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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10712: Meu pai, meu velho, meu camarada (34): Tropas expedicionárias portuguesas, em São Vicente, Cabo Verde, 1941/45, mostram solidariedade com o povo sofrido da ilha (Adriano Miranda Lima, cor inf ref, Tomar; cortesia de Praia de Bote)


Reprodução (parcial) do poste nº 8 da série Tropas expedicionárias portuguesas em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial, da autoria de Adriano Miranda Lima, publicado no blogue Praia de Bote


1. Já aqui falámos do blogue Praia de Bote e do nosso leitor Adriano Miranda Lima, cor inf ref, residente em Tomar, e natural de São Vicente, Cabo Verde. O cor Miranda Lima serviu, durante muitos anos, no RI 15, o prestigiado RI 15, donde saíram, ao longo da nossa história, milhares e milhares de combatentes. E tem um especial carinho não só pela sua terra de origem, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, como pelos "nossos pais" que estiveram lá, em missão de soberania durante a II Guerra Mundial... 


Sobre esses "expedicionários" ele tem vindo a escrever no blogue Praia de Bote, estando de resto autorizado a utilizar textos, vídeos e fotos do nosso blogue, e nomeadamente da série "Meu pai, meu velho, meu camarada"... Com data de ontem, 22, saiu mais um poste, que traz um sugestivo título: "Levaram na mochila o espírito de solidariedade"... Tenho pena que o "meu velho" já não esteja vivo para lhe poder ler alguns excertos... 

 Aqui vão eles, de qualquer modo, para conhecimento dos nossos leitores, enquanto ao mesmo tempo reitero o meu convite ao Adriano Miranda Lima para aceitar o meu convite para ingressar na Tabanca Grande (ambos temos no coração Cabo Verde, e esta terra está intimamente ligada à história da Guiné e da guerra colonial) (*): 

(i) (...) " Até as praças do contingente expedicionário arranjaram o seu 'impedido', glosando-se aqui, claro, o significado militar do vocábulo. E quem eram esses 'impedidos'? Nada mais que a miudagem que se acercava dos portões dos quartéis à procura de um pouco de alimentação. As praças precisavam de alguém que lhes levasse a roupa a uma lavadeira, que lhes desse um recado ou até que lhes engraxasse as botas".

(ii) (...) "Em relatos que ouvi a muitos desses ex-militares, raros são os que não conservaram para sempre na memória o triste episódio da fome que assolava o arquipélago e dizimava impiedosamente vidas humanas (cerca de 50.000 mortos entre 1943 e 1945). É por esta razão que o coração dos militares não era insensível ao espectro da fome estampado nos rostos dos rapazinhos que se abeiravam dos quartéis. Muitos reservavam um pouco da sua alimentação diária aos seus 'impedidos', quer fosse pão quer fosse comida confeccionada nos caldeiros do rancho geral. Só quem nunca sentiu a tortura da fome não imagina o valor que teria naquela altura uma simples côdea de pão ou uma tijela com uns restos de sopa". (...)




Cabo Verde, Ilha de São Vicente > "Luís Henriques, em 10 de maio de 1942. Na praia do M. [Monte] Branco, Lazareto, São Vicente". Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012). No verso, além da legenda transcrita, há  um carimbo com os dizeres: "MELO Foto. Secção de amadores. São Vicente".

 Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados



Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (?) > "Festa em San Vicente, nosse terre. Nativos em festa. Recordação da minha estada em C. Verde, expedidição 1941-1943. Luís Henriques". Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012).

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


(iii) (...) "De entre muitos testemunhos, vale a pena registar aqui o do antigo expedicionário 1º cabo Luís Henrique, do Batalhão de Infantaria 5, aquartelado em Lazareto, que me foi transmitido em mail pessoal pelo seu filho (,..), editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, espaço no qual o mesmo testemunho foi reportado há alguns anos, assim como factos relevantes da vida militar do seu pai em terra cabo-verdiana. 

Textualmente, transcreve-se esta seguinte passagem do citado mail: 'O meu pai lembra-se da epidemia de fome que assolou as ilhas, no tempo em que lá esteve (1941/43). O seu 'impedido', o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (cerca de 16$00), para ajudá-la nas despesas do funeral'. Luís Graça explicou que o seu pai estava na altura hospitalizado mas que acompanhou o triste episódio da morte do seu 'impedido' .(...) 

