Mostrar mensagens com a etiqueta cubanos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cubanos. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 17 de março de 2021

Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]



Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 (1969/71) > Jorge Narciso, ex-1º cabo especialista MMA, junto a um helicóptero Alouette III.

Foto: © Jorge Narciso (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > A primeira mina A/C detetada e levantada: na imagem o alf mil Nelson Gonçalves e o 1º cabo Manuel Seleiro.



Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > O estado em que ficou a viatura, Unimog, em que ia o alf mil Nelson Gonçalves.


Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Onze anos depois, reproduz-se aqui um poste do Jorge Narciso (*) com um comentário ao poste P5741 (**) do nosso saudoso Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2107) (**)

O pretexto é a efeméride da captura, ferimento e helievacuação do cap cubana Pedro Rodriguez Peralta, no corredor de Guileje, em 18 de novembro de 1969 (***).

Foi numa terça-feira (, depois de ter lançada na sexta-feira anterior), andava a Apolo XII já em órbita lunar, com 3 astronautos a bordo (, como se pode ler no título de caixa alta da edição do  vespertino "Diário de Lisboa", desse dia...)


Lisboa > Semanário "Expresso" >Edição
de 15 de dezembro de 1973 >O capitão
cubano Peralta no Tribunal Militar
de 1º instância. Uma foto  que a censura
não deixou publicar.
Um dia de azar, esse dia 18 (e, ao mesmo tempo,  de sorte) para um cubano, apanhado em emboscada, montada para o 'Nino' Vieira, no corredor de Guileje (ou "corredor da morte"), pelos nosos camaradas do BCP 12... Ficou para a história como a Op Jove (16-18 de novembro de 1969). 

Apesar de ferido, com gravidade, o cubano 
foi salvo pelos seus captores e enviado, de helicóptero, para o HM 241, em Bissau, onde a equipa cirúrgica  (onde se incluia o camarada José Pardete Ferreira) fez o seu melhor para lhe salvar o seu braço direito. 

Há dois testemunhos sobre esse dia,
 que vale a  pena  "repescar", o do Jorge Narciso,  1º cabo especialista MMA, BA 12, 
Bissalanca  (1969/71) e o  do  Jorge (Teixeira, (Portojo,  ex-fur mil arm pes inf, 
Pelotão de Canhões S/R 2054  (Catió, 1968/70)  (foto abaixo). 


Jorge Teixeira (Portojo)
(1945-2017)
Mas uns dias antes, a 13, na quinta-feira anterior [na véspera da Apolo XII ser lançada], o alf mil Nelson Gonçalves, cmdt do Pel Caç Nat 60, é também ferido gravemente, em combate: o Unimog em que seguia, accionou uma mina A/C.  

Dias mais tarde, acorda,  sem um perna, num quartdo do HM 241, Bissau... Justamente  na cama ao lado,  está um estrangeiro, o cap cubano Peralta. 

O drama foi-nos contados pela sua esposa, a Manuela Gonçalves (Nela) , membro da nossa Tabanca Grande da primeira hora, em dois postes de  2006 (****).

Nessa altura, em novembro de 1969, a Nela era uma jovem estudante universitára, vivendo a guerra à distância, mas com a morte na alma, com o seu namorada, Nelson Gonçalves, a combater na Guinjé... Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com a família, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Por volta de 2005/2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente-

Na altura em que tanto o Pedro Rodriguez Peralta como o Nelson Gonçalves foram parar ao HM 241, um dos cirurgiões que lá estava colocado, era o nosso camarada José Pardete Ferreira (1941-2021)... (E já lá estava, internado,  com problemas do foro respiratóriio, o Jorge Portojo: da varanda sua enfermeria, no 1º andar, tinha vista desafogada  para o heliporto.)

Recorde-se que, no seu livro "O Paparratos", o José Pardete Ferreira  conta-nos que, por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) Peralta mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi "um pobre de um alferes miliciano", com uma perna amputada por um mina (não A/P mas A/C), que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele [, sabemos agora quem era, o Nelson Gonçalves], e com razão: "Se os gajos [o PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145) (***).

Registe-se, para a história, o nome, já esquecido, da Maria Zulmira Pereira André (1931-2010), a nossa Maria Zulmira [, foto à direita],  tenente graduada enfermeira paraquedista: foi ela quem,  competente e denodamente, acompanhou a evacução Ypsilon do cap Peralta. Resta saber quem era o peilo do AL III.


2. Um dia nas nossas vidas...

por Jorge Narciso [, foto atual, à esquerda] (#)


De Jorge (Narciso)  para Jorge [, Teixeira, 'Portojo', infelizmente já falecido em 2017]

Caro: Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamou a atenção a foto do heli aterrado no HM 2141, Bissau, contida no teu poste

E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam. Tentando alinhar ideias:

Como mecânico dos helis, foi exactamente 

Bissau > 1969 > O Heliporto do HM 241.
Foto de Jorge Teixeira (Portojo)
(2010)
no Hospital Militar que (excepção feita, naturalmente, à BA 12, em Bisslanac) mais vezes aterrei na Guiné. E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis. Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) infra-humanas de homens que para ali transportei, seja a indescritível visão da sala de horrores, chamada triagem, onde eles eram colocados; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.

Mas outra lembrança conseguiste, com o teu poste, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.

Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.

Resultados:

(i)  Ferido e capturado em 18 de novembro de  1969 durante a operação Jove, realizada pelos Páras [BCP 12] entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje;

(ii) A  base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.

Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios) quero ainda confiar.

Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:  das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parêntesis.

Assim:

(1) Eu só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM 241, pelas condições extraordimárias em que decorreu essa evacuação, cujos contornos passo a descrever.

(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos longe de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 helicanhão, transportando uma equipa de manutenção e uma enfermeira paraquedista.

Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS..

Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.

Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todos os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecânico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o helicanhão para protecção destas e para intervenções de tiro, se solicitadas.

