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terça-feira, 26 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8168: Efemérides (66): 41º Aniversário do regresso, em 25/4/1970, no N/M Ana Mafalda, da CART 2410, Os Dráculas (Gadamael e Guileje, 1968/70) (José Barros Rocha)



N/M Ana Malfada > Abril de 1970 > Malta da CART 2410 >  Legenda do fotógrafo: "Porão do Ana Mafalda. Assim viajaram os soldados"...


Lisboa > O N/M Ana Mafalda, navio misto (mercadorias e passageiros), que tinha o comprimento (fora a fora) de um campo de futebol...lAlojamentos para 16 passageiros em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira classe, no total de 52... Nº de tripulantes: 47...


Lisboa > Estuário do Tejo > 25 de Abril de 1970 > A chegada do N/M Ana Mafalda, tendo do lado direito o monumento do Cristo Rei (inaugurado em 1959) e o Olho de Boi, no cais do Ginjal, Cacilhas, na margem esquerda do Rio Tejo, concelho de Almada.

Fotos (e legendas): © José Rocha (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
 
1. Mensagem do nosso camarada, empregado bancário reformado, a viver em Penafiel,  José Rocha, ou José Barros Rcoha, ex-Alf Mil, CART 2410, Os Dráculos (Guileje e Gadamael, 1968/70) (*)

Data: 25 de Abril de 2011 14:56
Assunto: 41º Aniversário do regresso da Guiné da CART 2410

Olá, Camarigos!

Espero que tenham tido um óptimo Dia de Páscoa! E que os "coelhinhos" do Miguel Pessoa não hajam "sofrido" muito...

Venho ao vosso encontro para comunicar que hoje, 25 de Abril, a minha Companhia - CART 2410 - celebra o 41º aniversário do regresso da Guiné, no ANA MAFALDA! (**)

Vou tentar enviar umas fotos alusivas ao dia 25 de Abril de 1970.

Um abraço Camarigo para todos!
José Rocha, ex-Alf Mil [, foto à esquerda]
____________

Nota do editor:

(*) Vd. outros psotes do José Rocha:

23 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)

(**) A CART 2410 foi mobilizada pelo GACA 2, embarcou em 11/8/1968 e regressou a 18/4/1970. Esteve em Gadamael e Guileje. Comandante: Cap Mil Art Amílcar Cardigos Pereira. A CART 2410, Os Dráculas, está também representada no nosso blogue pelo ex-Fur Mil do 4.º Gr Comb Luís Guerreiro (que vive hoje na Canadá).
18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2663: Tabanca Grande (58): Luís Guerreiro, ex-Fur Mil da CART 2410 e Pel Caç Nat 65 (Ganturé, 1968/70)

23 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3086: Memórias dos Lugares (10): Gadamael, CART 2410, 1968/69, Parte I (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá)
 
23 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3087: Memórias dos Lugares (11): Gadamael, CART 2410, 1968/69, Parte II (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá)
 
22 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7156: Memória dos lugares (102): Gadamael: a misteriosa sigla A.S.C.O já lá estava no tempo do Luís Guerreiro (1969) e do José Gonçalves (1974), dois camaradas que vivem no Canadá
 
(***) Último poste da série > 7 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8059: Efemérides (64): Freguesia de Mar-Esposende: Homenagem aos ex-Combatentes no dia 1 de Maio de 2011 (José F. Silva/Fernando Cepa)

sábado, 17 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6754: Factos e Feitos mais importantes da CART 2732 (1): De Abril a Dezembro de 1970 (Carlos Vinhal)

FACTOS E FEITOS MAIS IMPORTANTES DA CART 2732 (1)

CAPÍTULO I

MOBILIZAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DESLOCAMENTO PARA O TERRITÓRIO DA GUINÉ

A Companhia de Artilharia N.º 2732*, constituída em 23FEV70, teve como Unidade mobilizadora a Bateria de Guarnição N.º 2 sita no Pico de S. Martinho, cidade do Funchal, Ilha da Madeira, tendo a sua concentração sido feita na Posição Fortificada do Palheiro Ferreira, destacamento daquela Unidade, onde decorreu também a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional.
Constituída na sua maior parte por pessoal originário da Ilha da Madeira com excepção dos oficiais, sargentos e praças especialistas.



Vista do BAG-2 a partir do Pico dos Barcelos


S. Martinho > Funchal > Madeira > 6 de Abril de 1970 > Dia da entrega do Guião à CART 2732. à frente da formatura, de cócoras: Fur Mil TRMS Lourenço, Fur Mil Correia, Fur Mil Vinhal, Alf Mil Bento e Fur Mil Nunes


Madeira > Cais do Funchal > Local de embarque da CART 2732


Funchal > 13 de Abril de 1970 > A CART 2732 desfila perante as autoridades civis e militares antes de embarcar no navio Ana Mafalda.


Navio Ana Mafalda

A CART 2732, comandada interinamente pelo Alf Mil Manuel Casal, embarcou no Porto do Funchal, cerca das 12h00 no navio ANA MAFALDA, para a Província da Guiné em 13ABR70.

Desembarcou em Bissau no dia 17, cerca das 16h00, ficando alojada em tendas de campanha no Depósito de Adidos até ao dia 21, seguindo para Mansabá em coluna auto nesse dia, onde chegou cerca das 13h00 para render a CCAÇ 2403.

Porque o Comandante indigitado da CART 2732, Cap Art Prego Gamado deu baixa ao HMP antes da data de embarque, no dia 22 de Abril assumiu o comando desta Unidade o Cap Inf Carreto Maio, ex-CMDT da CCAÇ 2403.



CAPÍTULO II

ACTIVIDADES MAIS SIGNIFICATIVAS NO TO DA GUINÉ


A povoação de Mansabá fica situada na estrada Mansoa-Farim a cerca de 100Km de Bissau.

Em 21ABR70, cinco horas após a chegada da CART 2732 a Mansabá, o aquartelamento foi flagelado pelo IN com morteiro 82 e armas automáticas, causando 16 feridos na população.



Vista aérea do aquartelamento e povoação de Mansabá


Zona de Intervenção da CART 2732, mesmo até às portas do Morés

Em 20MAI70, 2 GCOMB/CART 2732 patrulharam, integrados na Op. Filtrada, a região Demba Só - Simbor, detectando e levantando 1 mina AP.

Em 26MAI70, iniciou-se a Op. Jaguar Vermelho.
Na primeira fase, de 26 a 28, 2 GCOMB emboscaram em Mamboncó sem resultados. Em 30 a CART2732 a 4 GCOMB reforçada com 1 SEC PEL MIL.ª250, deslocou-se para a região de Cã Quebo. Ao entrar na mata foram detectados 2 elementos IN armados. As NT abriram fogo sobre eles sem que estes fossem atingidos. Fez-se uma batida a numerosos trilhos IN e montada uma emboscada sem resultados. Às 19h00 houve contacto com um grupo IN armado com armas automáticas e morteiro 60. As NT reagiram à emboscada pondo em debandada o grupo IN, não se efectuando a batida por ser escuro. Em 31 às 05h00 iniciou-se uma batida à procura de casas de mato cuja localização aproximada se adivinhava. Em FARIM-1 A5 foram destruídas 4 tabancas tendo sido apanhados 2 carregadores de arma automática e material sem significado. Às 08h00 foi efectuado um golpe de mão a um aldeamento com cerca de 10 casas, já abandonado, onde foram capturadas munições de armas, tendo aparecido 2 elementos IN que fugiram depois das NT abrirem fogo sobre os mesmos. Fez-se uma batida e então o IN estimado em 2 GCOMB fortemente armados, emboscou as NT causando um ferido (milícia) e, 1 praça do PEL CAÇ NAT partiu um dedo ao fazer fogo de morteiro. Em 01JUN70 foi o regresso a Mansabá onde se chegou pelas 15h00.

Na segunda Fase de 03 a 05JUN70, 2 GCOMB montaram emboscada em FARIM-1 F3, sem resultados.

