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domingo, 21 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20001: (In)citações (136): Fatemá (ou Fatumatá), a mulher grande, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do atual régulo, Suleimane Baldé, que foi soldado do exército português... Morreu em 2010, centenária... Um exemplo espantoso da arte de bem envelhecer (Paulo Santiago / José Teixeira / José Brás / Cherno Baldé / Mário Miguéis da Silva)




Guiné-Bissau > Sinchã Sambel > 2005 > Fatemá ( ou Fatumatá) e Paulo Santiago, ladeados por familiares e amigos. Por de trás, João Santiago, filho do Paulo, que também quis sentir as emoções de seu pai ao voltar à Guiné da sua juventude.

Fotos (e legendas): © Paulo Santiago  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]


1. A propósito da mulher grande, Fatemá ou Fatumatá, de Contabane (*),  volta-se aqui a reproduzir mensagem de Paulo Santiago  (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, que voltou à Guiné em 2005, 2008 e 2010), com data de 8 de Novembro de 2010 (*)


Telefonema que recebi, às 23.00 horas de ontem, do Zé Teixeira, que recebera a mesma notícia do Carlos Nery [, ex-cap mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), que, por sua vez, a recebera de um antigo milícia: "Morreu a Fatemá"!

Fatemá (ou Fatumatá), Mulher Grande, Grande Senhora, que conheci há 40 anos, tendo-a visitado em 2005 e 2008, era viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do actual régulo, Suleimane Baldé, ex-1.º cabo do Pel Caç Nat 53, que tive a honra de comandar.

A Fatemá ficou na memória de inúmeros militares que foram passando por Contabane, Aldeia Formosa e Saltinho, onde, na outra margem do rio Corubal, nos anos de 1970-71, foi construído o reordenamento de Contabane, hoje chamado Sinchã Sambel. O meu convívio, mais intenso, com a Fatemá decorreu no período em que vivi naquele reordenamento, de maio a agosto de 1972. Nos dias em que não havia saídas para o mato, quase sempre, a seguir ao jantar, tinha longas conversas com o Sambel e a Fatemá. 

Ela lembrava-me a minha avó Clementina que me enviou o bolo-rei mais delicioso que até hoje comi, apesar de muito duro quando o recebi em Bambadinca, história que já contei aqui no blogue.
 
A Fatemá era dotada de grande jovialidade e simpatia. Ainda hoje quando encontro algum ex-militar da CCAÇ 2701, a que estive adido, sabendo que estive recentemente na Guiné, em 2008, vem a pergunta : "W a Fatemá ainda é viva? Como é que ela está?"

Em fevereiro de 2005, acompanhado pelo meu filho João, apareci de surpresa em Sinchã Sambel, a Fatemá fez-nos uma recepção que jamais esqueceremos. Sem o saber desencontrara-me do Suleimane que tinha vindo, dias antes para Lisboa, e a Fatemá, naquele dia foi régulo e chefe de tabanca. Ela mobilizou toda a aldeia para receber os visitantes. Foi uma tarde, prolongou-se pela noite, de fortes emoções onde pontificava aquela figura matriarcal que no final nos ofereceu um cabrito.
Na Guiné, onde a esperança de vida é muito baixa, a Fatemá era uma excepção notável, e com certeza única, tempos atrás ultrapassara os cem anos. O Suleimane, ontem, quando lhe telefonei,  disse-me que a mãe tinha 114  anos (?!), e,  sendo assim, nasceu no séc XIX, passou pelo séc XX e vem morrer no séc XXI. 

Soube envelhecer com dignidade, para quem nunca soube o que era botox ou pilling, a Fatemá tinha uma pele lisa, com muito poucas rugas, e,  para além deste aspecto exterior, possuía uma cabeça cheia de memórias. Em 2005, falou-me dos militares portugueses que foi conhecendo ao longo dos anos da guerra, uns que eu conhecia, outros não. Curiosamente, esqueceu o comandante da CCAÇ 3490, ou fez por bem não o mencionar.

Em Março de 2008, encontrei-a  já muito prostrada, muito apática, e já não me reconheceu
Ontem à tarde, segundo o Suleimane, "ficou-se"... morreu de velhice. Hoje, às 10.00 horas, seria enterrada. Que Alá a tenha em descanso.

Águeda, Aguada de Cima, 8 de novembro de 2010

2. Comentários ao poste P7249:

(i) Luís Graça, editor:

Paulo: A ternura com que falas desta mulher, que bem podia ter sido tua avó ou bisavó... Os laços de afecto que deixaste por onde passaste... Eu não sei se isto é muito "português", só sei que é de um grande português, cidadão e homem, de sue nome Paulo Santiago e cuja presença, entre nós, muito honra a Tabanca Grande...

