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sábado, 13 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)

Mensagem do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, comentando o último post do Pedro Lauret (1):

Caro Luís Graça,

Acabo de ler no Blogue um comentário do Pedro Lauret que de uma forma sucinta aborda a questão da ética na frente de combate, invocando preceitos que relevam do Direito Internacional e das Convenções, em particular a SOLAS 1974 ( Salvaguarda da Vida Humana no Mar), e as de Genebra que são quatro e não apenas uma como muitos supõem, e respectivos protocolos. Como exemplos, o Pedro Lauret apresenta o caso geral do combate marítimo entre forças embarcadas e concretiza uma situação de envolvimento terrestre com a Operação Mar Verde.

A minha reacção a quente a este comentário é a seguinte:

Em primeiro lugar e como ser humano, sinto-me feliz por constatar que, nesta caserna, alguém com autoridade e firmeza vem lembrar que, em qualquer guerra, passada ou presente, há barreiras que jamais podem ser ultrapassadas independentemente de ordens ou circunstancialismos. Isto é: não vale tudo, há regras.

E em segundo lugar, meus caros amigos, porque andando eu um pouco às aranhas, reencontrei-me finalmente! Sim, posso dizer que foi nesta guerra, a do Pedro, que eu participei. Porque foi esta conduta que me foi ensinada desde o berço até às salas de aula da EPI. Porque nunca recebi nenhuma ordem de operações em que o principal item fosse "matar" e menos ainda torturar ou seviciar.

Porque não faz parte da tradição das (modernas) forças armadas de Portugal atentar contra os direitos humanos de quem quer que seja, ainda que do IN se trate. Porque é na frente de batalha que a verdadeira estatura do homem se revela e sabemos (eu sei) que abnegação, magnanimidade e generosidade produzem altíssimos dividendos.

E finalmente porque todos temos uma consciência que, uma vez violentada, nunca mais nos deixa em paz. Será por isso que entre nós, como em outros povos (devidamente estudados), envolvidos em guerras recentes, há tantos inadaptados, psicopatas, suicidas, criminosos, stressados de guerra? Não se ofendam, porque a relação está provada!

E já agora, permitam-me um último desabafo. Eu não sou tão ingénuo como pareço. Tontos, sempre os houve na população em geral. Mais tonto ainda foi quem permitiu a sua incorporação e lhes entregou funções de comando. Casos como aquele de que Wiriamu é um terrível exemplo, não sendo porventura o pior, e muitos outros que a História silenciará, talvez pudessem ter sido prevenidos através de adequado filtro médico(?). Mas se não estão ou estavam doentes, estes indivíduos deveriam ser julgados, sendo o único caso em que admito a reintrodução da pena de morte. Não pode haver desculpas, estes casos não ficam resolvidos com peregrinações patéticas aos locais do crime por parte dos seu autores, com um batalhão de repórteres de TV atrás, como eu já vi. Um milhão de ex-combatentes sentem-se enxovalhados por estes indivíduos.

Às minhas mãos e às minhas ordens, com dignidade, muito respeito e uma profunda dor no meu coração, morreram seres humanos. MAS NUNCA NINGUÉM TEVE QUE MORRER. Nem foi maltratado ou humilhado.

E já agora, deixemo-nos de desvalorizar os direitos do adversário, chamando-lhes Turras. Eram soldados do PAIGC que tal, como nós, cumpriam o seu dever defendendo a Pátria. Tal como eu e outros.

Um abração e p. f. passa ao Pedro.

Vitor Junqueira

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


Mensagem do Pedro Lauret (1), com data de 20 de Outubro de 2006, respondendo a um pedido do editor do blogue para opinar sobre algumas questões potencialmente fracturantes no seio dos antigos combatentes da guerra colonial (2):

A guerra tem regras. Existe direito internacional e convenções que a regulamentam. Cabe às Forças Armadas, em especial aos oficiais dos quadros permanentes fazer cumprir esses procedimentos, quer divulgando-os na formação dos que integram as fileiras, quer principalmente na acção.

A Marinha tem especial atenção a estas matérias, até porque o combate naval tem características diferentes do que é travado em terra. Um militar da Marinha é também um marinheiro, os marinheiros, por longa tradição naval, e por legislação, adoptam um conjunto de princípios que se designam por "salvaguarda da vida humana no mar". Este conjunto de princípios caros a quem anda no mar reflectem a consciência de alguma precariedade e impotência relativamente ao meio levando-os a abraçar aqueles princípios com convicção.

Num combate naval tradicional, o vencedor, ao afundar navios inimigos, vai provocar náufragos, que devem ser socorridos e tratados segundo as leis do mar. Cria-se assim uma dupla situação de prisioneiros náufragos.

Nunca os fuzileiros adoptaram lemas do tipo: "...nós não fazemos prisioneiros". Na guerra não vale tudo. O julgamento de Nuremberga vem claramente provar esta afirmação, retirando legitimidade àqueles que pensam que obedecer a ordens os absolve da responsabilidade de actos praticados.

Há individualidades em que é indiscutível a sua coragem e determinação, merecendo nalgumas circunstâncias a nossa admiração . No entanto o problema que se põe é a forma como alguns deles lutaram como quadros das Forças Armadas.

Para mim é intolerável, por exemplo, a Operação Mar Verde: As Forças Armadas prestaram-se a entrar em águas territoriais de uma potência vizinha, reconhecida internacionalmente e membro das Nações Unidas, com navios sem os símbolos nacionais, com os números de costado pintados; desembarcaram forças militares, com uniformes do PAIGC, armas soviéticas, sem qualquer identificação e com a informação que em caso de ficarem prisioneiros Portugal não os reconheceria. Em terra mataram indiscriminadamente civis, assaltaram o palácio do governo matando e pilhando-o, atacaram a casa de Amílcar Cabral, mataram familiares, pilharam lojas e cidadãos. A isto chama-se Terrorismo. Os actos praticados constituem, muito provavelmente, crimes contra a humanidade.

Muitas outras acções deste tipo tiveram lugar. Para mim são inaceitáveis e condeno-as firmemente. Estas acções poderiam ter sido levadas à prática pela PIDE, nunca pelas Forças Armadas.

Hoje, quando se fala de Conakri todos falam dos prisioneiros libertados, único objectivo atingido na operação. As Forças Armadas poderiam há muito tempo ter feito uma operação para os resgatar. Poderiam ter desembarcado um grupo de comandos, eventualmente embarcados num submarino, e de surpresa fariam um golpe de mão e libertariam os prisioneiros. Mesmo que a operação fracassasse e alguns militares fossem capturados mereceriam da comunidade internacional compreensão e protecção do direito internacional.

Não posso deixar, ao analisar certas personalidades [que se evidenciaram na guerra colonial], de as enquadrar nestas realidades. Penso que trazer estas matérias para o blogue é complicado, mas se o fizermos teremos que evidenciar toda a realidade. Será o blogue o espaço mais indicado para aprofundar estas matérias? Não poderemos nós com a nossa tertúlia debatermos estes temas doutra forma?

Um abraço
Pedro Lauret

___________


Nota de L.G.:

(1) Vd. alguns dos post do actual capitão de mar-e-guerra, na reforma, Pedro Lauret, que foi imediato da NRP Orion, na Guiné (1972/73):


29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret

12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1362: Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)


22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

(2) Vd. último post desta série: 4 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1400: Questões politicamente (in)correctas (14): Os Zés da Desordem deste País (Albano Costa / Torcato Mendonça)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 28 de Dezembro de 2006 > Na paz bucólica da natureza, entre castanheiros e ovelhas à porta do inverno...

Fotos: © Luís Graça (2006). Direitos reservados

1. Amigos e camaradas de tertúlia:

A quadra natalícia não é a mais favorável ao nosso blogue. Viajando até ao Norte, onde vim passar o Natal, não tenho tido acesso à Internet. Deixo-vos uma pequena mensagem de continuação de boas festas.