Em 07JUN70 a CART 2732, a 4 GCOMB, deslocou-se em meios auto para Mamboncó. As NT dirigiram-se para Bigine. Encontraram em seguida o trilho Cai-Morés que não tinha vestígios de passagem. Montaram emboscada e pernoitaram na zona. No dia seguinte dirigiram-se a Tambato e depois à Bolanha em MANSOA 9 I13 para serem reabastecidos de água e fazerem a evacuação de 3 doentes. Cerca das 16h00, à ordem, iniciaram o regresso à estrada de Cutia-Mansabá onde chegaram às 17h30.

Em 20JUN70 assumiu o comando da CART 2732 o Cap Art José Maria Belo, em virtude de o Cap Inf Carreto Maia ter terminado a sua comissão de serviço na Guiné.

Em 22JUL70, 2 GCOMB empenhados na contra-penetração do eixo do eixo IN Morés-Sara, interceptaram coluna IN que debandou com baixas prováveis. (Op.Farelo)

No mês de Setembro de 1970 há a salientar nova baixa no Comando da CART 2732, em virtude de o Cap Art José Maria Belo ter sido evacuado para o HMP de Lisboa.

Em 05OUT70, ataque a Mansabá de que resultou 1 milícia morto e feridos ligeiros nas NT.

Em 06OUT70, foi efectuada batida à zona de instalação das armas IN que no dia anterior atacaram Mansabá sendo apanhada a secção anterior de um CSR B 10 calibre 52 de origem russa. As NT detectaram ainda a existência de minas AP inimigas. O Alf.Mil.º de Minas e Armadilhas José Armando Santos do Couto morreu vítima do rebentamento de uma que tentava levantar, tendo também ficado ferido o Alf.Mil.º Bento que teve de ser evacuado para o HM de Bissau. O Fur.Mil.º de Minas e Armadilhas Vinhal procedeu ao rebentamento de mais 3 minas AP do IN.



Mansabá > 11 de Outubro de 1970 > Cerimónia de homenagem à memória do Alf Mil Couto, vítima mortal do rebentamento de uma mina AP.


Neste mês de Outubro de 1970, apresentou-se na CART 2732 o Cap Art Domingos Alberto Pinto Catalão, para assumir o comando desta Unidade.

Em 10NOV70, o IN flagelou os trabalhos da estrada Mansabá-Farim em que a CART 2732 tinha forças empenhadas.

Em 11NOV70, 2 GCOMB na protecção dos trabalhos da estrada Mansabá-Farim. Grupo IN flagelou as NT com fogo de morteiro e armas automáticas em FARIM-2 F3 4-2 causando 1 ferido ligeiro nas NT.
A partir desta data a ZA da CART 2732 deixa de pertencer ao BCAÇ 2885, passando a estar integrada no Comando Operacional N.º 6 (COP6), reactivado pela necessidade de construção o mais rápido possível da estrada Mansabá-Farim. O COP6 fica instalado em Mansabá e a CART apoia e fornece os meios auto e outros necessários à sua actividade operacional.

Em 12NOV70, Mansabá foi atacada por numeroso grupo IN que utilizou CSR, morteiro 82 e 60, LGF e armas automáticas durante 45 minutos, tendo causado 1 morto e 4 feridos às NT e, 14 mortos e 45 feridos à população.
As NT reagiram pelo fogo e manobra.



Mansabá 12NOV70 > Enfermaria militar atingida por munição de canhão sem recúo IN


Mansabá 12NOV70 > Abrigo da Mancarra atingido durante o ataque ao aquartelamento, onde apanhou um grande susto o nosso camarada e tertuliano Inácio Silva, Apontador da Breda.


Mansabá 12NOV70 > Uma das muitas moranças danificadas por fogo IN que provocou, além dos estragos materiais, 14 mortos e numerosos feridos na população.


Em 26NOV70, foi criado o destacamento do Bironque, sendo deslocados de Mansabá 2 GCOMB da CART 2732.



Destacamento do Bironque, criado para dar apoio às obras de construção do troço de estrada entre o Bironque e o K3

Em 28NOV70, foram detectadas e levantadas 3 minas AP na região dos trabalhos em Bironque Delta e accionada 1 de que resultou 1 ferido grave e 2 ligeiros, todos da BECE.

Em 30NOV70, foram detectadas e levantadas 3 minas AP na região dos trabalhos em Bironque Delta.

Em 01DEZ70, 2 GCOMB empenhados na protecção dos trabalhos da construção da estrada Mansabá-Farim. Detectadas pelos trabalhadores 12 minas AP que foram levantadas pelos Sapadores

Em 02DEZ70, 1 trabalhador da BECE accionou uma mina AP sendo evacuado para Bissau. Foram detectadas mais 4 minas AP e levantadas pelos Sapadores. A CART 2732 tinha 2 GCOMB empenhados na protecção dos trabalhos.

Em 12DEZ70, 1 milícia detectou em FARIM-1 F4 6-3 1 elemento IN morto tendo capturado 1 espingarda automática Simonov, 1 pistola metralhadora PPSH, 4 minas AP, munições e 1 cantil.

Em 13DEZ70, pelas 16h15, a povoação e quartel de Mansabá foram flagelados com 3 granadas de morteiro 60 sem consequências.

Em 16DEZ70, grupo IN não estimado, flagelou a segurança dos trabalhos da estrada com 5 tiros de morteiro 60 sem consequências, tendo pelas 19h20 flagelado o aquartelamento de Mansabá com foguetões.

Em 28DEZ70, foram encontrados 5 buracos na estrada alcatroada em Mamboncó-3 E6 7-4 feitos por explosivos, com cerca de 2 a 2,5 metros de diâmetro e 60 a 80 centímetros de profundidade, ao longo de 200 a 250 metros.

Em 29DEZ70, grupo IN mais uma vez flagelou a segurança aos trabalhos da estrada.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6194: Convívios (133): Encontro comemorativo da ida da CART 2732 para a Guiné, Funchal 10 de Abril de 2010 (Inácio Silva/Carlos Vinhal)

(**) Vd. poste de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6297: Controvérsias (71): Contemos as nossas experiências e deixemos as especulações para quem não esteve lá (Carlos Vinhal)

Vd. Blogue da CART 2732 em http://cart2732.blogspot.com/

terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4329: Tabanca Grande (139): Francisco Santos, ex-militar da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá - 1963/65)

1. Mensagem de Francisco dos Santos, ex-1.º Cabo da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 29 de Abril de 2009:

Novo tabanqueiro

Francisco dos Santos, nado a 15/12/42 e criado em Sarilhos Grandes, Montijo onde sempre fui fiel como residente, excepto aqueles vinte e três meses de residência forçada na Guiné. Sou casado com a minha sempre querida Emília [Mila para os amigos], tenho sessenta e seis anos de idade, duas filhas e três netos. Sou reformado, fui motorista, hoje dedico-me à família e à Academia Musical União e Trabalho de Sarilhos Grandes, da qual faço parte dos órgãos directivos e tenho como hobby a escrita, ou por outra, o bichinho da poesia popular.

Embarquei para a Guiné no navio mercante "Ana Mafalda" integrando a Companhia de Caçadores 557 em 27/11/1963, desembarquei em Bissau a 3/12/1963, onde a Companhia 557 substitui transitoriamente a CCaç 556 no dispositivo do BCaç 600, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área da Ilha de Bissau até à chegada da CArt 349.

Com vista a Operação Tridente em a CCaç 557 foi deslocada para Catió a fim de integrar as forças postas à disposição do BCav 490, o meu pelotão foi desanexado da 557 que esteve durante a operação na ocupação do Cachil e o meu pelotão em Cauane e Caiar integrado nas forças do BCAV 490.

Terminada a Operação Tridente fui despejado no isolamento do Cachil onde permaneci até 27/11/64 rendido pela companhia de CCaç 728.

A 557 regressou a Bissau tendo assumido a missão de segurança e protecção das instalações e das populações da área em substituição da CCaç 594, ficando então na dependência do BCaç 600.

