Mostrar mensagens com a etiqueta Ramalho Eanes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ramalho Eanes. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16969: Agenda cultural (536): Lançamento do livro "O General Eanes e a História Recente de Portugal - II Volume", por M. Vieira Pinto, Âncora Editora, apresentação do Embaixador Francisco Henriques da Silva, dia 25 de Janeiro de 2017, às 15,00 horas, no Museu do Combatente, Forte do Bom Sucesso, Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

C O N V I T E



3 anos após a publicação do I volume do livro "O General Ramalho Eanes e a História Recente de Portugal", M. Vieira Pinto[1] lança o II Volume, no dia em que o General comemora o seu 82.º aniversário. 

A obra será apresentada pelo Embaixador Dr. Francisco Henriques da Silva e pela Mestre Sílvia Torres. 

A sessão, integrada nas comemorações do 8.º aniversário do Programa Fim do Império, terá lugar no próximo dia 25 de Janeiro, quarta-feira, às 15:00 horas, no Museu do Combatente, Forte do Bom Sucesso (junto à Torre de Belém), Lisboa. 

 «Ramalho Eanes, que estava em serviço em Angola, não participou no movimento do dia 25, mas sendo imediatamente chamado a Lisboa, foi, usando o seu prestígio e autoridade pessoais, um agente fundamental da evolução para a nova constitucionalização de Portugal, impedindo o triunfo dos extremismos e apoiando a entrega do poder ao eleitorado. Pondo de lado pequenos incidentes, pelo prestígio militar, e sabedoria ganha no conhecimento vivido da maior parte do findo império, foi conduzido pelas Forças Armadas aos mais altos postos, destacando-se, nesse processo complexo, ter sido eleito, por maioria esmagadora, Presidente da República, em 1976, por isso Comandante Supremo das Forças Armadas, mais a Chefia do Estado-Maior das Forças Armadas, e Presidente do Conselho da Revolução.» 

(Excerto do testemunho de Adriano Moreira)

************

[1] - Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto é licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa. 
Foi quadro, administrador e consultor de diversas empresas privadas, públicas, e de serviços públicos. 

Presidiu aos Conselhos Directivos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Gabinete Português de Estudos Humanísticos. 

Desempenhou, como catedrático convidado, funções docentes no ensino superior particular, de que foi fundador com várias personalidades. 

É autor de algumas obras de natureza técnica, didáctica, histórica e biográfica, entre elas, "Adriano – Vida e obra de um grande português" (2010, DG Edições), tendo também participado no 6.º livro da colecção «Fim do Império», Memórias do Oriente, de Dias Antunes.

(Com a devida vénia a Âncora Editora)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2017 Guiné 61/74 - P16921: Agenda cultural (536): dia 6, sexta-feira, às 15h00, no ISCPS, polo universitário da Ajuda, Lisboa: conferência anual da CCIPGB/ISCSP sobre a Guiné-Bissau: Guiné-Bissau. Governança e Mercado: Região da CEDEAO

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15477: Notas de leitura (787): "Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra", de Albano Dias Costa e José Jorge de Campos Sá-Chaves, ex-alf mil da CCAÇ 413 (1963/65)

1. Mensagem do nosso camaradada, de Torres Novas,  Carlos Pinheiro [, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70]


Data: 11 de dezembro de 2015 às 15:09
Assunto: Nos Celeiros da Guiné - Memóriasde Guerra


Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra


Caros companheiros, camaradas e amigos

Tomei hoje conhecimento, através de mão amiga, da edição do Livro com o titulo em epígrafe, obra de Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, com prefácio do general António Ramalho Eanes e edição da Chiado Editora.

Ainda não o li tudo, nem mais ou menos, mas já li o suficiente para o poder classificar como um dos melhores livros que retrata passagens das Guerras de África.

Sem qualquer tipo de interesse, permitam-me que vos recomende a leitura desta magnifica obra que foi conseguida pelos autores com a ajuda do Arquivo Geral do Exército e do Arquivo Histórico Militar que disponibilizaram para consulta toda a documentação relativa às unidades em que a CCAÇ 413 esteve integrada, da Viúva do Comandante da Companhia pela documentação disponibilizada, relativa à actuação da Companhia na Guiné e a muitas outras entidades,  sem esquecer os ex-combatentes da CCAÇ 413 que facultaram fotografias, documentos e testemunhos pessoais.

Esta obra é dedicada pelos autores "À memória dos camaradas da CCAÇ 413 que não envelheceram, tombados na Guiné, no cumprimento da missão de serviço que lhes foi imposta, o Ataliba Pareira Faustino, o Francisco Matos Valério, o José Gonçalves Pereira, o José Basilio Moreira, o José Rosa Camacho, o José Pereira Rodrigues, o José Ramos Picão e o Joaquim Maria Lopes, em relação aos quais carregamos a culpa de continuarmos vivos".

Permitam-me ainda que transcreva uma pequena passagem do Prefácio, com o titulo "Metamorfose dolorosa":

 "Encontros anuais que pretendem ser festa, mas que, no fundo, são de mágoa, mágoa sentida pela incompreensão do País, do Exército, dos seus próximos até, pelos sacrificios, pelo tempo passado na Guiné que, não tendo morto neles a esperança, matou muitos dos seus sonhos, muitas das suas certezas, muitos dos percursos de vida almejados. Não aceitam nem conseguem aceitar, ainda, que os tenham mandado para a guerra com desfile, fanfarra e discursos patrióticos, e que os tenham "descartado" depois da guerra, desembarcando-os discretamente, condenando-os a uma quase "clandestinidade social", sem reconhecimentoi público, sem apoio psicológico para os que dele careciam, sem apoio médico especializado para todos mas em especial para aqueles que na guerra se perderam e não mais conseguiram econtrar motivação e sentido suficiente para a vida.

Não constitui este não reconhecimento, esta preversa negligência, excepção na nossa vida histórica... Lembre-se, a propósito, a razão intemporal que terá levado o grande Padre António Vieira, em 1669, a afirmar: "Se serviste à Patria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devieis, ela o que costuma".

Se com este pequeno escrito consegui motivar os meus amigos para a leura do livro, fico satisfeito. Se não o consegui, paciência.
´
Um abraço para todos,

Carlos Pinheiro



2. Ficha técnica

Título: Nos Celeiros da Guiné
Editora: Chiado Editora, Lisboa
Data de publicação: Maio de 2015
Número de páginas: 382
ISBN: 978-989-51-2859-4
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Preço de capa: 16 €


Sinopse

A guerra é, para o combatente, uma metamorfose dolorosa, de enorme custo, de insuportável sofrimento, em que se morre um pouco com a morte de cada camarada. Metamorfose, sim, mas em que a fase final é um recomeço da vida, já sem sonhos, já desgastado e, mesmo, frustrado pela incompreensão dos sacrifícios sofridos.

E se os cínicos lhes perguntarem porque não abandonam a guerra, os olhos dos combatentes, marejados de lágrimas, respondem: quem pode abandonar, trair um camarada irmão, sobretudo o que morreu por nós, também?

Sentindo-me um irmão ex-combatente, destes ex-combatentes da CC 413, entendi não os abraçar com uma frase para a capa do livro, como me pediram, mas, sim, abraçá-los com este manifesto despretensioso, pequeno, mas sentido manifesto de solidariedade.

António Ramalho Eanes

Fonte: Chiado Editora, com a devida véniagoogle+

3. Sobre os autores:

Albano Dias Costa nasceu em 1939, em Luanda, tendo-se licenciado em Letras e em Direito pela Universidade de Coimbra.

Em 1963, com a especialidade de sapador de Infantaria e com o curso de explosivos, minas e armadilhas, foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano atirador.