Há mais postes onde evocas a Fatemá... Por exemplo, fui buscar este excerto:

"Jamil [ Nasser, comerciante libanês do Saltinho,] desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a 'pendurar-se' ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos."(...) (**)


(ii) José Brás (**):

[ex-fur mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68); nasceu em Alenquer; trabalhou na TAP como tripulante comercial de 1972 a 1997; foi sindicatista e autarca; mora em Montemor-o-Novo; tem mais de 130 referências no nosso blogue; é autor de “Vindimas no Capim”, 2.ª Edição, Lisboa, Publicações Europa América, 1987, e também de "Lugares de Passagem", Chiado Editora, Lisboa, 2010].

A minha memória sobre a Fatemá  não é tão objectivamente clara como a que aqui aparece do camarada Santiago.

Há coisas da Guiné que me escapam hoje e penso mesmo que me escaparam sempre, para minha desgraça pessoal,  porque tenho isso como uma lástima que não me aumenta razões para a consideração de outros nem de mim por mim próprio.

Tentando entender porque terá sido isso, quero crer que se deve a uma certa rejeição pela guerra e pelas razões da guerra e, nesse tempo, mesmo pelos seus intérpretes no terreno, apesar de também eu a ter assumido.

Por isso Fatemá era apenas a mais prestigiada das mulheres de Sambel. tenente de segunda linha, homem que permaneceu a nosso lado, creio que até ao fim da guerra. Dele, lembro cartas que escrevi para um seu filho que estava em Lisboa e que ele queria em Contabane para casar com uma mulher "negociada" pelo pai, coisa que gerou conflito de posturas porque o filho, tendo escolhido mulher, outra, já não aceitava a decisão do pai.

Lembro também do posto rádio que montei em sua casa, com AN-GRC9,  para apoiar uma incursão da minha companhia na estrada que ligava a Madina do Boé, operação que deu apenas uma vítima, uma cobra com mais de 4 metros apanhada pelos soldados e cozinhada em Aldeia Formosa.

E também me lembro do embaraço desse dia, obrigado a partilhar o arroz de chabéu com galinha na mesma malga de madeira onde comiam Sambel e as suas mulheres da forma tradicional da Guiné.
Sei que muito soldado português partilhou experiências destas sem quaisquer dificuldades, mas para mim não foi agradável, coisa que, como disse já, sinto hoje como postura verdadeiramente lamentável na medida em demonstra a pouca adaptação que terei tido nesta experiência.

 (iii) José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; tem mais de 340 referências no nosso blogue; régulo da Tabanca de Matosinhos) (**)

 Não me lembro da Fatemá (...), quando trilhei as picadas de Quebo e Mampatá [, em 1968/70].

Recordo o régulo Sambel, seu marido, e a sua dedicação e fidelidade a Portugal. O seu filho, o nosso amigo Suleimane, actual régulo de Contabane, esse sim, como soldado milícia partilhou comigo algumas...  aventuras em Mampatá. Hoje prezo muito a sua amizade e a da sua esposa, a Ádada, que conheci ainda bajuda. Que bonita que era e ainda é!

Tal como o Paulo Santiago, tive a felicidade de conviver com a Fátemá em 2005, quando a Ádada (...) me reconheceu, passados trinta e cinco anos (que belo e feliz momento!).

Estava a saborear este encontro, quando vejo surgir à porta da sua morança a velhinha Fatemá, que se dirige a mim com um sorriso, para logo me abraçar e,  com as lágrimas nos olhos,  me pedir "Branco na volta, branco na volta !"

Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para matar saudades, ela insistia "Branco na volta!"... Seguiu-se uma amena conversa, interrompida aqui e além pelos seus bisnetos, que queriam brincar comigo ao fotógrafo.

Voltei em 2008. Notei que estava mais parada, porque os anos não perdoam. Retenho a imagem de uma mulher linda, apesar da idade, lúcida e,  sobretudo, tal como o filho e outros familiares que conheço, muito ligada a Portugal e aos portugueses que por lá passaram.

Com a sua morte perdeu-se um forte elo de ligação, com os portugueses que pisaram aqueles trilhos do regulado de Contabane.

3. Comentários  ao poste P19995 (*)

(i) Mário Miguéis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, BissauBambadinca e Saltinho, 1970/72; bancário reformado, cartunista,  vive em Esposende)

Na entrevista (pág. 10 e 11) feita por mim e pelo ex-alferes Rocha  ao respeitável Sambel Baldé, régulo de Contabane (pai do atual régulo, Suleimane Baldé) [, e publicada no jornald e caserba, "O Saltitão"], perguntávamos, a certa altura, ao entrevistado "quantas chuvas tinha"...."Cinquenta e sete", respondeu Sambel, com convicção. 