Entre 7 e 10 de Maio de 1965 por rotações com a CCaç 412, assumiu a CCaç 557 a responsabilidade do subsector de Bafatá, com um pelotão destacado em Cantacunda outro em Camamude e um secção no Geba.

Em 27/09/65 embarquei no navio mercante "Niassa" de regresso a Portugal, desembarquei em Lisboa, Cais da Fundição em 03/10/65.

Com o pagamento da jóia e quotas se apresenta o novo tabanqueiro Francisco do Santos.

Para o blogue os meus segundos versos uma vez que o Colaço já fez com que fossem publicados os primeiros (*).

Desde o RAL3 em Évora, até ao cais da Fundição em Lisboa

Foi no RI16 formada
Sim, falo dela outra vez
Por 557 baptizada
Foi a partir do RAL3

De Évora até ao Barreiro
Se não me falha a memória
O combóio foi o primeiro
Transporte da nossa história

A viagem até foi boa
Onde a ansiedade escalda
Do Barreiro até Lisboa
Depois o Ana Mafalda

Pois foi este o navio
Que à Guiné nos levou
Depois de largar o rio
O oceano atravessou

Chegámos àquela terra
Para nós tudo diferente
para além da dita guerra
Outros hábitos outra gente

E a Bissau se chegou
Depois foi o dia a dia
O que mais nos impressionou
Foi a miséria que havia

Longe está a nossa partida
De regresso ao nosso lar
um por todos p´la vida
É a mensagem a passar

Nesta missão encontrámos
Obstáculos a contornar
Alguns meses ali passámos
Que pareciam não acabar

Depois fomos parar
Ao Como e ficamos sós
P´ra lutar e trabalhar
na defesa de todos nós

Com o moral nada em cima
Havia alguns requisitos
É que para além do clima
Era a luta dos mosquitos

Não havia água pura
Onde estava a Companhia
Só havia com fartura
Na época em que chovia

Não usávamos só a manha
Nas estratégias inimigas
Tínhamos a dura bolanha
Matacanhas e formigas

Era tiro e morteirada
Mas tudo isso se alterou
Quando uma bazucada
Na palissada esbarrou

Pouco depois para já
Diminuiu a pressão
Porque a norte em Bafatá
Iria terminar a missão

Tivemos como baluarte
Um excelente capitão
Connosco em qualquer parte
Nunca fugiu à razão

Chegámos ao fim da missão
Voltamos à terra natal
Desembarcámos na Fundição
Em Lisboa, Portugal !!!


Um alfa bravo para todos os tabanqueiros
Francisco dos Santos.

Francisco Santos, 1.º Cabo da CCAÇ 557

Francisco Santos na actualidade


2. Comentário de CV:

Caro Francisco Santos
Desculpa teres ficado um pouco de tempo à espera para entrares na oficialmente na Tabanca, mas tem havido alguma aglomeração de trabalho e só há pouco tivemos reforços na equipa editorial. Daqui a uns dias tudo voltará ao normal, esperamos.

Estás em casa, uma vez que já tens uns versos publicados no nosso Blogue, através do teu e nosso camarada José Colaço. Não terás endereço próprio, mas a alternativa do Colaço serve perfeitamente para que cheguem até nós os teus textos, provavelmente a tua especialidade, em verso. Podes anexar também fotos legendadas, pois serão sempre bem-vindas.

Caro Franciso, deixo-te o tradicional abraço da tertúlia e votos de muita saúde.
__________

Comentários de CV:

(*) Vd. poste de1 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974

quarta-feira, 11 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4013: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (V): Do Tejo ao Geba (17 de Abril de 1965/25 de Maio de 1965)

(Continuação da publicação do Diário de Guerra, de Cristovão Aguiar)
Lisboa, 17 de Abril 1965

Sábado de Aleluia

Com repiques ao contrário den­tro de mim. Acabei de embar­car com a minha Companhia Independente de Caça­dores número oitocentos. Vamos com destino marcado para a Guiné. O "Ana Ma­falda" vai cheio de carne para canhão e ainda se encontra atracado no Cais da Ro­cha.
São três as companhias de caçadores e parte de uma de coman­dos e serviços de um batalhão. No salão de primeira classe, há pouco, houve discursos e vinho do Porto e uísque e sal­gadinhos.
Uma falta de respeito. Mal acabou a cerimónia, en­fiei-me no meu ca­ma­rote de primeira, pois en­tão! Morra Marta, mas morra farta! Estou para aqui so­zi­nho, la­vado em lágrimas, en­quanto os outros oficiais meus ca­ma­radas, talvez mais corajosos, se en­contram na amu­rada do navio nos últimos acenos de despedida. Puta de Pátria a minha!

Já fora Barra do Tejo, no mesmo dia, à noite

BARCO DE ESPERANÇA

Fizeste um barco de esperança e partiste
Ao longo de um mar verde de ternura.
Ficou no cais ainda o eco triste
Do mar acalentando a aventura...

Geme agora o mar contra a noite escura,
Num beijo sincopado de segredo...
E a alma num alentejo de secura
Cai de joelhos tran­sida de medo.

Medo da longa noite onde me canso,
Comprida noite onde nunca há descanso,
Nem estrela, nem barco ou gaivota...

E o mar que nos meus olhos cabia inteiro,
É agora um soluço de guerreiro,
Caindo em duas lágrimas de derrota.

18 de Abril

Mar e céu

neste Domingo de Páscoa triste, cele­brada com amêndoas amargas que nos serviram à sobremesa do almoço para que hou­vesse sabor a festa. O navio não dá um balanço sequer. No porão, os soldados jo­gam às car­tas e fazem algazarra. Ouço-os do deque de primeira. À mesa, o capitão só diz as­neiras com ar compenetrado e sábio.

22 de Abril

Véspera de chegada
.

Ainda se não adivinha terra nem rumor dela. Após a última refeição, passeio no deque, obstinada­mente, como um burro à roda da nora. Houve mudança súbita de ventos, o que fez com que logo cor­resse o boato de que estaríamos mudando de rumo.
Ainda se não perdeu a crença num súbito milagre que nos leve à Ilha do Sal, nosso primordial destino! Só assim, so­n­han­do, se aguenta esta patriótica estopada.


23 de Abril

Bissau

Evola-se desta terra avermelhada e ressequida um bafor que se transmite ao corpo e o faz destilar rios de suor. Logo após o de­sem­bar­que e com as tropas já aquarteladas na Amura, fomo-nos apresentar ao co­mando mili­tar. Desconhe­cia pura e simplesmente a nossa existência. Que não nos des­tiná­vamos a esta guerra, mas à da Ilha do Sal − foi-nos dito na secre­taria, antes de apresentarmos cumprimentos ao comandante.
Ainda olhámos uns para os outros com um pequeno clarão nos olhos, mas depressa nos desiludiu SEXA, refastelado no seu gabinete, com ar condicionado, onde pouco depois en­trámos, perfilados. Ti­nha na verdade havido um pequeno deslize de informação, mas iria ser ime­diata­men­te remediado. Ficaríamos, para compensar, à or­dem do comando-chefe. Uma honra para a nossa com­panhia, que tinha vindo da me­trópole para defender este tão pátrio chão.

26 Abril

Carreira de tiro

Fomos todos para a carreira de tiro treinar a ponta­ria e experimentar pela primeira vez as espingardas G3, que se utilizam nesta guerra. Nos cur­sos de preparação, em Mafra, Tavira e Santarém ainda se treina o pessoal com a Mauser da última guerra mundial. Que se divide em dez partes, a saber: cano com es­trias, coronha, gatilho, guarda-mato, etcetra e tal.

