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domingo, 4 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24365: (In)citações (245): "Pequena conversa com a Arte", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)


Pequena conversa com a Arte

adão cruz

Há muito tempo que não falo contigo em público, mas penso em ti todos os dias e vivo-te intensamente. No entanto, não ando lá muito satisfeito contigo, melhor dizendo, não estou muito convencido da verdade da nossa relação. Cá para nós, também não acredito muito nos orgasmos daqueles com quem privas e a quem iludes tanto ou mais do que a mim.

A plenitude contigo, bem como a plenitude com a tua amiguinha poesia seria um contrassenso se conduzisse à frustração. Mas eu não vejo os teus amantes, por mais convencidos que pareçam, libertar-se das desilusões e frustrações. Apercebo-me de que, como eu, procuram constantemente mendigar o afecto que teimas em não me dar.

Todos os planos se interceptam no universo policromático e polipoético que cria o labirinto onde te escondes. O teu secreto reduto, em permanente movimento pelos céus do incriado, torna a tua posse quase impossível, por infinitamente diversa e fugidia em cada momento da vida. Todos os meus pressupostos interpretativos na gestão do acto criativo fazem-te rir, eu sei. Todos os pressupostos não são mais do que sentimento e dilatação da memória, que dificilmente coexistem com a dissolução das experiências pessoais.

Eu não moro em ti, mas moro mais em ti do que em qualquer outro lugar. Por tu o saberes, obrigas-me a ser um guardião de ruínas, medindo a palmos de esperança e futuro a arqueologia da vida. Na ânsia da tua vasta presença e no paulatino destapar das sucessivas camadas da realidade complexa, fazes de mim uma espécie de geólogo do meu próprio íntimo. Mas eu não posso viver fora desta procura e não tenho medo nem vergonha de me preocupar com a arte, de me preocupar contigo. Tenho medo, isso sim, daquilo que o reaccionário Flaubert chamara a maré de merda que inunda o nosso estado mental. Na realidade, poucos se preocupam a sério contigo. A infinita estupidificação corre o mundo como uma conjura contra a poesia e a liberdade - as asas que te eternizam - e faz do ser humano um arremedo, habitante de quatro paredes onde não cabem as cores da mente cultural e a edificação da palavra. Um ser encerrado na prisão dos actos controlados, longe da luz e da razão, caminhando cegamente na rota da sombra.

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24360: (In)citações (244): "CONFISSÃO à Arte, minha velha amiga da onça", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24360: (In)citações (244): "CONFISSÃO à Arte, minha velha amiga da onça", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)


CONFISSÃO à Arte, minha velha amiga da onça

adão cruz

Talvez tenhas dado por mim, mas não quiseste mostrar. Ajoelhei meus passos no teu caminho e tu não viste. Sempre tiveste duas pedras brancas nos olhos e cego foi o meu coração.

Sempre foi de mármore o teu rosto em todas as manhãs. Parte-me o peito a amargura, sempre que toda tu és apenas figura, retórica figura.

Afogado na tristeza, nunca uma boia me lançaste. Um fio de silêncio, de lágrimas molhado, foi o espaço vazio que criaste, o poema sem alma, a tela negra onde cravei os dedos e cuspi as cores sem brilho.

Desonrei o corpo das palavras e o seu mais alto dizer, para esmolar um verso, um rasgo de cor ou... morrer. Tu nada quiseste saber, em todas as plúmbeas manhãs derretidas em chuva.

Nasço e morro contigo todos os dias, amparado em versos que não têm mãos e logo se quebram aos primeiros raios de sol. Todas as minhas rugas faciais estão assinadas por um roteiro de ansiedades num calendário de esperanças, todos os meus nervos estão marcados pelos dedos vulcânicos da paixão. Em todas as manhãs perdidas no leito da angústia, só a ilusão foi minha amiga. Para ela me arrastaram as nuvens e com elas me confundi, com elas me perdi.

Sei que o meu lugar é aqui, ainda que eu não saiba o lugar que ocupo. Faço que rio, faço que choro, faço que canto, ao som ausente de um Quinteto para Clarinete. Mas não posso viver sem ti. Mais do que nunca, preciso de ti para viver o amor, a mais bela das frustrações.

O meu silêncio, de espada em riste, parte os teus olhos de pedra, e canta. Canta uma qualquer Chanson Romanesque a uma qualquer Dulcineia, perdida nos montes, algures, para lá do arco-íris.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24352: (In)citações (243): "Pequena REFLEXÃO sobre a obra de Arte", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

terça-feira, 30 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24352: (In)citações (243): "Pequena REFLEXÃO sobre a obra de Arte", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)


Pequena REFLEXÃO sobre a obra de Arte

adão cruz

A obra de arte, seja qual for a forma de expressão, em nossa opinião deve procurar libertar-se, tanto quanto possível, do meramente sensorial, por mais figurativa que seja. A sua intrínseca e mágica natureza confere-lhe, fundamentalmente, um delicado papel de estímulo, mais ou menos poderoso, que pode levar a pessoa que a lê, que a ouve ou contempla, a libertar-se da escuridão e da hibernação, a desnudar-se, a revelar-se a si própria e a conhecer-se melhor. Quem vive uma obra de arte, poderosa expressão da essência humana, está constantemente a aprender uma experiência vivencial que não faz parte dos nossos padrões habituais de reflexão. E pode, se o estímulo e a sensibilidade tiverem a força necessária, permitir a sorte de nos alcandorar a instâncias onde reside um prazer único da fruição estética.

