1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Julho de 2022:
Queridos amigos,
É uma revelação, um diário elaborado por um missionário franciscano ligado sobretudo à educação. Veja-se a solução que ele encontrou para uma prova de exame, naquela alvorada do pós-Independência, um verdadeiro achado aquelas diretivas da democracia revolucionária. Questiono muitas vezes estes documentos que tendencialmente ficaram no anonimato, e que hoje seriam contributos do maior interesse. Tirando o acervo de Amílcar Cabral e alguns esparsos deste ou daquele dirigente, caso de Filinto Barros ou Delfim Silva, é confrangedor o silêncio daqueles líderes que fizeram luta. Lembro-me de uma conversa havida com Filinto Barros, Delfim Silva, Chico Bá, no final de novembro de 2010, falava-se então com alguma expetativa do diário de Chico Mendes (Chico Té), tanto quanto se sabe não conheceu a luz do dia. Será um embaraço para os historiadores, no futuro, ter de lidar com este vazio, o tempo é implacável e os mortos não falam.
Um abraço do
Mário
Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1)
Mário Beja Santos
Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamaram-me à atenção para o número mais recente da revista Itinerarium, o n.º 227, referente ao semestre de janeiro a junho de 2020, a Itinerarium é a revista semestral de cultura publicada pelos franciscanos em Portugal. Ali aparece um artigo com páginas do diário de Frei Francisco de Macedo (1924-2006) que foi missionário na Guiné entre 1951 e 1997. O diário inclui os apontamentos do religioso sobre os primeiros anos da Independência, a matéria versada relaciona-se com a educação e as missões.
Frei Macedo começa por uma referência ao 24 de setembro de 1973, data da independência unilateral da Guiné-Bissau, com reconhecimento imediato por 80 países. E escreve quanto ao 25 de Abril:
A datação dos acontecimentos prossegue, 10 de setembro é o reconhecimento por Portugal do novo Estado independente, 2 dias depois a transferência de poderes que se realizou gradualmente pelo interior do país, em que os quadros da administração portuguesa eram substituídos pelos quadros do PAIGC. Escreveu em 16 de setembro o teor da reunião havida com os responsáveis da Educação, Mário Cabral, Lilica Boal, Domingos Brito dos Santos, com os professores do ensino secundário, já se tinha realizado a 14 a reunião com os professores do ensino primário.
Mário Cabral reconheceu as inúmeras dificuldades, especialmente para preencher os quadros dos professores. Falou na necessidade de descongestionar Bissau, criando escolas do Ciclo e Liceus, sobretudo em Canchungo e Bafatá.
Digno de nota é o que ele vai escrever a 16 de setembro, quando se iniciaram os exames da 2ª época, foi Frei Macedo quem elaborou a prova de Português do curso geral, vai servir-se de um texto extraído das Palavras de Ordem, de Amílcar Cabral:
Cada responsável deve assumir com coragem as suas responsabilidades, deve exigir dos outros o respeito pela sua atividade e deve respeitar a atividade dos outros. Não esconder nada às massas populares, não mentir, combater a mentira, não disfarçar as dificuldades, os erros e insucessos, não acreditar em vitórias fáceis nem nas aparências. A democracia revolucionária exige que devamos combater o oportunismo, a tolerância diante dos erros, as desculpas sem fundamento, as amizades a camaradagem com base em interesses contrários aos do Partido e do povo, a mania de que um ou outros responsável é insubstituível no seu posto. Praticar e defender a verdade, sempre a verdade diante dos militantes, dos responsáveis, do povo, sejam quais forem as dificuldades que o conhecimento da verdade possa criar. A democracia revolucionária exige que o militante não tenha medo do responsável, que o responsável não tenha receio do militante nem medo das massas populares. Exige que o responsável viva no meio do povo, à frente do povo e atrás do povo, que trabalhe para o Partido ao serviço do povo.
I Depois de ter lido com atenção o texto do camarada Amílcar Cabral, onde se estabelecem as diretivas do princípio da democracia revolucionária, procure responder às perguntas seguintes […]
Como sabe, a República da Guiné-Bissau é o mais jovem país africano. Servindo-se dos conhecimentos que tiver sobre esta jovem nação e sobre o grande herói pela sua independência, o camarada Amílcar Cabral, redija uma pequena composição.
Observação. Este ponto foi muito simples e foi elaborado um tanto à margem do programa, que era igual ao de Portugal, mas adaptado ao momento histórico que se vivia na República da Guiné-Bissau.”
Em 20 de setembro tem lugar uma reunião no gabinete do secretário de Estado da Educação e Cultura, preside Mário Cabral e estão presentes os principais responsáveis dos missionários que têm trabalhado na Guiné, caso de Monsenhor Amândio Neto, padre Ermano Battisti, padre Settimio Ferrazzeta, padre Afonso José Lopes e padre Francisco Macedo, ainda está presente o pastor dos Adventistas, Francisco Caetano. Mário Cabral elogia o trabalho dos missionários, realçando o seu valor no campo da educação. Ele próprio fez a sua instrução primária nas Escolas das Missões de Bissau, Dona Berta Craveiro Lopes. Pede a colaboração dos missionários no campo do ensino.
Talvez valha a pena trazer aqui à consideração do leitor um artigo publicado no nosso blogue envolvendo outro missionário, veja-se o post “Guiné 61/74 - P21595: (De)Caras (166): Frei José Marques Henriques, da Ordem dos Frades Menores, 44 anos de vida sacerdotal na Guiné-Bissau, antes e depois da independência, como capelão militar e missionário”.
(continua)
A trabalhar na leprosaria desde 1955, os frades franciscanos só em maio de 1969 veem o Governo da Colónia entregar-lhes oficialmente o complexo hospitalar e os terrenos adjacentes. É o Governador Pedro Cardoso que em 20 de maio de 1969 manda publicar o decreto que institui formalmente o que a Missão de Cumura é hoje:
Considerando que os Missionários Franciscanos de Veneza que vieram a esta Província para tratar da lepra no Hospital-Colónia de Cumura se adaptaram às exigências do tratamento dos leprosos, revelando muita dedicação, espírito humanitário e de sacrifício, realizando um trabalho notável sob todos os pontos de vista, devendo destacar-se os trabalhos de carácter religioso e social durante a breve permanência neste Hospital-Colónia... o Encarregado do Governo da Guiné decide:
O Pe Settimio reconhece que esta doação significa "mais trabalho para nós, mais responsabilidade diante do Governo, a sociedade civil e a Igreja; mas finalmente ficaremos livres para pedir ajudas económicas a tanta gente de boa vontade que terá a satisfação de ver dentro de pouco tempo as barracas de pedra e palha mudadas em pavilhões e aldeias novíssimos, dignos da nossa civilização, fornecidos de água, energia elétrica, de campos de jogos, de modernas enfermarias, de nova cozinha e serviços higiénicos".
Liderados pelo Pe Ferrazzeta os frades lançam-se à obra:
Nota do editor:
Último poste da série de 22 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)