(3) Nesta operação em particular, a Op Jove, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma (nos helis e durante os voos, mesmo que não quiséssemos, ouvíamos muita informação dita classificada): captura do 'Nino'Vieira. .

(4) No dia 18 de novembro de 1969 (Precisei a data na citada consulta na Net), portanto no 3º dia da Operaçãp, voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei [, no corredor de Guileje], no helicóptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,

Porquê?

(5) Os Alouette III têm capacidade para transportar 6 passageiros, para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco traseiro.

Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que, por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares traseiros.

No caso desta evacuação (Cap Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.

Para resolver o problema e - repito - se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:

(6) O helicanhão, que fazia a protecção à evacuação, aterrou na ZOPS, nele tendo embarcado o mecânico (eu próprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa, é que não me recordo como - noutro heli ? de DO 27 ? ), pois no helicanhão não foi concerteza.

Como remate a estes factos, este voo no helicanhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho de 1969. o eu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante, o maj pilav Rodrigues  e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico de Armamento/Apontador.

Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrência.

Voltando ao poste e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.

Como atrás referi, não me lembro se terá sido inclusive participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a sorte (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações.

[# Título, revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste poste P22014]

_______________

Notas do editor:



(**) Vd. poste de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)
 

HM 241 > Novembro de  1969 > O
Jorge Teixeira (Portojo)
à janela...


(...) Estava lá eu na tal janela virada... no primeiro quarto, do primeiro andar, frente, direito, do HM 241, em Bissau,  e ouvi chegar um Heli. Logo os habitantes vinham ver do que se tratava, pois além de ser um passatempo a contabilização dos que chegavam por este meio transportados, queríamos sempre saber de quem se tratava. Porque até poderia ser um dos nossos mais íntimos. 

Neste dia quem chegou foi um barbudo (fiz uma foto, que veio para os amigos da metrópole, mas como tantas outras, desapareceu).. Pensámos, pelo seu aspecto: "Olha um Fuza. Fodeu-se"... Mas não era, soube à noite quando fiz a ronda do costume para passar o tempo, estranhando ver Comandos de sentinela à porta, que era um cubano, de nome Peralta. Não me dizia nada. Depois disse. Por isso a tal foto para a rapaziada da metrópole... Mais tarde, anos depois, soube da sua libertação [em 15 de setembro de 1974]..

Mas a conclusão é: Será que o Jorge Félix  [, ex-alf mil pil, BA 12, Bissalanca, 1968/70] se recorda ou até terá dado a sua colaboração a esta operação?

Por casualidade, o José Manuel  Cancela também estava hospedado, na mesma altura, no mesmo Hotel Militar de Bissau. Mas no terceiro apartamento. Só o soubemos há dias quando entreguei esta foto - entre outras - para o Carmelita digitalizar e ele viu. Estórias de vida." (...) 

Vd. também poste de 1 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10747: Blogues da nossa blogosfera (60): Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241, no Blogue Coisas da Vida (Jorge Teixeira - Portojo)

(***) Vd. postes de:


15 ede março de  2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

(****) Vd. postes de: 

8 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P596: Dia Internacional da Mulher (1): Sara Martins, presente! (José Martins) e A Guerra no Feminino (Manuela Gonçalves)

(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [, o Nelson Gonçalves,]e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60 (*****),  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial. A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



(*****)  Sobre o Pel Caç Nat 60 e a mina que vitimou o alf mil Nelson Gonçalves: Vd. postse:

 Guiné: Pel Caç Nat 60 > 

Terça-feira, 7 de maio de 2019 > P185: Aniversário do Pel Caç Nat (60)

Quarta-feira, 4 de novembro de  2009  > P13: O Nhambalã

(i) Foi formado a 7 de Maio de 1968, em S. Domingos;

(ii) estve com a CCS/BCaç.1933, CCaç. 1790, CCaç. 1791, em São Domingos, de maio a fins de novembro de 1968;

(iii) seguiram para Ingoré, ficando adidos à CCaç 1801 de novembro de 1968 até agosto de 1969;

(iv) reegressaram a a S. Domingos, em agosto de 1969, fiacando adidos à CCav 2539.

(vi) ficaria aquartelado em S. Domingos /Susana, até ao ano de 1974;

(vii) o primeiro comandante  foi  o ex-alf mil  Luís Almeida, rendido pelo ex-alf mil Nélson Gonçalves 
(, ao tempo do BCAV 2876, São Domibgos, 1969/71);

(viii) a 13 de novembro, de 1969 a viatura em que seguia  o Nelsom Gonçalves, acionou uma mina anti-carro sendo este sido ferido com gravidade, e helievacuado para o HM 241 e depois para o HMP;

(ix )de vovembro de 1969 a janeiro de 1970, o pelotão foi comandado pelo ex-fur mil  Rocha.

(x) em janeiro de 1970 o ex-alf mil Hugo Guerra comandava o pelotão,  sendo ferido no dia 10 de Março,  quando o 1º cabo Manuel Seleiro desativava uma mina anti-pessoal.(...)

terça-feira, 16 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22011: Recortes de imprensa (114): O Capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta, "preso político antes do 25 de Abril", "prisioneiro de guerra" depois... libertado em 15 de setembro de 1974 (Diário de Lisboa, 16 de setembro de 1974)


Citação:
(1974), "Diário de Lisboa", n.º 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15) (*)



____________________________________________________
_____________________________________________________





Recorte do Diário de Lisboa, edição de 16 de setembro de 1974, pp. 1 e 10 (com a devida vénia...) (*)


Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 > Os últimos prisioneiros portugueses. Entre eles, o nosso camarada, membro da Tabanca Grande, António da Silva Batista (1950-2016), o último do lado direito. O Fortunato Dias é o terceiro, também a contar da direita.


Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatizantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...

Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano), Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra...

Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos "nossos inimigos" era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista") capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a "doutrina vigente"...