Desmobilizado em Maio de 1965, regressou à Faculdade de Letras de Coimbra, onde apresentou a dissertação “O Crioulo da Guiné, uma Abordagem Etno-Linguística,” preparada a partir das notas que coligiu naquela ex-colónia, e onde foi também co-autor do “Curso de Língua Portuguesa para Macuas,” solicitado pelo Estado-Maior do Exército para o ensino do português aos soldados Macuas de Moçambique, depositado no Arquivo Histórico Militar.

Licenciado também em Direito, enveredou pelo exercício exclusivo da advocacia, no Porto, como profissional liberal e como assessor jurídico em organismos do Estado.

José Jorge de Campos Sá-Chaves nasceu em 1937, em Lisboa.

Licenciado em Educação Física, fez estudos curriculares de Mestrado em Ciências da Educação, na UTL [Universidade Técnica de Lisboa]

Leccionou, durante mais de duas décadas, nos ensinos básico e secundário.

Por concurso público, foi colocado no CIFOP da Universidade de Aveiro como docente para a orientação da Formação em Serviço.

Desempenhou, durante oito anos, funções como Vice-presidente e Administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade de Aveiro, tendo sido nomeado representante do Conselho de Reitores no Conselho Nacional da Ação Social no Ensino Superior.

Aposentado, ingressou na Fundação João Jacinto de Magalhães como responsável pelo Gabinete Editorial.

Como militar, frequentou o CEPM e estagiou no CIOE. Mobilizado em Julho de 1962,  integrou a CCAC 413 cumprindo missão, como Alferes Miliciano, na antiga Província Ultramarina da Guiné.

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15476: Notas de leitura (786): “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011 (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

  

A mascote do Programa [de Informação]  das Forças Armadas (PIFAS), da responsabilidade da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica. Autor desconhecido. 

Imagem, enviada pelo nosso camarada Miguel Pessoa, cor pilav ref (ten pilav, Bissalanca, BA 12, 1972/74). 



1. O Armando Carvalhêda é outro dos grandes senhores da rádio (*) que passou pelo Programa das Forças Armadas, o popular PIFAS, entre abril de 1972 e  setembro de  1973, conforme ele recorda em conversa com o Luís Marinho, no programa da Antena Um, Canções da Guerra.  O seu depoimento pode ser aqui ouvido, em ficheiro áudio de 4' 55''.

Segundo o Armando Carvalhêda, o PIFAS,  transmitido pela Emissora Oficial da Guiné, era "mais liberal" do que a estação oficial, transmitindo  canções de "autores malditos",  como José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, que não faziam parte da "playlist" (como se diz agora) da Emissora Nacional, em Lisboa.

Armando Carvalhêda.
 Foto: cortesia do blogue Expressões Lusitanas
Eram os próprios radialistas, os locutores de serviço, jovens a cumprir o serviço militar e coaptados para a Rep Apsico, para o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, que faziam "a pior das censuras", que era a autocensura...

O Armando dá um exemplo,  com o LP do José Mário Branco, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (que tinha sido editado em Paris, em 1971)... Havia um consenso tácito sobre algumas músicas que não deviam passar no PIFAS. Neste LP, era,  por exemplo,  o "Casa comigo, Marta!"...



Estava-se na época do vinil, o LP tinha seis faixas, de cada lado,... Intencionalmente ou não, ele uma vez deixou "cair" a agulha da cabeça do gira-disco na faixa do "Casa comigo, Marta" (cuja letra, "subversiva",  para a época, de crítica social corrosiva, se repoduz abaixo; recorde-se que o portuense José Mário Branco, compositor e músico,  era um conhecido opositor ao regime e à guerra colonial, estando exilado em Paris)... 

Ainda de acordo com o Armando Carvalhêda, o PIFAS era o produzido pela  Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, a APSICO, a 2ª Rep do Com-Chefe, na Amura, por onde passaram nomes ligados ao 25 de Abril como Ramalho Eanes  e Otelo Saraiva de Carvalho. [Em 1969/71, o Serviço de  Radiodifusão e Imprensa foi chefiado por Ramalho Eanes.]

Mais diz  o conhecido autor e realizador de rádio, que não havia "confronto direto" com a Rádio Libertação do PAIGC  (e, portanto, com a "Maria Turra", a locutora do IN, a Amélia Araújo), "embora a gente os ouvisse e eles a nós"...

O Armando Carvalhêda lembra-se com emoção das gravações áudio  que fez, por toda a Guiné,  por ocasião das gravação das mensagens de Natal e Ano Novo. Recorda-se, em particular,  do Natal de 1972: havia soldados emocionados que recebiam o pessoal do PIFAS com grande entusiasmo e carinho. Num aquartelamento, o comandante já tinha selecionado quem iria falar para a rádio.  Um dos soldados que ficara de fora da lista,   quis "meter uma cunha" ao Armando Carvalhêda, oferecendo-lhe o fio de ouro que trazia ao pescoço...

Também se lembra do programa de discos pedidos, que era feito pelo  "senhor primeiro" [, o 1º sargento Silvério Dias] e a "senhora tenente [, a esposa, Maria Eugénia Valente dos Santos Dias]. Em geral o que passava então, nesse programa de discos pedidos, eram as "canções românticas", em voga na época, com letras de fazer chorar as pedras da calçada… O PIFAS recebia centenas, milhares de cartas/aerogramas com pedidos para passarem canções...

Já aqui temos falado do Armando Carvalheda, de resto conhecido do nosso grã-tabanqueiro Hélder Sousa,  dos tempos de juventude. Não sei se ele nos acompanha, ao nosso blogue, de qualquer modo ele tem a "porta aberta", na Tabanca Grande, para partilhar, connosco, mais memórias do tempo de Guiné, em geral,  e do PIFAS, em particular. Alguém aqui escreveu que ele estava colocado em Gadamael quando foi requisitado para o PIFAS. Já trabalhava na rádio, na vida civil, antes de ir para a tropa. (LG)




Um poema de Natal enviado de Farim, dezembro de 1967,  pelo  2º srgt art  Silvério Dias,  da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974)... O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto: © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

________________
  
Casa Comigo, Marta
Música e ntérpretação: José Mário Branco
Álbum: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (1971)

Chamava-se ela Marta,
Ele Doutor Dom Gaspar,
Ela pobre e gaiata,
Ele rico e tutelar,
Gaspar tinha por Marta uma paixão sem par
Mas Marta estava farta, mais que farta de o aturar.
- Casa comigo, Marta,
Que estou morto por casar.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo, deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar,
Tenho talheres de prata
Que estão todos por lavar,
Tenho um faisão no forno e não sei cozinhar,
Camisas, camisolas, lenços, fatos por passar
Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar.
- Casar contigo, não, maganão
Não te metas comigo, deixa-me da mão

- Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos,
Tenho uma cama larga
Num dos meus apartamentos,
Tenho ouro na Suíça e padrinhos aos centos,
Empresto e hipoteco e transacciono investimentos.
Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho rédeas p´ra mandar,
Tenho gente que trata
De me fazer respeitar,
Tenho meios de sobra p´ra te nomear
Rainha dos pacóvios de aquém e além mar.
Casas comigo, Marta,
Que eu obrigo-te a casar
- Casar contigo, não, maganão,
Só me levas contigo dentro de um caixão.

A música pode ser aqui ouvida.
A letra foi aqui recolhida. [Fixação de texto por LG.]

 ________________

Notas do editor:

(*) VIVA A MÚSICA! - Música ao vivo cantada na nossa língua. Um programa de Armando Carvalhêda.

Desde 1996, a ANTENA 1 tem no ar o programa VIVA A MÚSICA!, único espaço regular no panorama áudio-visual nacional que apresenta semanalmente, durante uma hora música cantada na nossa língua, ao vivo e em directo.