Ora, tendo sido referido aqui no blogue, aquando do falecimento da Fatumata (senhora de uma simpatia e gentileza inexcedíveis, mulher mais velha de Sambel e mãe do atual régulo) que esta deveria ter a proveta idade de 114 anos e,  tendo ainda em atenção que a Fatumata, para quem a conheceu e ao Sambel, não era mais velha que este, antes pelo contrário, das duas uma: ou o Sambel tinha mais que 57 anos em 1971 (data da entrevista) ou a Fatumata não tinha assim tantas chuvas quando faleceu [, em 2010]... (Experimentem fazer as contas).

Para os menos familiarizados com a guerra no sul e leste da Guiné, o Sambel alude, na entrevista, ao ataque do PAIGC à tabanca de Contabane (nas proximidades de Aldeia Formosa), que destruiu completamente (disso se falou já abundantemente aqui no nosso blogue). 

Madina-Contabane foi edificada na margem esquerda do Corubal, junto ao Saltinho, pelas tropas da CCAÇ 2701, em 1971, para recolher, em definitivo, a população, algo dispersa durante dois anos, da antiga Contabane. 

O capitão André, a certa altura da entrevista referido pelo Sambel, era o comandante da CCAÇ 2406 ("Os Tigres"), que precederam a CCAÇ 2701 no Saltinho (já publiquei uma foto no blogue, montando o tigre da CCAÇ 2406, "escultura" que tem na sua base uma lápide alusiva aos vários mortos da Companhia).

(ii) Cherno Baldé, Bissau (*):

(...) A segunda hipótese deve ser a mais provável, pois 114 anos são "muitas chuvas" para as condições reais em que nós vivemos, mesmo sendo uma mulher. O método da contagem (chuvas) e a ausência de registos escritos fazem mais que complicar a contagem. E, para piorar, no meio tradicional fula, a idade não era importante senão no momento e em função do beneficio que dai poderia resultar. Convinha ser jovem e forte nos momentos de recrutamento para tarefas mais ou menos bem remuneradas, e mais velho quando isso permitia beneficiar de alguma herança ou deixar de pagar impostos.

Gostei muito da lenda sobre a origem do cavalo e da entrevista ao Régulo Sambel Baldé. A lenda do cavalo retrata a epopeia das guerras com o reino Bambará de Segou, de onde é originária a maior parte dos primeiros fulas que povoaram o actual territorio da Senegambia (Guiné, GBissau, Senegal e a Gambia).

O verbo "firmar" é uma tradução directa da lingua fula, o mesmo que dizer "estar vs morar". Fez-me lembrar o meu velho pai que falava igualzinho, e bem vistas as coisas, com muito mérito e inteligência se tivermos em conta as suas origens e histórias de vida. Queria ver qualquer um de vocês a falar fula com a mesma desenvoltura de espirito e clareza no sentido. Caso para dizer: Mesmo se nunca mereceram o devido respeito e confiança da parte de muitos portugueses, mormente administradores coloniais e comandantes de companhias do exercito, os nossos pais e avôs foram extraordinários e dignos de admiração. (...)

(iii) Paulo Santiago (*):

Foi o Suleimane que me falou nos 114 anos da mãe, pode haver exagero, talvez...Ela teria uns sessenta e picos quando por lá andámos, mais os quarenta que ainda viveu. O Suleimane,é mais velho que eu doze anos,tem agora oitenta e três.

(iv) Mário Miguéis da Silva:

Caro Cherno Baldé, as tuas palavras alusivas aos vossos pais e avôs conseguiram comover-me. Tive com as populações de etnia fula, com as quais convivi ao longo dos dois anos da minha comissão de serviço, uma relação da maior cordialidade. Percebi, desde cedo, as carências de que padeciam e a delicadeza da sua posição. Embora suportassem tudo com elevação, com a maior das dignidades, não me passava ao lado o seu sofrimento, a sua preocupação com o futuro dos seus. Isto, apesar do seu passado de guerreiros altivos e indomáveis. 

De um modo geral, procurei ser muito amigo de todos, acarinhando as crianças e fazendo o que estava ao meu alcance para ajudar pais e mães. Mas, os Homens-Grandes, gente humilde no seu comportamento exterior, mas sábia e altiva como nenhuma outra no território, sempre me infundiram o maior respeito e mereceram grande amizade. Quando, como agora, dou comigo a recordar algumas vetustas personalidades, que tive a honra de conhecer no seio das suas tabancas disseminadas pelo leste e sul da Guiné, e embora não tenha quaisquer problemas de consciência quanto ao meu comportamento em relação às mesmas, não deixo de me sentir algo entristecido por não ter podido ser tão generoso com elas quanto desejaria.

