entrega da arma”, no fim do serviço militar, concentrei-me no que era importante para recuperar o tempo perdido. As memórias da Guiné ficaram “congeladas” até à reforma em que alguma disponibilidade, a par de um reavivar do assunto por parte dos “media”, voltaram a agitar as lembranças passadas: - de leitura em leitura, acabo por ir parar ao vosso blogue que rapidamente devorei e onde verifiquei que da minha Companhia não havia praticamente nenhum contributo para o conhecimento do que foi a guerra na Guiné, particularmente, na Fronteira Sul. Daí a decidir que iria colaborar no blogue foi um passo e devo confessar, muito pequeno.

Cumprindo os meus deveres, cá vai a minha apresentação:

Manuel Gonçalves Martins Vaz, nascido a 09/01/942 em Miuzela (Almeida), professor reformado do Ensino Secundário, casado e residente na Póvoa de Varzim.

Prestei Serviço Militar na Guiné, como Alferes Miliciano, na CCAÇ 798, sediada em Gadamael Porto de Maio/65 a Fev/67.


MEMÓRIAS DA CCAÇ 798

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (I Parte)

Depois de horas infindáveis de LDM, em que as precauções redobraram na passagem junto à ilha do Como, desembarcamos em Gadamael Porto. A entrada no Quartel fazia-se em duas filas que caminhavam em sentidos opostos. – a CART 494 embarcava com destino a Bissau nas mesmas LDM`s que nos tinham levado. A operação tinha que ocorrer antes que a baixa-mar obrigasse as lanchas a afastarem-se de terra firme.

O Capitão Vieira dos Santos que nos precedera, ido de avião e que recebera do seu homólogo Coutinho e Lima o Comando do Sector, distribuiu os efectivos, guarnecendo o destacamento de Ganturé com um Grupo de Combate reforçado com um Pelotão de Milícias e Gadamael com os restantes elementos.

A Situação Militar, na altura, era de tensão, admitindo-se mesmo a possibilidade de um ataque com apoio de viaturas blindadas que facilmente entrariam por Gadamael Fronteira a partir da República da Guiné.

Embora se considere como início da luta armada na Guiné o ataque ao aquartelamento de Tite em Jan/63, na verdade desde 1962 que o PAIGC colocava minas e fazia emboscadas na estrada que acompanha a fronteira com a República da Guiné, país que dava total apoio à guerrilha, contrastando com o Senegal, na Fronteira Norte. A situação permitia que o PAIGC circulasse livremente do lado de lá da fronteira e daí lançasse os seus ataques às NT, dependendo da oportunidade e da capacidade operacional do momento.
Assim aconteceu nos ataques a Gadamael e a Sangonhá, após a instalação dos respectivos aquartelamentos.

O interesse do PAIGC por esta zona, não se manifestou apenas em 1973, nas batalhas de Guiledje e Gadamael. Corria entre os habitantes mais bem informados, que o próprio Amilcar Cabral teria estado em Gadamael Porto, bem junto ao rio, antes da chegada das NT. Não fora a ocupação militar de toda a fronteira de Guiledje a Cacine/Cameconde, em fins de 1963 princípios de 1964, talvez a História da Guerra, na Fronteira Sul fosse outra.

Durante a permanência da Companhia em Gadamael ( Maio/65-Jan/67 ) a guarnição militar na Fronteira - Sul era constituída por uma Companhia e respectivo Destacamento, nas localidades seguintes, de Norte para Sul:

Guiledje - Medjo
Gadamael - Ganturé
Sagonha - Cacoca
Cacine - Cameconde

Todas estas Companhias dependiam do BCaç 1861, aquartelado em Buba.

Embora sem interferir na “nossa guerra” a República da Guiné também tinha (ou teve) um destacamento do seu Exército em Boké, comandado por um Alferes que um dia me sugeriu um encontro na fronteira. O portador da sugestão explicava que a tropa que ia para Boké era da oposição a Sékou Touré.

O Comandante Interino da CCAÇ 798 impondo os Galões de Alferes ao Régulo Habib em Ganturé (Destacamento de Gadamael Porto)

Continência à Bandeira na promoção do Régulo Habib, com a participação dos Comandantes da Companhia e Destamento

A População, maioritariamente de raça Biafada, confrontada com a incerteza da evolução da situação, optou por procurar lugar mais seguro, noutras paragens ou refugiar-se do lado de lá da fronteira. Quando as NT chegaram, as tabancas estavam abandonadas,(1) bem como as casas de construção europeia que eram três e não apenas as (duas) que foram integradas no aquartelamento. A terceira, mais pequena, situava-se na margem direita do rio, em Talaia, a uns trezentos metro do “Porto” e era de um libanês, diziam os nativos.

Com o advento das NT, as populações “fieis” começaram a regressar e foram acolhidas nos aquartelamentos.
No caso de Gadamael a apresentação do Régulo Habib foi determinante para que outros lhe seguissem o exemplo, ainda no tempo da Cart 494.

A sua apresentação foi rodeada de precauções especiais: - veio de canoa, subindo um pequeno rio que corre para a República da Guiné e era navegável (de canoa) até ao sector da Companhia , sítio ermo, por onde, penso, entraram outros “apresentados”.

Uma perspectiva diferente do cerimonial da promoção do Régulo Habib, junto às instalações do Comando do Destacamento.

O Régulo Habib colaborou sempre com as NT, tendo sido graduado em Alferes (de segunda linha ) (2). Recordo que, na despedida, me ofereceu um cachimbo indígena e me pediu o boné da farda n.º 1. Será que para ele estas peças tinham um significado especial? Penso que sim!... Pela minha parte aliviou-me a bagagem, mas sobrecarregou-me as memórias...

(1) - Seria interessante saber em que condições concretas e em que momento é que se processou o êxodo das populações, o mesmo se diga dos moradores das casas de construção europeia. Foram coagidos? Foram ameaçados? Foram aliciados a aderir aos movimentos independentistas e tiveram medo? A resposta não é fácil, passados estes anos, mas talvez algum “expert” colaborador do blogue tenha esses elementos! ...

(2) - Nunca encontrei qualquer referência ao Régulo Habib, neste blogue. Espero que alguém tenha notícias dele e que sejam boas...

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8970: Tabanca Grande (304): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Amanuense (Bissau, 1967/68)