Mas honra seja feita ao gen Spínola que era um dos que, dentro da Junta de Salvação Nacional, se opunham à libertação do Peralta enquanto não fosse garantida a entrega dos 7 prisioneiros portugueses pelo PAIGC. O que veio a acontecer no dia 14 de setembro de 1974, em Aldeia Formosa (Quebo).

Foto de Duarte Dias Fortunato (2016). Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (**)


2. Comentário do editor LG:

As declarações do Peralta ao "Diário de Lisboa", em 15 de setembro de 1974, momentos antes de embarcar no avião para Madrid que o levaria de regresso a Havana, quase cinco anos depois da sua captura no corredor de Guileje, na Guiné, em 18 de novembro de 1969 por forças do BCP 12, comandadas pelo cap pára João de Bessa, têm de ser entendidas no contexto da época: era um tipo educado, e, mais do que isso, amável e até sedutor; estava naturalmente agradecido aos seus captores (e aos serviços de saúde militares) que lhe salvaram a vida, e às autoridades que o libertaram, depois de cinco anos de "estadia forçada, não prevista" em Portugal, e a maior parte do tempo sob a "custódia" da polícia política do antigo regime... (que ele alega que o terá torturado, física e moralmente, e é de todo provável.) Acabou por ser condenado em 2 anos e 2 meses, pelo tribunal militar, por posse ilegal... de arma de fogo!

Tinha havido em 25 de Abril de 1974 uma mudança de regime em Portugal. Peralta foi "politicamente correto", como lhe convinha.  E não se esqueceu de agradecer aos profssionais de saúde portugueses que fizeram tudo para o salvar e tratar, quer em Bissau quer depois em Lisboa (Hospital-prisão de Caxias, Hospital Militar Principal, Hospital da Cruz Vermelha).

"Tratamento VIP" em Bissau e em Lisboa, apesar de ter passado pela Trafaria e por Caxias... Por exemplo, o Hospital da Cruz Vermelha (onde foi internado em maio de 1973) não era para todos (e muito menos para os combatentes portugueses feridos na guerra de África)... Por lá passou Salazar (cujo internamento em 1968 custou ao Estado Português o equivalemte a 1,5 milhões de euros)... E por lá passava o escol médico-cirúrgico  da época. Simples curiosidade: quem pagou a conta do Peralta? O advogado, sabemo-lo, que foi contratado pela embaixada de  Cuba... (Os dois países mantêm relações diplomáticas  há mais de 100 anos, ou seja, desde 1919, independentemente dos regimes políticos que se sucederam, num e no outro lado.)

Teve igualmente tratamento VIP por parte de alguns movimentos e partidos da chamada extrema esquerda revolucionária de então. Nas declarações que faz ao "Diário de Lisboa", acima reproduzidas, há referências às manifestações em prol da sua libertação, que se sucederam frente ao Hospital da Estrela, e que ele consideram excessivas... “O povo português libertará o capitão Peralta”, escrevia o MRPP num comunicado em que pedia “Todos à Estrela”, a 26 de maio de 1974.

Terá havido também pressões norte-americanas, e igualmente do Vaticano e da Bélgica, para o Peralta ser trocado  por um alegado agente da CIA, preso e condenado em Havana, Lawrence Kirby Lunt (e não Hunt), casado com uma belga... Ao que parece acabou por ser também usado como moeda de troca com o PAIGC que tinha, nas suas prisões, 7 militares portugueses ainda por entregar. (**).

Quanto ao seu "estatuto" nas fileiras do PAIGC, não sabemos o que é que as autoridades portuguesas, antes e depois do 25 de Abril, apuraram... Ele não foi, como pretende dar a entender um simples observador com "livre trânsito" nas "áreas libertadas"... Não, ele devia ter tido outra missão, quer como "consultor militar", quer como "instrutor militar"...  

Muito provavelmente o seu advogado, com larga experiência na defesa de presos potlíticos nos tribunais plenários do Portugal de então, deve tê-lo aconselhado a nunca admitir que era um combatente integrado nas fileiras do PAIGC, estatuto, de resto,  que o próprio Amílcar Cabral não gostava de atribuir aos cubanos, até porque isso significava "menorizar" os seus combatentes, os seus militantes, nacionalistas guineenses... 

Mas a verdade é que o Peralta estava, ao que parece, armado quando foi ferido e, depois, capturado. Se terá percorrrido ou não os 1800 metros na mata, a sangrar (com 4 balázios, de 7,92 mm, da temível metralhadora MG 42 do então 1.º cabo pára Regageles), não  o sabemos... Nem sabemos  se os seus captores confirmaram esta versão no Tribunal Militar de Santa Clara onde o Peralta foi condenado a 2 anos e 2 meses de prisão... 

E a propósito, o Bessa e o Ragageles encontraram-se com o Peralta, 40 anos depois, em Lisboa, em Belém, num gesto de grande nobreza, pouco vulgar, e  que merece ser aplaudido [, foto à esquerda]. 

Aliás, o Peralta já tinha estado em Portugal e na Guiné-Bissau, vinte anos depois da sua captura, tendo reonstituído a sua odisseia, a convite do Expresso ("Cubano prisioneiro de guerra" | Texto de José Manuel Saraiva | "Expresso", 16 de março de 1996).

[Foto acima: da direita para a esquerda, Ragageles, Peralta e Bessa,  junto ao monumento dos combatentes do Ultramar. Foto: cortesia da página do Facebook Paraquedistas não são arremachos, 16 de novembro de 2018.]

Poutro lado, foi recebido por Fidel Castro, em Havana, com um herói, passando de resto a figurar, no discurso de propagando do regime castrista, com o mais célebre célebre dos 437 combatentes (sic) (***)  que terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, entre 1966 e 1974, e dos quais oficialmemte morreram  nove. (Achamos que o número, 437,  pode estar inflacionado; mas admitindo que está correto, a taxa de letalidade terá sido de 2%; desconhecemos o número de feridos.)