O sentimento artístico e o sentimento poético fazem parte da essência e do sumo da vida. Se ambos estes sentimentos existissem de forma construída e profunda dentro de nós, o mundo não seria tão cruel, a racionalidade não seria truncada, a verdade não seria mentida, a consciência não seria vendida e o Homem não seria caminho para a destruição.

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24348: (In)citações (243): "REFLEXÃO sobre a matéria e a vida", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 21 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24331: (In)citações (242): "REFLEXÃO sobre o complexo caminho da simplicidade da Evidência", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO sobre o complexo caminho da simplicidade da Evidência

adão cruz

Não é fácil percorrer o complexo caminho da simplicidade da Evidência que anda por aí, em muita coisa. O medo da Evidência apavora as mentes que, de uma forma ou de outra, perderam a liberdade ou rejeitam a liberdade, sobretudo a liberdade de pensar. Interiorizam mecanismos fortemente redutores que são aceites acriticamente, porque não existe ou foi tacticamente anulada a capacidade crítica, ou são impostos por uma espécie de fé ou crença consuetudinária, impiedosamente dogmática, que cristaliza toda a forma de pensar, mesmo em pessoas familiarizadas com a Cultura Científica da Evidência. Estas, ainda assim, as pessoas de boa fé. Porque as há, e não são poucas, que fazem da má fé o antídoto da Evidência que não conseguem negar. O mundo é muito claro, até onde nos permite que o seja.

O sobrenatural continua a ser um grande problema, com a maioria das pessoas a serem incapazes de o resolver, incapazes de rever a equação cujo resultado estabeleceram como certo sem conhecerem os dados que a compõem. Nunca até hoje, o sobrenatural teve qualquer Evidência Científica a comprová-lo.

Dogmas e argumentos condicionados, não sendo permeáveis à razão, só podem levar a conclusões frustrantes. O sobrenatural, tantas vezes aterrorizador, entrou na minha cabeça à força da destruição da razão e do entendimento, perpetrada por mentes ignorantes que me assaltaram a infância e adolescência. Essa parte negativa da minha vida teve um lado positivo. Permite-me, hoje, à luz da Evidência possível, fazer a comparação entre a falsa liberdade da enganadora felicidade do obscurantismo e a aliciante liberdade da real felicidade de uma razão, não mais miscível com qualquer grande ou pequena crendice. É muito difícil quebrar as grilhetas de um pensamento fortemente colonizado, mas a força projectiva da curiosidade humana que leva ao complexo caminho da simplicidade da Evidência é a única força capaz de nos libertar de todas as constritoras angústias metafísicas. Foi essa libertação que me trouxe a paz e a serenidade de uma total descrença mística, uma das melhores prendas que a vida me deu.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24313: (In)citações (241): "Reflexão (Ainda sobre a poesia)", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 14 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24313: (In)citações (241): "Reflexão (Ainda sobre a poesia)", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO (Ainda sobre a poesia)

adão cruz

Dizia Daniel Barenboim, que a música não é o som. Todos sabemos que a música se exprime através do som, mas o som, em si mesmo, não é música, é apenas o meio através do qual se pode transmitir a mensagem da música. Todos conhecemos as notas musicais, todos somos capazes de as dedilhar nas teclas de um piano, mas daí à música vai um abismo. Todos conhecemos as letras e as palavras, todos somos capazes de juntar palavras e com elas comunicar, de forma mais ou menos primária, mas daí a fazer arte literária vai um abismo.

Todos nós possuímos no nosso cérebro o mesmo esquema neural do sentimento, já que é o esquema neural da nossa espécie. Mas o padrão neural do sentimento, o padrão sentimental de cada um, que vai encaixar no nosso esquema neural, é completamente diferente em cada um de nós. Todos, de uma maneira geral, temos o mesmo esquema de vida, mas os nossos padrões de vida são diferentes, desde a camisa à profundidade do nosso íntimo.

Cada um de nós vai criando os padrões dos seus próprios sentimentos, através de uma curva de vivência e aprendizagem de uma vida inteira. Uma pessoa que tenha tido uma vida repleta de amor tem um padrão do sentimento do amor muito diferente do padrão de uma pessoa que nunca amou ou nunca foi amada. Uma pessoa que toda a vida viveu na miséria, no meio de agruras e dificuldades de toda a ordem, tem um sentimento de carência totalmente diferente do sentimento da pessoa que nunca teve dificuldades e sempre viveu na abundância.

Então, poderemos tentar dizer, cautelosamente, o que será um poeta…

Ser poeta não é ser um agente da banalização da palavra e da poesia, que é o que tantas vezes se vê, mas ser dono de um sentimento poético consolidado, muito apurado e afinado, construído através de uma vivência de amor e dedicação à poesia, vivendo a poesia de uma forma indissociável do viver da vida. No entanto, para além desta aprendizagem de uma vida inteira, é fundamental na construção do sentimento poético uma formação cultural global do ser humano, tão profunda quanto possível, a par de uma segura formação ética e estética. Obviamente que me refiro, muito especialmente, à formação na universidade da vida e não em qualquer fábrica de intelectualismos.