29 de Abril

Ordem unida na Amura

Houve tentativa de levantamento de rancho na nossa companhia. Como ninguém se tivesse acusado como cabecilha da frustra­da rebelião, o capitão, furioso por não ter bode expiatório, deu como castigo aos três pelotões ope­ra­cio­nais, neles incluindo cozinheiros e outras especialidades não béli­cas, oito horas se­guidas de ordem unida, entremeada com passo de cor­rida.
Para que não hou­vesse que­bra de ritmo nem de suor, ordenou que os quatro alferes des­sem, à vez e na ordem in­versa da sua antiguidade, duas horas de in­s­trução cada um. Ainda se acre­dita pia­mente, na tropa, que a ordem unida é a mãe de todas as virtu­des mili­tares, sobretudo da disci­plina.
No quartel da Amura, os velhos de caqui amarelo, que aguardam em­bar­que de regresso após dois anos de comissão, olharam para nós, maçaricos, vesti­dos de verde-bilioso-vomitado, como se pertencêssemos a outra ga­lá­xia.

5 de Maio

Primeiras baixas, nos arredores de Bissau
,

O nosso capitão e o seu guarda-costas foram feridos numa operação-treino nos arredores de Bissau. Foram ambos transportados de ur­gên­cia, de helicóptero, para o hospital militar. O primeiro, com estilhaços fin­ca­dos por todo o corpo; o último, sem as duas pernas dos joelhos para baixo e com as tri­pas de fora e sujas de terra. Como oficial mais antigo, tomei o co­mando da com­pa­nhia.


8 de Maio

Em Bissau, como Cmdt da CCaç 800

Recebi um rádio do gabinete do comando-chefe, anun­ciando a transferência para a metrópole do capitão e do seu soldado guarda-costas. Es­tou fragilizado e com muito medo. Não nasci para comandar tropas.
Para me sen­tir mais aconchegado e protegido no meio de toda esta engrenagem de inse­gurança e de morte pressentida, escrevi uma longa carta a meu tio Fran­cisco, que mal conheço, de­vido às zangas fraternais entre ele e meu Pai que se estenderam du­rante quase toda a minha vida. Agora estão de bem um com o outro. Fizeram as pa­zes há cerca de dois meses, após meu tio ter frequentado, durante três dias, um Curso de Cris­tan­dade na Ilha, na estância termal do vale das Furnas.
Soube-me bem acolher-me ao robusto tronco fami­liar, durante as duas breves horas de escrita epistolar, regada a lágrimas sa­borosas. Pressinto a morte, muito perto, rondando-me os gestos, as pa­la­vras e os pas­sos.


10 de Maio de 1965

No HM 241

Hospital Militar de Bissau, para uma pequena in­ter­venção cirúrgica. Circuncisão, isto é, um corte no freio, que tinha dificuldade em arregaçar.
Se tivesse nascido judeu, ter-me-ia poupado ao incómodo nesta idade de quase um quarto de século. Saí do hospital pouco depois e vim para o quartel da Amura, sem sequer sentir necessidade de me ir recostar na tarimba. Fui antes para o bar dessedentar-me e dar umas boas tragaças, que o cigarro tem sido para mim um ex­celente camarada de armas...

24 de Maio de 1965

Bambadinca

Veio a companhia por aí a cima, sob o meu co­mando, escoltada por outras tropas e por brigadas especializadas na de­tecção e le­van­tamento de minas e armadilhas, atravessando terra-de-ninguém de Man­soa até aqui, em não sei quantas viaturas, abarrotando de tudo quanto é ne­ces­sário para ins­talar uma companhia operacional no mato, desde tarimbas de ferro até tachos e pa­nelas, pas­sando por móveis para a secretaria, que, na guerra, a papelada tem grande impor­tân­cia. Chamam-lhe mesmo a guerra dos papéis, por vezes ainda mais renhida do que a sua irmã colaça.
Chegámos à margem esquerda do rio Geba, es­tava um capitão, Ga­briel Tei­xeira de sua graça, com duas secções à nossa es­pera. Pertencem ao batalhão ao qual vamos ficar logisticamente ad­s­tritos, uma vez que, operacional­mente, conti­nuamos à ordem do comando-chefe.
Ainda temos, porém, de atravessar tudo de jan­gada para a outra mar­gem, incluindo as viaturas, a fim de seguirmos para Bafatá e de­pois para Con­tu­boel, nosso des­tino. O rio Geba está su­jeito ao regime das marés, nesta altura vivas, aqui chamadas macaréu, de forma que vamos demorar muito tempo até nos passar­mos to­dos para o lado de lá.

Bambadinca, 25 de Maio de 1965

A TUA AUSÊNCIA


A tua ausência
É este estar nu por dentro,
E ter um rosto velho
Gretado de suor
Do sol dos prados
E das manhãs
Que nunca tive...

Em cada segundo te habito
Como a loira canção das abelhas
O indomável cio
Das flores abrindo-se
Loucas de tesão...
__________

Notas:

1. Destaques da responsabilidade de vb

2. Último artigo do "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar em

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3538: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CArt 2339) (2): De Évora a Mansambo... instrução, viagem... Adeus ao meu País


Estórias de Mansambo






Torcato Mendonça
ex-Alf Mil
CArt 2339
Mansambo, 1968/69





2 - Instrução, embarque e viagem até á GUINÉ da CArt 2339

2 -1 - O 2º GrComb

Concentração em Évora

RAL 3, Setembro de 1967, local de concentração dos graduados da Companhia Independente 2339.
Dias depois chegariam os soldados, a maioria saída da recruta, para receberem a especialidade de atiradores. As outras especialidades seriam dadas noutras Unidades Militares e mesmo no RAL.
Nos primeiros dias as habituais reuniões de graduados, a constituição de grupos para ministrar a instrução e outros assuntos.
Os Cabos Milicianos escolhiam os aspirantes para a formação dos quatro pelotões de instrução. O meu era, devido á classificação, o 2º Grupo. Fui escolhido pelos futuros Furriéis – Rei, Rodrigues e Sousa. Todos tínhamos tirado, na mesma altura e local, Vendas Novas, a especialidade: Atirador de Artilharia.
O Comandante de instrução fora um Capitão, a puxar forte por nós pensando, talvez assim, preparar “melhor” os graduados para a defesa do Império. Certo é que ficamos a perceber mais de equipas de cinco, sentido de punho fechado e “coisas de comando” do que secções de nove elementos, pelotões e outras. Misturaram-se, durante a instrução dada á Companhia, os conhecimentos adquiridos e saiu algo de jeito.
Vieram os soldados, foram integrados nos vários grupos, creio que de forma aleatória, ou mais pelo conhecimento, que tinham entre eles, da recruta ou vida civil.
Eram quase todos homens do Norte. O meu grupo tinha só dois alentejanos. Todos os outros eram do Porto, Póvoa, Lousada, etc.
Com os graduados era metade, metade: O Alferes era algarvio, criado no Alentejo e um Furriel natural de Vila do Bispo, algarvio portanto. Os outros dois Furriéis eram da zona do Porto.

Já na Guiné houve mudanças. O Sousa (Fernando Luís, desportista e professor conhecido) foi ao segundo ou terceiro mês para a 3ª ou 5ª de Comandos. Ficou nos Comandos, mudando de Companhia, até ao fim da comissão. Não perdeu o contacto connosco e regressamos juntos. Foi substituído pelo Sérgio, natural de Angola. Estudou e trabalhava na zona do Porto. O Rei, ficou sempre, felizmente, no grupo a corrermos Guiné fora.
O Rodrigues, algarvio, foi ferido com alguma gravidade na Lança Afiada. Evacuado para Bissau, teve que ficar a tirar estilhaços até ao fim da comissão. Nunca foi substituído por razões óbvias. Regressou connosco. Parece viver no Algarve a tentar esquecer aquele tempo. Óptimo se o conseguir.
Infelizmente não regressaram três militares do 2º Grupo. Dois porque morreram e outro por ferimentos e doença, o Pimenta. O Bessa morreu em combate e o Casadinho por acidente, em Bissau, já no fim da comissão.
Um outro devia ter sido evacuado mas nunca o foi.
Ainda em Évora, o grupo adoptou o nome de "Panteras Negras". No fim da instrução diária, ao destroçar, havia sempre o grito: Panteras e batimento forte com o pé esquerdo. Hoje, penso nisso e interrogo-me: Porquê?
Mas estes relatos, estas estórias para reproduzirem, o mais fielmente possível o que se passou têm, tanto quanto possível, ser vistas com os “olhos” de outrora. Era um grupo, a procurar união, a mais ou a melhor preparação para “ a guerra colonial”, um espírito próprio e coeso. Não procurava ser melhor, pior ou diferente dos outros. Tinha, isso sim a auto estima, a vontade de contribuir para uma Companhia unida, onde todos fossem solidários com todos e os Viriatos fossem um conjunto forte e coeso. Parece-me que isso foi conseguido. Creio mesmo que se mantém até hoje.

