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sábado, 22 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

1. Mensagem do Juvenal Amado [ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74],  com data de 7 do corrente:

Venho a chegar de Leiria onde dei uma vista de olhos pelo Fórum Leiria e acabei por encontrar um camarada do Saltinho [, CCAÇ 3490,]  dos que caiu na emboscada do Quirafo [, em 17 de abril de 1972].

Era o condutor da segunda viatura e também fiquei a saber que o condutor da GMC que caiu mesmo dentro da área de morte [, vd.fotos abaixo],  é aqui de Reguengos de Porto de Mós.

Mas o camarada [João] Maximiano, o que eu encontrei,  está a sofrer de stress pós-traumático e não consegue dormir e passa a vida nos médicos. Quando ele lhes diz que esteve na Guiné e lhes conta os pesadelos, eles tem uma atitude de muita compreensão, mas dão-lhe a entender que pouco ou nada podem fazer.

Agora a pergunta que urge... há malta do blogue que sabe onde se deve ele dirigir? Como proceder?

Olha eu tenho o nº de telemóvel dele e fiquei de lhe telefonar entretanto. Gostava de lhe dizer alguma coisa que o confortasse,  se isso for possível.

Um abraço.
Juvenal.


2. Resposta no mesmo dia, do nosso editor L.G.:

A Associação Apoiar dá ajuda, gratuita, à malta com problemas de stresse pós-traumático de guerra, ou vítimas de stresse de guerra... O problema é que fica em Lisboa... É sempre a mesma história, ou cada vez pior, com a litoralização do país...

Tens aqui o contacto [, telemóvel e emaill.] do Mário Gaspar, que foi cofundador e diretor da Apoiar... (publicou agora o livro "O Corredor da Morte", deves-te lembrar dele do nosso último encontro em Monte Real...).

Aquele abraço.
Luís


3. Nova mensagem do Juvenal Amado, com data de ontem:

Caro Luís, Carlos e demais camaradas da Tabanca Grande

Há dias encontrei o João [Maximiano] que foi condutor da companhia do Saltinho.

Falamos um bocado onde ele me confidenciou que estava com problemas de saúde. Acabou por acrescentar que a sua saúde hoje era reflexo de ter caído na emboscada do Quirafo,   pois era ele o condutor da segunda viatura.

O tempo não deu para falarmos,  como eu gostaria, mas mesmo assim fiquei com a impressão que os distúrbios de que padece são ao nível de stress pós-traumático,  o que não será para admirar.

Mas eu não sou médico nem técnico dessa área e, após informação do Luís Graça,  acabei por encaminhar para associação Apoiar e para a Liga dos Combatentes em Leiria.

Este é mais um caso de alguém que, passados tantos anos, passa sofrer com as recordações.

Também fiquei a saber que o condutor da primeira viatura vive em Reguengos do Fetal, que é aqui perto de Fátima. Vou tentar juntar os dois,  pois por mais que se fale daquilo,  é sempre pela boca de quem lá chegou depois.

Outra noticia que me deu foi que a companhia [, a CCAÇ 3490,] se reúne todos anos.

Um abraço.
Juvenal





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo alf mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 

Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

4. Poema de Juvenal Amado:

João Maximiano, sobrevivente do Quirafo 1972 (**)

A Paz não está ao alcance de todos.
Devagar,
Insidiosamente,
As recordações são viscosas,
Enleiam-se em ti.
És devorado sem saber,
Revives pela milionésima vez,
As tripas contorcem-se.
João, ali está a curva fatídica,
Violência que esperou por ti há hora marcada,
Foste poupado, para seres esmagado agora,
Saídas ensurdecedoras, impactos cavos e subterrâneos,
Martelo de dois tons,
Temores há muito esquecidos,
Regressam todas as noites.
Sem ser convidados.
Os fantasmas relembram medos passados.
Não tens defesa contra a guerra
Que te visita 40 anos passados.
Não há G3 que te valha.
O terror, esse, é real 
E povoa-te o sono,
Acordas mas não te livras do pesadelo,
Antidepressivos são hoje a tua ração de combate.
Regressaste, passaste pelos corpos dos teus camaradas,
Não os reconheceste,
Eles visitam-te agora, 
Persiste o odor acre e a dor.
Ficaram sempre jovens, 
Com a farda com que embarcaram.
Estás refém da memória que te esmaga,
Foste para a guerra 
E na verdade nunca regressaste dela.
Quem te escolheu o caminho?
A Paz nunca ficará ao teu alcance.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

Ainda sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes do Paulo Santiago:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

domingo, 12 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13724: Fotos à procura de... uma legenda (39): Cátia Félix e a sua amiga Cidália Ferreira, viúva do António Ferreira, 1º cabo trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo




Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial > Campa do nosso camarada António Ferreira, 1º Cabo Trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo.



Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial >  Ao centro, a Cidália Ferreira e, à sua direita, o António Batista, também natural da Maia (e que já teve, até 1974,  jazigo com o seu nome e data de falecimento). No lado direito, de perfil, a filha do António Ferreira que ele nunca chegou a conhecer.


Fotos:  Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados


1. Recorde-se que a Cátia é amiga da Cidália, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, camarada do António Baptista (o "morto-vivo"). O Ferreira foi um dos 11 mortos (militares) da emboscada do Quirafo, em 17/4/1972,  e o Baptista o único sobrevivente, aprisionado pelo PAIGC e levado para Conacri. (Só regressou, a casa, na Maia, em setembro de 1974).

A Cidália é mãe da filha que que o António nunca chegou a conhecer. A Cátia ajudou a Cidália a fazer o luto... 40 anos depois! Uma história extraordinária de solidariedade humana e de amizade que, na altura,  nos comoveu a todos!

Na primeira foto de cima, em primeiro plano, a Cátia, e atrás a Cidália e alguns camaradas nossos: o Álvaro Bastos, o Zé Teixeira, o António Pimentel, o António Baptista - o "morto-vivo do Quirafo"-, o Paulo Santiago e outros (o António Barbosa, o Santos Oliveira).

Esta(s) foto(s) da Maria Luís, filha do Paulo, merece(m) uma melhor legenda. E a Cátia, que hoje faz anos e é farmacêutica, merece um miminho especial da Tabanca Grande.  (LG).

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12149: Blogoterapia (236): Sê feliz, Cátia (Paulo Santiago)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Santiago (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), com data de 12 de Outubro de 2013:

Como diz o Luís, no post de aniversário, foi uma grande surpresa quando, hoje de manhã, a Cátia deu comigo em casa dos pais, em Sebadelhe, Vila Nova de Foz Côa. Foi tal a surpresa que umas lágrimas furtivas lhe brotaram dos olhos.