O programa desenrola-se no Teatro da Luz, em frente ao Colégio Militar, em Lisboa, todas as Quinta-feiras, entre as 15h00 e as 16h00, e é produzido por Ana Sofia Carvalhêda e realizado e apresentado por Armando Carvalhêda.
Por aqui desfilaram já quase todas as grandes figuras da música cantada em português como são os exemplos de: Carlos do Carmo, Pedro Abrunhosa, Ala dos Namorados,..

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15343: Notas de leitura (774): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
É um livro bem distinto do que vai aparecendo sobre histórias de unidades militares, neste caso o álbum fotográfico é de grande importância.
O General Ramalho Eanes prefacia a obra e detém-se sobre todos aqueles que combateram e hoje regressam à Guiné, e então escreve: "As populações acolhem-nos com o carinho de outrora, mas vivendo conformadas na mesma miséria ou em miséria maior, porque, agora, se destruíram matas, se lhes retiraram bolanhas, se matou a fraterna igualdade então existente. Esta obra interpela-nos sob a metamorfose sofrida pelos jovens que foram transplantados das suas terras". E elogia a importância documental de todo este acervo, contemporâneo da fase perturbante da implantação militar, psicológica territorial do PAIGC.
Temos aqui um livro raro e um caso de solidariedade que não desfalece entre septuagenários que aportaram à Guiné e não a esquecem e não se esquecem do que devem uns aos outros.

Um abraço do
Mário


Nos Celeiros da Guiné, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves (1)

Beja Santos

Há cerca de 50 anos, a CCAÇ 413 partiu para a Guiné. Do seu mourejar vem agora a público um livro que aparenta ter um título intrigante: “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015. Não se trata de uma convencional história de companhia independente, recheada de depoimentos e reprodução de relatórios, é um poderoso documento que, digo-o sem hesitação, se configura num indispensável material auxiliar para compreender a Guiné entre 1963 e 1965. Quanto ao título, os autores mostram uma imagem, conhecida de todos, e explicam aos seus leitores, poderá acontecer que haja leitores que não passaram pela Guiné: “Em quase todas as pequenas localidades, havia, junto do edifício do posto administrativo, um celeiro da administração, desocupado na sequência do início das hostilidades, que veio a ser utilizado como caserna pelos destacamentos militares entretanto instalados nessas povoações”. Dias Costa fica incumbido de justificar o enquadramento da CCAÇ 413 no contexto social e militar da Guiné. Companhia dada como “pronta” no Batalhão de Caçadores n.º 5, em Lisboa, e colocada em Faro, no Regimento de Infantaria n.º 4, a aguardar o embarque, sem data nem destino ainda definidos. Estão em Faro quando eclode a guerrilha na Guiné. A 3 de Abril embarcam ao som de “Angola é nossa”, num velho paquete da companhia colonial de navegação, o “Índia”.

Lá vão a caminho de Mansoa, têm à sua espera os camaradas da CCAÇ 91, estes rejubilam pela rendição. Conduzidos à caserna, adaptada de um celeiro aqui vão passar a primeira das 751 noites que têm pela frente na Guiné, ainda têm à sua espera os celeiros de Safim, Nhacra, Porto Gole, Encheia, Bissorã, Mansabá, Olossato, Barro, Bigene, Farim e Cuntima. As hostilidades estão no início, estes militares vão assistir ao separar das águas, à perseguição das populações, ao aparecimento dos santuários, à necessidade de ocupar posições. A CCAÇ 413 era constituída por cerca de 170 homens, distribuídos por quatro pelotões, três de caçadores e um de acompanhamento bem como pela Formação, adstrita ao Comando, constituída pela Secção de Saúde, sob a responsabilidade do oficial médico, pela Seção administrativa, pela intendência, pela seção de condutores e manutenção auto e pela secção de Transmissões. O equipamento era o próprio da época, o armamento já incluía a G3 mas havia também pistolas-metralhadoras UZI e FBP. Em 1963 não houve férias, foram canceladas todas as licenças.

Gente feliz em Mansoa

O autor espraia-se sob a infraestrutura dos celeiros e depois descreve a organização dos aquartelamentos, nesta época as valas em ziguezague tinham a primazia. Encheia e Olossato cedo dispuseram de uma pista de aviação rudimentar. Durante a sua permanência em Mansoa, a CCAÇ 413 prestou apoio à povoação de Cutia, na estrada para Mansabá e nas imediações do Morés, aqui decorria a primeira experiência de povoação em regime de autodefesa. O Morés já fervia, o Brigadeiro Louro de Sousa, ainda no decurso de 1963, reforça o dispositivo tático de Mansoa, fica aqui a sede do BCAÇ 512. O aquartelamento de que dispõe a CCAÇ 413 estava instalado na Escola das Missões, e englobava o celeiro, transformado em caserna uma construção rudimentar onde estava instalado o posto de transmissões, o posto de socorros, a arrecadação dos mantimentos e algo mais.

A psicossocial fazia-se com engenho e arte, a dedo e sem esquadro, diretivas era coisa que ainda não existiam, faziam-se almoços, encontros, compareciam o médico e o enfermeiro e os mais curiosos começavam a trautear termos em crioulo, aprendiam-se os usos e costumes, dava-se ajuda aos civis no transporte de alimentos e matérias-primas. Os ex-militares da companhia procederam, em 1992, à constituição da Associação de Ex-Combatentes da CC 413 – Guiné, 1963-65, com o objetivo de “fomentar e desenvolver laços de camaradagem e de solidariedade entre os seus membros e as suas famílias”. José Jorge Sá-Chaves dedica muita atenção à vida operacional da Companhia. Ficaram inicialmente dependentes de um batalhão sediado em Bula, comandado por Hélio Felgas. Foi-lhe atribuído um setor operacional com uma área aproximadamente de 5100 km2, abrangendo a região do Oio, a região a norte do rio Cacheu, com toda a faixa entre aquele rio e a fronteira com o Senegal, de Barro a Cuntima. A Companhia espraiava-se por quatro destacamentos: Barro, Bigene, Farim e Cuntima, recebendo apoios de outras unidades para guarnecer as localidades de Bissorã, Olossato, Mansabá e para reforçar Farim. Estamos no início da guerra e era então possível ainda acontecer o que aqui se descreve: “Quer Barro, quer Farim, destinos das colunas, distavam aproximadamente 50km de Mansoa, distâncias que levaram cerca de hora e meia a percorrer (…) Aproximadamente a meio do percurso, localizavam-se, respetivamente, as povoações de Bissorã e de Mansabá. Os últimos troços da estrada até à margem do rio Cacheu, onde se fazia a cambança para a margem Norte apresentavam-se num estado deplorável (…) Transposto o rio, os últimos 3,6km até ao destino, em que a estrada cruza a bolanha, permitiu apreciar a beleza da paisagem que se abria à sua frente”. Temos igualmente uma descrição cuidada das povoações de Barro e Farim e mais adiante de Bigene e Cuntima.

Porto Gole, Casa do Chefe do Posto, que fez parte do aquartelamento, conjuntamente com o celeiro 

Mas tudo estava a mudar. Em 5 de Maio de 1963, o “Setor Norte” desencadeia a primeira ação militar flagelando Bigene. Em Maio, iniciam-se as patrulhas de reconhecimento. Em Junho, um dos grupos de combate da Companhia a patrulhar em Talicó sofreu uma emboscada, e em Julho temos nova emboscada no trilho de Madame. A tropa verificava que de mês para mês evoluía o armamento do inimigo. Em Julho, o Morés começa a revelar-se um objetivo difícil, as emboscadas sucedem-se umas às outras, surgem os primeiros mortos e feridos graves, tanto na Companhia como na Milícia. As abatizes aparecem na estrada Mansabá Bissorã e nas picadas para o Morés. É em Agosto que chega a Mansoa o BCAÇ 512, e nesse mês um grupo de combate da companhia sofre uma emboscada quando se dirige a Fajonquito.