Só assim se entende que o sentimento poético e o sentimento artístico podem enriquecer e enobrecer todos os nossos processos de humanização, podem criar grandes afinidades com a consciência, revolucionar as inquietas questões da nossa mente, aproximar-nos de todos os mecanismos de identificação da verdade e ajudar-nos na difícil procura do caminho da harmonia.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24267: (In)citações (240): O meu 25 de Abril de 2023 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

domingo, 7 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24295: Dia da Mãe (1): MÃE (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)


MÃE

Mãe
a palavra universal
a palavra mais consensual da humanidade.
Nem Deus…
Deus é de uns e não de outros
Deus é conceito de muitos
e negação de outros tantos.
A mãe é de todos sem exceção
a mãe é de todos e é só nossa
a mãe é do crente e do ateu
a mãe é do pobre e do rico
do sábio e do ignorante.
A mãe é dos poetas
dos filósofos e artistas
dos bons e dos maus
a mãe é do amigo e do inimigo.
Não há mãe de uns e não de outros
não há ninguém sem mãe
e não há mãe de ninguém.
A mãe é de toda a gente
a mãe é de cada um
a mãe é do mundo inteiro
e do nosso mais pequeno recanto.
A mãe é do longe e do perto
da água e do fogo
do sangue e das lágrimas
da alegria e da tristeza
da doçura e da amargura
da força e da fraqueza.
A mãe é certeza e aventura
medo e firmeza
dúvida e crença
a haste que se ergue no céu
ou se aninha rente ao chão
para que a morte a não vença.
A mãe é a outra parte de nós
sem mãe somos metade
sem mãe nada é exato
igual a um
igual a infinito
onde se tocam princípio e fim
onde os tempos se encontram
sem presente passado e futuro.
A mãe é a lágrima que não seca
no sorriso que não se apaga
a nuvem que chove no sol que aquece
a mensagem da luz e da harmonia
e dos acordes matinais
com que abre o nosso dia.
A mãe levanta-se nas lágrimas da noite
e mesmo cansada
não perde a voz nem a cor da madrugada.
A mãe é a voz que se não teme
a voz que se confia
a voz que tudo diz
nas consoantes do grito
nas vogais do silêncio
nos abismos da agonia.
Mãe
primeira palavra a nascer
a última palavra a morrer.
A mãe é sempre a mesma
a mãe nunca é outra
na sua infinita diferença.
A mãe é criação
a mãe é sempre o fim
da obra-prima inacabada
a mãe nunca é ensaio
nem esboço nem projeto.
A mãe é um milagre
no milagre do mundo
o único milagre concebido
real e concreto.
Chora para que outros riam
ri para que a dor a não mate
mistura-se com a luz das estrelas
para vencer a escuridão
devora as nuvens por um raio de sol.
A mãe é beleza e poesia
aurora fulgurante
aurora adormecida
a mãe é bela porque é simples
porque nasce da silenciosa lógica da vida.
A mãe é fragilidade da semente
a força do tronco
a beleza da flor
a doçura do fruto
o dom de renascer.
A mãe é tudo numa só coisa
AMOR.


adão cruz

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Guiné 61/74 - P24293: História de vida (52): O Baú (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

O BAÚ

ADÃO CRUZ
Nossa avó materna, Raquel, na foto, natural de Vieira do Minho, foi para o Brasil, Rio de Janeiro, ainda adolescente. Meu avô materno, Virgolino, na foto, natural de Vale de Cambra, já se encontrava no Brasil. Conheceram-se, tinha ela dezasseis anos, ele raptou-a e casaram. Tiveram quatro filhos, os dois mais velhos, Mário e Maria, na foto, um terceiro que morreu e nossa mãe, a mais nova, nesta altura da foto ainda não nascida.

Nossa mãe nasceu há cento e dezasseis anos, e nossa avó morreu no parto. Pai e filhos regressaram a Portugal quando nossa mãe tinha poucos meses, trazendo todos os seus haveres nesta mala (baú), na outra foto. Nosso avô foi posteriormente para Rio de Frades, Arouca, como capataz das minas de volfrâmio, exploradas por alemães. Os seus haveres foram dentro deste baú.

Toda a família directa de nossa mãe morreu com a Pneumónica. O pai, a madrasta e os irmãos. Ficou apenas a nossa mãe, com dez anos de idade. Sobreviveu também o baú, que por sinuosos caminhos chegou à nossa infância e se manteve fiel a nós toda a vida. Está em casa de minha irmã, e sempre que nele pousam alguns momentos do meu olhar, “fósforos riscados ao vento”, ouço dentro de mim uma melodiosa canção de Grieg, e penso que a poesia, seja ela o que for, felicidade ou drama, reside mais na vida do que no poema.

adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23879: História de vida (51): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - IV (e última): A última comissão, Moçambique, 1973: "Bem-vindos a Mueda, terra da guerra, aqui vive-se, trabalha-se e morre-se"

segunda-feira, 1 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24273: Efemérides (389): "Primeiro de Maio", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

PRIMEIRO DE MAIO

Primeiro e único
Verdadeiro
Maio acordado
Maio maduro
Penoso
Duro
Nunca vergado.


Floresta de braços e abraços
Festa dor do Maio primeiro
Carne e alma
Seio fecundo
Onde corre o leite
que alimenta o mundo.


Ir e voltar
Voltar a ir e a vir
Entre a dor e a alegria
Penoso caminho da vida inteira
Para prender um braço de sol
Entre a noite e o dia.