Em fins de Setembro, recebi um telefonema que vinha de um número que desconhecia. Do outro lado, uma senhora identificou-se como sendo a mãe da Cátia Felix, e quem lhe facultara o meu número fora a Cidália, viúva do camarada Ferreira que morreu na emboscada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

No telefonema, a mãe da Cátia convidava-me para trigésimo aniversário da filha que se realizava hoje. Pediu-me também o nº do Luís para lhe fazer convite idêntico. Foi-me dizendo que a filha não sabia dos convites, sabia que ela tinha grande consideração por nós, que o caso do Ferreira nos tornara credores de grande amizade e de estima. Claro que disse à D. Irene, é o nome da mãe, que iria com todo o prazer.

Hoje, estavam no aniversário umas trinta pessoas, familiares e amigos (a Cidália não pôde estar) e todos me identificavam como sendo aquele que escreveu "umas coisas" num blogue de ex-combatentes que levou a Cidália, passados trinta e sete anos, a fazer o luto pelo marido, o 1.º Cabo Ferreira.

Abstenho-me de falar sobre o almoço, o mais importante é sabermos que, enquanto houver uma Cátia, a nossa memória continua por cá, mesmo após a morte.

Sê feliz Cátia Félix.
Paulo Santiago


O sempre jovem Paulo Santiago acompanhado de Cátia Félix (ao centro) e de sua filha



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Nota do editor:
Porque aqui foi lembrado o nosso malogrado camarada António Ferreira, aqui fica a homenagem, em forma de pintura, de autoria do nosso camarada Mário Miguéis da Silva:

O 1.º Cabo António Ferreira, morto em combate na emboscada de Quirafo, no dia 17 de Abril de 1972
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12100: Blogoterapia (235): Quando a morte nos retorna aos princípios - Reencontro com Benjamim Lopes da Costa, 1.º Cabo do Pel Caç Nat 52 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11910: (Ex)citações (224): Da caça, da guerra, dos copos e das nossas peripécias do dia a dia... (David Guimarães, ex-fur mil minas e armadilhas, CART 2716, Xitole, 1970/72)

1. Mensagem do David Guimarães, com data de 4 do corrente,  a propósito do poste P11903


Pois é,  Luís e mais amigos (e camaradas)... Tudo isto se passava no nosso tempo, na Guiné, e das pequenas histórias se fez a nossa história de guerra...

Estes ambientes onde todos andámos, os que lá estivemos, tinham destas coisas como a que contei. Aliás eram peripécias que no dia a dia aconteciam, umas mais giras outro menos, umas mais ou menos graciosas e outras nem tanto... A guerra, enfim, era um facto, parece que disso ninguém tem dúvidas. 

O pano de fundo de todo o combatente era a guerra, num local muito difícil de viver, a Guiné, território tão pequenino em que ela, a guerra,  se ouvia em toda a parte: quer dizer, e posso exagerar um pedaço mas não muito, sei que os obuses de Aldeia Formosa eram ouvidos bem longe, e inclusive os bombardeamentos de aviões em  zonas de intervenção do Com Chefe seriam ouvidos em toda (ou quase toda) a Guiné... 

A realidade eram as pequeninas coisas. Quando comecei a escrever neste blogue, e faz uns anitos [, em 2005,], nunca pensei em discutir em quem tinha ou não razão na guerra, Nunca vi senão operações por norma bem sucedidas, fora aquelas que o não eram e, enfim, passava-se à frente dos escritos. 

Assim leio agora reacções inflamadas,  que nós fizemos isto e aquilo, a força era esta e aquela... Fazia-se a operação tal em que se tomava conta da tabanca X do inimigo, incendiava-se e fazia-se um ronco... Depois voltava-se ao quartel e a ocupação não era feita... E Satecuta, Ponta do Inglês, disto e daquilo [, no setor L1,] ,  sempre pertenceram à tropa IN...

Também tomei boa nota de uma coisa, e muito entendem,  outros não... Sei, e por testemunhos de nossos caros camaradas,  que Mansambo, por exemplo, foi muito atacado quando se fazia a estrada para o Xitole. São testemunhos que existem aqui e são verdadeiros. No meu tempo, 1970/72,  quem me dera ter estado em Mansambo [, onde estava a CART 2714]. Quirafo, no meu tempo,  nunca aconteceu, aconteceu mal eu parti  (e parece que houve razões que facilitaram). O Xitole no meu tempo foi flagelado muitas vezes,  parece que a seguir não.... Será que temos explicações para isso ? Talvez que sim, mas isso pertence à história, só que continua mal contada e só passa a testemunho histórico passados 100 ou 200 anos. 

Porque é que a ponte Marechal Carmona estava partida? Bem,  existiam na altura três explicações: ou teriam sido eles, ou nós ou então foi um colapso da ponte. Como não interessava ao IN nem a nós dar cabo daquela via de comunicação essencial,  tanto para uns como para outros,  inclino-me para que tivesse sido um colapso. Mas que interessa isso ?  O facto é que ela estava
interrompida e está e pronto... 

Mas na vida fora de guerra também aconteciam peripécias como a caça às lebres em Cambesse, nos campos de mancarra e pela noite. Ou o  dia em que coloquei o comandante de pé a fazer a continência a um arrear de bandeira... Ou ainda o  episódio de eu e do Branquinho (António, do Pel Caç Nat 63, irmão do Alberto) a passear na zona atrás da pensão Chantra, em Bissau,  ambos à civil,  a chamarem-nos de furriéis... Que coisa, nós nem dali éramos, então sabiam quem nós éramos... 

Outra: A vez em que andava eu já com cerveja a mais na cabeça, no Xitole, debaixo de uma grande trovoada e deu um trovão maior . Os camaradas pararam e disseram: porra que isto não é trovoada! Disse eu:  vocês são malucos,  já estão com medo dos trovões... 

Pois é,  eles tinham razão: uma faisca caiu junto a um poste de iluminação onde havia o fio condutor ligado ao "explosor" e foi rebentar um fornilho feito logo a seguir ao arame farpado para o lado da pista de helicópteros... E tinha sido mesmo, que grande buraco!... E, afinal,  a azelhice tinha sido minha: coloquei um fio subterrâneo debaixo de um poste elétrico!

Tudo isto são peripécias... giras da guerra, mesmo que avulsas, sem individualizar. E  creio que são coisas que caem bem num blogue como o nosso... 

Estas são as centenas de peripécias que guardo em mente e retenho. Claro que os episódios de guerra foram evidentes mas que nunca sejam ficcionados e haja rigor e conte-se um pedaço de cada asneirita que íamos fazendo. 

Foi no meu tempo e teu,  Luis,  que o Furriel Henriques (tu mesmo) chamou assassino de guerra ao 2º Comandante [do BART 2917] depois daquela operação maldita que conheces,,, Viste,  correste um risco mas ao menos disseste o nome próprio do major.... Gostei de ver novamente essa a história que contei há uns anos  e que ainda não consigo nem retirar uma virgula, Foi mesmo assim...

