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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)


Guiné > 1970 > s/l > Algures, numa enfermaria do mato, um guerrilheiro do PAIGC ferido, em tratamento. Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro, nascido em 1942, que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. É hoje um vulgaríssimo fotógrafo comercial, mas contnua  manter,   na sua página na Net, na sua galeria, esta e outras fotos que documentam bem a dura realidade da vida dos guerrilheiros do PAIGC e da população sob o seu controlo,

Título da imagem em húngaro: "0076_Bara Istvan_Sebesult PAIGC harcos, Guinea Bissau_1970.jpg",,,

Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos em tempos contactá-lo por e-mail, mas nunca recebemos resposta, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria > Guiné-Bissau (com a devida vénia / with our best wishes...)


1. Terceira parte das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo, e enviadas a 28 de junho último. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue.  Reproduzimos aqui a sua mensagem que serve de introdução:

Caros tertulianos:  apresento-vos o terceiro de quatro fragmentos em que foi dividida a publicação, no nosso blogue, da entrevista ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, médico do primeiro grupo de nove clínicos cubanos chegados em junho de 1966 à Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau], para apoiarem o PAIGC na sua luta pela independência [, o outro lado do combate]. 

Trata-se de um trabalho realizado pelo jornalista e investigador cubano Hedelberto López Blanch e que consta no seu livro, escrito em castelhano, com o título «Historias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível na Net em versão preliminar, em formato pdf .

No que concerne aos clínicos que cumpriram a sua missão na Guiné são três as entrevistas publicadas nesse livro, cada uma delas relatando algumas das suas experiências, vividas na primeira pessoa por cada um deles, a saber: (i) Domingo Diaz Delgado (médico-cirurgião); (ii)  Amado Alfonso Delgado (médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia); e (iii) Virgílio Camacho Duverger (médico militar, especialista em cirurgia geral). 

O conteúdo de cada fragmento respeita aquela ordem, assim como a estrutura dos guiões utilizados pelo autor nas três entrevistas.

Porque se trata de uma tradução e adaptação para português, não farei juízos de valor sobre os diferentes depoimentos, apenas colocando entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento socio-histórico ao que foi transmitido com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos deste blogue (e, nalguns casos, da própria publicação, ou da versão disponúivel em formato pdf).


[Foto à esquerda:

 O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo:  (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2. O CASO DO CIRURGIÃO DOMINGO DIAZ DELGADO - Parte III

Para melhor compreensão da contextualização deste 3.º fragmento, referente ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, sugere-se a leitura dos P16224  e P16234 (*): o primeiro relacionado com a preparação para a missão africana, viagem e inclusão na estrutura do PAIGC; o segundo de explicação/caracterização da paleta de actividades clínicas presentes no quotidiano de um médico naquela guerra de guerrilha, das condições logísticas vividas em bases improvisadas, provisórias e de parcos recursos, ora socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora cuidando das maleitas apresentadas pela população sob o seu controlo.

Em função dos itinerários percorridos a pé por Domingo Diaz, no interior do território da Guiné durante os primeiros seis meses da sua missão [2.º semestre de 1966], este teve a oportunidade de conhecer quase todas as bases do Norte, como sejam os casos de Liador, Sambuia, Naga, Maqué, Morés e Sará.

Considerando este facto, um militar das NT, cuja identidade se desconhece e utilizando uma cópia do mapa da Guiné existente à época, assinalou em 1968 a localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas.

Dando conta desse levantamento, reproduzimos abaixo uma dupla imagem: o original retirado do P14391 e a cópia extraída do livro de Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131, com a devida vénia. [ O Renato Monteiro é membro da nossa Tabanca Grande e passou pelo Xime e Enxalé,  ao tempo da CART 2520,  em 1970, sítios por onde também passarei dois anos depois...]



Mapa da Guiné (original e cópia). A cópia refere-se à localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas, elaborado por militar das NT em 1968, e encontrado um ano depois num dos aquartelamentos no interior do território.

Fonte: Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131. (Com a devida vénia...)

Continuação da entrevista com Diaz Delgado (no docuemto em pdf, a que tivemos acesso, as páginas não estão numeradas. mas o total da entrevuista corresponde, no pdf, ao cap X (pp. 65/78). O Diaz Delgado regressou a Cuba em janeiro de 1968.

Para ligar o presente texto com o anterior,  a questão n.º 17 (xvii, na nossa rnumeração romana) foi repetida. Tradução, fixação de texto, negritos,  itálicos e realces a cor são da nossa responsabilidade bem como todas as notas em parênteses retos.

Este documento merece ser conhecido e parcialmemte partilhado com os nossos leitores, e em especial os camaradas e amigos da Guiné.

Cuba terá mandado cerca de 60 "voluntários internacionalistas" para apoiar a luta do PAIGC, entre 1966 e 1974 (entre os quais 9 ou 10 médicos).  A mortalidade foi elevada (cerca de 15%), apesar das grandes preocupações de Amílcar Cabral com a sua segurança. Conhecemos pelo menos os nomes de 9 combatentes "internacionalistas cubanos" mortos ao lado dos guerrilheiros do PAIGC:  tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González...

O primeiro a tombar em combate foi Félix Barriento Laporte, em 2 deJulho de 1967, no ataque ao quartel de Beli, a nordeste de Madina do Boé. 


(xvii) Tem outras memórias da estadia 
em Sará?

Um dia, pela madrugada, chegou à nossa tabanca (assim se chamam as aldeias ali, nas quais existem várias construções que podem ser 7, 8 ou 10) um miúdo que se chamava Kumba [imagem ao lado, a ser assistido pelo cirurgião Domingo Diaz], com aproximadamente quatro anos. Estava em boas condições gerais, mas com uma grande ferida na perna direita onde se tinha lesionado, vendo-se o osso e as artérias, pois foi na face anterior. Impressionou-me o estado anímico em que chegou, com naturalidade, sem uma lágrima, nem um sinal de dor.

(…) Foi tratado pelo ortopedista Teudi Ojeda e por mim. (…) Durante o tratamento sem anestesia, Kumba manteve-se igual, sem uma lágrima e sem manifestar dor. A esta situação já nos tínhamos habituado particularmente na população adulta.




(xviii) A que se deve essa resistência?