Na quarta-feira passada, tive o privilégio de estar com a nossa minitertúlia de Matosinhos: o A. Marques Lopes, o Xico Allen, o Zé Teixeira, o Carlos Vinhal e o Samúdio (um Gringo de Guileje que conheci agora pessoalmente e que é do tempo de escola do Carlos Vinhal). Almoçámos todos numa simpática tasca, a Casa Teresa, junto ao Porto de Leixões. Faltou o Albano, que estava adoentado. Falei com ele pelo telefone. Esteve também o Santos, que não é ainda da nossa tertúlia, e que esteve em Guileje com o José Casimiro Carvalho (que vive na Maia).

O Xico Allen teve a gentileza de me ir buscar e levar à Madalena, onde estou alojado. Continua entusiasmadíssimo com a próxima ida à Guiné, na próxima primavera, e sobretudo com a excursão que quer organizar em 2008, por ocasião do encontro internacional sobre a guerra de libertação/guerra colonial em Guileje (que está a ser organizada pelo Pepito). O Xico (o apelido Allen vem-lhe de um antepassado inglês, inevitavelmente ligado ao comércio do Vinho do Porto)é talvez o mais guineense de todos os tugas, ex-combatentes da Guiné... Ele voltou lá em 1992, e a partir daí nunca mais parou, a ponto de ter autorização de residência naquele país irmão...

Enfim, o tempo é curto para estar com todos os amigos e familiares, incluindo os amigos e camaradas da Guiné que vivem aqui no Norte. Cheguei à conclusão que Matosinhos, só por si, foi uma terras que deu mais combatentes para o TO da Guiné. Espero receber dentro de dias as fotos que o Xico Allen tirou. Gostei muito de os rever. É gente fixe, que espero voltar a encontrar numa próxima reunião da tertúlia, possivelmente em Pombal, ou até talvez antes, em Candoz, na nossa quinta de família...

A todos os demais amigos e camaradas da Guiné um forte abraço, com votos de reforço dos laços que nos unem. Faço minhas as palavras que o Pedro Lauret me pediu para vos transmitir, e que só agora tive conhecimento. Outros amigos e camaradas tiveram a gentileza de me tefonar. A todos os agradeciemntos. Luís Graça.

2. Mensagem de 23 de Dezembro de 2006, enviada pelo Pedro Lauret:

Luís,
Agradecia que fizesses chegar estas boas festas à Tertúlia. Para ti um abraço muito especial.

Pedro Lauret


Camaradas e companheiros de Tertúlia,

Desejo a todos umas óptimas festas e um 2007 cheio de saúde e de concretizações pessoais.

Quero aproveitar a ocasião para agradecer a todos, em especial ao nosso timoneiro Luís Graça, o privilégio de com todos privar nesta nossa comunidade de homens diferentes, que em comum partilham: as memórias de uma guerra que foram chamados a participar e os afectos a uma terra que paradoxalmente passaram a chamar sua.

Um abraço amigo

Pedro Lauret

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

GUiné 63/74 - P1362: Bibliografia (5): Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)

Aniceto Afonso é autor, juntamente com Carlos de Matos Gomes, do monumental trabalho historiográfico Guerra Colonial (Lisboa, Editorial Notícias, 2000, 635 páginas).

Foto: Sítio da 4ª Companhia de Caçadores Especiais (Angola, 1960/62) (com a devida vénia...)



Texto do Pedro Lauret, com data de 5 de Novembro de 2006:

Caro Luís,

Seguem algumas notas sobre o colóquio no ISCTE (1). Ontem não me foi possível estar presente pelo que a minha apreciação se refere apenas a 6ª feira [3 de Novembro de 2006].

Sem querer por em causa quer a qualidade quer o interesse das diversas comunicações gostaria de referir que, à excepção da intervenção do coronel Aniceto Afonso (2), todas as outras abordaram temas laterais à guerra e às forças armadas. Não que os temas não fossem conexos, mas na minha modesta opinião não enquadraram suficientemante o propósito do encontro 30 anos de fim do Império. Guerra, Revolução, Descolonização. Não é possível tratar aquelas matérias sem desenvolver os temas directamente ligados à Guerra Colonial e às Forças Armadas. O 25 de Abril e a Descolonização não são entendíveis sem ser à sua luz.

Tem-se verificado muito pouco interesse dos nossos historiadores na investigação do mais importante acontecimento da segunda metade do século XX, a Guerra Colonial. Os nossos arquivos, incluindo os militares, estão disponíveis à investigação e existe uma disponibilidade imensa de testemunhos de ex-combatentes, o que torna mais inexplicável este desinteresse.

O Aniceto Afonso (2) disponibilizou uma série de dados referentes à guerra, que vou fazer chegar à tertúlia.

Estes comentários não se reportam, obviamente, aos palestrantes da Guiné e Angola.

A comunicação do nosso companheiro Leopoldo Amado, de grande interesse, descreveu a luta do PAIGC com base na actividade e personalidade de Amílcar Cabral. As diversas etapas da luta, os apoios internacionais, a criação de estruturas de administração nas áreas libertadas, a evolução da situação militar, foram temáticas muito bem desenvolvidas. Como seria bom que pudessemos ir fazendo uma História da Guerra Colonial em paralelo com as Histórias das Guerras de Libertação.

João Milando fez uma intervenção muito interessante sobre as mudanças e não mudanças que se operaram em Angola. O que mudou e não mudou entre o Colonialismo e a Independência. Que roturas e que continuidades. Uma abordagem diferente em que ficamos cientes da complexidade dos fenómenos em presença e sobretudo que a continuidade prevalece sobre a rotura.

Um abraço
Pedro Lauret
_______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de Novembro de 2006 > 5 de Novembro de 2006> Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!

(2) Aniceto Afonso, director do Arquivo Histórico-Militar, cargo que vai em breve deixar, com muita pena e apreensão por parte de todos aqueles que se interessam pela historiografia da guerra colonial e que admiram o trabalho daquele investigador.

Vd. blogue de Luís Alves de Fraga, Fio de Prumo > 29 de Outubro de 2006 > É tempo de homenagear

(...) Nas duas semanas que estive ausente do Fio de Prumo recebi muitos e-mails e chamadas telefónicas de camaradas de armas e de gente da cultura — em especial ligados à História — manifestando-me a justiça de se prestar uma homenagem pública ao Aniceto Afonso, agora que completa 65 anos de idade e abandona as funções que, com tanto brilho e empenho, tem vindo a exercer no Arquivo Histórico Militar, nos últimos catorze. Todos me dizem: — Lança a ideia no teu blog... Verás que tens aderentes. O Aniceto Afonso, como Homem de cultura e principalmente como cidadão e militar, é das raras figuras que merecem não ser esquecidas — como se eu não soubesse isso muito bem! — Não deixes passar a oportunidade.
Tenho meditado muito sobre o assunto.

"O Aniceto Afonso foi um de nós — os da geração militar do 25 de Abril — que muito tem trabalhado para, neste futuro que já vivemos, a memória dos melhores anos da nossa juventude não ser perdida nem vilipendiada por todos os que não respeitam — especialmente por ignorância — os esforços de quem lhes trouxe a paz, a democracia e as condições para Portugal merecer, como nação velha neste Velho Continente, o apreço e a admiração do mundo inteiro. Aniceto Afonso, escondido na sua natural modéstia — que não faz dele um Homem menos interventor, mas o posiciona na penumbra onde se resguardam os grandes espíritos — merece que nos juntemos à sua volta e que lhe digamos, olhos nos olhos, com a frontalidade que caracteriza quem não teme juízos malévolos, lhe digamos o quanto o estimamos e o quanto esperamos que continue a fazer excelente trabalho em prol da História recente deste martirizado Povo por séculos de sacrifícios, pois, correndo o risco de me repetir, como afirmava Alguém com justo atino, em Portugal ou se nasce por karma ou por missão.