Um abraço,  e ainda gostava de saber o que me levou um dia, no fim da comissão,  até á ponte do Geba em Bafatá onde eu estava de serviço... Acordei pelas três da manhã e um soltado disse-me: "Furriel, está melhor ?"... Que grande bebedeira eu tinha apanhado na cidade...

David Guimarães



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Subsetor de Xitole > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > posição relativa de Xitole e de Cambesse (ou Cambéssé), na estrada que conduzia ao Saltinho. Em Cambesse havia um cruzamento para os rápidos do Cusselinta (zona paradisíaca do Rio Corubal, interdita em tempo de guerra... Cusselinta e não "Cussilinta"...).

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2013)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 dce julho de 20l3 > Guiné 63/74 - P11817: (Ex)citações (223): As lágrimas amargas do brig António de Spínola e do cor Hélio Felgas... "Presenciei-as no fim da Op Lança Afiada"... (António Azevedo Rodrigues, ex-1º cabo, Cmd Agrup 2957, Bafatá, 1968/70)... Ou não terá sido antes, na sequência do desastre do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969 (Op Mabecos Bravios) ? No dia seguinte, Spínola deslocou-se a Nova Lamego, onde falou, às 12h00, aos sobreviventes da Op Mabecos Bravios...

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Março de 2013:

Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabana Grande.
Mais uma pequena lembrança dos tempos de Galomaro.
Aproveito para agradecer a ajuda que o Luís Dias (ex-alferes da companhia do Dulombi CCaç 3491), que me confirmou quanto às informações operacionais das movimentações das nossas tropas e do PAIGC na nossa zona de acção.

Juvenal Amado


FIZERAM-ME LEMBRAR OS DOZE INDOMÁVEIS PATIFES

Alferes Dias em Galomaro com a MG42 

Lembrou há pouco tempo o ex-Alferes Dias da CCAÇ 3491 do Dulombi, que o BCAÇ 3872 até meados de Abril de 1972 só com três meses de mato já sofrera 12 mortos metropolitanos (4 em Cancolim – CCAÇ 3489 + 8 no Quirafo/Saltinho - CCAÇ 3490) mais cinco milícias e um desaparecido em combate (o Baptista também no Quirafo). Juntando aos mortos e os feridos, as baixas eram já consideráveis e em virtude disso, chegou a ser considerada a possibilidade de o Batalhão ser transferido para outra zona.

Tal não se veio a confirmar pois ao aumento da movimentação do IN, entre Cancolim (atacado várias vezes) e Galomaro onde atacaram várias tabancas como Cansamba, onde estava um pelotão da companhia do Saltinho, Bangacia, Campata (e ainda Bafatá pois o IN infiltrava-se passando perto do destacamento de Cancolim) posteriormente a própria CCS em Galomaro.

A este acréscimo da movimentação do PAIGC respondeu-se com medidas acertadas, que talvez tenham feito gorar os intentos do movimento independentista e assim para sacudir o assédio que vinham fazendo na zona, foram precisas várias intervenções dos pára-quedistas (logo em 1972) e, posteriormente, a transferência da CCAÇ 3491 que veio reforçar Galomaro e Cancolim (I GCombate). Também essa companhia “emprestou” para Piche o II Grupo de Combate do Luís Dias (e o III GCombate do Farinha). A certa altura Galomaro, também foi reforçada por um pelotão comandado pelo alferes Luís Borrega (em 1972) e outro de uma companhia independente (em 1973), onde estava um meu antigo colega de escola, Carlos Afonso

Pára-quedistas em Galomaro desta vez em 1973.

Mais tarde tivemos mais mortos e feridos (zona de Cancolim e zona de Galomaro) e um desaparecido em Cancolim (António Manuel Ribeiro) que veio a aparecer por ter conseguido fugir em Março de 1974 de uma prisão do PAIGC, usando o rio Corubal para se guiar até ao Saltinho.

Posteriormente alguns soldados vieram para o nosso batalhão alguns por castigo, como o caso de um madeirense expulso dos comandos, que integrou o Pel Rec e pelo que vou contar, também se recorreu a agrupamentos disciplinares para reporem os nossos mortos e evacuados.

Belo dia juntamo-nos todos para ver o grupo de soldados que tinha chegado em rendição das baixas de Cancolim. O aspecto deles não era o melhor e o estado das fardas era representativo das vicissitudes por que tinham passado até ali chegar. Todos a roçar mais os 30 do que os 20 anos, eram o retrato vivo de soldados que a indisciplina, o azar ou quem sabe fruto de uma certa revolta os atiraram para castigos na maioria com passagem pelas prisões militares.

Um tinha agredido um superior, alguns refratários, etc... depois já sabe, ou não se sabe onde existe a verdade e onde ela acaba.

Nisto ouço ao meu lado uma exclamação: Olha o Lino!!!!! 

- É um moço lá do mê bairro e há anos que o não via! - Dizia o Caramba naquela forma tão peculiar de falar e dando a perceber com expressão do rosto, que o Lino era de primeira apanha.

O Lino também o reconheceu logo e fez-se ali uma festa com umas cervejas à mistura.

O Lino contou imensas peripécias e as inúmeras “porradas” que levou na Metrópole às quais juntava outras tantas já na Guiné, com passagens pelo presidio militar. Via-se que pela cara dele, que há muito tinha deixado de se vangloriar dos seus feitos e que esses lhe tinham custado demasiado caro.

- Lembras-te de quando atiravas bombas de carnaval ao polícia com a fisga?

Todos nos rimos imaginando o pobre policia a ser bombardeado sem saber donde lhe chovia. Outras patifarias onde o Lino era figura principal foram recordadas e está claro, que elas eram bem presentes na memória do Caramba, que delas sabia em primeira mão ainda moço.

O Lino bem como os outros lá foram no mesmo dia para Cancolim na coluna que regressava de Bafatá.

Nós, com mais de um ano de comissão, não ficamos indiferentes à sua passagem por Galomaro e ao seu especto físico e ar arruaceiro, o grupo mais fazia lembrar os “Doze Indomáveis Patifes”, um conhecido filme americano sobre a II guerra mundial.

Nessa mesma noite Cancolim é atacada e lá vai o Lino evacuado para Bissau com um ferimento numa perna. Nada de especial e acabou por regressar mas, se não estou em erro, foi mais tarde evacuado com uma ulcera no estômago e, desta vez sim, nunca mais o vimos.

Nunca me esqueci do seu aspecto, sem dentes, muito moreno, pequeno e magro com um rosto algo sofrido, irreverente que se desarmou ao ser por nós tratado com amizade. É que ali debaixo daquele sol tórrido, éramos todos iguais.