Creio que é um problema de cultura, de formação, das condições duras que se vive naquele país. Por uma razão de formação e de valentia, os habitantes desta parte de África controlam e resistem à dor. Fizemos operações de abdómem sem anestesia a pacientes conscientes, que não se queixaram. Isto também acontece nos países asiáticos como o Vietname. Doentes com uma perna partida são tratados e não expressam a dor. Resistem. Guardo uma foto de Kumba, quando o tratámos no acampamento,




(xix) Quantas cirurgias realizou 
nesse tempo?

A frio realizei umas quantas, em patologias que necessitavam como hérnias, inguinais, umbilicais, enguino-escrotais. Operei umas vinte hérnias com anestesia elementar que me proporcionava o doutor Pedro Labarrere, o clínico que às vezes fugia da anestesia, porque o sistema chamado éter rainha ou éter gota-a-gota, que se realiza primeiro com uma indução de cloro de etilo para que o paciente perca a consciência rapidamente e depois se aplicava o éter gota-a-gota. Este tipo de anestesia, que inclusivamente, nessa época, era muito frequente nos hospitais de Havana, provocava muita secreção, e depois teríamos de lhes dar atropina por administração parental, para a diminuir.

Não tivemos nenhuma complicação, mesmo sem a administração de antibióticos. Nesta região, por estarem virgens os organismos dos seus habitantes, com uma dose mínima de antibiótico se pode controlar facilmente qualquer infecção. Também vimos doentes com hérnias sujas que não se infectavam e que no início não o entendíamos.

A isto se adiciona o clima desfavorável com um calor insuportável no verão [, estação das chuvas], embora no inverno [, estação seca,] fizesse bastante frio. Apesar do grande calor, as feridas não se infectam. Esta situação era-nos favorável, porque a quantidade de antibióticos que dispúnhamos era mínima e vinham do exterior, com as consequentes dificuldades de transporte, uma vez que em Sará estávamos a cinco dias de caminho até à fronteira com o Senegal, cujo governo não ajudava a guerrilha do PAIGC, tornando muito complicada a obtenção de medicamentos através desta via.

Inclusivamente transportar guerrilheiros feridos para o Senegal era um problema e muitas vezes havia que fazer um grande percurso por terra, contornando toda a fronteira até chegar a Koundara, no Norte da República da Guiné, para depois os levarmos a Conacri, onde recebiam o apoio médico. No total, entre o ortopedista e eu, realizámos umas cento e cinquenta operações a civis e militares, incluindo hérnias, feridas de balas, fracturas e outras urgências.



(xx) Quando deixou o bigrupo? 

Com o bigrupo continuei a acompanhá-lo permanentemente pela Zona Norte, mas mais tarde comecei a ter vários problemas importantes de saúde como paludismo crónico, viroses, e uma lesão infiltrativa tuberculosa. Por essa razão o chefe da missão, que naquela altura era já o comandante Víctor Dreke (Moja), decidiu retirar-me até ao meu restabelecimento total.

Mas antes da saída e ainda na base de Sambuiá  [,  Zambulla, no original], quase todos os dias as tropas portuguesas nos atacavam com morteiros e canhões que caíam muito perto de nós. Essa base portuguesa ficava somente a quinze minutos a pé. Mas uma noite notámos que as canhoadas caíam mais longe, passando-nos por cima e sentindo o som, caindo muito mais longe. Eu estava com o chefe do grupo da Frente Norte, o tenente Alfonso Pérez Morales (Pina), surgindo-nos a dúvida de que estas canhoadas tão longe queriam dizer que as tropas estavam avançando por terra para nos surpreender. Esta nossa percepção estava certa, uma vez que pelas quatro da manhã uma companhia constituída por portugueses e naturais começaram o ataque.

Por sorte, os primeiros tiros foram do nosso lado, na sequência de uma ronda que estava a ser feita por dois guerrilheiros que, ao detectarem a presença do inimigo,  reagiram e acabaram por matar o comandante da companhia. [Possível referência à Op Cacau, em 4/6/1967, em que morreu o cap inf José Jerónimo da Silva Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585, na região de Bricama (Farim), no dia em que fazia 25 anos, se bem que o médico cubano refira outra data, março de 1967, quando foi a seguir evacuado para Conacri com paludismo,, regressando ao fimd e 3 meses: no período em que o Diaz Delgado esteve na Guiné,  na frente norte, entre agosto de 1966 e janeiro de 1968, não temos informação de mais nenhum comandante de companhia morto em combate numa operação] (**).

Por outro lado, as tropas portuguesas reagiram ao fogo e praticamente devastaram todas as palhotas da base, onde conviviam os guerrilheiros com a respectiva população. Só tive tempo, pois ouvia a fala dos atacantes, de dar uma volta à minha cama (recordo que estava com uma crise de paludismo) e rastejar até desaparecer no meio das explosões das granadas de morteiro e dos disparos. Aquilo transformara-se num inferno.

Mas, como quase sempre sucedia, quando havia tiros de resposta, não avançavam, pois não estavam dispostos a combater. Esta base era dirigida por Campané, um homem muito valente e que se bateu com afinco detendo o ataque. Certo é que, se [as tropas portuguesas] têm avançado,  não teria ficado nada.

Na rectaguarda do acampamento passava um rio no qual entrei com água pela cintura cerca de três horas, embora as balas me passassem por cima. De qualquer maneira mantinha a pistola, pois o meu desejo era de nunca ficar prisioneiro.

Posteriormente começaram a sobrevoar a zona alguns helicópteros, baixando para recolher os mortos e os feridos. Passava do meio-dia, regressei à base que estava completamente destruída e não pude recuperar nenhum dos meus bens, nem tampouco os ténis. Este tipo de calçado era mais aconselhável para aquele contexto, pois como tínhamos de atravessar muitos rios e riachos, secavam mais rápido que as botas e eram mais leves.




Guiné > Região do Cacheu e região do Oio > Os nossos aquartelamentos junto à fronteira com o Senegal e a Frente (do PAIGC) São Domingos / sambuiá. Fonte: SUPINTREP nº 31, fevereiro de 1971.


(xxi) Quando saiu para a República da Guiné?

No dia seguinte ao do ataque a Sambuiá,  inicio a viagem pelo mesmo caminho por onde tinha entrado havia oito meses [a povoação de Yiriban, rumo a Ziguinchor]. Isto aconteceu em março de 1967. Volto a Conacri onde permaneci cerca de três meses em recuperação. O comandante Víctor Dreke, que era o chefe da missão militar cubana, deu-me um apoio muito bom.



(xxii) Recorda outros factos interessantes da sua primeira etapa no norte da Guiné-Bissau?