"Fica aqui a minha parte no cumprimento das solicitações que me têm chegado; fica o apelo a todos — militares e civis, intelectuais ou meros cidadãos que se revêem na História recente de Portugal — para avançarmos para a homenagem pública ao Tenente-Coronel Aniceto Afonso, Homem de férrea vontade e indomável perseverança, Homem de uma coragem moral muito para além do comum, Homem que, avesso à luz da ribalta, com a generosidade do seu imenso coração, me vai perdoar o que lhe estou a fazer sem seu consentimento nem conhecimento.

"Aqui fica a ideia, cabe a todos nós dar-lhe corpo" (...).

Vd também post de 15 de Outubro de 2006 > A nossa História Militar: uma obra e um Amigo

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

Lisboa > Mosteiro dos Jeróminos > Claustro > Uma nau portuguesa do Séc. XVI (pormenor). Foto: © Luís Graça (2006)



Marinha Portuguesa > Submarino classe Albacora. Fonte : © Marinha Portuguesa > Galeria Digital > Fotos > Submarinos (2004) (com a devida vénia...)





Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Fonte: © Marinha Portuguesa (2004) (com a devida vénia...)



Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Fonte: © Marinha Portuguesa (2004) (com a devida vénia...)



Texto do Pedro Lauret (membro da nossa tertúlia, foi oficial imediato da LFG Orion - Guiné, 1971/73 -, sendo hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril) (2)

A Marinha Oceânica na Guerra Colonial
por Pedro Lauret

A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.

Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?

Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).

Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!

Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.

O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.

Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.

A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):

- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
- 10 Corvetas classe João Coutinho e Baptista de Andrade.

Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.

Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.

Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.

Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!

Pedro Lauret
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)

(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África

(4) Vd. posts anteriores:

20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 31 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

Texto de Pedro Lauret, ex-oficial imediato da LFG Orion (Guiné, 1971/73) e hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma (1):

Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial

Durante toda a minha comissão (1971-1973) era frequente receber no navio mensagens referindo a possibilidade de serem colocadas minas aquáticas nos diversos rios e braços de mar.

As mensagens invariavelmente previam: a vinda de especialistas soviéticos para dar formação sobre minas; a colocação de minas neste ou naquele curso de água; a ida de elementos do PAIGC especializar-se a um país de leste …

A Marinha sempre levou a sério estas informações. Os sistemas tradicionais de rocega de minas não eram aplicáveis à realidade dos rios da Guiné pelo que a sua minagem iria trazer graves problemas à navegação. Algumas dúvidas se punham, no entanto, sobre a real possibilidade de uma minagem sistemática dos rios pois as condições naturais eram adversas: fortes correntes, grandes amplitudes de maré, fundos baixos, cursos sinuosos.

Colocada esta nota prévia vamos à nossa estória:

Numa tarde de 1972 descia, no NRP Orion, o Rio Cacheu vindo de Binta em direcção a Ganturé. Ao descrever a curva de acesso à clareira do Tancroal avistei um objecto estranho a flutuar, acestei os binóculos e apercebi-me de um objecto esférico a flutuar.

Uma mina?! Era óbvio! Máquinas à ré, a toda a força!

O navio devia navegar a 14 nós (3), as máquinas inverteram, o navio tremeu, na gíria da Marinha diríamos que até fogueiros saíram pela chaminé. O navio estancou antes de atingir o terrível objecto. De novo de binóculos em riste comecei a aperceber-me que era uma estranha mina. De facto era completamente esférica, mas mina não parecia ser. Com alguns toques de máquina aproximámo-nos, aos poucos fui-me apercebendo das características daquela exótica mina aquática.

Calculem o que era: uma cabra afogada que inchou e a sua esférica barriga aparecia a espreitar à tona de água.

Foi assim que um garboso navio da Armada colocou máquinas a ré a toda a força para não atropelar uma cabra afogada.


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Notas de L.G.:

(1) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)


(2) Vd. último post desta série, 20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)

(3) Um nó é equivalente a um milha náutica/hora, ou seja,a 0,51444 m/s ou a 1,852 km/h. Neste caso, 14 nós correspondem a uma velocidade de 25,928 km/h. Fonte: Wikipédia (2006)

sábado, 28 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1220: Guidaje, Maio de 1973: o depoimento do comandante de um destacamento de fuzileiros especiais Alves de Jesus (Pedro Lauret)

1. Mensagem de Pedro Lauret:

Caro Luís,

Envio-te o email do Alves de Jesus, hoje capitão-de-mar-e-guerra, na altura 1º tenente comandante do DFE4 [Destacamento de Fuzileiros Especiais, nº 4]. Trata o texto conforme entenderes, com a sabedoria que te é conhecida.

Envio-te tal qual o recebi pois é preferível não ser mexido por mais que uma pessoa, se for caso disso. Falei com ele por tm que me autorizou a publicar o que quiséssemos. Penso que ainda não estará disponível para pertencer à tertúlia, o tempo poderá fazê-lo mudar de ideias.

Um abraço
Pedro Lauret


2. Mensagem de Alves de Jesus:

Caro Pedro Lauret:

De facto já lá vão uns largos anos que o nosso contacto se perdeu, mas a vida é mesmo assim e cada um tem de percorrer a sua.

Relativamente à minha passagem pela Guiné (73/74), comandando o DFE 4, ela foi uma etapa da minha carreira militar bem marcante e indelével. As diversas situações de perigo porque passámos jamais serão esquecidas, muito embora compreenda que as mesmas tenham sido enfrentadas, por quem as protagonizou, de modo muito diferente.

Tudo aquilo ficou dependente da sensibilidade de cada um… pela minha parte sofri bastante e os pesadelos ainda surgem durante a noite e já vão escasseando à medida que o tempo passa.

Portugal enfrentou a guerra colonial em várias frentes e, sem menosprezo por aqueles que combateram em Angola e Moçambique, a guerra levada a cabo na Guiné, pelas suas características, foi, na minha opinião, a mais difícil e perigosa de enfrentar.

Nós, os que escolhemos, por vocação, a carreira das armas, não nos podemos queixar face aos milhares de cidadãos que partiram compulsivamente para combater nas ex-colónias.

Reflectindo sobre a minha vida militar e pelos diversos cargos que ao longo da mesma fui chamado a desempenhar, confesso que o Comando do DFE 4 foi, de longe, o que mais me marcou. Senti, de modo inequívoco, o peso da responsabilidade nas decisões a tomar e a noção das consequências que as mesmas poderiam ter sobre a vida dos comandados.

Senti uma aproximação que, presumo única entre o Comandante e o militar mais moderno da Unidade, ambos seres humanos, sofrendo as mesmas carências, executando o mesmo esforço físico e sujeitos de modo igual ao mesmo perigo.

Nestas condições a acção de comando é mais vulnerável, mas quando bem desempenhada, tem uma apreciação mais justa e respeitada por parte dos subordinados.

Sobre o que me solicitas, vou limitar-me a transcrever a parte do livro Guiné 1968 e 1973 (pág. 82/84) do Cor. Nuno Mira Vaz com a qual me identifico e por nela ter tido intervenção directa na tentativa do rompimento do cerco a Guidaje:


" (...) Na manhã de 22 de Maio partiu de Binta para Guidaje nova coluna logística, com a missão de, na volta, evacuar os militares e os civis feridos que ali tinham vindo a acumular-se por impossibilidade de evacuação. O deslocamento dos feridos parecia finalmente possível, face aos resultados alcançados no decurso da operação Ametista Real, a qual, de acordo com prognósticos generalizados, teria provocado uma grande desorientação nas fileiras do inimigo.

"Conforme planeado, a CCP 121 (1) encarregava-se da protecção próxima, a oeste da estrada Binta – Guidaje, cabendo a um Destacamento Misto de Fuzileiros (quarenta e dois elementos dos DFE´s nº 1 e nº 4), sob o comando do 1º Tenente AN/FZE Albano Alves de Jesus, a protecção imediata, a leste. A responsabilidade pela picagem do troço de itinerário entre Binta e Genicó foi atribuída a um grupo de combate da Companhia de Caçadores nº 14, da guarnição de Farim; daí para a frente, a missão ficaria a cargo de um pelotão reduzido (treze elementos) da Companhia de Caçadores nº 3.