Ordem de embarque

Terminada a instrução, depois de curtas férias aparece a ordem de embarque. Numa gélida manhã de Janeiro, que certamente ninguém esquece devido aos gritos, choros e ao dramatismo de uma despedida, para muitos a ser vivida como final, embarcámos no Ana Mafalda, rumo á Guiné.
Ao quinto dia aportámos, por horas, em Cabo Verde. No dia seguinte, aí estava a Guiné.
Fizémos o treino operacional no Xime. A 1ª operação ao Galo Corubal.
Caímos em emboscadas e montámos outras; flagelaram e tentaram assaltar o nosso aquartelamento muitas vezes, assaltámos e destruímos alguns do IN; detectámos e rebentámos minas, deixámos outras para os adversários; apreendemos material ao IN, construímos tabancas em autodefesa, sentimos a vida a esfumar-se e a voltar, vimos morrerem camaradas nossos – brancos e negros ou, se preferirem, metropolitanos e guineenses – deixámos um dos nossos ser apanhado. Matámos e apanhámos adversários nossos. Foi uma campanha dura, violenta, desgastante e demasiado longa.
Nunca o Grupo ou a Companhia sentiu o peso da derrota.
No fim éramos homens bem diferentes, amadurecidos ou precocemente envelhecidos. Em tão pouco tempo amámos e odiámos, fomos humilhados e ofendidos, trataram-nos e tratamos outros, justa e injustamente, vimos, sentimos e vivemos situações dispensáveis, para gentes civilizadas.
Regressámos. Despedimo-nos, aos poucos, num fim de tarde e princípio de noite de Dezembro, novamente, de onde, cerca de dois anos antes havíamos saído: Évora.
Partimos por esse País fora, á procura da Vida interrompida. Só que antes já tinha partido o melhor da nossa juventude, o tempo perdido, as transformações em nós operadas, a visão da violência sofrida. Aos poucos recuperamos, talvez ou certamente nem todos o tenham conseguido. Mas certamente tentámos esquecer e viver outras vidas.
Voltámos a encontrar-nos, creio que em 1991, num restaurante da cidade de Aveiro no habitual almoço convívio. Emocionámo-nos. Todos os anos se repetiram os almoços em convívio-terapia. Só voltei, há dois anos a Évora. Julgava ser uma despedida. Ainda por cá estou e talvez volte um dia. Gosto demasiado da malta.
Mas sinto muito a despedida, a falta de brancos e negros que já partiram…e algo de “raiva surda” por certo passado… aos poucos passa…aos poucos encontrarei certamente a paz ou o saber esquecer e perdoar… talvez não…talvez sim…talvez alguém leve os meus fantasmas…

2 – 2 - Breve síntese, desde a formação e instrução em Évora, á Comissão na Guiné e finalmente o regresso. Parece estar tudo dito. Mas não está. Só focar mais dois ou três pontos: a instrução, a preparação e o embarque, a viagem.

Assim:

- A instrução foi em Évora e arredores, tendo o RAL3 por base. Procurou ser a mais consentânea com a guerra que nos esperava, com os conhecimentos adquiridos e com os homens que formavam cada pelotão. A Guiné, o destino não desejado, estava sempre presente. Era muito pouco tempo para ministrar uma instrução adequada.
Carência de meios postos á disposição, alguma falta de conhecimentos dos graduados (excepto dois ou três Sargentos do Q.P., com anteriores comissões) e os militares, os instruendos da especialidade que, uma breve recruta, não tinha sido suficiente para lhes dar a devida preparação para a especialidade.
Tínhamos a vantagem, muitas vezes isso é esquecido, da qualidade do homem português. A origem, da maioria daqueles homens era camponesa, trabalhadora da construção civil ou dos têxteis, a darem duro desde tenra idade. A rusticidade deles, o hábito á dureza da vida era uma enorme vantagem. Alguns eram homens que nunca tinham sido crianças. Outros já eram casados e pais de filhos. Muitos não eram bons ginastas, devido á dureza dos músculos travar a flexibilidade ou a dificuldade na coordenação motora. Relembro três casos: um que não era capaz de saltar o muro de terceira. Não me atrevo, dizia ele. Foi excelente combatente. Outro, casado e camponês, foi o “ bazokeiro” do Grupo. Ao segundo mês de comissão recebeu a noticia que era pai de uma menina. Nunca a conheceu. Faleceu pouco antes do embarque e num acidente em Bissau. Era a brutalidade daquela guerra. O terceiro caso é sobre a dignidade de um homem. Já na Guiné recebeu a noticia que ia ser pai, só que não tinha casado com a mulher a quem prometera, certamente depois do regresso, casar. Assim que pode, não eram permitidas férias ao segundo ou terceiro mês, veio para casar. Era esta, felizmente, a massa humana do segundo Grupo. Estes três casos podemos estendê-los a todo o grupo ou à Companhia.
Com a determinação de todos decorreu bem a especialidade, para alguns um pouco dura mas foi útil em combate. Não sei se ensinei mais ou se aprendi mais. As duas certamente e, volvidos estes anos recordo-os todos como amigos e camaradas.
Terminou a especialidade depois de uma semana de campo.
Antes de um merecido período de férias, veio a notícia do destino: Guiné.

Preparação para o embarque

- A preparação e o embarque tinham que ser feitas com certo cuidado. A notícia da ida para a Guiné, não foi recebida com entusiasmo pela maioria. Até os Militares do Q.P., estranharam nova ida para lá, pois a última fora lá passada.
As praças receberam o fardamento, meteram-no em dois sacos cilíndricos, também fornecidos, puseram-nos ás costas e foram de férias. Passaram o Natal e o Ano Novo em casa e apresentaram-se nos primeiros dias de Janeiro. Os graduados receberam um subsídio, creio que foi isso, e foram ao Casão Militar comprar o fardamento apropriado. Se bem me lembro, o 1º Sargento Clemente ou outro, Silva ou Moura Gomes, fizeram uma listagem e fui com ela ao Casão. Comprei a mala mais feia que encontrei – cinzenta e de plástico duro – e meti lá todo o material constante da lista. Mais tarde em minha casa foi, tanta e esquisita roupagem, posta á medida. Curiosamente até certos pormenores os Profissionais nos indicaram.