Estamos perante um documento que dá que pensar: como se passou da aparente acalmia para a guerrilha dura e pura, tanto no Morés como à volta do Cacheu, em escassos meses a liberdade de movimentos deu origem a deslocações sempre com riscos de minas e emboscadas; surgiram as milícias, as populações em autodefesa, a ação psicossocial improvisada, iam-se distribuindo armas pelas populações e procurava-se, a todo o transe, fixar os destacamentos onde havia população. Como se sabe, continua a descer um manto de silêncio sobre o período de 1963 a 1968, às vezes até se insinua que não houve capacidade de resposta e que se espalharam abusivamente as tropas por todo o território. Enquanto o período do General Spínola está largamente documentado, os tempos correspondentes ao Brigadeiro Louro de Sousa e General Arnaldo Schulz permanecem na neblina. Deixa-se aqui o recado aos historiadores da guerra da Guiné.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15334: Notas de leitura (773): “Dois Amigos, Dois Destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14782: Notas de leitura (730): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de um acontecimento editorial, estas memórias inéditas de Luís Cabral. Exigem leitura pormenorizada e comentários apropriados, estamos a falar de um documento relevante para a História, há algumas informações inéditas para quem queira iniciar-se no estudo da governação de Luís Cabral, está aqui o acervo de discursos representativos. Entre as informações inéditas, e no contexto do assassinato de Amílcar Cabral, Luís Cabral não esconde as responsabilidades de Osvaldo Vieira. Não se entende como é que este documento cuja publicação terá sido tão desejada pela viúva e pelos filhos termine com uma entrevista inacreditável entre Luís Cabral e a organizadora. Inacreditável e lastimável.

Um abraço do
Mário


O regresso das memórias de Luís Cabral (1)

Beja Santos

O General Ramalho Eanes veio apresentar recentemente a obra “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014. Luís Cabral faleceu em 2009, onde vivia exilado, em consequência do golpe de estado de 14 de Novembro de 1980. A obra compreende no essencial um prefácio do comandante Pedro Pires, prólogo do General Ramalho Eanes, uma introdução da organizadora do livro, Ângela Sofia Benoliel Coutinho, um acervo de textos inéditos, incompletos a que Luís Cabral intitulou “Crónica II”, seguindo-se um bom acervo de discursos e por último uma entrevista de Cabral concedida a Ângela Coutinho em 2002.

Uma obra destas é de leitura obrigatória para quem pretende conhecer com rigor o pensamento e atuação de Luís Cabral, figura de primeiro plano do PAIGC, desde a primeira hora, e Presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau até à sua deposição. O que justifica uma leitura comentada e documentada sobre o que aqui se publica.

O que sobressai, e não deixa de ser chocante, da leitura do prefácio e do prólogo, é a poderosa emanação dos silêncios africanos. Pedro Pires faz-lhe um denso elogio, comenta a atividade de Luís Cabral na guerrilha e na governação e tece uma crítica velada à impreparação de muitos dirigentes guineenses para as exigências do processo de fundação e consolidação do Estado soberano independente. Refere explicitamente dirigentes guineenses, entenda-se, não estavam preparados para a transformação do Partido-Movimento Libertação para um partido com as funções do Estado. Considera que a visão de Luís Cabral para a economia do país era moderna, mantendo-se atual. Com a deposição de Luís Cabral, observa Pedro Pires, instaurou-se um regime paramilitar, que desprezou a legalidade. Os golpistas, com Nino Vieira à cabeça, fizeram acusações graves a Luís Cabral, e fundamentadas. E lança banho lustral: “Os factos existiram. Mas, quem o conheceu e conviveu com ele de perto sabe que não tinha responsabilidades diretas no seu cometimento. Não era a sua maneira, nem de agir, nem de estar na vida. Teve, sim, responsabilidades morais enquanto chefe de Estado. O seu erro ou omissão ter-se-ia consistido em não ter confrontado, frontalmente, com os responsáveis direitos por aqueles atos ignóbeis”.
Mas descobre lenitivos para certas barbaridades, como a africanização da guerra e as ambições de certos oficiais dos comandos africanos.

O que escreve o General Ramalho Eanes conflitua com as laudes de Pedro Pires. O general recorda a sua ida a Bissau na sua primeira visita ao país. Ter-lhe-á dito que considerava como questão de honra tomar à sua conta e responsabilidade os ex-comandos africanos. “Propus-lhe que os graduados e os mais odiados regressassem já comigo, no avião que utilizava na viagem presidencial; os restantes, que deveriam constar de uma relação nominal, que me entregaria, faria transportá-los para Portugal nos meses seguintes”. Luís Cabral terá aceite a proposta de Ramalho Eanes, voltaram a conversar sobre o assunto já próximo da data da sua partida para Portugal. “Com ar triste, com ar desalentado mesmo, respondeu-me que, afinal, não poderia satisfazer o compromisso assumido. Quando pretendera satisfazê-lo foi informado de que os ex-comandos, que não tinham procurado refúgio nos países vizinhos, que tinham permanecido na Guiné, tinham sido executados. Confessou, com manifesta amargura que não conseguira, ainda, o controlo do aparelho militar”.

Temos Pedro Pires a falar de um homem bom, o dirigente supremo de uma democracia nacional revolucionária, inspirada nos princípios de Amílcar Cabral, em que, dizia-se, desde o Congresso de Cassacá, o aparelho militar estava estritamente dependente do órgão político. Luís Cabral diz a Ramalho Eanes que ainda não conseguira o controlo do aparelho militar. Questionamos como é que é possível terem sido mostradas valas com cadáveres de centenas de fuzilados, abertas prisões cheias de presos políticos e o presidente da República desconhecer a plena extensão do terror. Como se verá mais adiante, este é um dos significativos silêncios, a fragilidade do conceito da unidade Guiné-Cabo Verde nunca é questionada, é assunto tabu. Pedro Pires, como reage Aristides Pereira, falam no problema dos ex-comandos, mas nunca situam nem concretizam a natureza das malfeitorias que perpetravam. Aliás, nem Nino Vieira, primeiro-ministro sabia a extensão dos crimes e das barbaridades praticadas pelo aparelho militar ou pela segurança do Estado, resta saber se um dia viremos a saber qual foi a fração do aparelho militar envolvida ou se era possível na Guiné-Bissau a segurança do Estado agir de modo solitário.

Fotografia adquirida na Feira da Ladra, num sábado de Maio de 2015. Trouxe um lote de arromba, uma safra inesperada: Tito Gobbi, ao tempo um dos maiores barítonos do mundo, fotografia autografada; Sequeira Costa, Joly Braga Santos e Vasco Barbosa, em 1947; deslocação de católicos guineenses, cumprimentos ao cardeal Cerejeira, 1971; e este esplêndido semblante de Luís Cabral, pena que a máquina não reproduza as cores da fotografia, magníficas.

A introdução da organizadora dá-nos um quadro do papel de Luís Cabral na gestão das áreas libertadas e depois na Guiné independente, bem como alguns elementos sobre o golpe de Estado de 1980. Não tece ondas nem conhecemos contraditório à governação de Luís Cabral, isto a despeito de outros governantes terem entretanto vindo a público comentar amargamente dislates e excessos. Filinto Barros, um governante que percorreu várias responsabilidades ministeriais neste tempo e no de Nino Vieira, escreve no seu “Testemunho” as nomeações por amiguismo, por puro compadrio, de gestores incompetentes e corruptos, de gente que praticou desfalques ou gestão danosa, tudo perdoado ou habilmente esquecido. Ângela Coutinho prefere circunscrever-se aos números, relatórios e notícias de jornais. E assim chegamos ao golpe de Estado, às acusações à ala cabo-verdiana, diferentes acusações, tais como corrupção, irresponsabilidade e laxismo. Aqui a organizadora toma partido: “Não se deram exemplos destas práticas, sendo que, a maioria dos membros do governo anterior foram reconduzidos para o governo de transição sob a responsabilidade do Conselho da Revolução”. Acontece que estas práticas vieram a ser denunciadas, como mais tarde as prepotências praticas ao tempo de Nino Vieira. Ângela Coutinho mostra-se crítica de Nino Vieira por este ter dito a seguir ao golpe de Estado de não estar a par de nada do que se passava no país, nomeadamente em relação à situação económica. Mas, no fundo, não foi o que disse Luís Cabral a Ramalho Eanes, quando lhe confessou que os ex-comandos tinham sido fuzilados?