Nota de rodapé:
- Os pára-quedistas foram usados várias vezes na nossa zona em 1972 e 1973 em Cancolim onde reforçaram o próprio destacamento. Foram largados entre Galomaro e Saltinho (íamos buscá-los quando caimos numa mina com um morto) e posteriormente no eixo Cancolim, Dolumbi, Madina de Boé. Também o grupo do Marcelino da Mata fez operações a partir de Galomaro após o ataque a Campata.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10741: Memória dos lugares (199): Ponte do Saltinho no Rio Corubal: fotos do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (Parte I)


Foto nº 202 - A > Aspeto do tabuleiro da ponte do Saltinho (batisada como ponte gen Craveiro Lopes), com militares da CCAÇ 12 em passeio (possivelmente no final do tempo das chuvas, no 3º ou 4º trimestre de 1969)


Foto nº 202 > Aspecto geral da ponte


Foto nº 5 > Aspeto geral da ponte, vista do lado do aquartelamento do Saltinho... Em primeiro plano, o Humberto Reis e o "Alfredo" (, ambos do 2º Gr Comb da CCAÇ 12, 1969/71... No canto superior esquerdo vêem-se os fios elétricos do sistema de iluminação da ponte


Foto nº 5 - A  > Eu, Luís Graça, de costas..


Foto nº 206 > O Tony Levezinho, ex-fur mil, at inf, 2º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


Foto nº 203 > Ponte do Saltinho, vista da margem direita... Em cima dos arcos, pessoal da CCAÇ 12.


Foto nº 19 > Fur mil ati inf Arlindo Roda, 3º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Por detrás do Arlindo, nota-se um poste dos holofotes que iluminavam a ponte (, foto possivelmente tirada já em 1970, na época seca)


Foto nº 45 > Arlindo Roda

~
Foto nº 57 > Arlindo Roda, no início da ponte (margem direita)


Foto nº 57 - A > Pormenor da placa, em bronze, evocativa da visita do gen Craveiro Lopes, em 1955, aquando da construção da ponte. Em baixo, na base em cimento, O nº, pintado à mão da CART 1646, que estava no Xitole e devia ter um pelotão destacado na ponte do Saltinho.

Sobre a CART 1646:/BART 1904: (i) mobilizada pelo RAP2, partiu para a Guiné, em 11/1/67, e regressou 31/10/68; (ii) passou por Bissau, Fá Mandinga. Xitole, Fá Mandinga e Bissau; (iii) comandante: cap art Manuel José Meirinhos; (iv) o BART 1904 esteve esteve sediado em Bambadinca, sendo comandado pelo ten cor art Fernando da Silva Branco; restantes unidades de quadrícula: CART 1647 (Bissau, Quinhamel, Bissau, Binar, Bissau); e CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binta, Bissau).


Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás). Foto do "turista" Albano Costa, nosso camarada, que lá passou em novembro de 2000.

Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados


Foto nº  198 > Humberto Reis, fur mil op esp, 2º Gr Comb, CCAÇ 12

Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > Saltinho > Ponte > Pessoal da CCAÇ 12, passeia pela ponte depois de chegada, a "bom porto", de mais uma colunas logística (Bambadinca-Mansambo- Ponte dos Fulas - Xitole - Saltinho)... Passeio descontraído, sem armas... Alguns, inclusive, foram dar um mergulho nas águas límpidas do Rio Corubal...Vê-se que as fotos são de épocas diferentes, ou de estações diferentes, por causa do caudal do rio e das ervas na ponte: fim da época das chuvas (3º ou 4º trimestre de 1969) (5, 202, 203, 2006),  época seca, 1970 (as restantes)...

Fotos: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, de ontem, do Paulo Santiago (*):

Luís:

Boas fotos. Foram tiradas em épocas diferentes. Assim, as 206 e 203,mostram um elevado caudal do rio que submerge a ponte submersível (passe a redundância). Corresponderão a uma data a seguir à época das chuvas.Também as ervas espontâneas,verdes em algumas fotos,secas noutras,denotam diferenças de estação.

A ponte tinha uns holofotes, notam-se na foto nº 19, a meio da viga que liga os dois últimos arcos e na foto nº 5 vê-se à esquerda os fios que alimentavam aquele dispositivo de iluminação.

Faziam-se patrulhamentos na margem esquerda,com frequência até ao rio Mabia, zona onde um Gr Comb comandado pelo Alf Mota, no último dia do Ramadão de 71, deu de caras com um grupo do PAIGC que vinha flagelar o quartel. O Mota ficou gravemente ferido.

Durante a minha permanência no Saltinho,  nunca houve ataques ao quartel,e a última flagelação ocorrera ainda na altura da presença de um pelotão do Xitole (66/67 ???).

Contabane pertencia a Aldeia Formosa, passei por lá uma vez numa operação com uma companhia independente (madeirense ou açoreana) que antecedeu a CCAÇ 18.

Um dia, já com o reordenamento meio construído, chegou uma info A2 (?) prevendo um ataque para essa noite. Não houve ataque, mas os obuses 14 de Aldeia meteram-me em respeito. Ao cair da noite,o meu grupo ocupou a vala do reordenamento e preparou o 82 B 10 [, canhão s/r, russo,]; e preparámo-nos para reagir. Havia uma carta de fogo com pontos a bater pela Artilharia, e o [cap] Clemente [, da CCAÇ 2701,] pediu para esses pontos serem batidos, só que eu não sabia. Aquelas "ameixas" de obus a caírem umas dezenas de metros à nossa frente impressionavam, e houve uns estilhaços (estilhações) que arrancaram chapas das casas já construídas.

Abraço, Paulo


2. Mensagem, de ontem, do António Levezinho

Amigos

Lamento mas não tenho qualquer contributo a dar a propósito daquele local. Afinal, íamos lá sempre num saltinho e com a preocupação da viagem de regresso na mente.

Um abraço,
Tony Levezinho


Guiné > Mapa da província (1961) > Escala 1/500 mil > Pormenor da zona leste (região de Bafatá) > Setores L1 (Bambadinca) e L5 (Galomaro), com os itinerários alternativos para se chegar ao Saltinho, no Rio Corubal: (i) Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho; (ii) Bambadinca (ou Bafatá) - Galomaro - Dulombi - Quirafo - Saltinho.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)


3. Comentário de L.G.:

No 2º semestre de 1969, para se chegar a qualquer uma das unidades de quadrícula do Setor L1, a sul de Bambadinca (Mansambo, Xitole e Saltinho, embora esta já pertencesse ao sector de Galomaro, o L5) não havia nenhuma alternativa a não a ser a terrestre: a estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho, que terminava justamente na ponte do Saltinho, estando interdita a partir daí. (Tirando o helicóptero, claro...).