Tenho muitos para contar. Por exemplo, nas primeiras caminhadas que fiz perdi todas as unhas dos dedos dos pés. Ficaram pretas e caíram porque não estava preparado para esse desempenho, uma vez que os pés se mantinham quase todo o tempo húmidos e as travessias eram intermináveis. Depois de ter perdido peso, e com o treino diário, consegui ter mais resistência. Fiquei tão fraco que parecia uma “corda de violino”. Mas fiquei com o hábito de andar e em Cuba percorro cinco quilómetros todos os dias.

Noutra ocasião, quando me encontrava na base de Liador, também no Norte, recebi uma mensagem num pequeno papel escrito por Francisco Mendes,  um dos chefes militares da zona a quem chamavam de Chico Mendes ou Chico Té. Ele, atraído pelo triunfo da Revolução, foi o primeiro presidente da Assembleia do Poder Popular desse país e morreu depois num acidente. Nesse papel solicitava-me que fosse ver uma mulher que estava com sinal de parto e em dificuldade de parir.

Essa noite saí com outro companheiro e um guia até uma aldeia um pouco distante e nos perdemos. No trajecto cruzamos dois corredores com muito cuidado e com a arma na mão, pois por ali passavam regularmente viaturas com portugueses. Quando chegámos, encontramos uma mulher aparentando uns vinte e quatro anos (e com aquela idade era quase uma velha pois a esperança de vida, naquela época, era de quarenta anos). Estava no chão, rodeada de galinhas e uns porquitos e já havia parido um dos bebés, pois tinha gémeos.

Eu tinha bastante experiência em partos, porque durante a minha carreira fiz as práticas no Hospital da Maternidade Obrera [Operária], aonde realizei mais de uma centena. Como este bebé se encontrava emperrado, sabia que devia introduzir a mão para o retirar. Ao ver que o bebé estava em boa posição,  lá o conseguir extrair sem problemas.

A mãe tinha feito um quadro psiquiátrico e que me pareceu ter contraído tétano. Começou por dizer que o primeiro filho não era seu, mas só o segundo, e queria matar o primeiro, no que foi impedida pelos seus familiares. 

No entanto, administrei-lhe dez milhões de penicilina nos dias seguintes e o trismo, que é a contracção da mandíbula que se vê nos tétanos, cedeu. Ela sobreviveu, embora mantendo o quadro psiquiátrico.

Continua.
 ____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriors:

22 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16224: Notas de leitura (850): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte I: a partida de La Habana e os primeiros contactos com o PAIGC (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (851): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

(**) Vd. postes de:

24 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

sábado, 21 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14394: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (10) - Reportagens da Época (1967): Operação Cernelha

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 17 de Março de 2015:

Braga, 15/03/2015Prezado Luís Graça:
Envio mais alguns dados, de vivências da Guiné, após sobre os mesmos terem passado 47 anos.

Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves



MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)   
REPORTAGENS DA ÉPOCA

10 - Operação Cernelha

Binta, 17/03/1967

São 15 horas. O Sol queima. A estrada até Guidage vai desfazer-se em pó.
Sinto medo.
A operação é arriscada.
Mesmo assim vou.
Todos vamos.

Em mim o temor e a esperança quase se confundem. Mas vou. Melhor, vamos.

Pouco depois das quatro horas da tarde a coluna partiu rumo a Guidage. O destino final chama-se Sambuiá.
 
Às dezoito horas chegou-se ao destacamento de Guidage.

Às 24, iniciou-se a marcha para o objectivo, seguindo pela estrada que vai por Facã, rumo à base turra de Sambuiá.
 
É a operação “Cernelha” que está em marcha.

Isto, de facto, não passa de uma tourada. De uma tourada que se repete muitas vezes, mas onde não se percebe muito bem quem são os touros, e quem são os toureiros. É que, às vezes, fica-me a sensação de que desempenhamos aqui um duplo papel: conforme as circunstâncias, tanto toureamos, como até somos toureados.


Dia 18

Pelas três da madrugada, entre Facã e a estrada de Bigene, fizemos uma pequena paragem para descansar.

A essa hora a artilharia de Bigene começou de novo a bombardear a zona onde ao amanhecer deveríamos actuar.

Mete impressão, durante o silêncio da madrugada, só quebrado pela voz da fauna selvagem, o ruído causado pelo detonar das granadas, que deixa, por breves momentos, um silêncio soturno e breve instalar-se em todo este mundo naturalmente belo, e bom.

Até os habitantes da selva sofrem com a guerra, que não respeita os seus habitats naturais, e o sossego de que deveriam beneficiar.

Após o rebentamento de cada granada, que as peças de artilharia disparam, cai sobre a selva um silêncio soturno, enorme, como que de protesto contra esta agressão, de que a própria natureza é vítima.

Pelas três e meia prosseguimos a marcha. Pelas quatro, atravessámos a estrada de Bigene.
Pelas cinco horas passou-se a ocidente da antiga tabanca de Sambuiá. Às seis horas atacou-se o objectivo.

Posições relativas de Binta / Guidage / Sambuiá

O fogo foi intenso, e prolongado. Durante cerca de meia hora as nossas armas, e as deles, dispararam um pouco ao acaso, orientadas mais pelo ruído dos tiros do adversário, do que pela localização de um objectivo concreto. Foi uma tempestade de tiros de armas ligeiras, de granadas de morteiro, de bazookadas e roketadas.

E não se conseguiu entrar na base do inimigo. Os gajos têm, ao que parece, abrigos subterrâneos, o que lhes permite uma boa defesa. Para além disso, ninguém conhece muito bem a localização da base.
Por certo que o local onde nos barraram a passagem com fogo bem conduzido e certeiro, está ainda a uma considerável distância do local onde pretendíamos chegar.

Só uma coluna de blindados teria condições para avançar no terreno, e conseguir alguns resultados, sem ficar sujeita a sofrer muitas baixas humanas. Porém, aqui, os únicos blindados que temos são feitos de carne e osso. Um material tão precioso quanto vulnerável.

As nossas forças sofreram dois mortos, pertencentes à milícia de Binta, e vários feridos, um dos quais com bastante gravidade. Os feridos pertenciam aos “roncos” de Farim.

Durante a retirada, quando fazíamos com paus, e folhas de palmeira, macas para melhor transportar os feridos e os mortos, detectámos uma emboscada dos gajos. Conseguimos abrir fogo primeiro do que eles, e não tivemos qualquer azar.