Por fim, subscrevemos o que se escreveu na supracita página do Facebook a propósito do sucesso da Op Jove: 

(...) "Uma das mais brilhantes missões executadas durante a Guerra Colonial coube aos militares do BCP 12 (Companhias 121 e 122). Brilhante não pela quantidade de baixas produzidas ao inimigo, ou ao volume de material capturado, mas pela primeira vez, no território da Guiné, era capturado um militar estrangeiro, que sob o rótulo de "conselheiro militar" participava na luta armada ao lado dos guerrilheiros do PAIGC.

"Este êxito sem paralelo, caso obtido por outras tropas, seria mencionado até à exaustão. Mas os Paraquedistas, perfeitos na humildade e na modéstia, sóbrios e decentes quanto decorosos e convenientes, cumpriram a missão, sem grande exibicionismo ou ostentação." (...). 

 _____________

(**) Vd. poste de 29 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

(***) Dora Pérez Sáez - Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau: Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR". Juventud Rebelde. ,martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)


Citação:
(1974), "Diário de Lisboa", nº 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15)


Capa do livro

FERREIRA, José Pardete - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. No romance (ou melhor, livro de memórias, ficcionado) "O Paparratos", J. Pardete Ferreira (*),  há  um capítulo, o XXI (pp. 141-146) dedicado a "O Cubano", o capitão Pedro Rodriguez Peralta, a quem o autor chama Rui Angel:

(...) Era pequeno de estatura, não ultrapassando o metro e sessenta e cinco, magro e seco, com a pele muiti branca e polvilhada de microscópicas sardas, ruivo de barba completa, rala e ausente nalguns locais" (p. 141)-

Não sabemos se a descrição fisionómica está inteiramente correta, mas é feita por um dos cirurgiões que o operou no HM 241, o autor (*), sendo o cirurgião principal o dr. Carlos Ferreira Ribeiro, já falecido (, no livro, o dr. Celso Rosa, ortopedista,  p. 143)

Recorde-se o que acontecera antes:   capitão do Exército Cubano, Pedro Rodriguez Peralta, de 32 anos (, nascido por volta de 1937), instrutor militar ao serviço do PAIGC, é gravemente ferido a 18 de Novembro de 1969, no corredor de Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, no decurso da Op Jove, conduzida por forças pára-quedistas do BCP 12 e destinada a capturar o próprio 'Nino' Vieira.


2. Demos aqui a palavra ao(s) autor(es) da página do Facebook, Paraquedistas não são arremachos, 18 de novembro de 2018:

(...) A "Operação Jove" tinha sido cuidadosamente planeada. Dias antes da partida para a operação, um avião da FAP levando a bordo o cmdt do BCP , Tenente Coronel Fausto Marques e o cmdt da Companhia [, CCP 122,] João de Bessa, observam a zona e o melhor local para a emboscada à coluna militar do PAIGC.

De forma a cumprir as ordens do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, às primeiras horas de 16 de Novembro de 1969, 40 militares da Companhia 122 , reforçados com 9 voluntários da 121, embarcam em 10 Alouette para o Corredor de Guileje, com a informação que a coluna inimiga traria 'Nino' Vieira, ao tempo, o mítico Comandante da Frente-Sul.

Os 50 paraquedistas levam rações de combate para três dias. Caminham a pé um dia e uma noite, evitando os trilhos para não serem detectados, e progridem debaixo de chuva por entre mata densa. Cerca das 10 horas da manhã de 18 de Novembro, os praquedistas chegam ao ponto da emboscada.

Ainda não completamente posicionados, apercebem-se de vozes ao longe. Um pequeno grupo composto pelo Capitão Bessa, Sargentos Neves Pereira, Mota e Valentim Gomes, 1ºs Cabos Ragageles, Carvalho e Rodrigues e Soldado Doce, aproximam-se da picada.

De repente foram ouvidas vozes de dois individuos, um negro e um branco que seguiam em direção à fronteira. O capitão Bessa dá sinal de fogo ao apontador da MG-42, 1º Cabo Ragageles. A primeira rajada abateu o guerrilheiro negro e feriu o branco. Iniciada a perseguição, com meia dúzia de páraquedistas, e tendo por base o rasto de sangue, é consumada a captura.

Encontram-no caído numa poça de sangue. Tem um braço quase arrancado, perdeu muito sangue, está entre a vida e a morte; o Sargento Vítor Francisco rápidamente trata-lhe dos ferimentos. Veio a saber-se que se chamava Pedro Rodriguez Peralta, Capitão do exército cubano. (...)

Enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, foi devidamente tratado pelas autoridades portuguesas. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão. 

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da chamada extrema revolucionária) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói... 

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo ocmo "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guiné. Depois do 25 de Abril, mudou o seu estatuto: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974,  após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo".

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano. Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, entre 1966 e 1974 (Dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme  as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue).

3. Na recriação desta cena da captura do cap Peralta, o autor de "O Paparratos" diz que o "Rui Angel" [leia-se Pedro Peralta] estava com uma crise de paludismo (p. 142)  quando os homens da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº 1221 [CCP 121 e 122], comandada  pelo cap pára "Braga"[leia-se: Bessa].

Não foi uma rajada de G3, mas de M42, "quase à queima-roupa, ia desfazendo o cotovelo direitodo branco, provocando-lhe também uma ferida no dorso, junto à omoplata"...Terá sido o cap Braga [Bessa] que lhe salvou o braço, em risco de ser amputado, gritando: "Se for para cortar, os médicos lá em Bissau que o façam. Liguem mas é para a Base e peçam uma Y", isto é uma helievacuação Ypsilon (p. 142). 

Assim aconteceu, a enfermeira parquedista que o assistiu até Bissau não foi a Margarida (, nome fictício) mas Zulmira André. Quando chegou ao hospital, a sua situação clínica era grave: "sangrara muito, a tensão arterial não conseguia ultrapassar os cinco milímetros de mercúrio, timha uma ferida no tórax e o antebraço direito estava quase amputado", segundo o relato do alf mil médico adjunto de cirurgião Domingos Lebre[, leia-se, Diamantino Lopes] (p. 143).