A estrada de Bambadinca (ou Bafatá) - Galomaro-Dulombi - Quirafo - Saltinho às vezes também ficava interdita, a partir da Galomaro e/ou Dulombi, devido às chuvas e à acção do PAIGC, pelo que as NT ali colocadas também dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca (o eixo Xime-Bambadinca-Bafatá  era a grande porta de entrada de toda a zona leste, do Xime até Buruntuma).

A própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita, destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do Setor L1 com as suas unidades a sul Um mês e tal depois, ainda em época das chuvas, fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento. (**)

Por fim, a 14 de Novembro de 1969, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Comb das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir dessa data (e até ao final da comissão, em março de 1971, para os quadros metropolitanos da CCAÇ 12), estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12

A segurança ao longo do itinerário, essa, continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas três unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias). No tempo seco, o inferno, para além das minas, era o pó, o terrível pó que cobria tudo e todos...

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Setor L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo (, julho de 1969,s e não me engano), continuava no entanto ligada ao Setor L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região. (**)

A respeito das "acessibilidades" do setor L5, diz o nosso camarada Luís Dias, ex-alf mil da CCAÇ 3491 (Dlombi, 1971/74)

(...) "O principal itinerário da companhia era a estrada Dulombi-Galomaro/Galomaro-Bafatá ou Bambadinca, em que se transitava com alguma facilidade (terra batida até ao cruzamento para Bafatá ou Bambadinca, porque depois já eram estradas alcatroadas), com excepção da época das chuvas em que a bolanha do Rio Fanharé (entre Dulombi e Galomaro) a tornava de difícil transposição. Os outros itinerários eram as estradas Dulombi-Jifim-Galanjo(A), difícil na época seca e impraticável na época das chuvas e Dulombi-Quirafo que era impraticável na época das chuvas e cheio de capim devido à sua pouca utilização na época seca (nunca foi utilizado após a emboscada efectuada no Quirafo contra elementos da CCAÇ 3490, em Abril de 1972)" (...).
_______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10739: Memória dos lugares (198): A ponte do Saltinho e o ninho da metralhadora Breda (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53, 1970/72 / Luís Graça, CCAÇ 12, 1969/71)

(**) Sobre as colunas logísticas até ao Xitole e Saltinho,  vd. postes de:

8 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7401: A minha CCAÇ 12 (10): O inferno das colunas logísticas Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, na época das chuvas, 2º semestre de 1969 (Luís Graça)

28 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)

7 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai nas matas do Rio Biesse... (Luís Graça)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

 

1. Em mensagem do dia 4 de Abril de 2012, o nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este texto de homenagem aos camaradas da CCAÇ 3490 que morreram na emboscada de Quirafo, no dia 17 de Abril de 1972:





Pintura de autoria de Juvenal Amado para oferecer à Tabanca do Centro a fim de ser leiloada e assim ajudar alguém através daquela Tabanca.

"António Ferreira"

Homenagem do nosso camarada Mário Migueis ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira morto durante a emboscado do Quirafo
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Direitos reservados


COMO SE FOSSE UM FILME

Hoje nas suas fotos parados no tempo, olham-nos com uma censura muda. Os olhos parece que nos seguem. Perguntam-nos porque não aproveitamos para criar algo mais justo, mais fraterno, quando tivemos a oportunidade, que lhes foi negada a eles na flor da idade.

Se fosse nos States far-se-ia um filme, talvez um épico. Nunca podia ser com o John Wayne como actor principal, pois ele nunca morria nas fitas. Normalmente ele era o herói, que namorava a dona do Saloon e dava porrada em todos “maus”. No fim partia sempre rumo ao Sol poente, deixando a pobre com água na boca.
Por outras palavras ela casava com o cavalo, dizíamos nós a brincar.

Bem segundo parece, nunca esteve em combate de verdade, só usava a sua “bravura” para a propaganda militar, dando assim azo à fanfarronice e egocentrismo tão americano.

Uma bela imagem do Rio Corubal, no Saltinho. 

Foto retirada da página Encore de L'audace do nosso camarada Paulo Santiago, com a devida vénia

Escolhemos uma data?
Talvez 17 de Abril de 1972, numa picada repleta de sol numa Segunda-Feira.

Vão-se recomeçar os trabalhos interrompidos na Sexta-Feira na abertura da estrada, que talvez não fosse dar a lado algum, a não ser à sede de protagonismo de chefes militares.

Para que seria aquela estrada que ia na direção de locais em que nós não éramos visita desejada há muito tempo? Tinham-nos mandado fazer aquele serviço, para o qual talvez não tivessem sido devidamente avisados dos perigos, que era “cutucar a onça com vara curta”, como é uso agora dizer-se, que temos o português das telenovelas brasileiras, a assaltar-nos os sofás várias vezes ao dia. Depreciar o perigo resulta na sua duplicação como se viu.

Mas se fosse um filme nós sairíamos para a rua no final da sessão com os ouvidos cheios de tiros, explosões, a visão cheia actos heróicos e muitos mortos. Embora não tivéssemos visto, os “mortos” no fim de cada cena levantam-se, retocam o “sangue das feridas”, ajeitam os buracos nas fardas, pois talvez seja preciso repetir as filmagens naquela ou na outra cena de matança, quanto mais realista melhor para o êxito da fita.

Sabemos nós que há 40 ou 50 anos provámos da nossa própria angústia, que não se passa assim, que os mortos ficam mesmo mortos e o sofrimento é real para além do intolerável.

As viaturas roncam carregadas com soldados, trabalhadores, granadas, motosserras, gasolina e farnéis. A curva feita e desfeita tanta vez, desta vez albergava uma mortal surpresa.

A bocarra da morte estava ali à espera deles, como quem ri com escárnio da sua juventude, porque não se era jovem demais para morrer naquelas terras vermelhas e de sol impiedoso.

Apanhados de surpresa, as balas e canhoada atingem viaturas e rasgam as carnes, só escapa quem foge, quem se tenta refugiar é apanhado à mão. Sorte incerta para ele, certa para quem ficou estendido varado pelos tiros e metralha. A gasolina arde numa enorme fogueira, onde se mistura viatura e corpos sem vida.

Que sabemos nós dos seus últimos pensamentos?
Ter-se-ão apercebido da grande tragédia em que foram o actores principais?

As notícias do desastre chegam longe.
Quantos caixões?
Muitos!
Nem todos são brancos mas quais? E quem são?
Perguntámos nós.

Mais a cima as preocupações eram outras e perguntou-se “quantas viaturas”? Os homens substituem-se o equipamento compra-se.

Só muito mais tarde, se soube quem era quem, no desenlear as teias tecidas pela morte daquele dia. Mês de Abril das flores dos dias claros e pujantes, em que a natureza morta pelos rigores do Inverno, revive num ciclo imparável de Séculos. É a diferença, os homens que nos deixam, só regressam na nossa memória.