Pouco depois das nove horas fomos sobrevoados por uma avioneta. Era o comandante que, como de costume nestas ocasiões, vinha dirigir lá de cima os acontecimentos. Pelas dez horas apareceram os bombardeiros, a escoltar os helicópteros que vinham evacuar os feridos e os mortos.

Chegaram depois de estarmos à volta de quatro horas à espera deles. Se por acaso tivéssemos necessitado de apoio aéreo para sair do local onde se iniciou o ataque, bem tramados estávamos. O apoio aéreo é eficaz e moralizador para as tropas terrestres. Porém, raras vezes aparece a tempo e horas, nos locais onde faz falta.

O regresso a Binta fez-se pela estrada que segue de Bigene para Farim. Atravessou-se, a pé, o rio Sambuiá, dado que a ponte que era de madeira foi queimada, já lá vai muito tempo.
Junto à ponte de Boborim estavam as viaturas à nossa espera.

Esta operação, em que participaram as companhias 1546, 1547, 1585 e os “Roncos” de Farim, apenas deu porrada para a nossa Companhia, e para os “Roncos” que seguiam integrados na nossa unidade.

Logo que cheguei a Binta, apesar de fatigado, ainda fui sobrevoar Sambuiá, de avioneta, em missão de reconhecimento.

Mais uma vez fui e regressei.

Enquanto isto acontecer, todos os sacrifícios, e todos os riscos, serão sempre pequenos.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14361: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (9): Golpe de mão à casa de mato de Mampatás

sábado, 14 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14361: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (9) - Reportagens da Época (1967): Golpe de mão à casa de mato de Mampatás

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 10 de Março de 2015:

Braga,10/03/2015
Prezado Luís Graça:
Votos de boa saúde.
Depois, tomo a liberdade de enviar mais um pequeno têxto, que poderá ser publicado.

Um abraço amigo do
Domingos Gonçalves


MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)   
REPORTAGENS DA ÉPOCA

9 - Golpe de mão à casa de mato de Mampatás

Binta, 13/03/1967

De tarde, por volta das quatro horas, partiu rumo a Guidage uma coluna de viaturas, transportando dois grupos de combate da minha Companhia, sendo um, o meu, a milícia de Binta, e os “Roncos” de Farim. Lentamente, sob um sol maldito, envoltas em nuvens de pó, as viaturas levaram-nos até cerca de dois quilómetros de Guidage. Aí, na margem da estrada, ficámos à espera que a noite chegasse, enquanto as viaturas, escoltadas por um pelotão de morteiros, regressavam a Farim.
A população de Guidage não podia saber, antes do anoitecer, da nossa passagem pela localidade. Quando anoiteceu iniciámos, a pé, a marcha para Guidage.

No destacamento, comeu-se alguma coisa, planeou-se a operação, interrogou-se o guia e, pouco depois das 23 horas, iniciou-se a marcha para o objectivo, constituído pela casa de mato de Mampatás, situada a sul de Jeribâ, dentro do nosso território, a cerca de 200 metros da fronteira com o Senegal.

Dia 14

A marcha para o objectivo fez-se sem problemas, sempre pelo território senegalês,

Cerca das cinco horas e meia, a vanguarda da nossa força atingiu o objectivo. Abriu-se violento fogo sobre o mesmo e queimou-se tudo quanto havia para queimar. Capturaram-se três armas, entre as quais uma FBP portuguesa, bastantes munições, granadas de mão, fardas, livros de instrução do PAIGC, etc.
Estou convencido de que não se destruiu Mampatás, mas apenas uma pequena parte do acampamento inimigo, na periferia do mesmo.

Houve mortos confirmados, sem contar com duas mulheres, que terão morrido queimadas.
Por certo que havia lá, também, crianças (?) inocentes, que não têm nada a ver com isto, e que terão morrido queimadas.
É complicado, e difícil viver no meio desta guerra, onde muitas vezes a guerrilha se mistura com a população, ou se confunde com ela.

A retirada do local iniciou-se no meio de alguma confusão, como acontece quase sempre nestas situações.

A cerca de 500 metros esperava-nos uma emboscada dos gajos, que entretanto se tinham reorganizado. Eles fizeram algumas rajadas de armas ligeiras sobre a nossa força, mas sem consequências graves.

Quando já estávamos a uma distância razoável do objectivo, ele começou a ser bombardeado pela artilharia, a partir de Bigene. No ataque sofremos dois feridos, entre os quais o guia, um prisioneiro, que levou um tiro nas costas, e um Cabo da Companhia 1546.

O regresso a Guidage fez-se, também, por território do Senegal.

Pelas onze horas atingimos Guidage, onde se deslocaram dois helicópteros, para transportar os feridos para Bissau.

Depois iniciou-se a viagem de regresso a Binta.

Pelas oito horas da noite a artilharia de Bigene começou a bombardear a área de Sambuiá.

À noite, os furriéis, e bastantes soldados, andaram pelos domínios de Baco. Foi uma noite de bebedeiras. No fim de uma operação como a de hoje, talvez não haja nada melhor do que uma bebedeira para retemperar as forças, e esquecer o que se viu, e o que se ajudou a fazer. Directamente, os homens da Companhia até não fizeram nada de especial.
O grupo de assalto era, como quase sempre, constituído por tropa nativa. Eles são duros, aguerridos e destemidos. Mas, às vezes, também são demasiado selvagens.
Eles actuam sob as nossas ordens. Cumprem os objectivos que lhes traçamos. Vão onde os mandamos. E quando se chega a um local como o de Mampatás, ou qualquer outro do género, apenas há duas hipóteses: ou se incendeia, se mata, e se foge, ou se cai, e se fica no local, na trajectória dos tiros que o inimigo dispara, ou de qualquer estilhaço de granada, que o acaso faça explodir perto de nós.
Mas, os comandos nativos também são motivados, muitas vezes, pela ideia de saque.

