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terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20913: Da Suécia com saudade (69): Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"], por Patrik Engellau... (José Belo)


Guiné-Bissau > Bissau > 2020 > Afribaba > Anúncio de venda de "Camião Volvo, de 20 toneladas, báscula para dois lados, com motor,  arroçaria e caixa em muito bom estado". Preço: 9 100 000 CFA (cerca de 13 870 euros, ao câmbio de hoje, 1 euro = 655,96 CFA).  Anunciante: Afribaba.(Reproduzido com a devida vénia...)


1. Mensagem de  José Belo,  ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português; jurista, vive entre (i) Estocolmo, Suécia, (ii) nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, e (iii) Key-West, Florida, EUA; é o único régulo da tabanca de um homem só (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães e dos seus ursos)

Data: sábado, 25/04, 20:16



Assunto: : "Eu destruí completamente um País" (*)


Luís: seguem as as declaracões de Patrik Engellau, um alto quadro do funcionalismo público sueco, sobre a Guiné-Bissau.. Junto foto dele, Patrik Engellau em artigo publicado no "Alla Skribenter", 27 dezembro de 2015. Faço uma tradução adaptada do artigo. Atenção aos muitos erros ortográficos na língua de Camões, por mim pouco usada há muitas décadas, a pedir benevolências extras quando escrita sobre o joelho nesta tradução do sueco original.



Ámen, J.Belo


2. Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"]

"Alla Skribenter", 27 de dezembro de 2015.

por Patrik Engellau


Trabalhei durante cerca de 10 anos na ajuda económica ao Terceiro Mundo, primeiro nas Nações Unidas e depois  na agência sueca para o a cooperação internacional e o desenvolvimento (SIDA - Swedish International Development Cooperation Agency), em países como o Brasil, Índia, Etiópia, e por último como chefe na embaixada sueca em Bissau.

Cheguei a Bissau em 1976, com 50 milhões de coroas suecas, no bolso, por ano,  para apoio económico (,hoje equivalente a cerca de 250 milhões). Isto foi mais ou menos na mesma altura em que o novo governo guineense tomava posse após a queda do império português.

A Guiné-Bissau era um dos países favoritos da Suécia. Tanto a União Soviética como a Suécia tinham feito grandes doações ao PAIGC, o movimento de libertação de orientação socialista, agora no poder. Mas a Suécia era, então, de longe, o maior doador.

As nossas contribuições totalizavam uma soma muito superior ao Orçamento do Estado guineense. Sentia-me, então, como um dos elementos com maior influência no país. Tanto o Presidente [, Luís Cabral,] como os Ministros procuravam-me quase diariamente para obter as mais variadas coisas.

Mas os que julgam que tudo então se perdeu por os políticos terem aberto contas particulares em bancos suíços, estão enganados. Pelo menos no início, a líderança política eram constituída por gente honesta, bem intencionada, verdadeiros socialistas idealistas.
Queriam reformar e fazer progredir o país.

Obviamente que, ao olhar-se hoje [2015] retrospeticamente, não teria sido pior se a nossa ajuda económica tivesse terminado nas tais contas bancárias particulares.

A principal produção da Guiné-Bissau, além da agricutura de autosubsistência, era o arroz e o amendoim, os dois produtos de exportação,O comércio entre os produtores e o porto de Bissau estava nas mãos dos libaneses. Estes usavam carrinhas de marca Peugeot, em estradas lamacentas e com pouca manutenção, para transportarem para o interior produtos importados (, artigos de plástico, tecidos e outros), consumidos pelas populações, e no regresso a Bissau voltavam carregados com arroz e amendoim.

O governo não estava nada satisfeito com este sistema por considerar que os libaneses ganhavam demasiado com estes negócios de verdadeira exploração dos produtores locais. Considerava também que as pequenas quantidades transportadas não eram economicamente viáveis na perspetica da exportação em grande escala.

Ambos os problemas foram resolvidos com um plano que previa a nacionalização do comércio por grosso e a retalho e o transporte das mercadorias a realizar por camiões modernos.

Claro está que foi a Suécia quem, a meu pedido, veio a fornecer umas dúzias de moderníssimos camiões Volvo, desembarcados em Bissau em poucos meses.