 Não há exemplo mais tocante e mais grandioso do que o daquele que dá o pouco que tem para mitigar a fome e o sofrimento do seu semelhante. Foi o caso do senhor Luís Henrique e de muitas praças dos contingentes militares expedicionários" (...).

(iv) (...) "Em narrativas anteriores, referi a importância particular que para mim reveste o Batalhão de Infantaria 15, nomeadamente a sua 3.ª Companhia de Atiradores, a que ficou em S. Vicente enquanto o grosso do Batalhão foi destacado para a ilha vizinha. Vamos ver o porquê desse meu sentimento. Essa companhia, sob o comando do capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira, ficou aquartelada no centro do Mindelo (...). Aquele capitão era venerado pelos seus antigos subordinados, que o recordavam pela sua competência profissional e pelo espírito humanitário oculto atrás do seu ar sóbrio e grave. (...)

(v) (...) "Condoído com aquela dramática situação [, a fome que lavrava na ilha], o capitão Oliveira ordenou ainda a montagem de um mais organizado serviço de distribuição de sobras de rancho, autorizando que aqueles pobres civis entrassem mesmo para dentro da área militar. À certa altura, reparando que o número de necessitados crescia a olhos vistos, disse ao furriel que tinham de arranjar um processo de maximizar as sobras de alimentação de forma a responder melhor àquela situação. Perante as dúvidas do subordinado, explicou-lhe que era preciso recorrer a todas as situações administrativas e meios possíveis". (...)





" Foto pertencente à família do capitão Paiva Nunes e por ela cedida ao autor [, Adriano Miranda Lima]. Os oficiais presentes são todos capitães. (...) À frente, e da esquerda para a direita, o capitão Mário de Paiva Nunes e o capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira (aos 40 anos de idade), benfeitor do povo faminto do Mindelo", assinalado com elipse a vermelho. 




(vi) (...) "Recorda-se ainda [, aquele antigo furriel,] de o seu comandante de companhia ter ido falar com o comandante do Regimento de Infantaria 23, designação da unidade que englobava os batalhões de infantaria de S. Vicente, no sentido de sugerir ao seu superior hierárquico que todas as companhias procedessem de igual forma, e dentro dos possíveis, para ajudar as pessoas carentes de alimentação. E a verdade é que o gesto humanitário do capitão Oliveira em prol dos necessitados de S. Vicente não tardou a ser seguido nas outras companhias e baterias destacadas na ilha de S. Vicente". (...)

(vii) (...) "Mas o apoio e o espírito de solidariedade das forças militares tiveram uma expressão alargada e transversal, passando por actos individuais e colectivos e por diferentes sectores das estruturas militares. Destaca-se a acção médica e medicamentosa que a população recebeu durante a permanência das tropas de uma forma sem precedentes na história colonial das ilhas, sobretudo em S. Vicente. Essa acção permitiu salvar inúmeras vidas mediante intervenções cirúrgicas e uso de meios terapêuticos que não teriam sido 
possíveis sem a presença dos militares". (...)


______________

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10496 Meu pai, meu velho, meu camarada (33): Mais notícias das forças expedicionárias da ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/45) (Adriano Miranda Lima, cor inf ref)


sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3533: (Ex)citações (7): A reciclagem das garrafas de cerveja na Ponta do Inglês (José Nunes / Manuel Moreira)

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Viagem Porto-Bissau > Humor (negro): Um dari [chimpanzé do Cantanhez] , em cativeiro, numa aula prática sobre reciclagem do lixo...

Foto: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados

Quem disse que a fome e a sede, aos vinte anos, não eram boas conselheiras ? Na Ponta do Inglês, o melhor soldado do mundo (que era o nosso, pois claro!) reciclava tudo, a começar pela garrafa da cerveja, a bazuca mais desejada do mundo, e que vinha de lancha. E ainda não se falava, nesse tempo e nesse lugar, em crise energética, economia do lixo, ecologia, ecopontos, economia sustentável, e por aí fora... (Se calhar queriam uma estância balnear, não?!).

Na Ponta do Inglês (que nada tinha a ver com o Ultimato Inglês de 1890!), nada se perdia, tudo se transformava... Claro que eram todos voluntários e patriotas, os rapazes que heroicamente defendiam a Ponta do Inglês, na Foz do Corubal... Eram gajos com brio, porra! Tugas dum carago!