Eles transportam com eles tudo quanto conseguem apanhar. O interesse nos bens abandonados pelos guerrilheiros mortos, ou em fuga, não deixa de ser para eles, e quase sempre, uma forte motivação.
Trata-se, geralmente, de despojos de guerra sem grande interesse material, pelo menos para nós, europeus. Mas para esta gente, habituada a um nível de vida muito baixo, sem padrões de consumo mínimos, as coisas mais insignificantes revestem-se de importância significativa.
Apressadamente, no fim do assalto aos acampamentos, ou bases terroristas, eles passam revista ao campo de batalha e transportam tudo o que podem.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14239: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (8): Guidaje 1967 - 10 de Fevereiro, ataque a Guidaje

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11879 Os nossos enfermeiros (10): Tenho uma dívida de gratidão para com o fur mil enf Moita, da CART 1745, que tratou do corpo do meu infeliz 1º cabo enf Louro, o João Batista da Silva, o Louro, natural de Louro, Vila Nova de Famalicão, morto em combate em 21/9/1968, em Talicó, Sambuiá (Adriano Moreira)

Guiné > Região do Cacheu > Barro > CART 2412 (1968/70) > Pormenor onumento erigido à memória do 1º cabo enf João Batista da Silva, o Louro,  e que foi destruído a seguir à independência.

Fotos (e legenda): © Afonso M.F. Sousa (2006). Todos os direitos reservados.

1. Comentário do Adriano Moreiro (nome de guerra, Admor), com data de hoje, ao poste P11869

Agora digo eu: Porra Armando, Porra Luís!

Depois do Armando atirar aos olhos de toda a gente o nosso prestimoso e insignificante papel de enfermeiros e até de médicos nestas situações, ainda vem o Luís atirar-me aos olhos com o antigo poste do meu camarada Afonso Sousa e com o monumento lapidar do meu melhor e infeliz cabo enfermeiro,  morto numa emboscada em Talicó, Sambuiá [, vd. carta de Binta],  pelos guerrilheiros do PAIGC,  passado cerca de mês e meio de termos chegado à Guiné.

Sabem o que eu vejo naquele monumento erigido à sua memória? A cabeça do Louro,  só presa ao corpo pela cervical, quase decepada.

Sabem como o nosso malogrado camarada se chamava? JOÃO BAPTISTA da Silva [, de alcunha, Louro]

Só não acabo aqui o meu comentário, porque tenho uma dívida de gratidão muito grande em relação ao corpo de enfermeiros da CART 1745.(**)

O meu camarada Fur Enf Moita viu como eu estava e só me disse estas palavras:
─ Moreira vai para o bar ou para onde quiseres, eu e os meus enfermeiros vamos tratar do Louro e, quando ele estiver pronto,  eu mando-te chamar,  a ti e aos teus enfermeiros

E realmente assim se cumpriu. Foi uma autêntica escritura. Ainda bem que eu não tive de fazer o mesmo por mais ningúem.

Eu depois volto. (***)

Um grande abraço para todos.

Adriano Moreira
ex-fur mil enf, 
CART 2412, 
Bigene, Binta, Guidaje e Barro, 
1968/70
 ________________

Notas do editor:

(*) O João Batista da Silva era natural de Gandra, Louro, Vila Nova de Famalicão; 1º cabo enf, CART 2412, foi morto em combate em 21/9/1968. Está sepultado no cemitério da sau freguesia natal, Louro, concelho de Vila Nova de Famalicão.

(**) Unidades que passaram por Barro (nota de A. Marques Lopes)

(...) Companhia de Artilharia n.° 2412

Divisa: "Sempre Diferentes"

Partida: Embarque em 11 de Agosto de 1968; desembarque em 16 de Agosto de 1968;
Regresso: Embarque em de 4 de Maio de 1970

Síntese da Actividade Operacional

Em 28 de Agosto de 1968, seguiu para Bigene, a fim de efectuar o treino operacional com a CART 1745, sob orientação do COP 3 e seguidamente actuar nesta zona de acção em operações realizadas nas regiões de Talicó [, carta de Binta,]  e Farajanto [, carta de Bigene], entre outras.

Em 14 de Outubro de 1968, rendendo a CART 1648, assumiu a responsabilidade do subsector de Binta, com um pelotão destacado em Guidage, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 3. Em 17 de Outubro de 1968, a sede do subsector passou para Guidaje, ficando então com dois pelotões destacados em Binta, sendo a subunidade especialmente orientada para a contrapenetração no corredor de Sambuiá; a partir de 8 de Fevereiro de 1969, após troca de sectores, passou à dependência do BCAÇ 1932.

Em 9 de Março de 1969, por troca com a CCaç 3, assumiu a responsabilidade do subsector de Barro, ainda com um pelotão em Binta em reforço da guarnição local até finais de Abril, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1932, mas agora orientada para a contrapenetração nos corredores de Canja e Sano; em 1 de Agosto de 1969, após novo reajustamento das zonas de acção dos sectores, passou à dependência do BCAV 2876 até 7 de Fevereiro de 1970, data em que o subsector de Barro foi incluído na zona de acção do COP 3.

Após deslocamento de dois pelotões para Bissau, em 17 de Abril de 1970, a fim de substituírem, transitoriamente, a CART 2411 no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área, foi rendida no subsector de Barro pela CCAÇ 2725 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. (...)

(***) Último poste da série > 24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11866: Os nossos enfermeiros (9): No caso dos furriéis enfermeiros iam para a Escola do Serviço de Saúde Militar, em Campo de Ourique, tirar o seu curso de enfermagem do qual faziam parte as seguintes disciplinas: Primeiros Socorros, Enfermagem, Profilaxia Tropical, Higiene, Guerra Química e Táctica Sanitária (Adriano Moreira, ex-fur mil enf , CART 2412, Bigene, Binta, Guidaje e Barro, 1968/70)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5534: Histórias do Eduardo Campos (1): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 1): Do Cacheu ao Cantanhez


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos em 22 de Dezembro, a primeira da sua série de histórias que nos prometeu ir enviando nos próximas dias.

Camaradas,

Depois de ler com muita assiduidade as histórias que diariamente são publicadas no Blogue e tendo eu também algo para contar, sob a minha passagem pela Guiné, chegou a hora de compartilhar convosco algum do material guardado no “disco duro” da minha memória:


CCAÇ 4540 – 1972/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO

PARTE 1

No dia 28 Agosto 1972, teve início no Regimento de Infantaria 15 (RI 15), em Tomar, a concentração do pessoal que constituiria a Companhia de Caçadores 4540. Na sua grande maioria, os militares eram oriundos do Norte do País, sendo de realçar a presença de alguns que vieram de França, para cumprirem o Serviço Militar.

Foi-nos concedido o gozo de uma licença de 2 semanas, após a qual o pessoal da Companhia, se foi apresentando novamente no RI 15, tendo-se procedido á Cerimónia de Bênção e Entrega do Guião à Companhia no dia 15SET1972, seguido de um desfile das tropas, na parada do Regimento.