Seguidamente, vamos passar ao crivo os textos inéditos de Luís Cabral.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14766: Notas de leitura (729): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (4) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13793: Notas de leitura (644): "O Mundo em AZERT - cadernos de um repórter”, por Cáceres Monteiro, edições O Jornal e Círculo de Leitores, 1984 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2014:

Queridos amigos,
É quase certo e seguro que esta reportagem datada não é um acontecimento histórico nem traz elementos novos.
Em termos gráficos, o álbum do jornalista é de uma grande beleza, tem um grafismo muito apurado.
Cáceres Monteiro viaja pela Guiné acompanhado de um gigante da fotografia, Eduardo Gageiro, ele capturou imagens que lhe vieram averbar a celebridade que já tinha, recebeu mais prémios internacionais.

Um abraço do
Mário


O mundo em AZERT: 
Cáceres Monteiro na Guiné, depois do golpe de Nino Vieira

Beja Santos

“O Mundo em AZERT”, por Cáceres Monteiro, edições O Jornal e Círculo de Leitores, 1984, é um álbum soberbo onde participaram para além do repórter Carlos Cáceres Monteiro, então chefe de redação-adjunto de O Jornal, três dos melhores repórteres fotográficos portugueses: Carlos Gil, Eduardo Gageiro e Joaquim Lobo. Cáceres Monteiro justifica assim este livro: “A melhor sensação que um jornalista pode ter é sentir que está a viver, par a par, com a história do seu tempo. Em algumas ocasiões, foi viva a sensação de que era uma testemunha privilegiada da história do nosso planeta. As reportagens que se incluem neste livro foram feitas no Sudeste Asiático, Vietname e Camboja; na América Central, em El Salvador e na Guatemala; em África, onde fui observador atento das turbulentas independências de Angola e do Zimbabué e diz a reportagem do golpe de Estado da Guiné-Bissau e onde tentei entender Moçambique e o seu líder Samora Machel; estive também no Irão, no auge dos fuzilamentos ordenados por Khomeini”.

Cáceres Monteiro acompanha a deslocação do Presidente Eanes até ao Saltinho e descreve a movimentação: “As escavadoras rompem já a floresta para resgarem a nova estrada, num assomo de progresso inusitado. E, quilómetros além, num sítio de cataratas do rio Corubal, atravessado por uma ponte metálica onde persistem inscritos os números mecanográficos e as naturalidades dos soldados da guerra colonial, pode vir a nascer uma grande barragem, com projeto português.
Saltinho, África, mesmo África. Gente saída das cubatas ancestrais vêm saudar o Presidente Eanes – e o nome de Nino Vieira aparece quase apagado nas manifestações cerimoniais dos manifestantes. Foi Eanes que eles vieram ver. Numa nota surreal, uma turma de futebol equipada às riscas azuis e brancas, tal e qual como o Porto, perfila-se na primeira linha da multidão. Futebol Clube de Tombali saúda o presidente Eanes”.

Não sem um assomo de malícia, o repórter aponta a miragem de alguma fartura que acompanhou a visita de Eanes à Guiné-Bissau: “No dia em que Ramalho Eanes chegou à Guiné-Bissau, onde normalmente não se vende qualquer produto importado, passou a haver de tudo: cerveja, água tónica em lata, uísque, gim. Comida. A Guiné-Bissau gastava os últimos dólares da linha de crédito. Depois disso seria a rutura financeira”. Chega Eanes e abre o supermercado, põe à venda Ovomaltine e Nestlé. Se no termo do consulado de Luís Cabral a rutura financeira era um facto, não desapareceu com Nino Vieira o fantasma da bancarrota. Nino Vieira pede uma ajuda de milhões e ameaça que se Portugal não lhe desse resposta o país voltar-se-ia para os vizinhos francófonos.

Estamos em 1982, Eanes é o primeiro Chefe de Estado a visitar a Guiné-Bissau depois do golpe de Nino, Luís Cabral já foi libertado. Cáceres Monteiro orienta o olhar para esse golpe em que, segundo alguns, foi antecipado quando Nino Vieira soube que estava projetado o seu assassinato pelas forças fiéis de Luís Cabral. Em 14 de novembro, o golpe iniciou-se junto à Embaixada portuguesa, com um disparo de rajadas, era o sinal de aviso para as movimentações militares. As tropas fiéis a Nino não encontraram praticamente resistência. As causas próximas do golpe também radicaram na discussão da nova Constituição, nela se previa uma concentração de poderes nas mãos de Luís Cabral, Constituição humilhante para guineenses comparativamente com a Constituição de Cabo Verde. O poder mudou de mãos e logo choveram as acusações de ostentação de privilégios por parte dos comissários do Governo, sempre a viajar para o estrangeiro e a deslocar-se na Guiné em rutilantes Volvos.

O repórter conta como Vasco Cabral escapou por pouco durante o golpe de Estado, foi ferido, fingiu-se morto e conseguiu escapar. Retrata Nino Vieira como um romântico, uma espécie de pequeno Che Guevara da África Equatorial, porém sem preparação ideológica. Cedo Nino Vieira enreda-se em negócios com Valentim Loureiro e Ferreira Torres. Nino aproveitou bem o descontentamento gerado pelas carências sentidas durante o consolado de Luís Cabral, coligou-se com militares, com Vítor Saúde Maria, Freire Monteiro e Iafai Camará, formam um Conselho da Revolução. As novas autoridades guineenses quiseram imediatamente atribuir a Luís Cabral crimes nefandos, abriram-se valas onde estavam enterrados ex-comandos guineenses e adversários do PAIGC. Na altura, um amigo de Nino, J. Turpin comentou que “Isto foi pior do que o colonialismo português”. Pedro Pires, então primeiro-ministro de Cabo Verde, desdramatizou, atribuiu esses acontecimentos a todos os responsáveis políticos, era impensável que alguém os ignorasse.

Um aspeto curioso é que o novo Conselho da Revolução destituiu Luís Cabral, dissolveu a Assembleia Nacional Popular mas reconduziu praticamente todos os membros do Governo anterior. Alguém comentou: “A lógica deste golpe é analógica”. E a reportagem de Cáceres Monteiro termina assim: “Quando chegámos ao aeroporto de Bissau, logo um guineense de rádio em punho nos veio dizer, cheio de júbilo, que Portugal tinha derrotado a Irlanda do Norte e nas ruas de Bissau, para além de todos os outros vestígios, não faltam as máquinas de registo do Totobola. A imprensa portuguesa é aqui mais conhecida e lida do que em muitos pontos do território nacional…”.

A capa deste álbum é um primor de Rochinha Diogo. As duas fotografias pertencem ao genial Eduardo Gageiro, a mãe com o seu bebé é uma das fotos internacionalmente mais premiadas do fotógrafo, mas é realmente muito impressiva a fotografia dos velhos guerreiros, trata-se de um instantâneo sublime.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13768: Notas de leitura (643): General Spínola ao Diário de Lisboa, em 9 de setembro de 1972: Não há que temer a autodeterminação (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 31 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12919: Estórias e memórias de Silvério Dias, radialista, PFA, 1969/74 (1): Como, por causa de um amigo, deixei a CART 1802, fiz provas para locutor do PFA e, mais tarde, abandonei voluntariamente o Exército


Guiné > Bissau > PFA - Programa das Forças Armadas, c. junho de 1971 > Noite 7 (Emissão especial aos Sábados).