Estes camiões último modelo,com ar condicionado, rádio estereofónico e confortável cabine para o condutor dormir, eram naves espaciais aos olhos da populção, e depressa se tornaram num instrumento de "engate" das belezas locais nas ruas de Bissau.

Durante uns tempos era mais importante esta "mercadoria" do que os tradicionais produtos de plástico e tecidos a serem transportados para o interior.

Se o problema tivesse sido só esse, as coisas näo teriam sido tão graves. Mas...quando os camionistas mais consciencios finalmente se puseram a caminho do interior (o que não deveriam ter feito!), concluiu-se que as estradas existentes [, "picadas",] não foram feitas para estes mastodontes ma sim para as carrinhas Peugeot.

Todos os tipos imagináveis de problemas surgiram, acabando por liquidar este tipo de transporte. Em menos de seis meses todos os camiões Volvo estavam parados.

Sendo as marcas de camiões Volvo e Scania as mais vendidas mundialmente, e utilizadas nas condições mais extremas, foi enviada a Bissau uma equipa de mecâncios para estudar o problema surgido.

Chegou-se à conclusão de que, para além dos problemas quanto ao peso que as estradas não suportavam, ambém tinham surgido pequenos problemas de manutenção das viaturas, do tipo: esqueceram-se de mudar o óleo, houve componentes dos motores que desaparecera, etc.

Com a falta de intermediários tradicionais, como os comerciantes libaneses, os camponeses não conseguiam escoar a sua produção, pelo que se voltaram a concentrar-se na produção para consumo local.

O arroz passou a não chegar para alimentar a população de Bissau. Aí a coisa tornou-se grave! O Presidente [, Luís Cabral,] justificou perante mim, que as coisas tinham-se agravado por razões climatéricas que teriam acarretado doenças para as plantas. Devido a isto, perguntou-me de imediato se seria possível um aumento da ajuda económica estipulada para estas situações de emegência.

Telegrafei de imediato para os escritórios centrais da SIDA (que são as iniciais ou o acrónimo da Agência Estatal Sueca para a ajuda aos países em vias de desenvolvimento) e, em muito curto espaço de tempo, tínhamos em Bissau um barco fretado, chinês, que transportava 3 mil toneladas de arroz para que a população não morresse de fome.

Estou a simplicar mas as coisas passaram-se basicamente assim.
História semelhante poderia ser aqui contada quanto ao enorme apoio económico sueco à indústria da pesca local.

São muitos os detalhes e sobre eles escrevi um romance publicado pela editora Atlantis. [Obs : Tenho em minha posse esses "detalhes"... Referência bibliográfica: Patrik Engellau - Genom Ekluten. Stockholm, Atlantis, 1980].

Pessoalmente acabei por me cansar destes contínuos fracassos na utilização de tão vastos recursos económicos, afastando-me de vez deste negócio escuro que é a assistência económica aos países pobres.(**)

Mas antes ainda de puxar a mim prórpio as orelhas, dei-me conta de que fui cúmplice no ato de destruição de um país.

Alguns anos depois, tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros como a 
agência sueca para o a cooperação internacional e o desenvolvimento (SIDA) cansaran-se, decidindo terminar com estes apoios à Guiné-Bissau, com o argumento de que este país, afinal,  não tinha o perfil adequado. Mas não podemos nem devemos "lavar as mäos" quanto ao processo e aos resultados.

Fomos nós, afinal, quem forneceu ao governo do PAIGC as ferramentas e as oprotuniades, para eles efectuarem as suas estúpidas experiências sociais...

Enquanto isto sucedia, nós estávamos ao lado deles e aplaudíamos este país heróico com os seus belos princípios sociais.

Agora que Guiné-Bissau se tornou num "narco-estado", o estado ganha dinheiro com a ajuda ao tráfego de droga da América Latina para os mercados europeus.

E o que pode fazer o pobre do governo? Os camiões Volvo são agora sucata e os libaneses provavelmente foram-se embora!



Em defesa das ajudas deste tipo aos países pobre, é claro que pode-afirmar-se que geralmente o seu montante é tão pequeno em relação aos recursos próprios do país destinatário que o eventual insucesso  não é assim  tão importante.

Patrik Engellanm 27/12/2015.
Publicado no "Alla Skribenter"


[Reprodução com a devida vénia... Tradução, revisão e fixação de texto: JB. O editor LG cotejou o original em sueco, e a tradução livre do JB, com tradução automática,pelo Google Translate, em inglês e português]. 