Às 02h00 do dia 19 desse mesmo mês, a Companhia embarcou em autocarros, em Tomar, dirigindo-se para o aeroporto de Lisboa, onde o pessoal transitou para um avião dos TAM (cerca das 09h00), após o que levantamos voo rumo aos céus da África Ocidental.

Após quatro horas de voo bastante confortável, durante as quais imperou a boa disposição, já que a quase totalidade do pessoal realizava a sua primeira viagem aérea, aterramos no Aeroporto de Bissalanca. Procedeu-se então ao desembarque, perante um calor tórrido e sufocante,  próprio das regiões equatoriais.

Terminadas as formalidades habituais destas rotinas, procedeu-se ao transporte dos militares e respectivas bagagens, numa coluna de viaturas com destino ao Cumeré onde ficamos instalados. No dia 22SET1972, de manhã, fomos chamados para uma formatura geral, a que se seguiu o desfile da Companhia recém-chegada, perante o Brigadeiro Silva Banazol que proferiu algumas palavras de boas-vindas. Nesse mesmo dia segui para Bissau, com destino ao Regimento de Transmissões, onde estive cerca de 15 dias a fazer o chamado IAO.

Terminado o IAO, houve lugar a nova formatura geral no dia 17OUT1972, desta vez frente ao General António Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Força Armadas do CTIG. A 18OUT1972, a Companhia partiu do Cumeré com destino ao porto de Bissau, onde se procedeu ao nosso embarque na LDG BOMBARDA, rumando á terra “prometida”, Bigene. 

E assim, lá fomos rio acima (Cacheu) desembarcando numa localidade chamada Ganturé, onde nos esperavam os camaradas da CART 3329, que iríamos substituir. Era notável a alegria com que nos receberam, tendo-nos em seguida transportado para Bigene (cerca de 6 ou 7 km), onde deparamos com vários dísticos e cartazes alusivos à chegada da nova Companhia de periquitos, espalhados pelas paredes e pela rua principal, cheios de humor e ironia.


Foto 1 – Bigene: Junto aos brasões das Companhias que por lá tinham passado





Foto 2 – Bigene: O descanso do “guerreiro” junto ao posto de rádio



Foto 3 – Bigene: Com um amigo de ocasião



Foto 4 – Bigene: De vez em quando dava para tomar banho



Bigene era bastante povoada, com gentes de várias etnias,  predominando os Fulas e os Balantas, havendo ainda bastantes Mandingas. A população europeia, além dos militares e do administrador de Posto, era praticamente inexistente, havendo apenas 1 português que era proprietário de uma casa comercial. Haviam mais 3 casas comerciais, propriedades de 3 libaneses.


No posto sanitário de Bigene acontecia algo que eu considerava surpreendente, que era receber e tratar populares do Senegal, que atravessavam a fronteira para receberem tratamento médico. Ao mesmo tempo, esta gente aproveitava para comercializar os seus produtos no mercado local.

No dia seguinte, começou o treino operacional em conjunto com a CART 3329, cuja finalidade era adaptar e capacitar o pessoal em situações operacionais semelhantes às que iria encontrar nas suas futuras actividades dentro do sector atribuído à Companhia. É de salientar que ainda no período de treino operacional a 23OUT1972, se ter verificado o 1º contacto de fogo com o IN, mesmo junto ao marco fronteiriço que separava a Guiné/Senegal.

Só me apercebi que a palavra guerra fazia aqui todo o sentido, quando saí pela primeira vez para o mato e assisti à implantação de um campo de minas, e algumas armadilhas, na zona Samoge-Sambuía.O primeiro baptismo de fogo aconteceu a 24OUT1972, próximo de Nenecó, sem consequências. O PAIGC pelas informações que tínhamos, não tinha estruturas dentro do subsector de Bigene, nem se encontrava implantado no mesmo.

Partiam de bases situadas no Senegal, principalmente em Kumbamori, crê-se que utilizando as variantes do corredor de Sambuiá, para “cambar” o rio Cacheu, transportando material e mantimentos até ás margens do rio Cacheu, que procuravam atravessar em canoas e botes de borracha, para o interior do território, sendo, por vezes, surpreendidos pelos fuzileiros que se encontravam em Ganturé.

Terminado o período de sobreposição com a CART 3329, foi transferida por esta Companhia, para a nossa, toda a responsabilidade administrativa e operacional. No dia 15NOV1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene.

Foi com muita emoção que os vimos partir, após um convívio comum de quase um mês, passado naquela localidade. Passou, desde então, a nossa Companhia a dar cumprimento às missões que lhe foram atribuídas, executando as directivas do COP 3. Uma semana depois recebemos a noticia que iríamos ser transferidos para Sul, sendo substituídos pela CCAÇ 3 e, de novo, lá fomos na LDG BOMBARDA.

Estávamos no dia 09DEZ1972, rio Cacheu abaixo, destino: Cadique/Cantanhez.


Foto 5 – A bordo da LDG “Bombarda”, com o João Pinto – Enfermeiro -, a caminho do Cantanhez


No dia 12DEZ1972, cerca das 08h00, avistamos pela primeira vez, terras do Cantanhez. Lugar onde parecia haver calma e paz, coisa que, ali, jamais encontraríamos.

Navegava-se lenta e demoradamente, connosco atentos a qualquer coisa suspeita, como se adivinhássemos a todo e qualquer momento o… imprevisto.

Posso afirmar que todo o pessoal, que até então tinha mantido um aparente estado de serenidade e bom equilíbrio psíquico, que evidentemente estava muito longe de existir na realidade, em cada um de nós, começava a exteriorizar-se através dos primeiros sintomas de medo, angústia e desespero, que se denotavam, nitidamente, nos nossos rostos. Tais sinais iam-se agravando, conforme se avançava no rio, e mais nos aproximávamos da zona que sabíamos de alto perigo.

A tomada de consciência desta crua realidade, que era “A EXISTÊNCIA IMINENTE DE PERIGO REAL DE MORTE”, despoletou em nós, instintivamente, a exigência da máxima vigilância a eventuais movimentos estranhos nas margens, que nos rodeavam, e a necessária manutenção do silêncio.

Chegados ao porto, onde se previa o desembarque, e mal a lancha alcançou terra firme, “A NOSSA TERRA PROMETIDA”, sem perda de tempo começaram a sair vários grupos de combate, para manter as seguranças, afastada e próxima, a fim de que o desembarque se fizesse sem grandes receios.