Mãos crispadas
Calejadas
Calor que os filhos aquece
Na esperança de outros sóis
Calar da fome que os adormece
Entre o antes e o depois
Da luta que não esmorece.


Maio de medos e canções
Maio de sempre
Maduro Maio
No fundo dos corações
Terra e vida
Vida dos que amam a terra
Antes morta que vencida.


Na palma da mão
Aberta e solidária
Festa da alegria
Maio dor e lágrimas
Renascido Maio
Nunca Maio da agonia.


Sol inteiro roubado
Sol do acordar de Maio
Vermelho e quente
Sol que é de todos
Maio de sol nascente.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24251: Efemérides (388): Revolução dos Cravos (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

domingo, 30 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24270: Blogpoesia (791): "Passei o dia a ouvir música", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Passei o dia a ouvir música

Passei o dia a ouvir música
sempre a mesma
alternando Madredeus e Erik Satie.
Como foi possível parecerem-me tão semelhantes?
Que percebe de sons este monocórdico espírito?
Mas foi o mesmo o que produziram em mim:
a sensação amarga de ter atirado fora
uma paveia de sentimentos.
Como vou misturar "É quase certo que nada existe, nada está perto nem eu estou triste"
com "Embryons desséchés e Peccadilles importunes?"
Eu próprio me sinto mistura de contradições e acasos
harmonia de contrastes
santidade e pecado.
Nada percebo de música
mas quero que a música seja ar
chuva ou vento
olhos
boca
sustento
febre
delírio
amor e tormento.
Não sei onde fica a música nem a terra onde ela conduz
sei apenas que é de calor e de luz
ar puro e perfume
o caminho da música para o alto dos montes.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24243: Blogpoesia (790): Reflexão, simplista, sobre a Poesia (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24243: Blogpoesia (790): Reflexão, simplista, sobre a Poesia (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)


REFLEXÃO, SIMPLISTA, SOBRE A POESIA

adão Cruz

É muito difícil saber o que é a poesia. Sempre duvidei de quem diz que sabe o que é a poesia. Tenho lido e ouvido tanta coisa sobre poesia e muito pouca coisa me convence. Isto não retira a qualquer um de nós o direito que temos a expor o nosso pensamento.

Com a proximidade cada vez maior entre as Humanidades e a Ciência, muito especialmente as Neurociências, uma ampla janela se abre, como nunca se abriu, para o entendimento da natureza e do conceito de poesia.

O Ser Humano é uma estrutura muito complexa de sentimentos, uma infinidade de sentimentos, em sentido neurobiológico, obviamente. Desde os sentimentos mais comuns e mais conhecidos, como o sentimento do amor e do ódio, o sentimento da alegria e da tristeza, o sentimento da coragem e do medo, até sentimentos menos experimentados como o sentimento da beleza, o sentimento poético e o sentimento artístico. Sim, porque eu penso que beleza, a poesia e a arte, à luz das Neurociências, não são mais do que sentimentos.

Sem ter a veleidade de pretender impor conceitos de poesia, sinto a necessidade de a entender e de me entender no seu complexo e maravilhoso mundo, tão levianamente tratado por tantos devaneios pretensamente filosóficos. Embora nascendo embrionariamente connosco, os sentimentos têm de ser vivenciados, construídos, apurados e consolidados ao longo da vida, mais ou menos profundamente e de forma diferente em cada um de nós. Comparada com a assombrosa e constante neuroplasticidade cerebral do nosso dia-a-dia, a programação genética é uma componente muito menos decisiva na construção daquilo que somos e na elaboração da nossa mente.

Parece-me, desta forma, que o sentimento poético é um sentimento muito profundo e ao mesmo tempo muito subtil, uma espécie de essencialidade harmoniosa da vida, provavelmente de uma neuronalidade muito delicada. A poesia não é, a meu ver, um sentimento de cópia, mas a simbolização, a evocação e a invocação ao mais alto nível, da beleza e da nobreza da realidade. Para quem possui este sentimento bem enraizado, a expressão poética pode ser entendida não só como harmonia verbal, em que todos os materiais fonéticos e simbólicos se diluem num resultado de suprema fruição estética, mas também como seiva ou brisa mágica que percorre transversalmente qualquer forma de expressão artística. Daí que o chamado poema, considerado a matriz literária onde habitualmente nasce e germina a poesia, pode ser estéril ou constituir mesmo a negação do sentimento poético. A poesia pode ter uma presença mais viva num texto em prosa do que num poema, ou ser muito mais sentida numa pintura ou numa peça musical do que em qualquer forma de expressão literária.

Apesar de demasiado simplista, atrevo-me a concluir através desta reflexão, que é um erro pretender que o sentimento poético chegue às pessoas da noite para o dia, por artes mágicas, como se de uma prenda banal se tratasse. Dito por outras palavras, penso que, não sendo negativa, pode ser enganadora e não racionalmente formadora, a pretensão de levar às pessoas a poesia ou sentimento poético através de celebrações, festividades e dias mundiais.