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20878: Da Suécia com Saudade (68): por causa da tal pandemia, as minhas renas não podem agora andar em bicha de pirilau e muito menos em manada... (José Belo)
 

(**) Vd, postes de:

3 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13842: Da Suécia com saudade (40): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte I)... à Guiné-Bissau, de 1974 a 1995, foi de quase 270 milhões de euros... Depois os suecos fecharam a torneira... (José Belo)

4 de movembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13847: Da Suécia com saudade (41): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte II)... Um apoio estritamente civil, humanitário, não-militar, apesar das pressões a que estavam sujeitos os sociais-democratas, então no poder (José Belo)


5 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13849: Da Suécia com saudade (42): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte III)... Pragmatismos de Amílcar Cabral e do Governo Sueco, de Olaf Palme, que só reconheceu a Guiné-Bissau em 9 de agosto de 1974 (José Belo)

6 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13853: Da Suécia com saudade (43): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte IV): Rússia e Suécia, vizinhos e inimigos fidalgais, foram os dois países que mais auxiliaram o partido de Amílcar Cabral (José Belo)

7 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13859: Da Suécia com saudade (44): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte V): Quando se discutia, item a item, o que era ou não era ajuda humanitária: catanas, canetas, latas de sardinha de conserva... (José Belo)

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20286: O segredo de... (32): Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74) e o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"... Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Aqui no "barco turra", a navegar no rio Geba... num embarque de reabastecimento cokmo delegado de batalhão ou j+a integrado na Companhia de Terminal.

Foto (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Desde 2008 que temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos", da nossa vida militar, coisas passadas há meio século, mas que só agora, por razão ou outra, temos vindo a partilhar uns com os outros...  E já são mais de trinta,o que dá uma média anual de 3 (três)!...

Recordo que o  propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo  da tropa e da guerra que estavam guardadas só para nós...

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militar, etc. ...

Saibamos ouvir sem julgar!... É o caso da "revelação" que, aqui há dias, o nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, de Ponte de Lima, aqui deixou, em comentário ao poste P20267 (**).

Recorde.se: (i)  o Manuel [Oliveira] Pereira foi fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); (ii) é hoje advogado;  (iii) vive em Ponta de Lima; (iv) é membro sénior da nossa Tabanca Grande, tendo cerca de 20 referências no nosso blogue.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Mapa de Sonaco (1957) (Escala 1/50 mil) > Pormenor da posição relativa de Sonaco, na margem esquerda do Rio Geba, a nordeste de Contuboel, com Jabicunda a sudoeste.. Era uma região bastante povoada e próspera...

Os vagomestres das nossas companhias no Leste conheciam Sonaco, onde iam comprar vacas... Apesar da intensificação da guerra na região fronteiriça, a norte,  já nos anos 70, era uma região calma... Referimo-nos ao truàngulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda.

Temos apenas uma dezena  de referências a Sonaco no nosso blogue... 

Era posto administrativo e pertencia ao subsetor de Contuboel. Tenho ideia de que, no meu tempo (junho/julho de 1969) havia lá um pelotão destacado, da unidade de quadrícula de Contuboel (, que já não recordo qual fosse, mas em princípio não podia ser a CART 2479 / CART 11; seria talvez a CCAÇ 2436, 1968/70: passou por Bissau, Galomaro, Contuboel e Fajonquito; ou ainda a CCAÇ 2435, que esteve em Quinhamel, Fajonquito, Contuboel e Nhacra; ambas pertenciam, tal como CCAÇ 2437,  ao BCAÇ 2856, sediado em Bafatá).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


2. O segredo de... Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74): o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"...  Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Sonaco  era, quando lá cheguei, em abril de 72,  um Destacamento militarizado. Vindo do Cumeré onde fiz (fizemos) o IAO, e depois de uma curta passagem (dois dias) pela sede da Companhia, em Contuboel, fui render o Pelotão da Companhia “velhinha”.

A guarnição era composta por 30 militares europeus (Grupo de Combate + Cabo Enf + Condutor auto + Sold Transmissões + Cozinheiro civil, o Malan) e um Pelotão de Milícias com 21 elementos.