Logo que nos sentimos em terra do Cantanhez e nos familiarizamos com o lugar, onde iríamos “vegetar” durante quase uma dezena de longos e difíceis meses, tudo em nós se voltou a suavizar e a aparentar a habitual e perdida serenidade.

Finalizamos o desembarque sem percalços de maior, eram cerca de 09h00, (com o apoio da Força Aérea e dum bi-grupo da CCP 121), começando-se logo a trabalhar para instalarmos de imediato o pessoal, numa área que reunia as condições mais apropriadas á futura construção do aquartelamento.

Os primeiros dias da instalação do pessoal da Companhia foram penosos, em virtude de não existir nenhuma estrutura de que a tropa pudesse tirar partido, para implementar o seu futuro estacionamento.

Apenas existia uma mata exuberante, compacta e de difícil penetração, e algumas tabancas dispersas e ocupadas por população da área, predominando os velhos e as crianças. A pouco e pouco foi-se desbravando a mata e procedendo-se à colacação estratégica de todas as secções do Comando da Companhia e dos Grupos de Combate.

É de salientar o trabalho efectuado pela Força Aérea, Marinha, Pára-quedistas e outras forças, que dias antes do desembarque “limparam a zona” e acredito que só assim não tivemos problemas durante o desembarque, já que a região era considerada zona libertada pelo PAIGC.

A Companhia acabou por ter uma adaptação bastante boa e depressa se conformou com a sua sorte existencial “SITUAÇÃO DE TOTAL CARÊNCIA”. Todas estas operações tiveram o nome “GRANDE EMPRESA”, visando a recuperação do Cantanhez e, na hora do desembarque, compareceu o General Spínola, que acompanhou de perto o desenrolar das actividades no terreno.

Foto 6 – Cadique: Tratando da higiene das mãos


Foto 7 – Cadique: A mata começou a ser desbravada



Foto 8 – Cadique: A Bandeira já havia, vendo-se ao fundo os chalés “com ar condicionado”



Foto 9 – Cadique: Um abrigo também já havia



Foto 10 – Cadique: O que será feito destes jovens?


Após os primeiros dias de porfiado esforço,  dispendido na montagem do estacionamento, começaram os nossos Grupos de Combate a tomar contacto com o terreno, acompanhados por Grupos da CCP 121. Foi de grande utilidade para os nossos militares a observação do modo como se comportavam, e da preparação com que a tropa especial pára-quedista foi dotada para este tipo de guerra. Muito se aprendeu realmente no convívio estabelecido, dentro e fora do aquartelamento, entre os militares de ambas as  Companhias.

Os primeiros contactos com o IN foram obra da CCP 121, a qual nos transmitiu teoricamente os modos de actuação e as estratégias utilizadas pelo IN, e a sua estrutura de carácter militar, naquela zona operacional.

A situação sanitária era razoável, mesmo considerando as precárias as condições de higiene que se viveram nos primeiros tempos do baseamento da Companhia.

As condições climáticas eram as mais adversas.  A situação logística foi muito precária nos primeiros meses de vida no Cantanhez.  As nossas condições de adaptação foram melhorando, à medida que se foi desmatando a floresta, com a abertura de poços, a construção de um heliporto e de um cais.

À medida que o reordenamento foi evoluindo, começou Cadique a tornar-se uma povoação de fisionomia completamente diferente, permitindo assim beneficiar, em muitos aspectos, a população local e a tropa, nomeadamente, no que respeita a melhoria das instalações.

O agrupamento de Cadique ficava situado na península formada pelos rios Cumbijã e Cacine, no Sul da Guiné, o terreno é plano, dividindo-se em dois planos de carácter bem distintos: por um lado a bolanha e, por outro, a mata densamente arborizada.

A configuração do sector apresentava-se do seguinte modo: a Norte era delimitado pelo Rio Bixanque, que desagua no Cumbijã, a Sul pelo rio Macobum, a leste pela mata do Cantanhez até ao entroncamento de Jemberem, e, a Oeste, pelo rio Cumbijã.

Os dois mais importantes itinerários eram, na época, a via fluvial do Cumbijã e a via terrestre, que ia de Cadique a Jemberem (que quando lá chegamos era uma picada secundária), e, quando de lá saímos, era uma estrada principal e que ia entroncar na picada principal que vinha de Cabedu.

O principal aglomerado populacional era Cadique Nalú, existindo ainda, além dele, outro de menos importância que se chamava Cadique Imbitina (a cerca de 2,5 Km). Mais para Norte, existia um outro importante aglomerado populacional,  Cadique Iala. O quartel acabou por se construído em Cadique Imbitina.

Na época, o principal recurso desta zona era, sem dúvida, o arroz em virtude das enormes bolanhas, que existiam ao longo de todo o rio Cumbijã. Outro recurso que não era explorado, era a pesca no rio Cumbijã, que me pareceu ser rico em variedades de peixe e de crustáceos.

A população civil era quase toda de etnia Balanta, encontrando-se também alguns (poucos) Nalus. Mostrou-se a princípio muito pouco receptiva à presença da tropa e bastante temerosa.

À data, não existia população europeia além dos militares, mas, segundo informações colhidas na zona, teria existido alguma antes do início das hostilidades, que se sentiu obrigada a abandonar a localidade em virtude do agravamento da instabilidade.

Nesta zona iríamos sofrer bastante. Parecia-nos mais um lugar paradisíaco do que um campo de batalha, mas, dias mais tarde, iríamos ter a oportunidade de ver e sentir a triste e fatal realidade.

O pior estava para vir: o inferno da construção da estrada Cadique/Jemberem.

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Trms da CCAÇ 4540



Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.

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Notas de M.R.:

Este é o primeiro poste desta série "Estórias do Eduardo Campos".

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3313: Grandes acidentes (1): Oito mortos do Pel Mort 980, em 5 de Janeiro de 1965, no Rio Cacheu (Virgínio Briote)

Batalhão de Cavalaria 490. História da Unidade.
Guiné. Fevereiro 1963/Agosto 1965.


Com a História do BCav 490 nas mãos, oferta do Carlos Silva (que mantém um blogue com muita informação útil, especialmente sobre o Sector de Farim), ao folheá-la deparei com o relatório de um acidente de que, lembro-me agora, ouvi falar em finais de Janeiro de 1965.

Eram ainda os primeiros anos da Guerra na Guiné. Os meios escasseavam e a improvisação impunha-se mais que nunca.