Na foto, o 1º cabo José Camacho Costa e o 1º srgt Silvério Dias. Reconhecem-se excertos musicais de Carlos do Carmo, José Mário Branco, Beatles e outros... Faz-se referência á chegada do homem à lua, à guerra no Laos e no Camboja, e dá-se a notícia da flagelação, à cidade de Bissau, com foguetões 122 mm de origem russa (em 9 de junho de 1971)...

[Ouvir aqui o Compacto aúdio, de Garcez Costa, antigo locutor.  Vídeo (6' 31''): Alojado em You Tube > Nhabijoes ]

1. Mensagem do Silvério Dias, com data de hoje

Assunto: Voltar à Tabanca


Agora que "desbravei a picada" (*), é com maior naturalidade que me desloco até junto dos bons "rapazes da nossa Guiné". Para criar o tal ambiente, só falta mesmo o calor húmido. Porque, "manga de chuva" temos nós, nesta prima bera que não muda para melhor. 

Fora o humor negro, passo a expor alguns dados relativos à minha pessoa, face à curiosidade do barbas Luís Graça:

O meu percurso com a CArt 1802 incluiu presenças em Farim, S.João e Jabadá, com todas as contingências inerentes a uma Companhia Operacional.

Ao tempo, em deslocação a Bissau para reabastecimento de frescos, encontrei velho amigo que,  de forma entusiástica e sabendo das minhas actividades radiofónicas em Moçambique, me deu conta de que estavam necessitando de um locutor para o Programa das Forças Armadas. 

A "reboque", lá prestei provas de  leitura e dicção. "Tiro e queda"!

Substitui o então profissional da E.N. [Emissora Nacional] 
Lima Jorge, dando início a nova missão e a possibilidade de ter comigo parte da família. Esse foi sem dúvida o prémio maior.

Também não será desajustado dizer que o encontro fortuito com o amigo, António Martins, mudou radicalmente o meu futuro. Quiçá o meu destino, porquanto começava a desenhar-se um certo desencantamento, quanto às missões que aos militares estavam destinadas.

Na Guiné, mercê do empenho do então Major, António Ramalho Eanes e a influência do General Spínola, abandonei voluntariamente, o Exército, para muitos, impensável, tratando-se de um 1º Srgt .do Quadro Permanente.

Já nesse tempo: Mandava quem podia!

Fica por hoje este fragmento. Prometo voltar, dissipando duvidas e contando "estórias"...

Oxalá tenham paciência para as ouvir!

De mim para todos os "tabanqueiros"... aquele abraço. 

Silvério Dias
_________________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

24 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12894: Tabanca Grande (430): Silvério Dias, 1º srgt art ref, o senhor PIFAS, e "poeta todos os dias!...Nove anos de permanência em terras guineenses, incluindo uma comissão na CART 1802 (Nova Sintra, 1967/69)... É agora o grã-tabanqueiro nº 651


30 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12914: (In)citações (63); Senhor Ministro da Defesa, vamos lá falar, com toda a franqueza: dizer-lhe que militar não é, propriamente, um funcionário público. Já lhe ocorreu pensar nesta verdade? (Silvério Dias, ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra; ex-locutor do PFA, QG/CTIG, Bissau, 1969/74)

domingo, 11 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10650: O PIFAS de saudosa memória (17): Uma foto histórica: convívio, em 31 de maio de 1985, em Lisboa, do pessoal do emissor regional da Guiné e do Programa das Forças Armadas (Garcez Costa)



Lisboa > Páteo Alfacinha > 31 de maio de 1985 > Convívio do pessoal do emissor regional da Guiné e do PFA - Programa das Forças Armadas.

Foto: © Garcez Costa (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Garcez Costa, ex-radialista do PFA - Programa das Forças Armadas,  furriel miliciano  (Com-chefe, PFA, Bissau, 1970/72), com data de 30 de outubro último:


Caso entendam publicar no blogue, esta é a tal foto de que falei anteriormente, a qual merece o seguinte apontamento:


Jantar de convívio do pessoal do emissor regional da Guiné e Programa das Forças Armadas, em Lisboa, no Páteo Alfacinha, em 31 de maio de 1985.

Passados anos ainda reconheço algumas personalidades, uns fizeram parte da minha convivência, e outros não identifico, porque não houve o cuidado, na altura, de proceder à legenda da foto.
Em cima: 

(i) Jerónimo (o nosso incansável dactilógrafo – não tinha horário de entrada e nunca se sabia a que horas saía de serviço);

(ii) Ramalho Eanes (incentivou-me a ter gosto pela música clássica) (*);

(iii) Maria Eugénia (a nossa mãezinha e a célebre senhora tenente);

(ii) Silvério Dias (está encoberto o paizinho de todos nós, que era então, no meu tem+po, 1º sargento);

(iv) Dias Pinto (estava no mato, quando vinha a Bissau, colaborava nos noticários);

(v) Raul Durão (o 1º locutor do PFA);

(vi) José Manuel Barroso;  

(vii) João Paulo Diniz (um companheiro fraterno que me ajudou a soltar a voz sem medos)...

Em baixo:

(viii) Mário Feio, Júlio Montenegro (ensinou que a palavra é o corpo da rádio), Faride Magide (técnico do Emissor Regional e bom amigo a par do locutor Lopes Pereira que nunca mais ninguém ouviu falar dele), José Avelino, José Camacho Costa (a nossa amizade estendeu-se desde a adolescência no Colégio Nun'Álvares em Tomar até aos seus últimos dias de vida), Garcez Costa (aqui presente nesta narração) [, o último da direita].
_____________

Notas do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10561: O PIFAS de saudosa memória (16): Compactos de gravação, Parte II: excerto áudio de "Noite 7" (emissão especial aos sábados) (Garcez Costa, ex-fur mil, 1970/72, ex-radialista)

(*) Guiné 1969/71: (...) "Sob o comando de António de Spínola, trabalhando de perto com Otelo Saraiva de Carvalho, chefia o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, na Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica do comando-chefe. A imagem de Spínola acabará por marcá-lo decisivamente, havendo mesmo quem o considere um homem da 'entourage' do general, ou seja, um 'spinolista' " (...) (Fonte: Museu da Presidência).

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10561: O PIFAS de saudosa memória (16): Compactos de gravação, Parte II: excerto áudio de "Noite 7" (emissão especial aos sábados) (Garcez Costa, ex-fur mil, 1970/72, ex-radialista)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2011:

Queridos amigos,
“Alvorada em Abril” é um testemunho determinante para se entender o desencadeamento das operações que levaram ao derrube do antigo regime.
Otelo Saraiva de Carvalho rememora acontecimentos militares e descreve o que viu na Guiné, teatro de operações que teve um papel crucial na génese do Movimento dos Capitães.
A tal propósito, deixa-nos as suas impressões sobre os acontecimentos de 1970 a 1973, naturalmente controversos mas com uma importância soberana.

Um abraço do
Mário


Otelo Saraiva de Carvalho e a Guiné

Beja Santos

"Alvorada em Abril "é o título das memórias de uma figura lendária do 25 de Abril em torno da história portuguesa dos anos 50 aos anos 70, culminando com a concepção e execução do derrube do regime chefiado por Tomás e Caetano. Temos nestas memórias o que para ele foi determinante, no seu percurso pessoal e no seu modo de interpretar os acontecimentos contemporâneos, a génese e o triunfo do Movimento dos Capitães e como este desaguou no 25 de Abril ("Alvorada em Abril", Editorial Notícias, 4ª Edição, 1998). A sua terceira e última comissão foi na Guiné, pelo que tem todo o sentido fazer o registo das suas lembranças e observações.