As romagens às suas campas, normalmente de exaltação patriota em data previamente marcada, não de introspecção, só servem alguns fins para o qual, nem eles nem as famílias foram tidos nem achados.

Resisto a olhar os olhos das fotos para sempre jovens, pois aquele olhar corta.

O silêncio, as flores, algumas de plástico, dão um ar de desolação e a certeza, de que há um fim até para saudade presente e dolorosa, porque a vida tem que seguir em frente para os ficam.

Despeço-me parafraseando aqui o titulo do poema do canto-autor Geraldo Vandré que "É P´ra Não Dizer Que Não Falei das Flores".

Dedicado aos camaradas da Companhia de Caçadores 3490,  mortos naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972, Saltinho.

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima /  Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme  / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira  / Maia (**)
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9716: In Memoriam (116): O senhor Luís Henriques (pai do nosso editor Luís Graça), faleceu hoje, dia 8 de Abril de 2012, aos 91 anos, na Lourinhã (Tertúlia)

Sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes de:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

(**) Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista (dado como morte)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7510: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (22): Cátix Félix, a nossa futura farmacêutica, e nossa menina de ouro, amiga de Cidália Nunes, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, morto no Quirafo


1. Mensagem da nossa amiguinha Cátia Félix (*) que está a frequentar o último ano do Mestrado Integrado de Ciências Farmacêuticas (julgo que no Porto) e que, tendo uma disciplina de Saúde Pública, me pediu ajuda em termos de orientaçãoteórico-metodológica e  bibliográfica.  Acabámos por nunca conseguir acertar uma hora para falar ao telefone, tendo ela basicamente se socorrido de alguns textos meus que estão disponíveis na minha página na Net, Saúde e Trabalho, de entre outros recursos.



Recorde-se, aos mais novos dos nossos tabanqueiros,  que a Cátia Félix apareceu na nossa Tabanca Grande em Abril de 2009, servindo de "elo de ligação" entre nós e  a sua amiga Cidália Nunes, viúva do malogrado camarada António Ferreira que caiu em combate na tristemente célebre emboscada do Quirafo em 17 de de Abril de 1972. Foi ela que ajudou, como apoio de diversos camaraadsa nossos da Tabanca de Matosinhos, a resolver o luto patológica da sua amiga que durante durante quase quadro décadas se recusou a admitir a morte do seu marido e pai da sua filha que ele nunca chegou a conhecer em vida. (Para as duas, a viúva do António e a sua filha, desejamos muito ânimo para mais um ano que aí vêm, e que nos ajudem a preservar a memória do seu querido marido e pai, e nosso bravo camarada de armas).





(i) A mensagem original da Cátia, de 18 de Outubro, rezava assim:


Olá. Luís: Espero que esteja tudo bem. Desculpe estar a incomodá-lo, ainda para mais sobre um assunto que nada tem a ver com o "nosso" blog. Sei que o Luís é professor na área de saúde pública e, por acaso, neste meu ultimo semestre tenho uma disciplina de Saúde Pública na faculdade. No âmbito dessa mesma disciplina, recebi um tema de trabalho sobre Saúde Ocupacional o qual me tem dado algumas dores de cabeça, uma vez que, apesar de saber do que se trata não sei muito bem como abordar o tema. Já recolhi informação no programa nacional de saúde ocupacional mas não encontro muitas mais fontes.


Caso o Luís tivesse alguma disponibilidade e me pudesse a ajudar um pouco na minha orientação agradecia-lhe imenso. Caso seja muito incomodo, não tem qualquer problema, eu entendo :)


Pensei incluir no inicio do trabalho, como facto histórico, o Stress pós guerra que muitos de vós sofreu, mas não sei bem se se pode considerar como doença ocupacional (apesar de achar que sim...).Mais uma vez obrigado pela atenção e desculpe estar a "aproveitar-me" do seu conhecimento eheh. beijinhos (...)


(ii) Infelizmente, por sobrecarga de trabalho no início do ano lectivo, fiz muito pouco ou nada pela nossa amiguinha, que no entanto, a 4 do corrente, me surpreendeu (e me deixou comovido) com esta notícia:


Olá,  amigo Luís:Tenho de que dar uma boa notícia. Com ajuda do seu site e de outras bibliografias consegui fazer o trabalho de saúde ocupacional que lhe tinha falado. E a professora achou que o trabalho estava excelente, seleccionou-o e colocou-o online na página web da nossa faculdade. Além disso consegui ter nota máxima :)


Obrigado por tudo. Tinha de partilhar isto consigo. Fiquei muito feliz. Um enorme beijo e se não nos falarmos antes um óptimo Natal.(...)



(iii) A Cátia (que é de facto uma mulher de armas que merece que o carinho e admiração de todos nós), ainda arranjou tempo, nesta quadra festiva, para nos mandar esta promisssora e poética mensagem natalícia:

Neste Natal quero pedir a todos os meus amigos que voltem a ser crianças e não deixem que os vossos sonhos morram.  Acreditem no que esta noite significa!!! ;) 


O meu  pedido de Natal é simples e parece banal mas, mesmo assim,quero um mundo melhor, cheio de paz, amor, ternura, generosidade….. Que todas as pessoas possam ter um Natal, e um ano de 2011 repleto de realizações e coisas boas.

São os meus votos sinceros de Feliz Natal a todos.....



Bjinhos e um xi xoração

Cátia Félix
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Nota de L.G.:


Último poste desta série > 27 de Dezembro de 2010 > 

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis(1) (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) com data de 15 de Abril de 2010:

Caro Vinhal,
De longe em longe, dá-me para te escrever. Uma vezes - as mais das vezes -, para me rir um bocado da tropa contigo e com os nossos camaradas e/ou amigos. Outras vezes – que, francamente, quereria não fossem tantas -, para recordar coisas menos agradáveis e, no limite, como é hoje o caso, de acontecimentos, que, na derradeira fase dessa nossa experiência castrense, nos abalaram profundamente, deixando-nos uma marca bem cavada de tristeza e, por vezes, revolta, cuja evidência todos os dias demonstramos neste blogue, que tão bem nos compreende.

Passaram-se doze meses – como o tempo voa! -, desde que escrevi algumas linhas sobre a “Tragédia do Quirafo”. Fi-lo, na altura, com um objectivo muito concreto – esclarecer o rol de dúvidas que se colocavam e que eu estava em posição de esclarecer -, e uma preocupação primeira - que considerei mesmo um imperativo ético -, que era sossegar o espírito da viúva do nosso camarada António Ferreira, uma das vítimas mortais naquele dia de verdadeiro terror. Senti - aqui sim! -, a satisfação do dever cumprido, tanto mais que toda a acção desenvolvida pelo blogue culminou com uma singela, mas cheia de significado, homenagem ao nosso saudoso camarada no cemitério de Águas Santas, concelho da Maia, onde está sepultado.