Pelo interesse de que se reveste, transcrevo na íntegra o relatório assinado pelo Alf Inf José Pedro Cruz, que, se a memória me não atraiçoa, foi mais tarde Cmdt da CCav 489 e, posteriormente (talvez Set/Out 65), vim a encontrar no Xitole, como Cmdt de uma CCaç (de que já não me lembro o número).

vb

Revisão e fixação de texto: Carlos Silva e Virgínio Briote.
__________


Cópia do relatório do acidente, que se transcreve abaixo.


Batalhão de Cavalaria n.º 490

Pelotão de Morteiros n.º 980

Relatório do acidente que teve lugar em 5/01/1965

O Pel Mort 980 era constituído por 33 homens, incluindo o cmdt de Pelotão e os Furriéis (3), comandantes de Secção.

O Pelotão participava na Op Panóplia que se realizava na Península de Sambuiá, entre o rio do mesmo nome e o rio Talicó.

Para dar cumprimento à missão, o Pel embarcou na LFG Orion às 05h00 como estava previsto e foi transportado por este meio na direcção E-W pelo rio Cacheu. Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí, o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o Pel desembarcou para o bote de borracha pertencente ao Exército no qual se faria o desembarque na Península de Sambuiá.



A LFG Orion no Cacheu. Foto do Lema Santos, com a vénia devida.

Embarcaram para o barco de borracha do Exército, 25 homens entre os quais se encontrava o Cmdt do Pelotão. Embarcámos também para esse barco todo o material e armamento necessário para se realizar o desembarque.´

Como seria mais seguro não embarcaram todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, tendo o Comandante do navio posto à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do Pel Morteiros (8) assim como o restante material.

Os dois barcos seriam rebocados pela Orion"«, de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na Península onde se efectuaria o desembarque, junto ao rio Cacheu. Segundo notícias, essas sentinelas existiam. Os barcos onde eram transportados os homens do Pel Mort seriam afastados da Orion ao passarmos pelo local onde se realizaria o desembarque.

Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco onde eram transportados os 25 homens, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo.

O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior, rebentou pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade.

Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo Cmdt da Orion e depois por mim que, em caso de emergência, o cabo devia ser largado imediatamente. Foi nessa altura que eu chamei a atenção dos homens para a conveniência de se chegarem o mais possível para a ré, pois o barco rebocado teria a tendência a baixar a proa. Os homens assim fizeram.

A marcha recomeçou, não podendo eu avaliar a velocidade da Orion, pois ela, necessariamente, difere bastante (aparentemente), devido às diferenças de tamanho da Orion e do barco rebocado.

Depois de se navegar nestas condições alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Coisa sem importância, pois isso seria natural devido à ondulação provocada pela deslocação do navio rebocador.

Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desiquilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo a qualquer reacção, afundou-se rapidamente.

Alguns homens que se encontravam dentro do barco sinistrado não sabiam nadar e, então, o pânico foi enorme.

Nadei para junto do barco que se encontrava voltado e icei-me para ele. Seguidamente e auxiliado pelo Soldado nº 1069/63 (1), fui aconselhando calma e ajudando alguns homens a içarem-se para para o barco voltado. Foi feito todo o possível para salvar o maior número de homens. Alguns não chegaram a vir à superfície uma única vez, talvez devido ao grande peso do equipamento, armamento e munições. Entre estes, dois eram bons nadadores.

Verifiquei então que se aproximava rapidamente um barco de borracha da Marinha, tripulado pelo próprio Cmdt da Orion, a qual se encontrava parada, afastada do barco sinistrado cerca de 80 metros.

Depois de se efectuar o transporte de todos os sobreviventes para bordo do navio, efectuaram-se pesquisas em todos os sentidos e recolheu-se todo o material que se encontrava a boiar.

Verifiquei imediatamente que tinham desaparecido no desastre alguns homens do meu Pelotão e varadíssimo material.

Ao subir para a Orion fui informado que dois homens se salvaram por terem ficado agarrados ao cabo do reboque, o que prova que o mesmo cabo não foi largado como foi aconselhado aos homens para o fazerem em caso de emergência.

Conclusões

1. O desastre deu-se, em grande parte, devido ao pânico de que os homens se apossaram.

2. O pânico foi devido à entrada da água pela proa do barco. Pânico natural, por muitos não saberem nadar.

3. Que a água entrou devido à ondulação provocada pelo deslocamento do barco rebocador e ainda devido à tendência do barco em baixar a proa, visto o cabo do reboque não ter sido passado por baixo do barco mas sim por cima, indo agarrado pelos próprios tripulantes do barco rebocado.

Recomendações

1. Tanto quanto possível evitar, nas operações em rios, homenss que não saibam nadar.

2. Nunca rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios homens do mesmo barco.

3. Sempre que possível, evitar reboques por meio de navio de peso elevado e de elevada velocidade.

No acidente pereceram os seguintes homens:

1.º Cabo n.º 1295/63- Arlindo dos Santos Cardoso
1.º Cabo n.º 2143/63- João Machado
Soldado n.º 2481/63- António Ferreira Baptista
Soldado n.º 2517/63- António José Patronilho Ferreira
Soldado n.º 2540/63- António Domingos Félix Alberto
Soldado n.º 2594/63- Joaquim Gonçalves Monteiro
Soldado n.º 3021/63- João Jota da Costa
Soldado n.º 3029/63- António Maria Ferreira

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965

O Comandante do Pel Mort 980

José Pedro Cruz
Alf Inf


Comentário do Comandante do BCav 490

Concordo com as conclusões e recomendações apresentadas. No que respeita à escolha dos homens que saibam nadar, creio que infelizmente é bastante teórica pois na maior parte dos casos terão que ser utilizados os efectivos disponíveis. Aliás, não basta saber nadar, pois como se verificou dois dos desparecidos eram até bons nadadores. A única solução parece-me que será dotar as Unidades de meios próprios para desembarques.

No caso presente é possível que o acidente se tivesse evitado se não tivesse havido necessidade de tomar medidas motivadas pela grande vulnerabilidade do barco de borracha.

O barco tem sido utilizado inúmeras vezes, nomedamente no percurso Farim-Binta e na travessia do rio Cacheu em Farim, deslocando-se pelos próprios meios e transportando até cargas mais elevadas, sem que a sua estabilidade desse lugar a reparos.

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965

O Comandante do BCav 490
Fernando Cavaleiro
__________

Nota:

1. Não consegui identificar o Nome deste Soldado.