"O deslocamento iniciou-se pelas sete horas e trinta minutos, tendo-se desenrolado sem incidentes até Genicó, embora em marcha lenta, justificada pela necessidade de se proceder a uma picagem cuidadosa do itinerário. Além disso, foi também necessário utilizar um desvio com cerca de mil metros de extensão, para contornar o local onde se encontravam completamente destruídas e calcinadas várias viaturas, testemunhas silenciosas da violência registada em anteriores tentativas de reabastecimento a Guidaje.

"Transposto o desvio e percorridos menos de cem metros sobre o itinerário normal, um elemento da Companhia de Caçadores nº 3 accionou uma mina anti pessoal, reforçada com uma mina anti carro, que lhe causou morte imediata. A relutância com que os picadores vinham procedendo à picagem do itinerário, e que tem de se compreender face à sucessão de acontecimentos dramáticos ocorridos nas últimas semanas, tornou-se mais viva, forçando o 1º tenente Alves de Jesus e o alferes Gomes Rebelo, da Companhia nº 3, a deslocarem-se para a testa da coluna, onde podiam acompanhar de perto a picagem – um dos trabalhos mais perigosos e desgastantes em qualquer acção terrestre.

"Dez metros adiante, foi accionada outra mina. A explosão provocou a morte do picador, tendo além disso ferido com gravidade dois elementos e projectado pelo ar, embora sem consequências pessoais, ambos os oficiais e radiotelegrafista da coluna.

"Informado, em Guidaje, da ocorrência, o tenente coronel Correia de Campos deu instruções para que se retomasse a progressão logo que estivesse concluída a assistência aos feridos, se possível com maior celeridade e de preferência utilizando um desvio, uma vez que o itinerário normal aparentava estar abundantemente minado. Porém, no decurso do tratamento dos feridos, deflagrou nova mina, desta feita colocada fora do itinerário, que provocou mais um ferido muito grave. Durante o atendimento a este ferido, foi detectada mais uma mina na orla do itinerário, a qual não foi levantada por não existir na coluna pessoal habilitado para o efeito.

"Atendendo ao desgaste sofrido pela coluna, foi decidido reforçá-la com um grupo de combate que saiu de Genicó e se lhe juntou cerca das 12H00. A disposição geral era de grande desalento, sendo especialmente preocupante a situação de um dos feridos, o qual perdia muito sangue por ter a perna esquerda decepada um pouco abaixo do joelho, além de ferimentos nos braços e no olho direito. Tendo reavaliado a situação, o comandante do COP 3 deu ordem para abortar o reabastecimento, pelo que a coluna regressou ao ponto de partida, que atingiu cerca das 17H45" (...).

O ferido muito grave atrás referido, com a perna decepada, após ter sido devidamente assistido em Bissau, foi evacuado para Lisboa para tratamento especializado e colocação de prótese. Recordo tê-lo encontrado há alguns anos em pleno Rossio (Lisboa). Referiu-me que já ia na 3ª prótese de adaptação e desempenhava actividade profissional num armazém.

Para selar o nosso reencontro fomos beber alegremente uma ginginha.


Caro amigo e camarada


Para finalizar: aprendi que a amizade nascida das vivências resultantes do perigo e das vicissitudes da vida são eternas!


Forte abraço do

Alves de Jesus

________________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

domingo, 22 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)

A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967.

Foto: © Lema Santos (2006). Direitos reservados.


Texto de Pedro Lauret. Da seu currículo militar consta que: (i) foi promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971; (ii) embarcou para a Guiné, em Setembro de 1971, onde exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion.

Na Guiné exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós). Em Maio de 1973 encontrava-se em missão no Rio Cacheu quando se dão os ataques a Guidaje, desembarca o Destacamento de Fuzileiros 8 no Jagali, afluente do Cacheu, após terem sido abatidas duas aeronaves (1 DO e 1 T6); nesse dia seria abatida mais 1 DO. No mesmo mês, no rio Cacine é a primeira unidade a chegar a Gadamael depois da retirada de Guileje, evacua, contra a ordem expressa do General Spínola, um número indeterminado (mais de 300) militares e civis que se encontravam fugidos nas margens do rio (...) (1) .


Ganturé, Rio Cacheu Maio de 1973,

Ganturé era um aquartelamento na margem Norte do rio Cacheu a cerca de 5 Kms de Bigene, onde estacionava um Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE). Tinha uma pequena ponte de atracação em madeira, dois grandes cibes faziam de cabeços. A Marinha mantinha no Cacheu uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG) e duas LDM, o comandante da LFG comandava este pequeno agrupamento. O DFE estava sob o comando do COP3 sedeado em Bigene.

Naquele início de Maio, o NRP Orion encontrava-se atracado em Ganturé onde DFE 8 se encontrava estacionado. Logo pela manhã é recebida uma mensagem dando indicação para apoiar o DFE 8 numa acção de desembarque. Fomos então informados pelo 1º Tenente Ferreira da Silva, comandante do DFE 8 do que passava:

Guidaje fora atacada com grande intensidade havendo um número grande de feridos. De Bissau levantara um DO que aterrara em Bigene para embarcar o médico e ir apoiar Guidaje. Ao levantar e a meio caminho entre aquelas duas localidades o DO fora abatido. Era necessário resgatar eventuais sobreviventes. O DFE 8 fora incumbido daquela missão em cooperação com uma Companhia de Paras que entretanto fora helitransportada para Bigene. Nunca vi tamanho movimento de helióteros.

Desembarcamos o DFE 8 na margem Norte na zona do Jagali. Entretanto levantaram de Bissau dois T6 para bombardear a zona antes da chegada dos Paras e Fuzos. Um dos T6 foi abatido, aos comandos encontrava-se o Major Mantovani. Chegados ao local, as NT só encontraram cadáveres. Foi ainda encontrado o corpo do míssil Strella que abatera uma das aeronaves. O DFE 8 reembarcou no meu navio e entregou-nos o corpo do míssil que transportámos para Bissau.

A incredibilidade era total, dois aviões abatidos numa única manhã, os feridos de Guidaje encontravam-se ainda no local e, embora não possa garantir, penso que um Para fora morto.

Entretanto um outro DO levantou de Bissau e aterrou em Guidaje, recolheu os feridos e levantou de regresso tendo então sido abatido.

Três aviões abatidos num só dia. A Força Aérea deixou de voar durante um largo período de tempo, e quando retomou passou a utilizar perfis de voo de eficácia reduzida. A supremacia aérea que constituía a nossa única vantagem militar no terreno, perdera-se. As evacuações, os apoios de fogo dos Fiat e do Helicanhão deixaram de se efectuar.

O cerco de Guidaje começara e o drama de Guileje e Gadamael estavam prestes a acontecer.

Passados poucos dias fomos rendidos no Cacheu, passámos em Bissau para reabastecer e navegámos a Sul para o Cumbijã e depois Cacine ao encontro dos acontecimentos de Guileje/Gadamael que já relatámos.

Nota: "A Guerra Colonial" [Lisboa: Diário de Notícias, 1999] de Aniceto Afonso e Matos Gomes contém uma preciosa descrição deste período na Guiné, pelo que a inserção [de um extracto sobre Guidaje, em Maio de 1973] no blogue é extraordinariamente feliz (2).

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

(2) Vd. post de 21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)

domingo, 15 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1179: Ameira, 14 de Outubro, um dia inesquecível (Pedro Lauret)

Pedro Lauert, quando jovem oficial imediato do NRP Orion (1971/73)

Foto: © Pedro Lauret (2006)


Mensagem de Pedro Lauret:

Caro Luís,

Sábado foi um dia inesquecível!

Quero-te transmitir pessoalmente o meu apreço e admiração pelo trabalho excepcional que estás a desenvolver, és de facto um grande timoneiro desta nave… nave que, sendo constituída por homens fortes, robustos e corajosos, é no entanto frágil e necessita de grande carinho e inteligência para se poder fazer ao mar e desafiar as tormentas. Um abraço de amizade e apreço.