Entrado de imediato no Bloco operatório, o alferes mil médico João Pekoff "explorou a ferida torácica, constatando que, felizmente era superficial e apenas interessava as partes moles"... Uma vez que não havia necessidade de intervenção na cavidade, a atenção da equipa voltou-se para o membro esfacelado, "tendo o dr. Celso Rosa [Carlos Ribeiro] tomado o comando das operações, na sua condição de ortopedista" (p. 143)

O Carlos Ribeiro era um cirurgião experiente, em feridas com armas de fogo, tendo feito uma anterior comissão de serviço em Angola: "ortopedista conceituado, depressa equacionou o problema [do Peralat]. Entre a amputação, que se afigurava como natural, e a artrodese do cotovelo, originando para sempre  um ângulo de cerca de noventa graus, a decisão parecia não ser evidente. Sempre valia mais um braço aleijado mas efectivo funcionalmente, do que um coto que, muitas vezes, só serviria para atrapalhar. Os nervos, assim como a artéria e as veias principais sido tinham milagrosamente poupados.O capitão cubano ficaria com uma deficiência, era verdade,  mas manteria o uso do membro... com a condição de a ferida não infectar, possibilidade sempre imprevisível" (p. 144).

E tudo correu bem,com um tirada humorística final do ortopedista:

"Vamos lá ver se este gajo , ao menos, vai fciar com o cotovelo...quanto mais não seja  paar poder fazer um manguito para o cirurgião que o operou". (p. 144).

A crer no testemunho do nosso J. Pardete Ferreira (1941-2021), "ao recobrar da anestesia, o Rui Angel virou de imediato o olhar para o seu lado direito e, naquele misto de medo e de reconhecimento que certamente sentiu,  uma pequena lágrima fugiu lentamente pelo canto dum dos olhos, aliviando-lhe a ansiedade e o receio" (p. 144). Para quem, como ele, que tinha optado pela carreira militar, e que estava na força da vida, era reconfortante saber que lhe tinham salvo o braço...

4. Ainda mais dois ou três apontamentos deliciosos do nosso escritor (**), sobre a estadia do cap Peralta no HM 241:

(i) Por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi um pobre de um alferes miliciano,  com uma perna amputada por um mina A/P, que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele, e com razão: "Se os gajos [PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145)

(ii) O hospital, por causa do prisioneiro famoso, passou a ser assediado pelo pessoal da "inteligência" militar, e simples curiosos que queriam espreitar a "avis rara"... Cabia ao dr. João Pekoff correr com os instrusos e mirones, fazendo cumprir ordens superiores... "Um dia, na conversa usual durante o penso, o João Pekoff pergunou ao Rui Angel como era o Che [Guevara. de resto morto na Bolívia em 1967, tendo sido ambos combatentes na Sierra Maestra]. A resposta não se fez esperar:  "Che, non era médico, era un hombre" (p. 145).

(iii) Entretanto, são recebidas ordens de Lisboa para transferir o Peralta para o HMP... Assim, pela manhã, num daqueles dois dias em que havia avião da TAP, "uma ambulância militar.  com um envergonhado Wolkswagen preto abrindo caminho, saiu do Hospital. O Carocha transportava o Director do Hospital Militar [, que era o dr. Moreira de Figueiro,  no livro, o tenente milciano Mário Falcão], com o alferes do Conselho Administrativo a  a desempenhar as funções de condutor!...

Na ambulância, além do condutor e de dois maqueiros, o Peralta levava como "ama seca"  um primeiro sargento enfermeiro [no livro, João Augusto]. Chegados ao aeroporto, "este pequeno comboio militar foi esconder-se no descampado que constituía o extremo poemte do aeroporto de Bissalanca".

Esta cena é hilariante: 

"Após a aterragem do avião, chegados os passageiros VIP ao hall da aerograre, de imediato disseram aos amigos e familiares aí presentes que, na Ilha do Sal,  timham recebido a indicação de que deveriam integrar a classe turística":... Justificação dada : "Em Bissau todos os lugares de primeira classe iriam ser ocupados por um  Capitão Cubanio, ferido e feito prisioneiro na Guiné"...

E, subitamente, ouve-se, através dos altifalanres,  uma voz feminina, a chamar pelo passageiro VIP: "Atenção, atenção, Pede-se ao passgeiro Rui Angel que se dirija aos Serviços de Saúde"... 

O diretor do HM 241, alarmado, apercebe-se do caricato da situação: toda a gente passava a saber que o avião viajava para Lisboa com um famoso e perigoso capitão cubano... 

À chegada à Lisboa, com a sua "ama seca", foi levado discreta e prontamente para o Hospital Militar da Estrela, sem que ninguém se tenha lembrado de "meter um batedor com girofaro e sirene, a abrir caminho, pelas avenidas e ruas de Lisnoa, da Portela até à Estrela" (p. 145.)

Na realidade, foi escoltado por um pelotão da Polícia Mlitar, comandada pelo alf mil cav Armando  Cerqueira, até à Trafaria (e mais tarde, para o hospital-prisão de Caxias).

Voltaria a Portugal,  creio que em 2009, tendo-se encontrado com os seus antigos "captores", em Lisboa,  em Belém, no Monumento aos Combatentes do Ultramar:  o sargento paraquedista Ragageles (ao tempo 1º Cabo), e o tenente coronel SG / PQ João de Bessa (ao tempo capitão). E ainda se juntaram, na Guiné-Bissau, o João Bessa, o 'Nino' Vieira e o Peralta para reconstituir, "in loco", a emboscada em que o cubano foi ferido e capturado pela tropa portuguesa.


(Continua) (***)

 ____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8481: Os nossos médicos (27): Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro,fui um dos que operou o Cap Cubano Peralta; e com o Dr. João Carlos Azevedo Franco, fui um dos últimos a ver o corpo do malogrado Major Passos Ramos (J. Pardete Ferreira)

(...) Fui para Teixeira Pinto [, para o CAOP] , de DO 27, numa manhã dos primeiros dias de Fevereiro de 1969!