O aquartelamento era uma antiga casa colonial, esventrada, sem janelas mas com alguma habitabilidade. Situava-se logo à entrada da parte “urbana” da vila, lado esquerdo e junto ao “mercado”. Ou seja a nascente da “avenida” .

A poente tínhamos o Posto de Correio a Igreja (capela),  o “Palacete” do Chefe da Circunscrição, um Chefe de Posto de “nível mais elevado”, e já à saída na direcção de Nova Lamego a Pista de Aviação e a “Estação Meteorológica”. Ao longo da “Avenida” situavam-se muitas casas comerciais e o “Café do Sr. Orlando Gomes”,  o homem que vendia vacas...

Sobre os contactos com o IN muito poderia dizer mas vou resumir. A minha Companhia era composta nos seus quadros por “milicianos” . A única excepção eram o 1º e 2º Sargentos. O Capitão era um quase Engenheiro civil, dois dos Alferes, andavam em Direito. O terceiro Alferes era já médico (exerceu na Companhia).

Dos Furriéis, um a caminho de Direito, outro de Economia e ainda mais dois dos Institutos Industriais o um quinto do Instituto Comercial. Não cito os outros, porque não faziam parte das “conversas privadas antirregime”, nem tão pouco as suas leituras passavam pelo jornal “República”,  nem eram ouvintes da BBC, Rádio Portugal Livre, Rádio Moscovo ou voz da América. Do mesmo modo pouco lhes interessava a “corrente Marcelista" da Assembleia Nacional e desconheciam nome da "ala liberal" como Miller Guerra, Francisco Lumbrales (Sá Carneiro), Francisco Balsemão, etc..

Éramos um grupo, aparentemente acomodado, mas andávamos  preocupados com o rumo que a guerra estava a tomar. Tínhamos oss problemas de quem  vivia no terreno. Andámos eslocados quase permanentemente da nossa base [, Contuboel,]  em reforço de outras unidades.

Fomos, além disso,   ocupar zonas – uma delas, Bambadinca Tabanca – sem que houvesse um aquartelamento. Para nos abrigarmos nos primeiros dias “requisitamos/tomamos posse” de umas moranças (palhotas de cana e colmo. Depois cavaram-se as valas e os abrigos. A alimentação, inicialmente “ração de combate” e depois a eterna “bianda”, por vezes, acompanhada por mais vianda. A água era recolhida a alguma distância onde o perigo espreitava a todo o instante.

 A morte e feridos de companheiros no Batalhão levaram a um repensar na forma de actuar, principalmente no perímetro de actuação da Companhia (Contuboel) e Destacamento (Sonaco).

Num dos períodos em que estou como comandante do Destacamento de Sonaco, tomo a iniciativa – já vinha abordando de forma subtil o velho comerciante Libanês e a sua esposa (uns anos bem mais nova que o marido), com quem por vezes jantava –  de alargar o meu leque de “amigos” (ficaram mesmo amigos) entre os Homens Grandes, o Cmdt da Milícia o Mali e o Cmdt de uma das secções do Pelotão de Milícias, o Djassi. Basicamente a questão era:

 –  Como vocês acham que o IN reagiria se lhe propusemos um “encontro de cavalheiros” ?

A vila de Sonaco era um centro de comércio muito importante. No meio de tanta multidão que diariamente ali  faziam suas trocas, compras e vendas era impressionante. Obviamente, o IN tinha aqui a sua oportunidade para se infiltrar.

Assim, de forma persistente, mas cautelosa, fui alimentando junto dos meus interlocutores a vantagem de uma aproximação da qual ambas as partes beligerantes beneficiariam. Entretanto a acção psicológica – a mesma que o Capitão – prosseguia com “oferta”,  à população, de víveres (farinha, arroz, sal, etc.),  acesso ao médico e/ou ao serviço de enfermagem, medicamentos, transporte para Bafatá e para reuniões da Assembleia Popular,  etc. Numa palavra: dentro do possível, sempre disponíveis!

O tempo foi passando e em mais um jantar na casa do comerciante Libanês, este atira-me com esta:

 – Alguém do PAIGC está aberto a um encontro, mas você terá que ir desarmado...

Incrédulo, perguntei:

 –  Onde e quando?
 – Aguarde, disse ele.