Foi com enorme prazer que abracei os meus companheiros de tertúlia, alguns já conhecia das suas intervenções no blogue.

Sem querer desvalorizar a satisfação que experimentei em conhecer todos vós, foi o meu encontro, ou reencontro, com o Casimiro Carvalho, o corajoso Ranger de Gadamael, que torna, para mim inesquecível o sábado passado. Não sou capaz de descrever o conjunto de emoções, memórias, afectos que se entrecruzaram na minha cabeça ou no meu coração. Os acontecimentos que vivemos em conjunto foram de tal forma dramáticos que acompanharão as nossas memórias até ao fim das nossas existências. Não terá este reencontro algum simbolismo? Talvez…


Um abraço para todos
do companheiro e camarada

Pedro Lauret

(Oficial imediato do NRP Orion 1971-1973)


PS – Os navios da Marinha de Guerra têm Guarnições e não Tripulações. A Força Aérea tem tripulações pois não há vínculo permanente entre quem conduz e o objecto conduzido, ou seja o comandante de um avião e todos os seus colaboradores podem exercer a sua actividade hoje num avião e amanhã noutro. Na Marinha um navio é guarnecido por um período longo, por um conjunto de homens que criam com ele uma relação de serviço e até afectiva. Penso ser patente o afecto com que eu e o Lema Santos nos apresentamos como Imediatos do NRP Orion.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

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Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Foto © Pedro Lauret (2006) . Todos os direitos reservados.


Caro Manuel Rebocho,

Agradeço a tua carta (1) pois ela permite esclarecer alguns aspectos da situação que se viveu naquele mês de Maio e princípio de Junho de 1973 na Guiné. O Blogue do Luís Graça [& Camaradas da Guiné] tem exactamente esse mérito, pôr a falar entre si companheiros de armas que viveram tempos difíceis, recordar acções que viveram em conjunto e contribuir, à sua medida, para que se faça História.

Para poder responder às tuas questões tenho esclarecer em primeiro lugar que o dispositivo de fiscalização nos rios da Guiné era efectuado por Task Groups (TG) constituídos normalmente por uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG) e duas Lanchas de Desembarque Médias (LDM), a bordo da LFG seguiam cerca de 8 botes Zebro III com marinheiros fuzileiros como condutores. O comandante da LFG era o comandante da força (CTG). Este dispositivo permitia efectuar um variado tipo de acções quer de ordem ofensiva, defensiva ou logística.

No dia 1 de Junho de 1973 (não consegui confirmar com toda a certeza o dia pois o Diário Náutico da Orion referente ao período de 1970-1973 desapareceu), cerca das 20:00 encontrando-se o NRP Orion fundeado no rio Cumbijã recebemos ordem para seguir para Cadique e embarcar uma Companhia de Paraquedistas e seguir para Cacine com todo o dispositivo.

O Navio subiu o rio e embarcou a companhia de Paras com botes.

Foram dadas indicações às duas LDM – as LDM tinham como militar responsável, não um Sargento mas um Cabo de Manobra - que integravam a TG, para seguirem para Cacine pelo canal do Melo. A Orion não podia passar pelo canal do Melo por causa do calado pelo que saiu a barra do Cumbijã, navegou para sul entrou a barra do Cacine. Chegámos a Cacine nos primeiros alvores já aí se encontrando as 2 LDM, e desembarcamos a companhia de Paras.

A bordo da Orion entrou o Major paraquedista Pessoa que nos informou do seguinte:

  • Guileje, após intensos bombardeamentos fora evacuada e o contingente aí instalado seguiu para Gadamael;
  •  O Major Coutinho e Lima, comandante do COP, que tinha dado a ordem, seguira para Bissau sob prisão;
  • Gadamael estava sob fogo intenso e a grande maioria dos militares tinha fugido para as margens do rio Cacine (ver depoimento do Capitão Ferreira da Silva no Jornal Público) (1);
  • O General Spínola tinha estado em Cacine e tinha dado ordem explicita para ninguém ir socorrer o pessoal que andava fugido nas margens do rio, apelidando-os de cobardes;
  • O Major Pessoa ainda nos informou que se nós não fossemos recuperar o pessoal ele próprio iria nem que fosse de canoa.

O navio por sua inteira responsabilidade, e sem nada comunicar ao Comando da Defesa Marítima,  decidiu de imediato ir recuperar o pessoal. Foram dadas indicações aos patrões das LDM para seguirem nas águas da Orion.

Passamos o rio Meldabon junto a uma marca radar (marca Lira), a qual já não era passada por uma LFG há muito, não se conhecendo a situação dos fundos. Conseguimos seguir até ao rio Dideragabi (ver carta Cacoca/Gadamael, 1/50 mil), para montante era impossível navegar pois já não tínhamos fundo.

Foram colocados botes na água que passaram revista à margem esquerda do Cacine bem como as duas LDM. Foram recolhendo pessoal que traziam para bordo da Orion onde os feridos passaram a ser tratados, os mais ligeiros no convés,  os mais graves foram para a coberta das praças. Foi fornecida alguma alimentação ao pessoal. Como já havia muito pessoal a bordo,  as LDM passaram a levar o pessoal para Cacine.

Já de noite a Orion dirigiu-se a Cacine não podendo desembarcar os feridos mais graves pois estávamos em baixa-mar e a pista de lodo impedia-o.

Nessa noite a coberta das praças funcionou como navio hospital. O soro, compressas e outra material de primeiros socorros esgotaram. Foi pedido reabastecimento urgente a Bissau. Na manhã seguinte o material chegou num pequeno avião da Marinha.

Continuamos na zona por vários dias com o dispositivo.

Vou agora comentar a tua carta.

- Fotografias – Na primeira vê-se uma das LDM atracada à Orion a passar pessoal para bordo, na segunda os botes e as LDM a recolher pessoal das margens, conforme acima expliquei e como foi relatado pelo jornalista do Público.

Quero dizer, como comentário, que o que foi feito é o que está acima descrito, nunca dissemos outra coisa. Nunca foi dito que a Orion embarcou directamente o pessoal das margens, era absurdo. O que na realidade fizemos foi apenas desobedecer a uma ordem explicita do Comandante Chefe, quando o que estava em causa eram centenas de vida de militares e civis, numa altura em que a Força Aérea não voava quer para apoio de fogo quer para evacuações.

É completamento falso que tenhamos recebido qualquer ordem do major Monje, ou de qualquer outro, ou que as LDM tivessem actuado que não por ordem do navio, o único contacto que mantivemos foi com o major Pessoa. Nesse dia não recebemos ordens, estivemos entregues a nós próprios, o descontrolo era total, só isso explica a ordem do general.

O Major Monje só muito mais tarde viria a bordo, só no dia seguinte e apenas para coordenar acções, os navios dependiam directamente do Comando da Defesa Maritima.

Não fomos flagelados, mas podíamos ter sido, basta olhar para o mapa, também nunca dissemos que o fôramos e nem sequer dissemos em sitio algum que tínhamos corrido qualquer risco maior que os outros.

Na tua carta falas apenas de população nas margens, mas não era só população nas margens mas população e militares. O depoimento do Ferreira da Silva (2) é totalmente esclarecedor.

Penso que para já é tudo, estou sempre à disposição para qualquer outro esclarecimento (3).

Um abraço
Pedro Lauret
_____________

Nota de L.G.:
 
(1) Vd. post anterior

(2) Vd. Segunda e última parte do trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso > (Público, 26 de Junho de 2005), reproduzido no nosso blogue, em post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

(3) Vd. outros posts relacionados com este tópico:

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação da LFG Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, no Rio Cacine, em Junho de 1973 (Manuel Rebocho, ex-Srgt Pára, CCP 123, 1972/74)

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Guiné > Região de Tombali > Cacine > Rio Cumbijã > Junho de 1973 > "A LFG Orion, com populares a serem evacuados (...). A população de Guileje, não sendo aceite pela população de Gadamael, por serem chãos diferentes (no sentido de etnias), embarca num navio Patrulha que a levaria para Bissau, onde desembarcou".