Embarque

Passaram rápidas as férias e, no dia indicado, parti para Évora. Não tinha a certeza do dia de embarque. Para a Guiné partiram antes de nós um Oficial e um Sargento. Nós iríamos depois. Não me recordo o dia da apresentação ao certo. Sei que tivemos duas baixas; um alferes que espatifou um pé e o furriel mecânico que, talvez devido ao calor e excesso de humidade guineenses, preferiu a Europa ou a América. Gostos…Os restantes apresentaram-se todos.
Esperámos pelo embarque, adiado pelo menos uma vez. Um dia soubemos: embarque a 14 de Janeiro. Telefonei para casa e pedi a meu pai para ninguém ir a Lisboa. Despedidas não.
No dia 12 recebi a ordem de ir, no dia seguinte para Lisboa tratar do embarque. O resto da Companhia iria depois.
Vestido á civil, roupa militar num saco, a restante entregue para me levarem para Lisboa, na madrugada de um sábado dia treze, aí estou eu a embarcar no comboio em Évora para, poucas horas depois estar em Lisboa. Ida á residencial habitual, telefonar ao Furriel Whanon, que já estava em Lisboa, combinar encontro, vestir a farda e aí vamos nós ver o barco. Lembro-me, a cara de espanto do dono e pessoal conhecido da residencial. Eram meus conhecidos pois, essa e menos outra ali na Braamcamp, eram os meus poisos habituais. Não sabiam que eu era militar. Figurava nos arquivos como estudante. Que é isto? Dizia o Senhor Manuel. Vou para a Guiné amanhã de madrugada. Fiquemos por aqui. Fui e vim, o meu poiso continuou, por muitos anos, a ser lá. Boa gente. Já desapareceu a residencial e o Parque…
Lá fui, com o Furriel Whanon ver o barco. Ou por estar maré vazia, ou porque o barco era pequeno, quando olhei para o "Ana Mafalda" pensei ser uma traineira. Papéis tratados e o resto do dia e noite por minha conta. Passou-se. Às cinco ou seis da madrugada estava eu na Estação Sul Sueste á espera do resto da Companhia. Chegaram, entraram rapidamente nos camiões militares e rumámos ao Cais da Rocha. De noite todos os gatos são pardos ou não dão nas vistas…
Embarque: o reboliço da carga do material, a formatura para um estúpido desfile, os cumprimentos de um membro do Governo (?), não recordo bem, e uma pausa antes do embarque, para as despedidas dos familiares.
Assisti então a uma situação incrível pelo seu dramatismo. Não descrevo pois não seria capaz. As famílias em atroz sofrimento, os militares igualmente, o choro, o grito, que, de tantos que eram, pareciam um só e deixaram-me arrasado. Foi dada ordem de embarque e muitos tiveram que ser “empurrados” até ao barco. Perto do meio-dia afastava-se o barco lentamente e os acenos, de ambos os lados, os gritos e choros mantiveram-se. Indescritível. Penso que só quem embarcou assim consegue recordar todo aquele dramatismo.


Viagem

Deixei as malas no camarote e vim até à amurada. Ali estive, não sei quanto tempo a pensar, a ver o meu País a afastar-se. Ainda o Cabo São Vicente se via ao longe, senti o Rodrigues, Furriel do meu Grupo, ao pé de mim. Disse-me: será que voltamos a ver o nosso Algarve? (lembras-te camarada? Não me deves ler… tentas esquecer…tens esse direito). Respondi-lhe: eu vejo e você também. Com “ganas”e a raiva do não querer estar ali. Porquê? Porque não devia estar ali! Não era guerra minha e devia acabar o curso. Além disso tinha 22 anos e queria viver…mas já estava transformado…
Continuou a viagem, com enjoos de alguns e os dias a escorrerem devagar. Na terça dia 16, ao longe as luzes das Canárias e na madrugada de sexta dia 19, aí estavam o porto de Pedra Lume, Ilha do Sal, Cabo Verde. Carga e descarga de material e nova largada rumo a Bissau.

cont.

__________

Notas de vb:

1. Continuação e reescrita das Estórias de Mansambo.

2. Artigo anterior em

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2424: Álbum das Glórias (37): Os alferes da CART 1690 ou uma estória de amizade e camaradagem a toda a prova (A. Marques Lopes)

Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro gloriosos alferes da CART 1690 > Ao fundo, estão o Domingos Maçarico, à esquerda, e o Alfredo Reis, à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira, à esquerda, e o A.(ntónio) Marques Lopes, à direita.

Foto: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

1. Texto do A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1968/69):

Caros camaradas:

Tenho-vos falado muitas vezes da CART 1690, sobre a qual há alguns postes no blogue da Tabanca Grande. Já fiz também referência aos alferes que por ela passaram. Mas quero, agora, falar-vos mais em pormenor destes gloriosos alferes, que é como nós próprios nos designamos, porque a nossa glória é continuarmos juntos. É bom que os conheçam pessoalmente. Aqui estão eles, num jantar do Natal de 2007, em Lisboa:

(i) O Domingos Maçarico (ainda um parente afastado do Luís Graça...), nascido na Praia de Mira, é engenheiro agrónomo e membro da Administração do Grupo Espírito Santo (1);

(ii) o Alfredo Reis, de Santarém, é veterinário e está reformado (embora pratique ainda);

(iii) o António Moreira, de Idanha-a-Nova, é advogado em Torres Vedras e é, recentemente eleito, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;

(iv) o A. Marques Lopes é, como sabem, coronel reformado.

Como todos, também temos a nossa história.

Jovens e estudantes - o Domingos Maçarico no, então, Instituto de Agronomia de Lisboa (conheceu lá o Pepito), o Alfredo Reis no Instituto de Veterinária de Lisboa, também assim chamado então, o António Moreira na Faculdade de Direito de Lisboa e o A. Marques Lopes na Faculdade de Letras de Lisboa - fomos apanhados para frequentar, em Janeiro de 1966, o Curso de Oficiais Milicianos em Mafra.

De lá saímos, em Julho desse ano, como Atiradores de Infantaria. Andanças por vários lados, a seguir (Lamego, Amadora...), e tornámos a encontrar-nos no RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa), que nos mobilizou para a Guiné, a 4 de Dezembro de 1966.

De 6 de Dezembro deste ano a 23 de Fevereiro de 1967 estivemos no GAGA2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves N.º 2) a dar a especialidade aos soldados da que foi designada CART 1690, e que foram connosco para a Guiné.

Passámos, depois, pelo RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, Carregueira, IAO... e embarcámos em 8 de Abril. Mas, antes, grandes patuscadas e farras tivemos juntos nos bares e baiúcas de Lisboa, acompanhados pelo capitão da companhia, o Guimarães (já vos falei dele, mas penso que um dia hei-de dizer mais alguma coisa...) (2). Nessa fase cimentou-se a nossa amizade.

Desembarcados do Ana Mafalda (3) para LDG, começou a Guiné, rio Geba acima. E ficámos em Geba. Eu fiquei na sede da companhia, às ordens do capitão e do Comando do Agrupamento. Eles foram distribuídos pelos destacamentos, por onde também passei, mas por pouco tempo. Já há coisas no blogue sobre Geba.

Em 21 de Agosto de 1967, fui ferido na estrada de Geba para Banjara e fui, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa (2) . O Domingos Maçarico foi ferido em 21 de Setembro de 1967, sendo igualmente evacuado para o HMP. O Alfredo Reis foi ferido na mesma altura, mas esteve apenas vários dias no hospital em Bissau. O António Moreira nunca foi ferido. Ele e o Reis estiveram sempre na companhia, em Geba e destacamentos, até Outubro de 1968.

O Maçarico não voltou à Guiné. Eu voltei em Maio de 1968, mas fui colocado na CCAÇ 3, em Barro.

Depois da minha evacuação para o HMP, fui substituído na companhia pelo alferes Fernando da Costa Fernandes, que foi dado como desaparecido em campanha em 19 de Dezembro de 1967, durante a operação Invisível em Sinchã Jobel (4): O alferes Fernandes foi, depois, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, que foi morto em 8 de Setembro de 1968, durante um ataque ao destacamento de Sare Banda.

O Domingos Maçarico, depois de evacuado, foi substituído pelo alferes Orlando Joé Ribeiro Lourenço. Este voltou à metrópole são e salvo, mas nunca alinhou, nem nos encontros da companhia.

Somos nós os quatro, os sobreviventes, como também dizemos, que nos mantemos unidos entre nós e com os elementos da companhia. Com alguns intervalos, e eu explico a seguir.

Entre 1969 e 1974, os meus amigos e camaradas que estão comigo na fotografia, dedicaram-se a acabar os seus cursos e, depois, à vida pofissional, mantendo, embora, contactos entre si. Mas eu estive afastado deles durante esses anos, pois decidi afastar-me de qualquer actividade normal e pública, não os podendo contactar (é outra história que não cabe aqui).

A seguir ao 25 de Abril, foi o Maçarico que esteve afastado, pois acompanhou a família Espírito Santo quando eles foram para o Brasil. E, nesses primeiros anos após a revolução, também eu andei afastado, devido ao meu empenhamento nessa fase.