1. "Ponta do Inglês, local onde estive 2 a 3 horas, o tempo da maré... Na altura a iluminação do quartel era feita com garrafas de cerveja, cheias de petróleo, e o alarme era as ditas quase juntas para tilintarem e darem o alarme, só que os macacos davam p'ra se agarrar ao arame farpado e tilintar as garrafas... Pelo sim pelo não, o melhor era uma rajada"

José Nunes,
ex 1º Cabo Mec Electri Centrais
Beng 447
1968/70

Comentário de 27 de Novembro de 2008 ao poste do memso dia > Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

2. Da Canção da Fome:

(...) Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.



Poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69




3. (...) "Se não queriam ir que não fossem, mas não venham, agora velhos, lamentarem-se e quase pedir desculpa por terem sido soldados... Tenham brio, porra!"

Jorge Fernandes


Extracto de poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3529: Controvérsias (13): Se não queriam ir que não fossem...(V. Briote)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

1. Primeira mensagem de Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69, com data de 12 de Novembro passado, enviada ao nosso Blogue.

Olá, Luis Graça.

Sou Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mecânico Auto da CART 1746 que esteve em Bissorã de Julho de 1967 a Janeiro de 1968 e Ponta do Inglês, onde fiz a "Canção da Fome" (*), enviada pelo meu grande amigo e conterrâneo Paulo Santiago (somos ambos de Aguada de Cima) e Xime de Janeiro de 1968 a Junho de 1969.

Teria muito gosto em saber o endereço do nosso amigo Sousa de Castro.

Um Grande Abraço.



2. No dia 15 de Novembro foi enviado ao Manuel Moreira o endereço do nosso velhinho camarada, o minhoto Sousa de Castro.


3. No dia 24 de Novembro recebemos nova mensagem do nosso camarada Moreira:

Caro Luis,

Em 12/11/2008, enviei uma mensagem como apresentação, não sei se chegou, gostaria de participar na Grande Família que passou pela Guiné.

Um Grande Abraço



4. Comentário de CV:

Caro Manuel Moreira, a única mensagem tua que recebemos, foi aquela em que pedias o contacto do camarada Sousa de Castro, com data de 12 de Novembro. A resposta seguiu no dia 15.

Se queres pertencer à nossa Tabanca Grande, entra e instala-te à vontade. Afinal já pagaste o teu ingresso, pois no poste 1009 do dia 31 de Julho foi apresentada a letra da tua Canção da Fome, que reproduzimos mais abaixo.

Ficas no entanto ainda em dívida para connosco, porque embora já apresentado e em pleno gozo de todos os direitos inerentes à qualidade de membro da nossa Tabanca, não tens cá as fotos da praxe, muito importantes para te reconhecermos na rua ou num dos próximos Encontros da Tertúlia.

Um abraço
CV


5. Algumas notas de L.G. sobre a Ponta do Inglês

A Ponta do Inglês foi um “matadouro”, para as nossas tropas e para as do PAIGC, sendo um sítio de trágica memória para muitos ex-combatentes que lá participaram em operações.

Era um destacamento (estratégico), na margem direita do Rio Corubal. Foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968. Na altura era guarnecido por forças da CART 1746, a unidade de quadrícula do Xime:

vd post de 19 de Março de 2006 >Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado

A queda (ou o abandono) da Ponta do Inglês significou a interdição do Rio Corubal à nossa navegação, quer civil quer militar. E, como muito bem lembrava Amílcar Cabral, "o único rio de facto a sério, na nossa terra, é o Corubal"...

Há dias, na festa do Beja Santos, o Embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, disse que voltara a reocupar a sua antiga propriedade agrícola (“ponta”) que era um destacamento no tempo do Moreira e do Gilberto Madail, o Alf Mil Madail. Vd. poste de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)

O Embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, um antigo Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês (exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês).


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Emocionado, Beja Santos agradeceu a presença de tantos amigos e camaradas que ali se deslocaram, e fez questão de sublinhar o significado da presença do embaixador guineense em Portugal, Constantino Lopes. Este, por outro lado, reafirmou o desejo profundo dos guineenses de viverem em paz e de ganharem o direito a completar a sua luta de libertação.

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70)

Foto: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados.



CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

Manuel Vieira Moreira

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968
_____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3486: Tabanca Grande (98): António Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70

sábado, 3 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P839: Antologia (41): A AD na luta contra a fome nas regiões do sul


Guiné-Bissau > Ad - Foto da Semana > "Quitana N’Fanda é uma jovem oleira de uma tabanca do sector de Cubucaré, na região de Tombali, sul do país. A AD tem estado a incentivar os jovens a produzirem artesanato local que inclui esculturas Nalús, em madeira e em pedra, cestaria à base de mampufa e cadeiras e mesas de tara, uma vez que se começa a registar um cada vez maior interesse por este tipo de arte por parte dos ecoturistas que demandam agora frequentemente a Mata de Cantanhez".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2005) (com a devida vénia)



1. O Expresso da semana passada (27 de Maio de 2006) trouxe uma reportagem sobre a situação agro-alimentar no sul da Guiné, nas regiões de Quínara e de Tombali, que já foram o "celeiro" do país... A monocultura do arroz, a sua substituição pela cultura do caju e o miserável abandono por parte do poder político, instalado em Bissau, das populações das regiões do sul onde se forjou a luta pela independência, são alguns tópicos referidos na reportagem.

Também é citado o trabalho (exemplar) que a AD - Acção para o Desenvolvimento, dirigida pelo nosso amigo Pepito, está a fazer na região, em prol da criação de uma agricultura que seja compatível com a protecção do ambiente e que garanta a auto-suficiência alimentar dos camponeses.

Aqui fica a reportagem do jornalista Jorge Pereira (vd. Expresso África que é uma boa fonte de informação, on line, sobre a Guiné-Bissau e outros países africanos de língua oficial portuguesa)


Quando não há arroz, há fome

DEPARAR-SE com uma viatura num domingo e conseguir boleia, numa picada da espessa Mata de Cantanhez, no Sul da Guiné-Bissau, é raro. Mas foi o dia de sorte de Ntchudo Na Lana, um velho camponês de Darsalam, aldeia dos confins da região de Tombali, que já vinha caminhando desde a véspera, só parando para dormir e comer alguma coisa.

Andar longas distâncias a pé, dia e noite, é uma prática comum nas áreas rurais, em particular em Tombali e Quínara, zonas meridionais do país e as mais deserdadas em matéria de comunicação e transporte.

O carro, que transportava um consultor europeu da Acção para o Desenvolvimento (AD) e um técnico desta ONG local empenhada na preservação ambiental, parou e levou Ntchudo, que cultiva arroz de «bolanha», terreno de água salgada conquistado aos «mangroves». Em vez da nefasta, e pouco rentável, cultura itinerante, com recurso à queimada da floresta e à desmatação.

Ntchudo também aderiu ao cultivo de mandioca e de batata-doce, uma medida de urgência introduzida pela AD, para fazer face à actual penúria de arroz, a base da alimentação nacional. Conta que esteve na capital, onde recebeu uma «ajuda» de 150.000 francos (cerca de 230 euros) do chefe de Estado, Nino Vieira, que conheceu quando este era comandante na Frente Sul da luta pela independência.

A última época agrícola foi má para todos os produtores do Sul. Em Tombali e Quínara, consideradas «o celeiro» do país, não chegou a haver colheita de arroz. «E, quando não há arroz, há fome», disse Bilony Nhasse, directora regional da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Quínara, segundo a qual é urgente o fim da monocultura do arroz e variar a dieta alimentar.

Avaliações ainda provisórias indicam que mais de 20 mil pessoas enfrentam sérias dificuldades, o que levou o Governo a pedir, em finais de Abril, o apoio urgente da comunidade internacional. «Nunca se viu este cenário no Sul. As pessoas estão a chorar de fome. A falta de chuva e a entrada de água salgada nos arrozais rebentou com os diques e originou a perda da colheita do ano passado», descreve o chefe do Departamento de Engenharia Rural, Rui Néné Djatá, que aponta a necessidade de um «sistema de ordenamento hidro-agrícola para salvar os campos de arroz».

Para sobreviverem, as populações consomem as sementes que guardaram para a nova época agrícola. Ou recorrem a familiares na capital. A manga e o caju, abundantes nesta altura do ano, são a salvação de milhares de pessoas, que ainda enfrentam a falta de água potável. Como se relata em Bessassema, uma povoação onde, na falta de arroz e água, se mata a fome com manga fervida com sumo de caju.

Além das calamidades naturais, da burocracia e da lentidão na resposta à fome, os especialistas indicam que os atrasos e a polémica sobre os termos de troca da castanha de caju pelo arroz, que antecederam a campanha, penalizaram os agricultores e agravaram a crise.