Sobre a acção militar em si, contudo, ficaram alguns pormenores por relatar, não por esquecimento, mas apenas porque, tratando-se, do meu ponto de vista, de elementos acessórios, não tinham o carácter urgente dos restantes. Não deixando, porém, de os reputar de interessantes para publicação no blogue, uma vez que, se por outra razão não for, quanto mais informação, melhor, propus-me dá-los a conhecer na melhor oportunidade. Todavia, como era preciso rebuscar uns papéis esquecidos e coisa e tal, passaram-se os tais doze meses - e, agora, repito: “como o tempo voa!” – sem que eu nada tivesse acrescentado ao essencial, isto é, aos factos já narrados.

Pois, caro amigo, tenho a comunicar-te – grande surpresa! - que ainda não é desta que te faculto o tal material acessório, porque – lá estou eu a forjar desculpas para novo adiamento - , depois de matutar um pouco, cheguei à conclusão de que isto de andar a contar as coisas a conta-gotas não será exercício de que a gente se possa orgulhar, nem, se calhar, trabalho com que deva incomodar-te (confesso-te, porém, que o meu esforço reflexivo não chegou tão longe). Por isso, fica para daqui a algum tempo, quando eu tiver tudo arrumadinho.

E, agora, atenção, Vinhal! É aqui que tu, fingindo que concordas com estas justificações esfarrapadas e me perdoas o desleixo, lanças a superior pergunta:

- Mas, assim sendo, o que é que tu pretendes afinal, meu caro Migueis?!...

E eu, esfregando as mãos de contentamento pela oportunidade que me dás, respondo:

- Ainda bem que me fazes essa pergunta, meu caro amigo. Era precisamente por aqui que eu queria, deveria e não soubera começar.

E pronto, meu bom Carlos Vinhal, deixa o resto comigo. A partir de agora, podes sentar-te e descansar um bocadinho que eu, se me permites, passo a dirigir-me directamente a todos os tertulianos e amigos do “luísgraça&camaradasdaguiné”, ficando para ti, entre textos, o meu abraço muito amigo.

Mário Migueis


"António Ferreira"
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Direitos reservados


2. O Sem Sentido das Guerras

Em 02/04/2009, a propósito da emboscada do Quirafo, verificada 37 anos atrás, publicava este blogue (P4117(2)), pela primeira vez, uma foto tipo passe do saudoso António Ferreira, que, como vários outros camaradas, ali perdeu a vida durante o terrível recontro.

A 18 do mesmo mês, na introdução do P4205(3), referia o Carlos Vinhal a certa altura, a propósito da mesma foto, de novo publicada: “…aparece um militar com a mesma pose altiva…”

Pois, caros camaradas e amigos, na altura, o conjunto dessas palavras e da imagem que lhes dera sentido transportou-me imediatamente para um dos poemas - chamem-lhes o que quiserem! - que eu tinha rabiscado nos dias de enorme tensão que se seguiram aos acontecimentos. Mentiria, se dissesse que o poema em causa foi dedicado especificamente ao António Ferreira, já que, na verdade, quando deixei a caneta escrever, à sua livre vontade, o que lhe ia na alma, pensava em todos aqueles rapazes - alegres meninos -, que, na inocência dos seus vinte anos, acabavam de ser vítimas – também eles - de uma “morte cruel e impiedosa”(*). Acontece é que, perante aquela imagem do António Ferreira, vi na altivez do seu porte, na expressividade do seu rosto, aquilo que parecia ter sido talhado para ilustrar aqueles meus momentos de revolta perante um mundo asqueroso que insistia em alimentar situações como a presente, em que jovens inocentes eram subtraídos do aconchego dos seus lares e lançados autenticamente às feras.

Na verdade, naqueles momentos de verdadeiro pesadelo, a minha indignação, que não poupava os que, como cães raivosos, se nos atiravam ao caminho, retalhando ou reduzindo a cinzas os meus próprios semelhantes, dirigia-se, porém, muito especialmente aos senhores dos nossos destinos, que, do alto dos seus pedestais e protegidos pela segurança das distâncias, “determinavam e mandavam publicar” - como é fácil mandar os outros lutar até à morte! - , independentemente da sorte reservada àqueles inocentes, que, como cordeirinhos, haveriam de ser sacrificados ao deus da guerra, esse vampiro infame que, desde as mais remotas eras, alimenta com sangue humano as suas negociatas e interesses pessoais.

Este último ponto parágrafo livrou-me da tentação de fazer – e quem sou eu?... - aprofundadas análises ao “sem sentido “ das guerras - aquelas que enlouquecem, desgraçam, estropiam, matam -, as quais hão-de continuar a massacrar a Humanidade, sem que, incompreensivelmente, as levemos muito a sério. Deixo esse trabalho para os estudiosos e especialistas da matéria, mas, pelo menos, agora que, a pretexto do centenário do nascimento de António de Spínola, se tem falado por todo o país um pouco mais sobre homenagens e honrarias, cuja validade não discuto, quero exortar-vos a não esquecerdes os Antónios Ferreiras - os nossos queridos e verdadeiros heróis, tão ingénuos quanto valentes -, os quais, correndo mil perigos e sofrendo privações de toda a espécie, se aventuravam, dia após dia, nas picadas fartas de minas e armadilhas e nos rios e matas traiçoeiras, uns acabando por sucumbir perante tanta adversidade, outros continuando a suportar estoicamente até ao fim aqueles anos de tortura e pesadelo a que foram condenados. E é bom não ignorarmos que muitos deles, se não a sua esmagadora maioria, tudo fez e suportou na convicção de estar a lutar por uma causa justa e defensora dos princípios sagrados de uma pátria multirracial, una e indivisível, tal fora a doutrina das nossas escolas e igrejas desde a sua mais tenra idade.

A trinta e oito anos de distância temporal dos acontecimentos que lhe deram sentido e forma, deixo-vos, em anexo, com um grande abraço, o pequeno poema que me trouxe até vós, o qual tomo a liberdade de ilustrar com um acrílico da minha autoria, feito a partir da fotografia do António Ferreira, publicada um ano atrás no blogue.

Esposende, 17 de Abril de 2010
Mário Migueis Ferreira da Silva


3. Rosto de Menino

Rosto de menino
Criança traquina
E mataram-te

Vampiros
Filhos da puta
Bando de abutres
Sacanas
Corja de carrascos assassinos!