Dizia Schiller, que o vulgar é tudo aquilo que não desperta outro interesse que não seja o sensível. A arte e a poesia não devem descer ao puramente sensível, à mera receptividade sensorial, à fugaz captação de estímulos incapazes de serem trabalhados condignamente nas complexas oficinas neuronais da nossa mente. Mesmo que seja um lugar-comum dizê-lo, só criando na sociedade, através de verdadeiras políticas culturais, as condições que permitam entender a natureza e a profundidade da poesia e da arte, elas poderão ser sentidas como elemento essencial da vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24237: Blogpoesia (789): "Dia de enganos", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24237: Blogpoesia (789): "Dia de enganos", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

DIA DE ENGANOS

Uma gaivota beijando a espuma branca das águas fundas
em bailado Grandi Mestri
culminando as chaminés do Cabo do Mundo.
O barco ao longe

estático no horizonte
como eu aqui de olhos fitos nas rochas.
Gaivotas bailando
Rossini
Oh! Péchés de vieilhesse
Mascagni
Massenet
sem ponte nem horizonte
Verdi
Wagner
Bizet
sobre a espuma da tarde sem dia
do dia sem ponte
e sem horizonte para lá das rochas negras e nuas.
Marcia Trionfale em dia de glória
dunas de espuma branca
abraçando as rochas do meu deserto
tão perto do mar imenso tocando as nuvens.
Alguém me leva nas asas da gaivota
por dentro de ti para dentro de mim
em doce Intermezo de rios de sol e mares sem fim.
Alguém me passeia por dentro de ti
Cavalcate Delle Valchirie
avançando a vertigem em turbilhão
até planar bailando sobre o coração
cravado no sol poente
vermelho e quente do sangue que verti.
Bruscamente…o Prelúdio voando dentro de mim
a alma que resta em Meditazioni pelo espaço imenso
tocando aqui e ali as penas das asas que perdi.
Vesti La Giubba meu palhaço trágico
viajante da Barcarola en nuit d’amour
com ar triunfante Va Pensiero
sobre as asas douradas
seguro de quem se apoia nas pedras nuas da orla do mar
esquecendo o mar que navega… infinito… mistério.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24211: Blogpoesia (788): "As Palavras estão gastas" (nova versão), poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 16 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24226: (In)citações (237): "Reflexão sobre a pobreza" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO SOBRE A POBREZA

adão cruz

Formar e educar pressupõe que as pessoas estão em primeiro lugar e não podem ser sacrificadas em nome de uma qualquer estruturação produtiva. É por isso que as relações capitalistas são incapazes, pela sua natureza intrínseca, de promover o conjunto de direitos fundamentais dos seres humanos, a começar pelo direito à vida digna, à educação livre, aos cuidados de saúde, à habitação, ao emprego, à cultura, ao lazer e à aposentação. Não se podem criar verdadeiras escolas e seguir processos de formação de qualidade dentro de um sistema social excludente, desigual e antidemocrático.

A pobreza, ou o holocausto da pobreza como alguém lhe chamou, é a maior e mais cruel das violências, a mais descarnada evidência do fracasso social, o resultado exponencial de todas as ganâncias. Seria o flagelo da consciência dos ricos, se esta não estivesse dominada pela iniquidade económica e pela insensibilidade ao sofrimento e ao drama de cada um. Não só a pobreza do sul do planeta, do terceiro mundo, mas também a pobreza dos excluídos do primeiro mundo, onde o abismo entre pobreza e riqueza é cada vez maior por força de um sistema altamente injusto, corrupto, explorador dos fracos, que não se coíbe de matar, massacrar e praticar genocídios, para aumentar os superlucros e as mais-valias que já não sabe como utilizar. Degradam-se as condições de vida porque as necessidades humanas são geridas pela política das sobras. Destrói-se a natureza pela proliferação de indústrias que nada produzem além de lixo. Envenenam-se as relações entre pessoas e países pela luta de interesses e pela invenção das guerras. Combate-se a cultura em todas as frentes. Impõe-se uma pretensa e soberana eficácia de todas as panaceias que originam fabulosos lucros, através da intoxicação comunicacional.

Toda esta religião do mercado, todos estes rituais dos sacerdotes do poder espalhados pelos cultos reverenciais do dinheiro são consagrados em cimeiras, onde um profundo défice de moralidade define a repartição do que ainda resta para roubar. Toda esta lógica neoliberalizante, tão cara ao primarismo de tantos chefes de estado e seus correligionários, insensível à exclusão social e à generalização da pobreza, tende para a anulação do homem e para a promoção de uma cultura de gestão, cuja meta não é outra senão a mecanização de uma sociedade em que os homens não são mais do que peças.

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24195: (In)citações (236): "Reflexão sobre a Ciência" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 9 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24211: Blogpoesia (788): "As Palavras estão gastas" (nova versão), poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

AS PALAVRAS ESTÃO GASTAS (Nova versão)

As palavras estão velhas
estão gastas as palavras.
Mesmo velhas
mesmo gastas
as palavras são olhos d’água
as palavras são miragem de horizonte.
As palavras são bonitas
são bonitas as palavras ditas e não ditas.
São boas as palavras
por dentro e por fora
mesmo as palavras más
nos lábios de alguém que chora.
São precisas as palavras
para falar com a paisagem
para sentir a poesia de Grieg
numa Canção de Solveig
ou a melodia de Smetana
nas ondulações do Moldava.
Mesmo velhas
as palavras gastas ainda têm dedos
olhos e lábios.
Eu ainda acredito nas palavras velhas
puídas
sem cor
eu ainda acredito que nelas vivem
algumas sementes de amor.
São as palavras gastas
as velhas palavras de outrora
que ainda acordam a saudade
e acendem as noites com olhos de fora.
Não matem as palavras gastas
assim sem mais nem menos
não deitem fora as palavras velhas
até que me ofereçam
no dia em que ficar mudo
uma caixa de palavras novas.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24120: Blogpoesia (787): "Botão-flor da primeira folha verde", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24203: Blogoterapia (311): A sombra do jagudi (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