Ele parte para a Guiné em Setembro de 1970 e logo recorda que se encontrava em Nova Lamego, em 22 de Novembro, quando soube da invasão da Guiné-Conacri. A notícia deixou-o estupefacto, ele que trabalhava em Bissau de nada sabia e acrescenta que posteriormente veio a saber que o assunto já era discutido pelas mulheres dos oficiais nos cabeleireiros da Baixa de Bissau antes de se ter realizado. Nessa noite, enquanto decorria a operação, houvera vigília em Bissau, Spínola aguardava ansioso das notícias da missão rodeado dos seus leais colaboradores, tenente-coronel Robin de Andrade, major Firmino Miguel e major Jorge Pereira da Costa. E adianta: "Ainda hoje desconheço quais seriam, exactamente, os objectivos da missão, mas parece não restarem dúvidas de que, entre eles, estariam os assassínios de Amílcar Cabral e de Sékou Touré, o silenciamento da Rádio Conacri, a destruição de sede do PAIGC, a destruição de aviões na base aérea local e a libertação de prisioneiros de guerra portugueses retidos nas prisões da cidade".

Dá-nos em água-forte um retrato de Spínola que culmina com uma apreciação corrosiva: "Medularmente vaidoso e autoritário, sempre o reconheci totalmente incapaz de se atribuir o mínimo erro ou de debitar a mais suave autocrítica. Sendo detentor da razão e da verdade absolutas, era com displicência e sem remorso que liquidava o bode expiatório escolhido para arcar com as responsabilidades de qualquer falhanço pessoal... demagogo em extremo nunca entendi com clareza se as qualidades que nele admirava era autênticas e humanas ou se cultivadas com esforço a fim de construir artificialmente uma personagem".

Descreve o seu trabalho no QG e alude mesmo o nome de oficiais milicianos, da extrema-direita, que mais tarde acompanharão Spínola na aventura do MDLP. Colocado na Subsecção de Operações Psicológicas, assistiu ao exibicionismo propagandístico é à construção de imagem que Spínola quis criar em Portugal e internacionalmente, o que ele procurava era sugerir um extraordinário surto de progresso na Guiné com a sua governação e minimizar os êxitos no combate do PAIGC. Narra peripécias com jornalistas internacionais, certames de propaganda, a realização de Congressos do Povo. Refere os efectivos militares, do lado português e os do PAIGC, as argumentações de aliciamento, de um lado e do outro. A narrativa não é cronológica, dá saltos, vai até ao futuro repentinamente, conta histórias passadas, de supetão. Está-se a falar da propaganda do PAIGC, seguem-se referência ao seu programa político, destaca-se a figura de Rafael Barbosa como agitador, que foi preso em Março de 1962, tendo permanecido encerrado num cubículo durante quase 8 anos, onde foi espancado e torturado. Em Agosto de 1969, Spínola ordenou que fosse libertado. Tempos mais tarde, Rafael Barbosa manifestará publicamente o seu arrependimento por ter aderido à luta armada. Em 1977, será julgado em Bissau pelo PAIGC pelo crime de traição ao partido e ao povo e ser-lhe-á comutada para 15 anos de prisão a pena de prisão perpétua a que fora inicialmente condenado.

Já em 1973, o autor descreve a chegada dos mísseis terra-ar Strella e depois depõe sobre o controverso "I Congresso dos Combatentes do Ultramar". Para Otelo, os organizadores eram antigos oficiais milicianos com ideologia de extrema-direita que garantiam publicamente ao regime a entrega devotada dos oficiais das Forças Armadas à nobre missão de, através da continuidade da guerra colonial, assegurar a perenidade da Pátria. Os oficiais do quadro ter-se-ão apercebido da essência da manobra e reagiram. Almeida Bruno terá sido quem mais actividade desenvolveu, promovendo uma resposta concertada. Para os oficiais na Guiné já não subsistiam dúvidas que o Governo procurava tirar dividendos da "entusiástica adesão dos patrióticos combatentes do Ultramar". E escreve: "Enquanto em Lisboa Ramalho Eanes, Hugo dos Santos, Vasco Lourenço e outros encabeçavam um vasto movimento de protesto, eram recolhidas na Guiné 400 assinaturas de oficiais do QP com a mesma intenção, subscrito em primeiro lugar por oficiais possuidores das mais elevadas condecorações”. O autor inscreve estes acontecimentos num processo mais vasto de descontentamento das Forças Armadas que veio a ser ateado pelo Decreto-Lei nº 353/73, nova peça da bola de neve que irá conduzir à queda do regime.

Passando para outro campo de considerações, Otelo de Saraiva de Carvalho fala dos acontecimentos de Guileje, em Maio de 1973, quando o major Coutinho e Lima mandou evacuar o aquartelamento, para tal escrevendo: "Para o major Coutinho e Lima o motivo era suficientemente forte: incontável número de flagelações da artilharia inimiga tinha destruído quase por completo as instalações aquartelamento e o moral do pessoal. Apesar dos pedidos insistentes e aflitivos, o apoio aéreo não fora concedido, no receio de que a acção fosse um chamariz para o abate de mais alguns aviões. Ao ter notícia da evacuação, Spínola não viu outra alternativa senão ordenar a prisão de Coutinho e Lima e mandar instaurar-lhe um auto de corpo de delito por crime essencialmente militar de cobardia: abandono de praça militar ao inimigo". É neste contexto que surge Manuel Monge, graduado em major, foi sobre os seus ombros que caiu a responsabilidade de aguentar a tragédia de Gadamael.

Estamos praticamente no final na sua narrativa referente à Guiné. Marcelo Caetano decidira, em 1972, apoiar a nomeação de Américo Tomás para novo mandato. Spínola considerava que gozava de alguns apoios muito influentes do panorama político e financeiro português (Azeredo Perdigão, Jorge de Melo, Manuel Vinhas, António Champalimaud). Em Agosto de 1973, Spínola regressa a Portugal, é promovido a general de 4 estrelas e nomeado vice-chefe do EMGFA. Spínola mudara, observa o autor. Fizera um longo, longo percurso, fora administrador e colaborador do boletim da Legião Portuguesa, no início da carreira; baseado na sua experiência guineense, sentia-se agora apto a defender o federalismo para contornar uma guerra não susceptível de ter solução militar.

Em Setembro de 1973, Otelo Saraiva de Carvalho participa pela última vez numa reunião do Movimento de Capitães, em Bissau. E escreve: "Exactamente três meses depois da minha chegada a Bissau seguirei para a metrópole em fim comissão. Recebo a incumbência de, em Lisboa, de me integrar no Movimento e ser o porta-voz das preocupações que assaltam os camaradas no TO da Guiné". Preocupações que ele desenha num quadro de tintas carregadas: é previsível que o PAIGC irá proclamar a independência do território. Nas reuniões do Movimento dos Capitães em embrião já se debate o que irá mudar com essa independência reconhecida pela ONU. E escreve: ”O Governo Central não proporcionará às Forças Armadas no TO da Guiné qualquer apoio, provocando a sua derrota calculada para as transformar em bode expiatório da perda da colónia como acontecera antes com o Estado da Índia, e canalizar todo o esforço militar para a defesa de Angola.”

E tece o seu comentário sobre o que se estaria a passar na mente de Marcelo Caetano:” Em entrevista concedida por Marcelo Caetano no Brasil, em 1977, a um jornalista português, o antigo Presidente do Conselho confirma que tencionava na verdade provocar a queda da Guiné através de uma derrota militar para, salvando a face do regime, reforçar a todo o custo a defesa de Angola por tempo ilimitado. Não posso acreditar que Spínola não estivesse perfeitamente consciente de todo este drama. Considero, pelo contrário, que essa seria a razão fundamental que o teria levado a não regressar para concluir o sexto ano do seu mandato. Ele não poderia nunca, após mais de cinco anos de intensa actividade desenvolvida na Guiné e que era para si motivo de orgulho e honraria, transformar-se no comandante-chefe de umas Forças Armadas enxovalhadas e derrotadas em consequência da ineficácia do regime.”
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8209: Notas de leitura (235): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1702: A guerra também se ganhava (ou perdia) nas ondas hertzianas (Helder Sousa, Centro de Escuta e de Radiolocalização, Bissau)

Guiné > Bissau > s/d > O Furriel Mil Trms TSF (Piche e Bissau, 1970/72). Junto ao cais... Depois de sete meses em Piche (junto ao BCAV 2922), passou o resto da comissão no Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné.