Mas, passado tudo isso, há cerca de trinta anos que estes quatro ex-alferes, camaradas e amigos na Guiné, e antes dela, se encontram pelo menos quatro vezes por ano, além dos encontros da companhia. Temos ideias muito diferentes sobre certas coisas, cada um disparando, agora, para seu lado, mas a amizade cimentada na juventude e na guerra mantém-se e está acima de tudo.

Queria dizer-vos isto, porque penso que, no novesforanada, deve-nos unir o que vivemos e passámos, e vão a amizade e a compreensão.

Abraço

A. Marques Lopes

PS - Estou farto de falar a estes malandros no blogue e a convidá-los para entrarem. Mas não há meio (5).


2. Comentário de L.G.:

É uma história exemplar, bonita e serena de amiazade e camaradagem entre homens que a guerra e a Guiné uniu e que as profundas mudanças operadas a seguir ao 25 de Abril de 1974 não separaram... O vosso caso não é inédito, mas eu acho, camaradas, que vocês davam um belo case study...

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIX: Sinchã Jobel II e III (A. Marques Lopes).

Já falei duas ou três vezes ao telefone com o Domingos Maçarico... Por uma razão ou outra (mas sobretudo de natureza profissional), ainda não nos encontrámos nem nos conhecemos pessoalmente... Mas tudo indica que, na nossa árvore genealógica, temos ascendentes comuns, já que a família Maçariço, que remonta ao Séc. XV, à época dos Descobrimentos, está basicamemte concentrada em Ribamar, concelho da Lourinhã, tendo um ramo emigrado, talvez no Séc. XIX - para a Praia de Mira... Todos os Maçaricos precisam de viver à beira-mar... Hoje há Maçaricos na diáspora, e nomeadamente nos EUA e no Canadá... Mas, segundo o Domingos Maçarico, a sua família também andou pelo Brasil...

Na página da família (que não é da minha responsabilidade...) pode ler-se:



(...) Ribamar na época dos Descobrimentos era já um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje a escola primária.

E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo Pais, como por exemplo em Mira. (...)

Daqui vai um grande abraço para o meu parente e camarada Domingos Maçarico, com a promessa de num belo verão destes eu o levar até às minhas bandas... Mas ante disso temo-nos de encontrar em Lisboa... Há dias passei pela Praia Mira, tomei um café no Mac Bar (que é de um Maçarico) e lembrei-me deste ramo (mais esquecido ou mal conhecido) da família...

(2) Nesta azarada companhia, até o capitão foi morto em combate... vd. postes de:

29 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara (A. Marques Lopes)

10 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1745: Eu e o meu capitão e amigo Guimarães, morto aos 29 anos, na estrada de Geba para Banjara (A. Marques Lopes, CART 1690)

(3) Vd. postes de:

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXII: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda... (A. Marques Lopes)

28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no 'Ana Mafalda' (1967) (A. Marques Lopes)

(4) Vd. post de 5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII (A. Marques Lopes)

(5) O Domingos Maçariço é está registado na nossa Tabanca Grande, por decisão unilateral, oficiosa, arbitrária, do Luís Graça... Por sua vez, há uma referência ao Reis, no poste de 25 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXI: Cartazes de propaganda dirigidos aos 'homens do mato' (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

Hugo Guerra, ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)


1. Mensagem do nosso camarada Hugo Guerra, em 24 de Novembro de 2007, para Luís Graça

Ainda e sempre Gandembel


Caro camarada e, desde já amigo, Luís Graça

Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em Abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964.

Em Agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [, Gandembel/Balana, 1968/69].

Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em Agosto, em Gandembel.

Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969 (1).

Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à minha odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra.

A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 50 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma anti-pessoal, salvo erro a 13 de Março de 1970.

Sou hoje DFA e Coronel.

Este é o meu primeiro contacto para ser admitido na tertúlia que acompanho há bastante tempo, mas sempre de longe porque os fantasmas ainda me provocam grandes pesadelos.

Qualquer dia farei uns relatos complementares aos do [Idálio] Reis sobre o inferno do Corredor de Guiledge onde fiz algumas incursões com uma Companhia de Páras que aceitaram levar o periquito para ver como era.

As fotos que junto foram tiradas nos seguintes locais:


(i) à esquerda, com uma granada ao cinto e toalha ao
ombro e sabonete na mão, ia tomar banho num regato
perto de Gandembel;

(ii à direita, junto ao paiol onde dormíamos em Ponte Balana;





(iii) à esquerda estou na Chamarra com um Alferes
que fui substituir;

(iv) à direita, em S.Domingos, com o 1º Cabo Seleiro
que ficou gravemente ferido no mesmo rebentamento que eu.

Por agora é tudo.

Se não tiver muitos pesadelos, esta noite prometo voltar. Moro em Lisboa e o meu contacto de email é: guerra68@tele2.pt e o Telemóvel 960085289.

Talvez nos encontremos em Março com o Pepito, de quem sou amigo e que me convidou; vamos ver se consigo ir.

Um abraço do
Hugo Guerra

2. Comentário de Carlos Vinhal:

Caro Hugo Guerra

Em nome do Luís Graça, Virgínio Briote, meu e de todos os tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, quero dar-te as boas vindas à Tabanca Grande.

Pelo que nos contas, foste um dos companheiros bafejados pela pouca sorte, ao seres apanhado pela arma mais traiçoeira que qualquer um dos lados de uma guerra pode utilizar, uma mina, contra o seu antagonista.

Estás connosco, o que é pelo menos um sinal de que estarás bem, neste momento, e pronto para nos dar a conhecer as tuas experiências. De um modo geral todos temos recordações mais ou menos pesadas, em termos psicológicos, dependendo do que cada viu, viveu e sofreu, mas se é verdade que falar nelas contribui para uma certa descarga emocional, falemos pois então.

Ninguém, a não ser outro camarada, pode entender e compreender o que vai no nosso interior. Para isso existe este blogue, para que cada um, à sua maneira, faça a sua catarse ao mesmo tempo que contribui com o seu testemunho para a História da Guerra Colonial que queremos deixar aos nossos vindouros.

A partir de agora estás mais acompanhado. Participa.

Recebe um abraço de boas vindas de todos os tertulianos.

___________

Nota de CV:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2050: Cruzeiro das nossas vidas (9): Do Funchal para Bissau no Ana Mafalda (Carlos Vinhal)

Carlos Vinhal, ex-Fur Mil MA, (CART 2732) Mansabá , 1970/72


Viagem em Primeira Classe no navio Ana Mafalda (1)

Antes do embarque, quando se começava a estruturar uma Companhia, havia um sem número de tarefas burocráticas a cumprir que competiam principalmente aos sargentos do Quadro.

No GAG2 (S.Martinho-Funchal-Madeira) formavam-se, simultaneamente duas companhias, a CART 2731 para Angola e a CART 2732, a minha, para a Guiné.

Os respectivos sargentos não tinham mãos a medir tanta era a burocracia e nós, os cabos milicianos, futuros camaradas de classe, bem nos apercebíamos disso. Contudo, como tínhamos que ministrar o treino operacional aos militares que nos haviam de acompanhar, achávamos que já tínhamos trabalho que chegasse.


Funchal, 1985> O Cais era assim no dia 13 de Abril de 1970.

Verdade se diga que nos fins de semana, além dos serviços ao quartel e passear pelo Funchal atrás das miúdas, não tínhamos mais nada para fazer e os desgraçados dos sargentos nem sábados nem domingos gozavam.

Num qualquer sábado de Março de 1970, estava eu e o meu camarada Carneiro em amena cavaqueira na caserna, quando o sargento Rita da CART 2732 veio ter connosco a pedir-nos ajuda.

A nossa Companhia não tinha Primeiro Sargento indigitado e os dois Segundos tinham que superar essa falha para dar conta a tanto trabalho. Anuímos logo de boa vontade até porque estávamos aborrecidos por não termos nada que fazer. Assim trabalhámos toda a tarde desse Sábado e o Domingo seguinte até muito tarde.