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Guiné > Região de Tombali > Cacine > Junho de 1973 > Uma LDM [Lancha de Desembarque Média] com militares e populares e a costa do rio onde nunca o Orion conseguiria chegar".

Legendas de Manuel Rebocho. Fotos de Delgadinho Rodrigues (2006), gentilmente cedidas por Manuel Rebocho (2006). Todos os direitos reservados.

Fotos alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.




Manuel Rebocho, ex-srgt pqdt, BCP12 / CCP 123 (BS 12, Bissalanca, 1972/74)

Foto: © Manuel Rebocho (2006)


Texto enviado pelo Manuel Rebocho, ex-sargento paraquedista da CCP 123 (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975").

Carta a Pedro Lauret (1)

Não pretendo fazer polémica mas também a não recuso. Assumo a frontalidade e a responsabilidade do fiz e vi fazer.

A actuação da LFG [Lancha de Fiscalização Grande] Orion, na evacuação das populações de Guileje, que tinham sido forçadas a acompanhar as tropas portuguesas que se retiraram para Gadamael Porto, na manhã do dia 22 de Maio de 1973, teve o seu mérito (2), mas não exageremos.

Nas duas fotografias, que junto, a primeira é da LFG Orion, onde se vêem os populares a serem evacuados. Contudo, a segunda mostra uma LDM [Lancha de Desembarque Média] com militares e populares e a costa do rio onde nunca o Orion conseguiria chegar.


Temos assim que só chegaram ao Orion as pessoas que foram transportadas pela LDM, que era comandada por um Sargento. Acresce, que esta LDM estava aportada em Cacine e foi o então Major Manuel Monge, que desempenhava as funções de Segundo Comandante do COP 4, quem lhe ordenou aquela missão. 

Tendo o Sargento procurado esquivar-se ao cumprimento da ordem, a mesma foi-lhe imposta pela força já que o então Capitão Pára-Quedista Norberto Crisante de Sousa Bernardes que, como eu próprio, assistiu à ordem, determinou a uma força, que ele próprio integrou, que acompanhasse o Sargento e assegurasse a defesa da dita LDM.

Todos sabemos que Manuel Monge era um dos Oficiais mais íntimos de Spínola, cujo comportamento não pretendo justificar, mas antes, ser cientificamente sério. Neste sentido, Monge determinou a evacuação só depois de ter o beneplácito de Spínola.

Neste caso, não recuso méritos ao Orion, que os teve, mas não exageremos, quanto às motivações e iniciativas. O Orion cumpriu uma missão que lhe foi ordenada. E só. Lembro que o Orion estava no local, porque havia ido buscar a CCP [Companhia de Caçadores Pára-quedistas] 123, que integrei como operacional durante 26 meses, a Cadique (Cantanhez) no rio Cumbijã, precisamente para auxiliar Gadamael Porto, como fez. 

O Orion desembarcou a CCP 123 em Cacine, tendo a companhia seguido depois para Gadamael,  de LDM, mas, mesmo assim, desembarcou na zona onde estava a população, seguindo depois a pé até Gadamael, dado que o porto estava a ser constantemente bombardeado.

O Orion esteve sempre muito distante do alcance das granadas que o PAICG estava lançando sobre Gadamael. A população estava dispersa na margem, mas também muito distante de Gadamael.

A presente carta é da responsabilidade do tertuliano Manuel Rebocho, mas não só, também o é do Sargento-Mor Pára-Quedista Manuel Rebocho, que esteve nos actos que refere, e também do Doutor Manuel Rebocho que investigou estas operações durante mais de cinco anos.


Aceite o tertuliano, o camarada e V. Excia. os protestos dos meus mais elevados cumprimentos pessoais.

PS - O Delgadinho Rodrigues era na altura dos factos, tal como eu, Segundo Sargento Pára-Quedista e éramos da mesma companhia [CCP 123]. O facto de ele ter tirado as fotografias prova que estava lá. Como estava.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)


_________

Notas de L.G.:

(1) Vd post de 1 de Outubro de 2006 >

(2) Vd. posts de 15 de Junho de 2006 :

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1143: Parabéns, comandante Pedro Lauret, é uma honra tê-lo a bordo (Paulo Santiago)

A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967.

Foto: © Lema Santos (2006)

O Paulo Santiago, no seu regresso à Guiné, em Fevereio de 2005.

Foto: © Paulo Santiago (2006)


1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1972/73) a Pedro Lauret (oficial imediato do NRP Orion, 1971/73). Embora privada, a mensagem faz parte das nossas memórias (individuais e colectivas) e diz respeito à nossa tertúlia. Ambos consentiram, na sua publicação:

Caro Comandante:

Acho ser uma honra ter um Tertuliano condecorado com a Ordem da Liberdade (1). Ainda que atrasados, os meus parabéns.

Fui um frequentador, sempre que ía a Bissau - em 72 fui algumas vezes -, do NRP Orion. Conheci o Comandante Rita uma noite em Bissau, não sei precisar quando e onde. Ficámos amigos, assim como do Ten RN Alves da Silva, o Eduardinho, engenheiro silvicultor. É estranho não me lembrar do Imediato daquele navio, possivelmente serias tu. Lembro o Imediato do Comandante Sarmento, não sei o nome, mas encontrei-o em Coimbra onde dava aulas na Faculdade de Ciências.

Voltando ao Orion. Depois de conhecer o Rita, mal chegava a Bissau, procurava logo saber se o navio estava no cais. Se estivesse, regressava ao mato com o fígado em péssimas condições. Em Janeiro de 72 vim do Saltinho de heli para Bissau, em trânsito para Bambadinca, encontrei o Rita que me pediu para lhe mandar fazer um anel em prata no ourives de Bafatá com o nome em caracteres árabes. Depois de feito, fui ao Xime entregá-lo ao Comandante Pires Neves que me trouxe umas botas de fuzo enviadas pelo meu amigo.

Nunca mais encontrei o Rita. Perguntei por ele, há anos, penso que ao Comandante Barreto de Albuquerque - não tenho a certeza-, que me informou ter o Rita sofrido um terrível desgosto com a morte da única filha, com um tipo de cancro raríssimo.

Gostava de encontrar o Comandante Rita. Se o encontrares, dá-lhe um abraço.

Vamos encontrar-nos em Montemor.

Um grande abraço do
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53)


Foto: © Pedro Lauret (2006)


2. Resposta do Pedro Lauret (actualmente, capitão-de-mar-e-guerra, na reforma)

Caro Paulo:

Fiz a minha primeira metade da comissão com o Rita, um grande homem e um grande comandante. Infelizmente o Rita faleceu há menos de um ano, também com um cancro. Morreu amargurado com a morte da filha. Ficou também muito desiludido por não ter chegado a almirante, o que pessoalmente considero uma grande injustiça. Em 1972 era eu o imediato da Orion, não nos encontrámos provavelmente por eu ter a minha mulher em Bissau e, logo que podia, ia para casa, claro…

A minha mulher é mais veterana que nós, pois o meu sogro era oficial do exército e em 1961 foi como 2º comandante do 114, o 3º batalhão a chegar a Angola, tendo estado empenhado nas operações em Nabuangongo. Fez a seguir outra comissão como comandante de batalhão em Cabinda. Por isso, a minha mulher tem 3 comissões!

Sou também muito amigo do Albuquerque que, infelizmente, também não está muito bem (coração).

O Pires Neves (hoje vice-Almirante) esteve depois comigo no gabinete do Pinheiro de Azevedo. O Sarmento, também vice-Almirante, está bem e vive agora retirado em Trás os Montes. O Alves da Silva não o voltei a ver.

No dia 14 vamos ter muito que conversar.

Um abraço
Pedro Lauret

PS – A Orion tinha a melhor garrafeira da Guiné e o Rita sabia fazer as honras da casa, não me admira dos problemas de fígado quando passavas pelo navio.