A SOMBRA DO JAGUDI

adão cruz

Acordei com um sol baço, esfreguei os olhos, espreguicei-me a todo o comprimento dos braços e bocejei a toda a largura da boca. Na rede mosquiteira, um grande insecto, enredado nas malhas, desesperava por se libertar, arrancando das asas um zumbido estridente de raiva e de agonia. Ainda ensonado, achei que era eu próprio a libertar-me da prisão onde me enfiaram.

Só tinha adormecido pela madrugada, com um peso no peito e um amargo na boca, deixado pela repetida leitura da carta da mãe da Sónia.

A Sónia vivia na África do Sul. Conheci-a em Lisboa, onde ela passava as férias com os pais, que eram amigos da família do meu colega Carvalho Santos. Era uma lindíssima miúda de vinte anos, cheia de sol e futuro. Com ela convivi durante os dias que precederam o meu embarque para a guerra da Guiné e o regresso da Sónia à África do Sul. O tempo suficiente para que dentro de nós se criasse uma linda relação e uma promessa de correspondência futura.

Entra a Guiné e a África do Sul, trocámos tantas cartas quantas o tempo e a distância o permitiram. Todas levavam e traziam as mais bonitas palavras que cada um de nós tinha dentro de si. Mas este fio de água cristalina que tão bem refrescava o calor da Guiné, subitamente secou. Durou metade da guerra. De um momento para o outro, as cartas deixaram de aparecer, como se no céu as estrelas se apagassem. A última que recebi foi da mãe da Sónia, dizendo que a filha morrera, vítima de um cancro da medula. Nunca de tal coisa a Sónia me falara. Nunca as suas cartas se escureceram. O estrondo que senti dentro do peito não foi menor do que o duma bazuca. Fugi para o meu quarto e encolhi-me até onde as carnes se dobraram. Dentro da carta vinha um pequenino alfinete de ouro, “a singela joia de que ela mais gostava” e que ainda guardo… mas não sei onde.

(Jagudi era o nome dos abutres, na Guiné)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23944: Blogoterapia (310): Não estou bem, e como anteriormente já dissera, voltei a ir para o "Corredor da Morte" (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA)

terça-feira, 4 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24195: (In)citações (236): "Reflexão sobre a Ciência" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO SOBRE A CIÊNCIA

adão cruz

Sou um materialista convicto, no sentido filosófico-científico, sem qualquer angústia sobrenatural ou metafísica, não perfilhando qualquer dualismo corpo-espírito, a não ser em termos académicos. Desta forma, considero a Ciência como a mais segura plataforma de partida para o caminho do saber e da verdade.

A Ciência oferece-nos perspectivas francamente inovadoras, mesmo sem contribuir com respostas directas e imediatas para todas as questões. A Ciência constitui a mais segura contribuição para a descoberta do homem e do mundo. A permanente interacção da evolução dos conhecimentos científicos com a cultura deve fazer parte da vida de todos nós. A Ciência, em permanente desenvolvimento, interfere constantemente em todos os domínios do quotidiano, e cria a necessidade de critérios de excelência em qualquer dos campos da educação e do progresso, a fim de tornar mais fácil o entendimento da vida. Sem a Ciência não há educação que resista, não há educação da verdade, não há verdade que não esteja conspurcada de crendice. Todavia, nem a Ciência nem a técnica têm sentido se não forem instrumentos para a realização plena da humanidade.

Ao apresentar-me assim, como intransigente defensor da Ciência, fazendo a apologia da Ciência como o mais verdadeiro de todos os caminhos, não deixo de ter em atenção a posição dos que atribuem à Ciência um cunho elitista, considerando-a parte de uma invenção diabólica que apenas serve para a consolidação cada vez maior do poder económico dos senhores do mundo. Neste sentido, a Ciência passaria a ser um instrumento de produção, mais associada ao poder de enriquecimento do que à criação do saber. Daqui a grande contradição entre a maravilha da Ciência e a perversidade das suas aplicações. Não podemos conceber, no entanto, um desenvolvimento sem Ciência, a grande luz contra todos os obscurantismos. Podemos e devemos, isso sim, ter sobre ela uma visão crítica, reconhecendo o seu incomensurável papel no desenvolvimento da humanidade e não desprezando os seus perigosos desvios. Um campo infinito, apaixonante e imparável, que tanto pode ser usado para reforço do poder dominante, como pode estar ao serviço de uma sociedade mais justa, mais verdadeira, mais progressista e igualitária.

Podemos concluir, dizendo que o mal não está nem nunca esteve na Ciência, mas no uso negativo que o ser humano lhe dá.

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24186: (In)citações (235): "Reflexão sobre as palavras" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 19 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24154: Os nossos seres, saberes e lazeres (562): Os meus livros. Ao todo, quinze (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

1. Em mensagem do dia 17 de Março de 2023, o nosso camarada Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), enviou-nos uma listagem dos seus livros publicados, cujos temas vão desde a Medicina à poesia, passando pelo Conto e pela pintura.
Felizmente o nosso blogue tem já muitas publicações dos seus trabalhos de pintura, normalmente ilustrando os seus apreciados poemas. Alguns dos livros mais antigos estão há muito esgotados.