Obrigado pelo teu comentário ao poste e um grande abraço. (*****)

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(*****) Último poste da série > 11 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19968: (In)citações (135): Achega II - E o PAIGC exaltou o Comandante Guerra Mendes a substituto de Salazar, na toponímia de Bissau (Manuel Luís Lomba)

sábado, 20 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19998: Os nossos seres, saberes e lazeres (344): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (3) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Lembremos o que nos dizia o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), na sua mensagem de 12 de Julho de 2019, onde nos falava de um projecto em que esteve envolvido no Saltinho, a criação de um jornal para a CCAÇ 2701, a que foi dado o o título de O Saltitão:

Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.
[...]
Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis

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2. Publicação das últimas 7 páginas do primeiro número de O Saltitão









(FIM)
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Notas do editor:

Postes anteriores de:

18 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19989: Os nossos seres, saberes e lazeres (341): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (1) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)
e
19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19995: Os nossos seres, saberes e lazeres (342): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (2) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

Último poste da série de 20 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19997: Os nossos seres, saberes e lazeres (343): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (6) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19995: Os nossos seres, saberes e lazeres (342): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (2) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Lembremos o que nos dizia o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), na sua mensagem de 12 de Julho de 2019, onde nos falava de um projecto em que esteve envolvido no Saltinho, a criação de um jornal para a CCAÇ 2701, a que foi dado o o título de O Saltitão:

Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.
[...]
Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis

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2. Páginas 5 a 11 do primeiro número de O Saltitão








(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19989: Os nossos seres, saberes e lazeres (341): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (1) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19989: Os nossos seres, saberes e lazeres (341): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (1) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 12 de Julho de 2019, onde nos fala de um projecto em que esteve envolvido no Saltinho, a criação de um jornal para a CCAÇ 2701, a que foi dado o o título de O Saltitão.


O Saltitão

Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.

A Direção do jornaleco pertenceria por inteiro, e por inerência do cargo, ao mentor da obra, o Capitão Carlos Clemente, Comandante da Companhia, que, desde logo, delegou em mim todas as competências e mais algumas: Migueis, você fica com inteira liberdade para orientar e dirigir o Jornal. Não há censuras. Mas, respeitaremos o objetivo primordial – já falámos sobre isso –, que é contribuir para manter as tropas com o moral tão elevado quanto possível. Do resto, tratará o nosso bom censo. Gostaria também que o jornal não estivesse virado apenas para as elites. Com erros ou sem erros de gramática, ponha-me os soldados a escrever. Com estas ou com outras palavras, a mensagem estava passada. E, se, no imediato, não seria possível atender a esta última recomendação do nosso Capitão – lembremo-nos do baixo nível de literacia, ao tempo, da maioria esmagadora dos nossos soldados –, para lá caminharíamos rapidamente nos números seguintes.

O Corpo Redatorial, sem o qual nada seria possível, acabaria, então, constituído por mim próprio – o moiro de trabalho, pois claro – e pelos 1.ºs Cabos Operadores Cripto, José Sargaço e Rui Coelho – com gente desta estirpe, O Saltitão só poderia ter feito um enorme ronco não só na Guiné como também no resto do mundo e arredores (se não acreditam no sucesso da coisa, perguntem ao PIFAS, que ele ainda se há de alembrar).

Para gáudio dos seus mentores, feitores, colaboradores e apoiantes, ainda naquele mês de Setembro de 1971, saltaria para as bancas o primeiro número de O Saltitão (a ideia do nome foi-nos sugerida pelo lugarzinho onde nos encontrávamos, pois claro), em tamanho A4 (normalmente, cada número dos jornais do género não passava de meia dúzia de páginas e era impresso em folhas tamanho A5), e impressão em stencil, maquineta que, em conjunto com umas boas toneladas de papel almaço branco e liso, o Capitão Clemente se apressara a requisitar a Bissau – ainda estou a ver e a ouvir o helicóptero de dois rotores, pairando, a 10 metros de altura, sobre a pista do Saltinho, a descarregar cuidadosamente aquele fardo gigantesco de resmas e mais resmas de papel para impressão.

Para satisfação da curiosidade dos estimados seguidores do nosso blog, estou a anexar algumas das cerca de trinta páginas do primeiro número do mensário (Setembro/1971). Dependendo dos likes (leia-se comentários) recebidos, divulgarei ou não o segundo número editado (Outubro/71).

Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis

O héli de dois rotores, descarregando as preciosas toneladas de papel para impressão do Saltitão
Com a devida vénia à Sputnik Brasil, onde a foto foi publicada oportunamente

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2. Primeiras 5 de 19 páginas do primeiro número de O Saltitão






(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19976: Os nossos seres, saberes e lazeres (340): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (5) (Mário Beja Santos)