No dia seguinte, fui a Contuboel e chamei o Capitão de parte para lhe comunicar que, sem ele saber, andei a tentar chegar à fala com o IN. Olha-me de alto a baixo, puxa uma “passa” mais forte no cigarro e diz-me:

 – Sabe que também tenho andado a fazer o mesmo?
–  Então,  e agora o que fazemos?
– Nada, esperamos!...

Duas semanas ou três após esta conversa, recebo o Cap Martins em Sonaco. Salta do Unimog, dirige-se a mim e faz-me sinal para o seguir ao interior do aquartelamento e com o dedo aponta no mapa que eu tinha afixado na parede do meu “quarto”, dizendo:

–  É hoje e aqui!

Seguimos quase de imediato. Subimos para o Unimog e como escolta, uma secção reforçada, escolhida a dedo entre “os melhores” do Pelotão. Durante todo o percurso não trocamos uma palavra. A dado momento o Capitão dá ordem de paragem – estamos no interior de uma mata densa, no triângulo Sonaco/Contuboel/Nova Lamego – manda a secção fazer segurança em circulo e para estar atenta.

Nós os dois e apenas com a pistola à cintura, entramos mata dentro, numa caminhada de medo, mas determinada. Alguém viria ter connosco. E veio!... Eram quatro ou cinco guerrilheiros bem armados que nos emboscaram. Um deles, talvez chefe, diz:

– O  acordo é desarmados. Entreguem as pistolas.
– Não –  responde o Capitão. –  Se nos permitem e para que o “encontro se realize”, iremos fazer a entrega aos nossos camaradas que estão a quinze, vinte minutos de distância.

O mesmo guerrilheiro concorda.

Viramos para o ponto de partida e sempre pensei que naquele momento íamos ser abatidos com um tiro pelas costas. Felizmente não aconteceu. Feito o depósito das armas aos nossos camaradas,  o Capitão deixa a ordem que,  caso não regressássemos dentro de duas horas, deveria ser dado o “alarme” para que aquela zona fosse bombardeada.  Diga-se que o nosso pessoal não sabia nem soube – só já em Portugal vieram a saber – qual a razão daquela incursão na mata. Recordo que já no aquartelamento o sold Pinto me perguntou "se as bajudas eram boas"...

Voltamos a fazer a caminhada. Antes, o Cap Martins, faz-me sinal com os olhos com um "Vamos? "
– Claro que sim!

O nervosismo era muito. O medo existia, mas uma força interior me dizia que tudo iria correr bem. O desistir não fazia parte dos nossos planos. Fomos.

Os guerrilheiros voltam a surgir, mas em local diferente. Já não nos apontam as armas. Fazem-nos andar às voltas e mais voltas, até que entramos numa pequena clareira, de 100 a 150 metros. À volta dela muitos guerrilheiros armados. A um dos lados, uma grande tenda branca com um avançado tipo alpendre. No solo, à entrada da tenda um enorme tapete com loiça e bules e um cheiro agradável a comida fresca.

De dentro da tenda sai um indivíduo muito bem vestido com os trajes muçulmanos, aparentando menos de 40 anos. Atrás dele mais dois, também novos. Dirige-se a nós, estende-nos a mão cumprimentando-nos pela patente e nome. A nossa surpresa é enorme, já que os nossos ombros iam vazios e as fardas não tinham nomes. Convida-nos a sentar, o que fazemos,  ao mesmo tempo que pergunta

 – Surpreendidos?
 – Sim – respondemos quase em coro.  – Este aparato, os nossos nomes e patentes…
Olha-nos e diz-nos.

– Sei tudo ou quase tudo acerca de vocês, A vossa forma como fazem a “guerra”, a postura e a relação com a população, a atitude como encaram a nossa luta pela libertação do jugo colonial, a acção dos vossos grupos de apoio a outras unidades da frente, nomeadamente Sare Bacar, Bambadinca Tabanca, Madina Mandinga e sobretudo o respeito que manifestam pelas gentes de Contuboel, Sonaco e Jabicunda (o grande povoado junto à ponte de Contuboel), e na ajuda diária à sua sobrevivência.

Perante este desenrolar de “conhecimento” sobre a Companhia, fomos ficando à vontade, não tanta, quando fomos convidados a beber o chá de menta e o ensopado, presumo, de borrego, Perante a hesitação (medo de estar envenenada) o nosso anfitrião, rindo, disse:

 – Olhem para mim: vou comer e beber do mesmo que vos oferecemos.