3. Comentário de L.G.:

Camaradas Pedro e Paulo:

Partilho, com o Paulo, a honra que tenho/temos de ter, nesta tertúlia, nesta caserna virtual, um camarada que lutou pela nossa liberdade e que foi merecedor de uma condecoração como a Ordem da Liberdade - Grande Oficial… Espero que esse facto não tenha passado despercebido ao resto da tertúlia…


4. Resposta do Pedro Lauret:

Caro Luís,

Agradeço as palavras que me dirigiste. Quando recebemos uma distinção como a Ordem da Liberdade (2), ficamos divididos entre a alegria pelo reconhecimento e por outro pensamos nos muitos que contribuíram, tanto ou mais que nós, e a quem não foi reconhecido o mérito.

Sinto especial responsabilidade pois sendo ex-combatente e colaborado directamente no 25 de Abril, tenho a noção clara que se criou uma relação incómoda entre a “guerra e a libertação” e, o que é mais grave, criou sobre os ex-combatentes um sentimento de inutilidade pelo sacrifício que foram obrigados a fazer. É necessário inverter este sentimento e dignificar gerações que muito deram para que finalmente fosse encontrada uma saída e uma solução.

Envio-te um texto NOTÁVEL do filho do nosso camarada Coronel Carlos Fabião que saiu numa pequena separata a ele dedicada no último número do Referencial, revista da A25A - Associação 25 de Abril. Podes publicar no blogue com as indicações do costume (3).

Sobre os mails com o Paulo, usa como entenderes. Achei piada ele ser visita do meu antigo navio e conhecer bem o Rita que era um homem excepcional.

Um abraço
Pedro Lauret
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra).

(2) A Ordem da Armada, 1ª Série, nº 21, de 24 de Maio de 2006 publica: Ordens Honoríficas Portuguesas: Alvará n° 26/2006, de 9 de Maio: Por alvará de 3 de Março de 2006: Ordem da Liberdade – Grande-oficial: Capitão de Mar e Guerra PEDRO MANUEL CUNHA LAURET.

(3) A publicar proximamente.

domingo, 1 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

Capa do filme Siga a Marinha (Titulo original: Follow the fleet, EUA, 1936. Realização: Mark Sandrich; Intérpretes: Fred Astaire e Ginger Rogers; distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes) .
Foto: Costa do Castelo Filmes (2006) (com a devida vénia...)

Mensagem do Pedro Lauret (capitão de mar e guerra, na reforma):

Caro Luís,

Sobre a expressão Siga a Marinha penso ser bem mais antiga que a Guerra Colonial (1). Tenho a ideia que surgiu no tempo da implantação da República num incidente militar, dos que então eram frequentes.

Vou tentar saber ao certo, mas posso afiançar que não teve origem na Guiné. Nos anos cinquenta um filme com o Fred Astaire, Follow the Fleet, teve como título traduzido exactamente Siga a Marinha.

Um abraço
Pedro Lauret
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira).

Vd. também posts de 1 de Outubro de 2006:

Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

Lisboa > 2006 > Pedro Lauret, capitão de mar-e-guerra na reforma e grande oficial da Ordem da Liberdade.

Guiné > Região de Tombali > Cacine > 1971/73 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Órion (1).

Texto e fotos: © Pedro Lauret (2006)


Dados Biográficos:

Nome - Pedro Manuel Cunha Lauret

Local e data de de nascimento – 23/01/49

1960-1967 – Frequência do Liceu Camões em Lisboa, onde foi dirigente da Acção Católica.

1967-1971 – Escola Naval, onde completa o curso de Marinha. Participa activamente nas acções políticas de apoio à Oposição Democrática, em 1969. Participa nas movimentações em torno do Clube Militar Naval, de 1969 a 1971. É fundador do movimento clandestino de oposição ao regime, de oficiais de Marinha, em 1970.

1971-1973 – É promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971, onde exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na Guiné exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).

Em Maio de 1973 encontrava-se em missão no Rio Cacheu quando se dão os ataques a Guidage, desembarca o Destacamento de Fuzileiros 8 no Jagali, afluente do Cacheu, após terem sido abatidas duas aeronaves (1 DO e 1 T6); nesse dia seria abatida mais 1 DO. No mesmo mês, no rio Cacine é a primeira unidade a chegar a Gadamael depois da retirada de Guileje, evacua, contra a ordem expressa do General Spínola, um número indeterminado (mais de 300) militares e civis que se encontravam fugidos nas margens do rio.

1973-1975 – Participa activamente no MFA integrando a comissão política que redigiu o seu programa.

Após o 25 de Abril integra o Gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional. É membro da Comissão Coordenadora do MFA na Armada e integra a assembleia do MFA.

Foi condecorado pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, com o grau de grande Oficial da Ordem da Liberdade, pela sua acção no 25 de Abril.

É actualmente Capitão-de-mar-e-guerra na reforma.

Exerceu actividade privada na área da engenharia informática.

Faz parte da Direcção da Associação 25 de Abril.

Actualmente lidera um projecto de investigação Histórica com a designação –´“Marinha: do fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior, P1136.

Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

O comandante Pedro Lauret, antigo imediato da LFG Orion, à esquerda, ladeado por Ulisses Faria Pereira, ex-grumete electricista...
Foto: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia) (1).


Texto do comandante Pedro Lauret (2)

Caro Luis Graça,

Envio uma pequena história, passada comigo, um pouco diferente do usual no nosso blogue, mas penso que tem algum interesse. Se considerares que é de colocar no blogue, força…

Um abraço e até dia 14 [, na Ameira, em Montemor-O-Novo, no 1º encontro da tertúlia].
Pedro Lauret


Uma história simples… ou talvez não

por Pedro Lauret

Pouco tempo passara do 25 de Abril de 1974, era eu então 2º tenente e prestava serviço no gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

Na Guiné, no fulgor da revolução, marinheiros resolveram fazer uma manifestação nas ruas de Bissau, o que foi justamente considerado inconveniente quando foram as Forças Armadas a tomar o poder e a mudar o regime.

O Almirante determinou que me deslocasse à Guiné pois ainda não fizera um ano que terminara a minha comissão e conhecia bem o meio e o ambiente naval.

A minha missão era explicar a nova situação político-militar e apelar (determinar) para que actos de indisciplina não se verificassem, muito menos tivessem demonstração pública.

Acabei por ser acompanhado pelos meus camaradas, Comandante Almada Contreiras e o Major Melo Antunes, dois bem conhecidos companheiros de conspiração, que se deslocavam a Bissau com uma missão, penso eu, bem mais complexa do que a minha.

Chegado a Bissau cumpri a minha missão, penso que com sucesso e tive o grato prazer de abraçar camaradas que ainda não vira após a revolução.

Antes de regressar, os meus companheiros de viagem desafiaram-me para ir com eles a alguns quartéis do Exército para, igualmente, dar alguma informação sobre o que cá se passava - de notar que nessa altura ainda não havia sido decretado um cessar-fogo formal entre as nossas Forças Armadas e o PAIGC.

Deslocámo-nos a um aquartelamento, não sei precisar exactamente qual, mas penso ter sido nas proximidades de Bula pois atravessámos o [Rio] Mansoa em João Landim.

Aí chegados, não pudemos conter o nosso espanto quando vimos ensarilhadas G3 com Kalashnikov e em franco convívio soldados do nosso Exército bebendo generosas Bazookas (3), com guerrilheiros do PAIGC.

O cessar-fogo estava consumado para lá das determinações dos poderes políticos.

Uma história simples…ou talvez não.

Pedro Lauret

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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de 15 de Junho de 2006 :

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
(...) A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (Público, 26 de Junho de 2005)

Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
(2) vd posts de:
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)

20 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P887: Dois novos tertulianos: Pedro Lauret e Beja Santos
(3) Garrafas de cerveja, de 0,6 l.

terça-feira, 20 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P887: Tabanca Grande (1): Pedro Lauret, ex-Imediato da LFG Orion e Mário Beja Santos, ex-Alf Mil CMDT do Pel Caç Nat 52

Pedro Lauret, antigo imediato da LFG Orion, à esquerda, ladeado por Ulisses Faria Pereira, ex-grumete electricista... Foto: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia) (1).