Fui requisitado para Bissau no final de Junho do mesmo ano... (...) O meu cartão [, emitido pelo QG Bissau, com data de 24 de Junho de 1969, ] está assinado pelo Director do HM241, Major Médico Felino de Almeida (falecido em Janeiro do corrente ano).

Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro, Ortopedista, fui efectivamente eu que operou a ferida da parede torácica do Cap Peralta. (...)

(**) Vd. notas de leitura anteriores:


domingo, 15 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21547: (D)o outro lado do combate (62): o primeiro contingente cubano em acção no Boé em 1966 (Jorge Araújo)



Foto 1 - Citação: (1963-1973); "Fernando de Andrade com um grupo de guerrilheiros do PAIGC e internacionalistas cubanos", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43457 (com a devida vénia).



Foto 2 – Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO27, c.1967. Ao fundo as colinas do Boé – Poste P18873, com a devida vénia.



Foto 3 – Madina do Boé: Imagem do aquartelamento. Foto do álbum de Manuel Coelho, ex-fur mil trms, da CART 1589 (1966/68) – Poste P8548, com a devida vénia.



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo; tem  270 referências no nosso blogue.

 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE: 
O PRIMEIRO CONTINGENTE CUBANO EM ACÇÃO NO BOÉ (1966) 


► ADENDA AO P21529 (09.11.20) (*)


1. INTRODUÇÃO



O local de martírio, pelo sofrimento continuado na sua defesa, denominado Madina do Boé, enquanto território circunscrito à intervenção das forças militares que nele combateram até 05/06 Fev 69, continua a suscitar superior interesse no aprofundamento da sua historiografia, onde cada contributo se transforma em mais uma peça do puzzle na reconstrução da memória colectiva da «Guerra dos Doze Anos» (CTIG; 1963-1974).

Pelas diferentes narrativas publicadas na última quinzena, no Blogue, acreditamos que está longe o dia em que se poderá dar por encerrado este dossiê, uma vez que muito ainda estará, provavelmente, por dizer, contar e/ou escrever.

Para além do acima exposto, o conteúdo da carta manuscrita por Amílcar Cabral (1924-1973), em 12 de Abril de 1966 [por sinal dia de aniversário de minha mãe (1928-2015)], e enviada de parte incerta ao seu camarada Aristides Pereira "Xido" (1923-2011), onde são dadas informações sobre diversos assuntos, mescladas com "orientações/ordens", nomeadamente as relacionadas com os planos a desenvolver pela guerrilha no Sector do Boé, que, a partir daquela data, iria receber "reforços operacionais" com a chegada dos primeiros elementos do contingente cubano, está na origem deste texto que identifiquei como "Adenda ao P21529" (*).

Porque, entre os diferentes temas tratados na carta, se aborda a chegada dos primeiros cinco "internacionalistas cubanos": três artilheiros (Antonio Lahera Fonseca, Heriberto Salabarria e Loreto Vásquez) e dois médicos (Rómulo Soler Vaillant e Raúl Currás Regalado), fomos em busca de algo mais consistente para nos ajudar a compreender o papel desempenhado por esses "reforços", oriundos do Mar das Caraíbas, nos tempos que se seguiram.

Para o efeito, começaremos por analisar, no ponto 2, o conteúdo das "memórias do médico-cirurgião militar Rómulo Soler Vaillant", a que tivemos acesso na nossa investigação, em particular aquelas que se enquadram neste contexto.


2. MEMÓRIAS DO MÉDICO-CIRURGIÃO MILITAR CUBANO RÓMULO SOLER VAILLANT (GUINÉ, 1966/67) DA SUA PASSAGEM PELO BOÉ 


O médico-cirurgião militar Rómulo Soler Vaillant nasceu em 1936, na cidade de Guantánamo, uma das dez províncias de Cuba, onde está situada a Base Naval dos Estados Unidos. Já graduado em medicina, e como maior experiência em cirurgia, realiza a pós-graduação no Hospital Militar de Matanzas «Mário Muñoz Monroy» (Setembro de 1965 a Fevereiro de 1966). Durante este período de tempo trabalhou como cirurgião, Chefe do Serviço de Cirurgia e Director do Hospital.


Em Março de 1966, é integrado na missão internacional com destino à Guiné-Bissau, como cirurgião e médico da guerrilha do PAIGC, com o nome de guerra  "Raúl Sotolongo Soler".


Fez a viagem de avião, com escalas,  até chegar a Conacri, na Guiné-Conacri, na companhia de sete outros companheiros, dois eram médicos (ele e o Raúl Currás Regalado) e os restantes artilheiros e morteiristas [como por exemplo: os tenentes: António Lahera Fonseca e Heriberto Salabarria e o soldado Loreto Vásquez].


Conheceu o Amílcar Cabral (1924-1973) com quem conversou por diversas ocasiões, para além de realizar tarefas de organização dos medicamentos e outros do seu perfil médico, às vezes em Conacri, outras em Boké ou já na "mata",  com os guerrilheiros.


Após a chegada do resto do seu grupo "mobilizado" em Cuba, cuja composição era de oito médicos e vinte militares, seguiram por estrada até Boké, uma localidade a mais de duzentos quilómetros, perto da fronteira com a Guiné-Bissau. 


Boké era a base de abastecimento e infiltração para a Guiné-Bissau, com um hospital de rectaguarda. Esta cidade ficava a cerca de 40 - 50 quilómetros de Simber, a linha de fronteira entre as duas Guinés.


Sobre a constituição deste "grupo", recupero as informações publicadas no Poste P16224, da autoria do,  também, médico-cirurgião Domingo Diaz Delgado, onde se refere: 


"(...) Em 21 de Maio de 1966, depois de me incorporarem neste contingente, constituído por artilheiros, morteiristas e médicos, embarcámos para a Guiné no navio Lídia Doce. A viagem durou dezasseis dias, chegando ao porto de Conacri em 06 de Junho desse ano. "(...) 