(...) Para remediar a situação, uma organização que promove o desenvolvimento comunitário em Tombali importou arroz da capital e vendeu directamente aos camponeses, mas em quantidades insuficientes para resolver o problema. Nesta região e na de Quínara, o programa «Alimento por Trabalho», do Programa Alimentar Mundial (PAM), oferece uma ração de arroz e óleo para encorajar os camponeses a recuperarem os diques que protegem os campos de arroz, para que estejam em condições de aproveitar a época agrícola. O Fundo de Iniciativas Ambientais Locais, um projecto governamental recente, também prometeu financiar a reparação de diques, aqui chamados «orique», bem como o melhoramento das pistas rurais.

Para as organizações que intervêm no Sul, a principal causa da fome não é a falta de arroz ou outros factores conjunturais. «O que se passa no Sul é um escândalo. Em mais de 30 anos de independência, estas regiões não têm estradas em condições, nem outras infra-estruturas básicas», desabafa um responsável, que se insurge ainda contra a «ditadura do caju», que tende a substituir a monocultura do arroz. Os três meses - Março a Maio - da campanha da castanha de caju, principal produto de exportação da Guiné-Bissau, movimentam adultos e crianças. Atraem também a cobiça de estrangeiros, sobretudo indianos, os maiores compradores, enquanto os mauritanos vão directamente às aldeias guineenses. «Tomara que não se esqueçam de nós. Deus lhes pagará», roga a irmã italiana Franca Collombo, da missão católica de Empada, uma localidade da região que já conheceu melhores dias e que parece agora ter parado no tempo.

Jorge Pereira, enviado ao Sul da Guiné-Bissau


2. Tambémn o blogue Africanidade (não confundir com o Africanidades do nosso tertuliano Jorge Neto) já há mais de três semanas tinha dado a notícia do desastre alimenntar no sul:

Guinéu-Bissau: 130 mil afectados pela fome, Governo pede apoio internacional (Africanidade, 12 de Maio de 2006)

O governo guineense já tem pronto um programa de combate à fome que afecta mais de 130.000 pessoas no sul da Guiné-Bissau e pediu apoio internacional financeiro para concretizar o plano, anunciou hoje o ministro da Agricultura.

Segundo o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural guineense, Sola N'Quilin, o programa está orçado em 2,35 milhões de dólares (1,8 milhões de euros) para ajudar as mais de 130 mil pessoas afectadas pelas inundações de água salgada que levaram à destruição dos tradicionais terrenos de cultivo.

A fome afecta as populações das regiões de Quínara, Tombali e Bolama-Bijagós, cuja população total ronda as 250 mil pessoas, num país de 1,5 milhões de habitantes. Segundo as palavras do ministro, regista nas referidas regiões "uma penúria alimentar", confirmada pelos relatórios já elaborados por missões conjuntas com o Programa Alimentar Mundial (PAM) e outras entidades.

"Constatámos a destruição de diques, arrozais e de várias outras culturas que não completaram o ciclo agrícola, o que confirma a situação de penúria alimentar", afirmou Sola N'Quilin, que se encontra de visita àquelas regiões, consideradas o "celeiro" do país.

"A situação torna-se ainda mais alarmante a partir do momento em que se constatou que as populações desenvolvem as suas actividades agrícolas, sobretudo a produção de arroz (principal dieta alimentar dos guineenses), junto a um rio cujas águas salgadas, devido às marés vivas, destruíram toda a produção da região de Tombali", acrescentou.

Sola N'Quilin indicou que 50 por cento das áreas cultivadas foram prejudicadas pelas calamidades naturais, nomeadamente a paragem brusca das chuvas, em fins de 2005, invasão das "bolanhas" (campos de cultivo) por águas salgadas, pragas agrícolas e outros flagelos.
Segundo o ministro, o programa de auxílio, além de ajuda alimentar, prevê a reconstrução dos diques, construção de canais de drenagem, constituição de "stocks" de segurança alimentar e ainda o aprovisionamento de sementes agrícolas, de forma a garantir uma boa campanha agrícola.

Para o êxito das medidas, estão previstas duas estratégias, em que uma delas tem o carácter urgente, pois destina-se a fazer face à penúria alimentar, sendo concretizada através do "Food for Work".

A segunda fase, a médio/longo prazo, prevê apoios para o reforço das capacidades dos agricultores, das organizações camponesas e das estruturas de intervenção, de forma a assegurar a produção agrícola nas duas regiões na próxima campanha."A totalidade da superfície afectada traduz-se num prejuízo mínimo de 32.815 toneladas de arroz 'paddy', ou seja, 23.000 toneladas de arroz limpo, estimando-se que esta situação afecte cerca de 130.000 pessoas, mais de 32 mil agregados familiares", lembrou.