Guiné > Bissau > s/d [1970-1972] > O Helder Sousa no seu quarto em Bissau... Na parede, um poster (um pouco insólito) do Che Guevara, um ícone da juventude da época, mas também um grande amigo do PAIGC...

Fotos: © Helder Sousa (2007). Direitos reservados.

1. Texto do Helder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72) (1):

Caro Camarada Luís Graça:

Já tratei das formalidades junto do Vitor Junqueira, no sentido de lhe confirmar a minha intenção de estar presente no almoço/convívio/confraternização em Pombal, dando-lhe também conta de que levo um acompanhante e que escolhia a ementa B.

Já contactei também o Carlos Marques enviando-lhe uma foto actual, dando-lhe conta do contacto com o Vitor Junqueira e informando que o acompanhante é também um ex-camarada da Guiné, meu padrinho de casamento, ex-Furriel Miliciano de Transmissões TSF, Nélson Batalha, que esteve e foi ferido em Catió em Abril de 1971, que não está muito bem actualmente e que eu espero e acredito que este evento o venha marcar de forma positiva e revitalizadora.

Em anexo envio algumas fotos tiradas na Guiné que consegui recuperar (não estão grande coisa, mas foi o que consegui) e uma foto actual.

Aproveito agora para dar mais algumas informações sobre mim e sobre a minha estadia na Guiné, utilizando alguma coisa que já enviei ao António Abreu.

Assim, para além daquilo que já indiquei, que me chamo Hélder Valério de Sousa, que vivo em Setúbal, que fui Furriel Miliciano de Transmissões TSF do STM, tenho o n.º de telemóvel 93 202 56 20 e o endereço de mail soushelder@gmail.com , que sou um atento e interessado leitor do blogue e agora já também membro da nossa Tertúlia, com cujos estatutos concordo...

Acrescento que nasci em Outubro de 1948 em Vale da Pinta (Cartaxo), vivi e fui formado nas várias escolas que Vila Franca de Xira proporcionava aos seus e fui para a Guiné aonde cheguei em 9 de Novembro de 1970. Para fazer juz àquela expressão que algumas vezes encontramos de qualquer coisa e um dia, também tive a aplicação prática da mesma que se traduziu pelo facto de ter regressado em 10 de Novembro de 1972, ou sejam 24 meses e um dia.

Fui em rendição individual embora do meu curso de transmissões STM fossemos 7 em simultâneo: 3 fomos no Ambrizete e os outros no Carvalho Araújo, ao que me lembro numa viagem atribulada.

Nós os três do Ambrizete (eu e os Fur Mil de Trms Nélson Batalha e Manuel Martinho Martins) chegámos um dia antes e, como era sabido, a velhice contava..... Curiosamente andou sempre à volta do S. Martinho. Para lá levei os ingredientes necessários para alguns conterrâneos (agora vivo em Setúbal mas à data vivia em Vila Franca de Xira) poderem fazer a festa e quando cheguei de volta de vez foi exactamente para entrar nessa comemoração.

Dadas as condições específicas da especialidade (TSF), fiquei algumas semanas em Bissau, em formação para adaptação às condições de exploração dos postos, tendo acabado por ir parar a Piche (então sede do BCAV 2922, do qual não tenho encontrado nada que refira encontros), tendo andado por lá do início de Dezembro de 1970 ao final de Maio de 1971. A partir dessa data fui para Bissau integrar o Centro de Escuta que era uma das jóias do então criado Agrupamento de Transmissões.
Guiné > Algures > S/d [1970-1972] O Helder Sousa em trabalho de radiolocalização...

Foto: © Helder Sousa (2007). Direitos reservados.



Aí participei na escuta e gravação permanente às rádios dos países vizinhos (Senegal e Guiné-Conakry) bem como dos noticiários em língua francesa para África da BBC e da ORTF:

(i) enviando o resultado (fitas gravadas) para a ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica) onde pontificava Ramalho Eanes (o cara de pau, como lhe chamávamos, devido ao seu semblante sempre sério e severo) (2);

(ii) fazendo os empastelamentos às emissões de rádio do PAIGC (não eramos a única entidade, tínhamos algumas frequências a nosso cargo);

(iii) fazendo pesquisa das comunicações de telex dos países vizinhos;

(iv) enviando para o ar as emissões gravadas da Voz Livre da Guiné da Frente de Libertação Nacional da República da Guiné (Conakry);

(v) fazendo a escuta e intersepção das comunicações rádio (fonia, poucas, grafia principalmente) do PAIGC;

(vi) registando os teletextos de várias agência noticiosas (MAP, APS, MENA, FrancePress, etc., as quais eram de registo obrigatório, e de outras que íamos pesquisando);

(vii) produzindo acções de radiolocalização; contribuindo com notícias (recolhidas das agências noticiosas...) para uma comunicação chamada Presse Lusitana, salvo erro.

Como se vê, muita actividade, sem dúvida interessante, mas longe da guerra mais dura. Por isso não tenho muitas histórias para contar que possam aproximar-se sequer daquelas que tão bem têm sido retratadas pelos nossos tertulianos, dando-nos conta das angústias, dos medos, da coragem, do altruísmo, da camaradagem, até também de coisas menos próprias, por vezes com tanta intensidade e realismo que nos fazem reviver esses climas e nos transportam para esses locais e ambientes.

Prometo que irei buscar ao meu baú de memórias algumas coisas para partilhar com a Tertúlia (porque, apesar de tudo, também tenho alguns epidódios que merecem ser relembrados) mas ficarão para depois do nosso encontro, pois espero que ele também me sirva para reavivar nomes (os nomes, principalmente, vão ficando nublados...) e ordenar acontecimentos e datas para não dar indicações erradas.

Um grande abraço e até breve!

Hélder Sousa

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

(...) "Chamo-me Hélder Valério de Sousa, vivo actualmente em Setúbal, fui Furriel Miliciano de Transmissões, do STM, cumprindo a comissão de serviço na Guiné entre 9 de Novembro de 1970 e 10 de Novembro de 1972, tendo estado cerca 7 meses em Piche (contemporâneo do BCAV 2922) e o resto da comissão ao serviço do Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné.


(2) Além de Ramalho Eanes, na REP.ACAP (Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica), chefiada pelo então major Lemos Pires, trabalhava também, na época, o Cap Otelo Saraiva de Carvalho, então na sua 3ª comissão se serviço no Ultramar... Vd. Autobiografia de Otelo, publicada esta semana no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 954, de 25 de Abril/8 de Maio de 2007.

(...) "Nela foi meu subordinado um 1º cabo com piada, chamado Camacho Costa, que me acompanhou numa tournée que promovi pela Guiné como militares-artistas ali em serviço, fazendo ele a apresentação e a locução dos espectáculos. E para a repartição recrutei um outro 1º cabo em serviço, como escriturário, no Batalhão de Engenharia de Bissalanca e que eu soube fazer locução de profissão na vida civil. Chamava-se João Paulo Dinis, e pouco tempo depois,seria por mim de novo recrutado para o desempenho de importante missão na noite de 24 de Abril de 74" (...)(Excertos de: Autobiografia - Otelo Sariava de Caravalho: Era uma vez um português de 2ª classe. In: JL, 25 de Abril/8 de Maio de 2007, p. 7). (Negritos do editor do blogue).