Do primeiro grupo de nove médicos, três (?) viajaram de avião porque o PAIGC precisava deles com urgência.


Continua: 


(...) "De Boké partimos em transporte para Simber, linha fronteiriça com a Guiné-Bissau, a passagem decorreu sem dificuldades. (…)

O acampamento base onde nos encontrávamos chamava-se Kanchafra [Kandiafara ?] ou Cubucaré, não me lembro bem, só me explicariam (mais tarde) os Drs. Júlio García Olivera ("Bebo") e o Luís Peraza Cabrera, que juntos formávamos o grupo médico da Região Sul.

"No Leste e Oeste do país (Guiné-Bissau), existiam também grupos guerrilheiros do PAIGC, conselheiros e médicos cubanos, entre eles os Drs. Jesús Pérez, Teudy Ojeda Suárez (ortopedista) e Domingo Díaz Delgado (neurocirurgião), Raúl Currás Regalado (medicina geral) [12Set1941-15Mai1976]


"Faleceu em 15 de Maio de 1976, entre Nova Lisboa e Lobito, durante a sua missão humanitária em Angola] que, como nós, tiveram que realizar diversos procedimentos cirúrgicos. Devo esclarecer que, excepto o Dr. Pedro Labarrere que já era especialista (internista), quase todos nós tínhamos experiência como alunos, em internato e em pós-graduação do referido perfil, mas ainda não éramos especialistas.

Um acontecimento maravilhoso e marcante, para mim e também para todos nós que formamos o grupo de cubanos nas "matas" da Guiné, foi a chegada, como chefe da missão, do Víctor Dreke, um homem simples, valente e com condições mais do que comprovadas como chefe e líder.

O costume dos guerrilheiros era dançar e cantar por dois ou três dias antes de atacar um quartel e, principalmente, quartéis com tropas numerosas e bem armados. 

Sobre este ataque, foi feito um filme com a direcção do cineasta José Massip e pela câmera de Dervis Pastor Espinosa, onde entrei no baile e, sem camisa, passei como um nativo [ver o filme cubano 'Madina Boé' – Poste P21522]. 

Madina Boé era uma região muito importante para os portugueses e também para os guerrilheiros: em duas ocasiões foi atacada e o fogo inimigo [NT] praticamente não permitiu que os guerrilheiros avançassem. 

Desta vez, os Drs. Virgílio Camacho Duverger, Ibrahim Rodríguez, Santiago Milton Echevarria Ferrerá ("Xisto") e eu [Rómulo Vaillant], garantiríamos o ataque ao quartel de Madina do Boé do ponto de vista médico. Camacho e Ibrahim preparariam as melhores condições no Hospital de Boké e Milton e eu acompanharíamos a tropa.

Instalamos o posto médico nas nossas mochilas a menos de um quilómetro de onde aconteceria o combate. Sob o comando dos chefes guerrilheiros do PAIGC e de Víctor Dreke, este quartel foi atacado, houve surpresa por parte do inimigo [NT], causando baixas com um incêndio que duraria cerca de 30 minutos (creio). 

Depois da surpresa e quando saímos dos abrigos, foram incontáveis os reabastecimentos e os disparos de canhões [sem recuo] contra nós, bombardeamentos e lançamentos de morteiros, claro que recuávamos a uma velocidade superior à dos projécteis que nos atiraram. Se não me falha a memória, tivemos apenas cerca de seis ferimentos, todos leves. Nunca corri tanto na minha vida.

Numa ocasião acompanhei um pequeno grupo de guerrilheiros (bigrupo) durante um reconhecimento, fui na frente durante a viagem e ouvi um grito alto de quem era o meu segurança... Raúl... - Não se mexa, não ande, você está num campo minado - e ele começou a guiar os meus passos para que ambos saíssemos do perigo, eu recusei-me a fazê-lo e gritei para ele vir-me buscar, e ao meu lado, eu pulei e subi para cima dele, graças ao meu santo eu saí desse tormento são e salvo". (…)


 


3. - OUTROS FACTOS RELATADOS NO LIVRO "LA HISTORIA CUBANA EN ÁFRICA", DE RAMÓN PÉRES CABRERA, SOBRE AS ACÇÕES MILITARES DOS CUBANOS EM MADINA DO BOÉ,  EM 1966


► FRENTE LESTE



Os três artilheiros cubanos chegados em [29] de Abril: Antonio Lahera Fonseca, Heriberto Salabarria e Loreto Vásquez, seguiram para a Frente Leste que tinha como comandante Domingos Ramos, que havia acompanhado Amílcar Cabral na sua viagem a Cuba para participar na «Primeira Conferência Tricontinental», que decorreu em Havana de 9 a 12 de Janeiro de 1966.



 


Foto 5 – Citação:
(1966), "Amílcar Cabral, Domingos Ramos, Pedro Pires e Vasco Cabral na Conferência Tricontinental em Havana", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44215 (com a devida vénia).

 

Os três cubanos, armados com AK, de fabrico chinês, para além de ensinarem o manejo de artilharia aos guerrilheiros, participavam nas acções destes em combate. Estes foram, com efeito, os primeiros cubanos a participarem nas actividades da guerrilha na Guiné (Bissau).


As acções tiveram início a partir do 1.º de Maio de 1966 contra o quartel de Madina do Boé. Por parte das forças das FARP participaram dois bigrupos, utilizando metralhadoras ligeiras e lança-roquetes, apoiados por dois morteiros 82 mm. Este quartel estava defendido por cerca de duzentos militares com potente armamento que incluía: dois morteiros de 81 mm, três metralhadoras calibre .50  [, 12.7 mm, talvez a Browning] e bazucas de grande potência [, 8.9 cm]. No ataque do dia 1.º de Maio, domingo, as FARP tiveram dois feridos.


No dia 12 de Maio, 5.ª feira, o mesmo quartel foi fustigado novamente, com fogo de artilharia, tendo atingido algumas "barracas". Nos dias 20, 6.ª feira, e 31, 3.ª feira, desse mês, realizaram-se novos ataques. 