Corpo chisnado
Em putrefacção
Réstia de pó
Montículo de cinza
E eras vida



Saltinho, 19 de Abril de 1972
Mário Migueis
__________

Notas de CV:

(1) Vd. último poste de Mário Migueis de poste de27 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6057: Parabéns a você (93): Os novos Notáveis do Reino, Sir Charles Vinhal & Sir Edward Mc Ribeiro, armados Cavaleiros da Tabanca Redonda (Mário Miguéis)

(2) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

(3) Vd. poste de 18 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4205: In Memoriam (19): António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, morto em combate no dia 17 de Abril de 1972 (Cátia Félix)

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6211: In memoriam (40): Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine (Daniel Matos)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5998: Parabéns a você (87): Uma salva de palmas, de homenagem, para o António Baptista, que faz hoje 60 anos, teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra (Os Editores)




O regresso do "morto-vivo" do Quirafo, conforme notícia do Comércio do Porto, de 18/9/1974. Hoje o António da Silva Baptista faz 60 anos!... Outro jornal do Porto, o Jornal de Notícias, acompanhou-o também na visita à sua própria campa, no cemitério da sua freguesia, no concelho da Maia...

 Fonte:
29 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4262: Recortes de imprensa (16): O Morto-vivo no Jornal de Notícias e em O Comércio do Porto (Mário Migueis)

1. Comentário do Manuel Reis (*):

Caros amigos:

A tragédia, em si, constitui um acontecimento tão traumatizante, que todos preferem não falar dele.
É espantoso que não surja alguém, com ligações aos intervenientes na tragédia [, de Fajonquito,] e que, presencialmente, tivessem detectado algum mal estar entre eles.

As testemunhas, que não o são, contradizem-se. Soube pelo Blogue deste acontecimento, que constitui um autêntico enigma.

Um abraço amigo.
Manuel Reis

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Manuel Reis:

Não é caso virgem, este silêncio quase tumular à volta da tragédia desencadeada pelo Sold Almeida, em Fajonquito, na Páscoa Sangrenta de 1972 ... Não temos ninguém da CART 2742 (comandada pelo Cap Figueiredo), como não temos ninguém da CCAÇ 1790 (comandada pelo Cap Aparício) que sofreu quase três dezenas de mortos no desastre no Cheche, na travessia do Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, depois da retirada de Madina do Boé...

Parece haver um grande pudor em falar destas tragédias... Os nossos camaradas fizeram o luto patológico, de tal modo que ao fim destes anos há uma espécie de pacto de silêncio à volta deste "pathos"... Acontece nas famílias, nas comunidades, nos povos... A hístória está cheia destes silêncios, individuais e colectivos...


Temos aí outras tragédias, já evocadas no blogue: estou-me a lembrar, por exemplo, da terrível emboscada do Quirafo..



Tirando o pobre do António Baptista [, foto à esquerda], não tenho ideia de ter aparecido alguém da CCAÇ 3490 (comandada pelo Cap Lourenço), unidade de quadrícula do Saltinho, que pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), a falar deste brutal massacre... Os próprios militantes do PAIGC sempre tiveram (e continuam a ter, aqueles que ainda estão vivos), dificuldade em verbalizar as suas emoções ou desfiar as suas memórias face a tragédias como a morte dos "três majores portugueses", íntimos de Spínola, no Chão Manjaco, ou a luta fatricida que levou ao miserável assassinato de Amílcar Cabral.


E a propósito, lembrei-me, agora, de repente, que o nosso "morto-vivo do Quirafo" faz hoje anos, 60 anos!!! Eu sei que ele não nos lê, mas através do administrador do blogue da Tabanca de Matosinhos, o Álvaro Basto que tem sido para ele mais do que camarada e amigo, um pai e um irmão... daqui vai uma salva de palmas para o Baptista que teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra....Ele é bem merecedor de todo o nosso carinho e solidariedade.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5260: Memória dos lugares (54): Uma ponte mágica, a do Saltinho, sobre o Rio Corubal (Mário Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Saltinho > Uma belíssima foto da antiga ponte Carveiro Lopes (não ideia se foi rebaptizada, a seguir à independência), vista da margem direita do Rio Corubal, a jusante... O Beja Santos não me disse de quem são os créditos fotográficos... Parabéns, de qualquer modo, ao artisa... (LG)

Foto: Cortesia de Beja Santos. Autor desconhecido

1. Mensagem de Beja Santos:

Malta,

Li com imensa satisfação a informação sobre as três pontes do Corubal. A ponte General Craveiro Lopes, inaugurado pelo governador Silva Tavares, era, ao tempo a maior ponte construída na Guiné.

Segundo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, número 51, Julho de 1958, no acto inaugural, o Eng Abel Aires referiu-se a vários aspectos da construção iniciada em Abril de 1955.

Trata-se de uma ponte constituída por quatro tramos de 35,5 metros entre eixos. Os tramos assentam sobre três pilares centrais construídos em betão ciclópico. O comprimento da ponte entre os seus eixos extremos é de 146 metros, com uma largura da faixa de rodagem de 6 metros.


Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" (sic) do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes (, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. A ponte só iria ser inaugurada em 1958, ao tempo Governador (1957/58) Álvaro Rodrigues da Silva Tavares (n. 1915) e depois Alto Comissário e Governador de Angola (Janeiro de 1960 / Junho de 1961).

Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados


Referia-se expressamente que a ponte, para além destas dimensões impressionantes, iria substituir satisfatoriamente a ponte Marechal Carmona (*), o administrador de Fulacunda disse expressamente no acto inaugural de 1958 que a ponte Marechal Carmona já não servia os interesses da população, não fiquei a perceber porquê.

É para mim uma ponte mágica, passei por lá sempre deslumbrado, quando ia levar abastecimentos ao Xitole, algumas vezes com o Luís Graça. (**)

Esta fotografia [inserida acima] grava-se-me pela saudade e pela elegância das linhas da construção dentro da paisagem. Faço votos para lá voltar muito em breve.
Um abraço do Mário

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

8 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5237: Memória dos lugares (53): Rio Corubal: As três pontes... (C. Silva / P. Santiago / M. Dias / Luís Graça)

7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5228: Memória dos lugares (52): Rio Corubal: afinal, havia... 3 pontes !? (C. Silva / D. Guimarães / M. Dias / Luís Graça)

7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5227: Memória dos lugares (51): Ponte Carmona sobre o Rio Corubal (Carlos Silva)

Vd. também postes de:

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: As pontes sobre o Rio Corubal (Mário Dias)

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIX: As pontes sobre o Rio Corubal: rectificação (Mário Dias

(**) Vd. poste da I Série > 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho).

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

(..) Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole-Saltinho, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 3O Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo informação do Humberto Reis, que dispõe dos 73 mapas cartográficos da Guiné-Bissau à escala de 1/50000):

"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA [Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].

"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta, [em 18 e 19 de Agosto]).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas] que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.

"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando aéreo] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".

(...) A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:

"(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

"(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.

"A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento".

(...) A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12.

A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias).

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região. (...)