1. Na nossa tertúlia, é assim: não é preciso grandes cerimónias para se entrar... Foi o que se passou com o comandante Pedro Lauret com quem fiz uma rápida troca de galhardetes... Quanto ao Ulisses, faço votos para que ele dê sinais de vida e nos dê a honra de se juntar a este já imenso grupo de amigos e camaradas da Guiné...


Pedro: Amor com amor se paga… Tem, à sua disposição, as cartas do sul da Guiné, à escala 1/50.000… Conhece o António Marques Lopes, coronel DFA ? É um dos mais antigos membros desta caserna virtual onde fazemos blogoterapia… e mantemos acesa a chama da revolta pelo silêncio (societal) à volta da guerra colonial que você denuncia no seu texto (acabei de publicá-lo) (2)…

O António faz parte da A25A, delegação do Porto… É autor de alguns dos mais notáveis textos (ou posts) que temos publicado no nosso blogue, desde 25 de Abril de 2005… Espero que você volte… Mas na caserna tratamo-nos todos por tu…


Resposta do nosso camarada da Marinha:

Caro Luís Graça, se passar na inspecção é com todo o gosto que me junto ao pessoal da caserna.

Um abraço.

Resposta na volta do correio, ao desafio do nosso novo marinheiro:

Pedro: Estás dispensado!... Vou pôr-te na nossa mailing list. Passa uma vista de olhos pelo regulamento da caserna...

Um ciber-abraço

O Pedro Lauret não perdeu tempo com salamaleques...

Luís, quero dar-te os parabéns pois o regulamento da caserna está muito bem feito. Subescrevo-o sem hesitação. Um abraço,
Pedro Lauret


2. O caso do nosso camarada Beja Santos foi ainda mais célere... Comecei com cerimónias e acabámos no tu-cá-tu-lá, voltando aos velhos tempos de Missirá, Finete, Mato Cão, Bambadinca...

Beja Santos, ex-alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá, 1968/70). Foto tirada em 26 de Novembro de 1994, em Fão, Esposende, num convíviuo de malta que passou por Bambadinca, entre 1968 e 1971.

Foto: © Humberto Reis (2006)



Caro Mário:

Recebi, gostei muito e vou divulgar de imediato pela tertúlia [a dramática e comovente história do teu soldado cabo-verdiano gravemente ferido pela explosão de um dilagrama]. Estive três dias fora, só ontem inseri uma das tuas coisas [a lenda do alferes Hermínio de Jesus]…


Mas uma vez que este teu último texto, o presépio de Chicri, já foi publicado em revista, será que posso inseri-lo no blogue ? Preciso da tua autorização e/ou da revista… Um abração. Luís

O Beja Santos respondeu-me de imediato: Tens o meu OK!

Amigos e camaradas: a nossa caserna fica hoje mais rica, com a entrada do Pedro Lauret e do Beja Santos... A entrada de cada novo amigo ou camarada é sempre um momento bonito... Há trinta e tal anos atrás, seria celebrado mais ruidosamente, com umas valentes rajadas de G3... Agora estamos mais calmos, mais sábios, menos folgosos, mais amigos do ambiente, mais respeitadores do erário público, quiçá mais pacifistas, seguramente mais velhos... Espero que eles se sintam em casa, nas suas sete quintas, no seu meio (aquático, terrestre, aéreo, cibernáutico...) e que continuem sobretudo com essa imensa vontade de partilhar connosco a sua excepcional experiência como homens e como operacionais...

Mário e Pedro: É também um privilégio contar convosco!... Vocês são mais dois pesos pesados da guerra que nos calhou em sorte... Conto convosco para nos ajudarmos, uns aos outros, a reconstituir o puzzle da nossa memória colectiva... Temos essa obrigação, perante nós próprios, o povo português, o povo guineense e a nossa história parcialmente comum...
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)


(2) Vd. post de 14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)




Cópia do título (e da primeira página) do trabalho de investigação jornalística da autoria de Eduardo Dâmaso, publicado no Público, sobre a batalha de Gadamael , em princípios de Junho de 1973, e o papel da LFG Orion, cujo imediato era então o nosso camarada Pedro Lauret, hoje capitão de mar e guerra na situação de reforma o > "A naves dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos: a história secreta do navio Orion, que há 32 anos salvou centenas de soldados na Guiné contra as ordens de Spínola" (****).

Fotos: ©
Pedro Lauret (2006). Direitos reservados.


Texto do comandante Pedro Lauret:

Caro Luís Graça

Dei hoje conta da vossa existência. Sou praticamente da última geração que esteve na Guiné. Fui imediato do NRP Orion entre 1971 e 1973. Sou hoje Capitão-de-mar-e-guerra reformado. O silêncio que se faz sentir em torno da guerra colonial é para mim revoltante. Se perguntarmos a qualquer jovem, até aos 40 anos, o que foi a guerra, na sua maioria tem apenas ideias vagas. A culpa também é nossa. O que contamos às nossas mulheres, filhos e netos?

Estive na Guiné num momento particularmente difícil, em 1973 após o PAIGC ter colocado em operação os mísseis Strella, e a FAP ter deixado de voar numa primeira fase e posteriormente voar com enormes limitações. Deixaram de se verificar evacuações e apoios de fogo.

Sou do tempo em que o Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano afirma ao General Spínola que aceita a derrota (como na Índia), mas nunca a negociação (ver livro Depoimento de Marcello Caetano).

É necessário quebrar este silêncio traumático e doloroso.

Faço neste momento parte da Direcção da Associação 25 de Abril, e estamos a trabalhar para lançar um grande site sobre a Guerra Colonial.

Envio, para os fins que entenderem, uma cópia de um artigo (Jornal Público) sobre a actuação do NRP Orion em Gadamael, quando eu era imediato (1).

Um abraço

Pedro Lauret

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Nota de L.G.

(1) Documento que está a circular pela tertúlia, para leitura e análise. Trata-se de um trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso, publicado na Pública, separata de domingo do Publico, edição nº 5571, de 12 (?) de Junho de 2005. Título:"A naves dos feridos, enlouquecidos e desaparecidos"... Recordo-me de ter lido na altura este notável documento onde se fazem inéditas revelações sobre a batalha de Gadamael e a dramática retirada das NT, em 2 de Junho de 1973...

Eis o pedido que formulei, ontem, aos nossos amigos & camaradas da Guyiné, que fazem parte da nossa tertúlia:

"(...) Gostava de pedir ao Manuel Lema Santos (que foi imediato da Orion, em 1966/68) e ao José Carvalho ( o nosso ranger, que esteve na batalha de Gadamael, em finais de Maio/princípios de Junho de 1973), que comentassem o notável trabalho de investigação feito pelo jornalista do Público, Eduardo Dâmaso (“A naves dos feridos, enlouquecidos e desaparecidos”), e de que eu vos enviei um ficheiro (pesado) em “power point” com as cinco páginas da reportagem, documento esse que o comandante Pedro Luret (imediato da Orion em 1973) me fez chegar e que eu já reenviei, ontem, para as vossas caixas de correio…

"(...) O ficheiro, com aquele formato e tamanho (quase 5MB), não pode ser inserido no blogue. Eu acho que merece ser melhor divulgado, tal como as batalhas de Guileje e Guidage… Simplesmente, temos que arranjar uma cópia do jornal, digitalizá-la… O texto tem que ser em word ou rtf… Não consigo, por outro lado, saber a data exacta em que foi publicado: sei que foi na Pública, separata do Público, de domingo, correspondente à edição nº 5571, Junho de 2005, talvez 12 de Junho…

"Se alguém tiver à mão uma cópia do original, que me diga… Talvez o A. Marques Lopes tenha esse recorte (A propósito, deves conhecer o Pedro Luret, ele é da Associação 25 de Abril, da tua associação que, pelo que ele diz, está a preparar um grande site sobre a guerra colonial… Sabes mais alguma coisa disto ?)”…