Claro que, a partir desse dia, nos tornámos colaboradores oficiais dos sargentos Rita e Santos, praticamente até à data de embarque, ajudando no preenchimento da imensa papelada e ocupando assim as nossas horas de ócio. Tudo feito sem esperar alguma recompensa, como é bom de ver.

Entretanto o tempo foi passando, e no dia de saída para a Guiné, 13 de Abril de 1970, já a bordo do navio “Ana Mafalda”, o sargento Rita veio ter comigo e com o Carneiro para nos dizer que não precisávamos de procurar alojamento a bordo, pois iríamos no camarote deles que tinha quatro beliches.

Ficámos contentes, pois ficaríamos mais bem instalados que os restantes camaradas furriéis.

Os camarotes dos oficiais e, dos sargentos do quadro, eram no casario superior do navio enquanto que os furriéis iam nos camarotes do casco, junto à linha de água.

Já agora, diga-se que os soldados e cabos iam nos porões, instalados de qualquer maneira. Para piorar a situação, o navio já trazia dos Açores uma Companhia açoriana com o mesmo destino que o nosso, a Guiné.

Nós os quatro, mais os nossos alferes e os oficiais da guarnição do Ana Mafalda fazíamos as refeições na sala de jantar principal do navio.
Havia um senão, que era a etiqueta que impedia de se comer em quantidade, mas tudo bem, como diz o ditado: - Não há bela sem senão.

Todas as tardes tinhamos direito a chá e bolachas, servido com todos os requintes.

A viagem correu muito bem, sempre com mar chão, com direito a ver peixes voadores em exibição, sem pagar mais por isso.

Finalmente, no dia 17, ao levantar, quando espreitámos pelas janelas do camarote, tivemos a primeira impressão da paisagem da Guiné. Estávamos fundeados ao largo de Bissau, tendo o desembarque acontecido pelas 16 horas.
Os Adidos esperava-nos para nos lembrar que tinha chegado ao fim o (primeiro) cruzeiro da nossa vida.

Carlos Vinhal
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Nota de C.V.:

(1) Vd. Post de 17 de Abril de 2007> Guiné 63/74 - P1671: Efemérides (2): Há 37 anos a CART 2732 desembarcava em Bissau (Carlos Vinhal)

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P710: O cheiro fétido dos navios que transportavam carne para canhão (Luís Graça)

Navio de carga Alenquer > Foi construído em Inglaterra em 1948. O seu comprimento era de cerca de 137 metros. A sua arqueação bruta não chegava às 5,3 mil toneladas. Armador: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa. Velocidade de cruzeiro: 13 nós. Nº de tripulantes: 37. Foi nesta embarcação que o José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) foi parar à Guiné...

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000)


N/M Ana Mafalda > Foi neste luxuoso paquete da nossa marinha mercante colonial que companhias como a CART 1690 (Geba, 1967/69), do A. Marques Lopes, ou a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Carlos Marques dos Santos, partiram de Lisboa com destino à Guiné ...

O Ana Mafalda era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1951 e abatido em 1975. O seu comprimento era de 103 metros. A sua arqueação bruta pouco ultrapassava as 3,3 mil toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 16 passageiros em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira classe, no total de 52 passageiros. Nº de tripulantes: 47.

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000) (com a devida vénia)


1. A propósito do transporte de tropas para a Guiné (durante muito tempo, exclusivamente de barco), lancei para a tertúlia a seguinte questão, que não é inocente mas também não é provocatória:
- Vocês ainda se lembram do cheiro nauseabundo, fétido, do cheiro a merda e a vomitado, que vinha dos porões dos Niassas, dos Uíges e dos outros navios negreiros que transportavam a carne para canhão?... Oficiais e sargentos iam em 1ª classe e em classe turística, já não se devem lembrar muito bem desses malditos, inconfundíveis e indescritíveis cheiros… Mas o pobre soldado, meu Deus!, esse seguramente que ainda hoje se lembra desse cheiro nauseabundo, tão característico dos navios da nossa marinha mercante que foram fretados pela tropa.... Enfim, estamos a falar das duras condições em que chegavamos à Guiné, o tal sítio que ficava longe do Vietname...

Alguns camaradas apressaram-se a responder-me, dando o seu testemunho, fazendo um comentário ou contando uma pequena estória... Estou-lhes grato.


2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:

Amigo Luís:
Boa estada em Itália. Isso importa. Depois continuarás esta amálgama de guerra em que estamos... Ainda bem, pois vale a pena... Acho que parar não, muitas histórias há a contar e muitos barcos a explorar. Isso, aqueles que nos levaram e trouxeram à guerra, embora eu fosse já um dos primeiros que gozei o privilégio de voltar em Avião 707 dos TAM [Transportes Aéreos Militares]... Que luxo!


3. Mensagem do Carlos Marques Santos:

(...) Só de propores que se fale dos cheiros dos nossos paquetes, já estou com náuseas. Cinco dias intermináveis!

Nem de sargento de dia se podia fazer o porão, onde desgraçadamente iam amontoados os soldados.
Só vivido. Contado ninguém acredita.
Eu e os meus fomos no Ana Mafalda. Esse era um autêntico negreiro.


4. Texto do José Martins:

Caro Luís: Antes de mais faz uma boa viagem e goza esses dias de calmaria (?) em Itália. Cuidado com os mafiosos!

Estórias da minha ida de barco, o Alenquer, é bastante soft. Levava apenas 12 passageiros. Creio que tenho algo escrito sobre a viagem. Em caso afirmativo irei enviar. Será uma estória fora do contexto normal.

Quanto à História (com H, grande) é fantástica. É digna de antologia, já que escritos como este não abundam. É pena porque estas histórias deviam/devem ser dadas à estampa.

Um abraço do José Martins
(ex-furriel miliciano de transmissões, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)


5. O Marques Lopes tem uma descrição realista mas bem-humorada da sua viagem no Ana Mafalda: vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)

Aqui vão alguns excertos, para recordar:

(...) "Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos camarotes de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.

"O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.

"Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejos começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).

6. Eu próprio já aqui evoquei a minha viagem no Niassa, em finais de Maio de 1969: vd post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau

(...) "Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

(...) "Eis-nos nos tristes trópicos. Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos (...).

"Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.

"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).


7. Testemunho do Carlos Vinhal:

Caros camaradas.
Eu também foi um digno passageiro do Ana Mafalda.

Não há dúvida que o Ana Mafalda se fartou de levar gente para a Guiné. Parece que a grande maioria dos tertulianos viajaram nele.

Quando a minha Companhia embarcou no Ana Mafalda no Cais do Porto do Funchal, já ele vinha com lotação esgotada. Juro que é verdade. Trazia de Lisboa uma Companhia açoriana (CCAÇ 2726) e ainda lá conseguiram meter mais uma madeirense.

O navio já trazia uma vedação em madeira que dividia o barco a meio, para impedir que açorianos e madeirenses se juntassem e trocassem mimos entre eles. Ainda houve umas escaramuças através das grades, mas nada digno de registo ou que fosse contra o RDM. Só um pouco de álcool à mistura.

Confesso humildemente que nunca desci aos porões, porque não tive coragem. Espreitei uma vez cá de cima lá para baixo e chegou. Por sorte não me tocou nenhum Sargento de Dia a bordo.

Apesar de tudo a viagem foi tão pequena que o sofrimento não deve ter sido muito e apenas se dormiram 4 noites a bordo. Durante o dia o pessoal andava cá por cima.

Alguém falou de imundicie, e de fome ninguém fala? Eu já fui dos sortudos que vieram de avião, mas tenho amigos que regressaram também de navio e queixam-se de que a alimentação no regresso era inferior e de pior qualidade, comparada com a de ida. Subentende-se que para lá nos queriam gordinhos, para cá cada um que se desenrascasse - passe o termo pouco ortodoxo.

Cordiais saudações.
Carlos Vinhal
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