Neste último ataque, a resposta dos portugueses causaram dois feridos aos guerrilheiros. No dia 23 de Julho, sábado, realizou-se o quinto ataque contra o quartel, onde participaram forças de infantaria e artilharia das FARP. 


Nessa ocasião foram atingidas quase a totalidade das instalações dentro do perímetro fortificado do quartel, apesar de não serem conhecidas as baixas inimigas [NT].


De facto as NT, neste ataque ao quartel, registaram três baixas, a saber (CECA; pp 202/203):


■ Soldado, Augusto Reis Ferreira, natural de Montargil (Ponte de Sôr);

■ Soldado, Carlos Manuel Santos Martins, natural da Cova da Piedade (Almada);

■ 1.º Cabo, Rogério Lopes, natural de Chão de Couce (Ansião).



Capa dp livro de Ramón Pérez Cabrera


Os guerrilheiros (FARP) tiveram três mortos e vários feridos. No dia 31 de Julho, domingo, foi realizado um novo ataque ao quartel com fogo de artilharia.

Neste mês de Julho de 1966, chegou à Guiné (Bissau) o 1.º comandante Raúl Menéndez Tomassevich a pedido de um grupo de oficiais das FAR  [, Forças Armadas Revolucionárias, cubanas], acompanhando, pelo país, Amílcar Cabral, João Bernardo Vieira "Nino" e Francisco Mendes. 

Na companhia de Tomassevich faziam parte os comandantes Lino Carreras, Flávio Bravo e outros comandantes das FAR. Tomassevich permaneceu vários meses assessorando os membros das FARP na organização das Bases guerrilheiras e participou na planificação da «Operação Madina do Boé», efectuada nos dias 10 e 11 de Novembro de 1966.

Esta seria a maior acção realizada até esta data pelas FARP.


No dia 10 de Novembro, 5.ª feira, às cinco da tarde, os guerrilheiros iniciaram os ataques com fogo de canhões e morteiros contra as instalações do quartel, onde estariam uns trezentos efectivos sob o comando de um capitão [o Cap Mil Inf Jorge Monteiro, autor do livro «Uma Campanha na Guiné; 1965/67»] que, entrincheirados nas suas fortificações defendiam-se com as suas armas de infantaria apoiados por potentes armas pesadas: dois morteiros de 81 mm, três metralhadoras de .50  [12,7 mm ] dez metralhadoras de .30 [7.62 mm].  Os atacantes estavam acompanhados por cerca de trezentos e cinquenta guerrilheiros que contavam com boas armas de infantaria e um poderoso armamento pesado: três canhões sem recuo de 75 mm, três morteiros de 82 mm, 15 lança-roquetes e seis metralhadoras antiaéreas de 12,7 mm, utilizadas em tiro rasante.

As acções planificadas pelo comandante Tomassevich, em coordenação com Amílcar Cabral, previam ainda a inclusão de emboscadas de contenção nas áreas de circulação terrestre e fluvial, assim como contra helicópteros. Na liderança das forças atacantes estava o comandante Domingos Ramos, membro do comité político do PAIGC e um dos líderes mais queridos e respeitados pelos guerrilheiros.

No combate participaram seis internacionalistas cubanos: os tenentes Aurélio Riscard Hernández, Heriberto Salabarria Soriano, Virgílio Camacho Duverger, médico, os soldados Loreto Vásquez Espinosa e Milán Suárez, anestesista. Também participou Ulises Estrada Lescaille [nome de Guerra, de Dámaso José Lescaille Tabares (11.12.1934-26.01.2014], membro da Inteligência cubana. (Op. Cit; pp 100-101).


Fonte: https://books.google.pt/books?id=4HT2AgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-PT#v=onepage&q&f=false




4.  TESTEMUNHO DO MÉDICO CUBANO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER (1934-2003) O ATAQUE AO QUARTEL DE «ADINA DO BOÉ EM 10 DE NOVEMBRO DE 1966 – Poste P16613


Ao terceiro mês de estar na região Leste [novembro'66], é-lhe pedido que realize um reconhecimento ao quartel de Madina do Boé, considerada por si como a missão mais importante em que participou, tendo por companhia o dr. Milton Echevarria, médico do seu grupo na Frente, e o apoio de guias/guerrilheiros destacados para aquela acção, caminhada que, disse, demorou perto de cinco horas, uma vez que a base estava a cerca de três quilómetros dali.

Em 10 de novembro de 1966, uma quinta-feira, a operação concretizava-se. Antes do ataque, na companhia de um enfermeiro cubano anestesista que havia chegado para reforçar o grupo de saúde, criou um posto sanitário avançado em território da Guiné-Bissau, perto da zona do combate, de modo a facilitar a assistência médica e a prestar os primeiros socorros aos combatentes que ficassem feridos, pois não era fácil chegar ao Hospital de Boké.

Conta que a primeira morteirada lançada pelos portugueses [da CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local onde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos. Os estilhaços da granada atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta que não deu tempo para o levar até ao hospital para o poder operar. 

Durante a evacuação, a caminho do hospital [não indica qual: se a enfermaria que ajudou a criar em território da Guiné-Conacri, se o Hospital de Boké], Domingos Ramos faleceu.


Nota final: 

Para mais detalhes sobre a morte de Domingos Ramos, consultar o poste P16662 > Domingos Ramos, desertor do exército português e herói nacional da Guiné-Bissau: entre o mito e a realidade: as últimas palavras que ele nunca poderia ter dito, nem muito menos escrito, antes de morrer, em 10/11/1966, no ataque a Madina do Boé (Jorge Araújo).


► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).


Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

13Nov2020

__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21529: (D)o outro lado do combate (61): A chegada dos primeiros cubanos em abril de 1966, e o reforço da guerrilha no Boé, conforme carta de Amílcar Cabral para "Xido", o nome de guerra de Aristides Pereira