Os meus livros.
Ao todo, quinze. Falta o primeiro, escrito há largos anos, do qual tenho um exemplar, mas não sei onde pára. Era um livro de cardiologia, com o título "Cirurgia geral no doente cardíaco".

Por ordem cronológica:


1 - Cirurgia geral no doente cardíaco.
2 - ESTA ÁGUA QUE AQUI VEM DAR (Poemas e pintura)
3 - VEM COMIGO COMER AMENDOIM (Contos e poemas)
4 - PALAVRAS E CORES (pintura e poemas)
5 - ADÃO CRUZ - Tempo, Sonho e Razão (Pintura e texto).
6 - ADÃO CRUZ - Hora a hora rente ao tempo (Pintura e texto).
7 - ADÃO CRUZ - Um gesto de silêncio (Pintura e poemas).
8 - Poemas do lusco-fusco (Poemas).
9 - Poemas do ser e não ser (poemas).
10 - Poemas estoricônticos (Poemas).
11 - VAI O RIO NO ESTUÁRIO - Poemas de braços abertos (Poemas).
12 - VAI O RIO NO ESTUÀRIO - Cores de braços abertos (Pintura e texto).
13 - CENAS DO PARAÍSO (Contos).
14 - CONTOS DO SER E NÃO SER (Contos).
15 - Entre as mãos e o sonho (Poemas).
Adão Cruz
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24152: Os nossos seres, saberes e lazeres (561): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (94): Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 5 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24120: Blogpoesia (787): "Botão-flor da primeira folha verde", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Botão-flor da primeira folha verde

Há uma mulher de alvor azul com um fio de azeite nos lábios finos e uma gota de água no canto dos olhos secos.

Os lábios foram carnudos e vermelhos de sangue e os olhos eram verdes como o sol quando o sol era verde.

Tem o rosto sumido na sombra descaída ao longo dos braços, como vela despregada de navegar.

Outrora, o mar encapelado e nu brilhava-lhe nos olhos, cobrindo de espuma branca as alamedas do desejo.

Havia uma cidade entre os lábios, envolta em lagos de montanha, com peixes verdes voando entre os pinheiros.

Não havia qualquer pomba branca caída no chão da cidade morta nas ruínas da ilusão.

Um edifício branco e muito alto, assente nas paredes do deserto, rompia o céu de nuvens negras.

No vão da noite que acolhe os sonhos, o botão-flor da primeira folha verde inverteu a vida entre o real e o imaginário, nas dobras do tempo, em universal dilema.

Há uma mulher de alvor azul com um fio de azeite nos lábios roxos e uma gota de água gelada no canto dos olhos.

E cedo se fez tarde a madrugada, sem tempo para morrer na vida de um poema.



adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23626: Blogpoesia (786): "O meu poema azul", poema ilustrado por e da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P24119: A nossa guerra em números (24): a composição orgânica de uma companhia de caçadores

 

Composição orgânica de uma companhia

 de caçadores

Comando

4 Gr Com, cada um com:

Capitão

1º Sargento

2º Sargento

4 Furriéis:

- Vagomestre (SAM /Alimentação)

- Enfermeiro (Serviço de Saúde)

- Transmissões (Trms)

- Manutenção Auto

1 alferes

3 sargentos (furriéis)

6 cabos

14 soldados atiradores

1 sold apontador de metralhadora

1 sold apontador de morteiro

1 sold apontador de LGF – Bazuca

1 Radiotelegrafista (RTL)

Praças

- 14 a 17 condutores autorrodas

- 4 mecânicos auto

- 1 mecânico de armas ligeiras

- 4 auxiliares de enfermagem

- 4 operadores de trms

- 1 operador cripto

- 1 escriturário

- 3 cozinheiros

- 1 padeiro

- 1 operador de reconhecimento

- 4 corneteiros /clarins

 

Total: 45 a 48

Total (Gr Comb): 28 x 4 = 112

 

Total (CCaç) = 157 / 160

 Fonte: Adapt. de Pedro Marquês de Sousa -  "Os números da Guerra 

de África". Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 49.


Composição orgânica de uma companhia de caçadores  (175 homens) 

(modelo de 1972)

Comando

3 Pel Caç,

cada um com:

1 Pel Acom-

panhamento

1 capitão

1 alferes médico

Secção de comando:

1º Sargento

Escriturário

Corneteiro/clarim

2 quarteleiros (também condutores e um barbeiro)

Secção de Transmissões:

Furriel (tb responsável pelo SPM / Correio)

2 Operadores cripto

4 radiotelegrafistas

4 radiotelefonistas

Secção de Alimentação:

Furriel (reabastecimento)

2 cozinheiros

3 auxiliares cozinheiro

1 padeiro

2 serventes (tropa local)

Sec Auto e Manutenção:

Furriel mecânico auto

3 ajudantes mecânico

1 mec armamento lig

15 condutores

Sec  Sanitária:

Furriel enfermeiro

4 auxiliares enf

Equipa acção psicológica:

1 alf (em acumulação)

1 fur (arm pesadas, em acumulação)

1 soldado

Comando:

1 alferes

1 radiotelegrafista (RTL) (do Comando da CCAÇ)

1 observador atirador especial

1 corneteiro/clarim

 

3 Secções Metralhadora Ligeira:

1 furriel

1 cabo apontador metralhadora

3 soldados

(3x 5 = 15)

 

1 Esquadara LGFog:

1 cabo

1 sold apont LGfog 8.9

3 soldados atiradores

 

1 Esquadra deAtiradores:

1 cabo

4 soldado

Comando:

1 alferes

1  RTL (do Comando)

1 observador atirador especial

1 corneteiro/clarim

1 enf aux (do Comando)

 

3 Secções Metralhadora Ligeira:

1 furriel

1 cabo apontador metralhadora

3 soldados atirad

(3 x 5 = 15 homens)

 

1 Secção Morteiro  Médio (81mm) (*):

1 furriel

2 cabo apontad

2 sold municiad

 

3 Secções Morteiro Ligeiro (60mm):

1 cabo

3 sold atiradores

(3 x 5 = 15 homens)

 

 

Observ.:

 

(*) Secção destinada a operar armas coletivas na defesa do aquartelamento

 

Total= 53

28 x 3 = 84

38

 

 

Total (CCaç)= 175

Fonte: Adapt. de Pedro Marquês de Sousa -  "Os números da Guerra de África".

 Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 50.


1. A "unidade de combate básica", na guerra do ultramar, nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique) era a Companhia de Caçadores (CCaç). Era uma companhia, de 150 a 160 homens, composta por atiradores de infantaria (ligeira). Dividia-se em:

(i) Comando de companhia;
(ii) Quatro grupos de combate (ou pelotões).

O comando de companhia incluía o  comandante (do QP ou miliciano) + uma pequena equipa de apoio (de combate ou operacional, logístico e administrativo), nas áreas da alimentação, trasmportes e manutenção auto, saúde e comunicações / transmissões.

Cada grupo de combate (Gr Comb) era comandado por um oficial (alferes, em geral miliciano) + 3 secções, comandadas cada uma por um furriel (miliciano); cada secção estava dividida em duas equipas ou esquadras, sob o comando de um 1º cabo.

Além dos 10 graduados (1 alferes, 3 furriéis e 6 cabos), o Gr Comb dispunha de 14 soldados atiradores, mais 1 apontador de metralhadora, 1 apontador de morteiro (60 mm) e 1 apontador de LGFog / Bazuca), e ainda 1 RLT (Radiotelegrafista).

Este modelo também se aplicava às companhias de artilharia (CArt) e de cavalaria (CCav), que na prática eram companhias de atiradores (da arma de artilharia ou de cavalaria).

Em 1972 apareceu um modelo que previa mais pessoal (c. de 175 militares), procurando melhorar o emprego da companhia como "unidade independente (sem depender de um comando de batalhão)" (Sousa, 2021, pág. 51): dispunha, em teoria, de médico próprio, de uma equipa de acção psicossocial e  de mais potencial de fogo (nomeadamente morteiro médio 81mm). 

Foi um modelo aprovado por Despacho Ministerial, de 18 de agosto de 1970, alterado em 27 de abril de 1972 (Sousa, 2021, pág. 50).

Este modelo, oficial, da orgânica de um companhia, dita independente, previa a existência de 3 pelotões de caçadores e um pelotão de acompanhamento. No TO da Guiné, usou-se mais o primeiro modelo, ou seja, o dos 4 Gr Comb. (*)

Estranha-se não haver um sapador: na prática havia um alferes ou um furriel, em geral de operações especiais, que possuía o curso de minas e armadilhas.

Também se usava, no TO da Guiné, o LGFog 37mm, a par da bazuca 89mm, e do dilagrama. 

Veja-se, por exemplo, a composição orgânica da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Sendo uma companhia da guarnição da província, de intervenção (e não de quadrícula), com praças do recrutamento local, não dispunha de armas pesadas de infantaria (nomeadamente, o morteiro 81 e metralhadores pesadas como a Browning). 

Originalmente era constituída por 167 homens,  sendo 76 de origem metropolitana (graduados e especialistas) (**).

Rapidamente, com as baixas (em combate, por acidemte ou por doença), a constituição de uma equipa para o  reordenamento de Nhabijões  e a afetação do furriel enfermeiro ao serviço de saúde do batalhão (a que a companhia  estava adida, primeiro o BCAÇ 2852 e depois o BART 2917), a CCAÇ 12 rapidamente ficou desfalcada...

Nunca estive em quadrícula, pelo que não posso falar, de experiência própria, do modelo (oficial)  do quadro orgânico de 1972.

Na CCAÇ 12, cada Gr Com tinha, originalmente:

  • um LGFog 8.9, cada um com o seu apontador e municiador (4 x 2 = 8):
  • um LGFog 3.7, cada um com um apontador (=4);
  • um Morteiro Ligeiro 60, cada um com o seu apontador e municiador (4 x 2 = 8);
  • uma Metralhadora Ligeira HK 21,com o seu apontador e municiador  (4 x 2 =8);
  • mais 7 ou 8 apontadores de diligrama ...
Mas houve operações em que se utilizou o Morteiro Médio 81 (recorrendo ao Pel Mort adido ao Batalhão).
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6447: A minha CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) (1): Composição orgânica (Luís Graça)