De facto a comida estava óptima. Já a bebida..., uma cervejinha gelada saberia melhor, mas enfim!

Neste entretanto lá fomos dizendo das razões que nos levaram a ter este encontro, nomeadamente a “estupidez” de nos matarmos uns aos outros, quando no cerne da resolução estava um problema meramente politico e não militar.

Demos a conhecer, que a ida para a guerra por parte da juventude portuguesa era uma imposição do regime e não do povo português. Daí propor aos guerrilheiros actuantes no nosso sector “um pacto de não agressão”.

Findo os nossos argumentos, ouvidos num silêncio total, tivemos uma contraproposta muito curta que se resumia em continuarmos de forma mais profunda a acção que desde há muito vínhamos desenvolvendo juntos das populações do perímetro [, subsetor de Contuboel].

O nosso interlocutor, para além de ser um poliglota, conhecia a Europa, Cuba, Checoslováquia e URSS.

Corremos e andamos por muitos sítios e a certeza que “fomos” contemplados pela sorte, tivemo-la em Madina Mandinga (ali a sul de Nova Lamego e ao lado de Cabuca e na estrada para Ché Ché) e depois no Dulombi, mais a sul e também perto do Rio Corubal, onde com o meu Grupo fui fazer a ”reocupação” do quartel, entretanto “abandonado/desactivado” por uma Companhia do Batalhão sediado em Galomaro.

Conclusão: O único morto da nossa Companhia – um Furriel, por ter pisado uma mina – aconteceu ao serviço de outra Unidade, na fronteira com o Senegal, entre Sare Bacar e Sare Aliu, Acrescento que NÃO era o nosso Grupo (o meu) a sair. A “besta” do Cmdt de Companhia onde estávamos destacados, deu por “castigo” essa ordem. Daí darmos o benefício da dúvida de que a mina causadora da morte do Furriel Melo tinha por destino a Companhia Independente,  sediada em Sare Bacar e NÃO o 4º Pelotão da CCAÇ 3547 (Contuboel).
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20 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!

23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15107: O segredo de... (26): Ser ou não ser furriel na data de embarque (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

14 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15004: O segredo de... (24): Segredo desvendado (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)


 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14962: O segredo de... (20): Fernando Brito (1932-2014), ex-1º srgt, CCS/BART 2917 (1970/72): quadro, em "folha de capim", do seu infortunado filho (, morto mais tarde num trágico acidenrte, em 2001), pintado pelo caboverdiano Leão Lopes, em Bambadinca, 1971 (Cláudio Brito, neto)


26 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

25 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha
terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta..

13 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6379: O segredo de ... (13): Amílcar Ventura e o seu irmão, artilheiro, ferido gravemente em Gampará

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)

18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5529: O segredo de... (10): António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74): Os tabefes dados ao Bacari

21 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura:Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato


(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19411: (Ex)citações (350): Memórias da 'rainha do Gabu', saudades dos comerciantes locais e suas famílias, com destaque para o sr. Caeiro, português, e o sr. Magid Danif, libanês (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71; bancário reformado, Cova da Piedade, Almada)


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16 de dezembro de 2009 > A rua comercial da nova Gabu, onde há banco (agência do BAO - Banco da África Ocidental) e multibanco... Em 2009, a velha "rainha do Gabu" havia já destronado a  "princesa do Geba",  do nosso tempo, Bafatá, a cidade "colonial" mais encantadora da Guiné... Mudam-se os tempos, mudam-se os lugares: aqui falava-se mais francês do que português, e correm muitos CFA, escreveu o João Graça, médico e músico, que viajou por estas paragens... Em contrapartida, Bafatá era uma "dor de alma"... Foi lá tirar fotos (e dormir uma noite) para mostrar ao pai...Os bels dois edifícios que se veem na foto, de arquitetura tradicional. fazem parte do "núcleo histórico" do Gabu e é bom que as suas fachadas, pelo menos, se preservem.


Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > "Núcleo histórico"... Cortesia de:  Catálogo da exposição “Urbanidades – Arquitectura e Sítios Históricos da Guiné-Bissau” (Organização: Fundação Mário Soares (Alfredo Caldeira e Victor Hertizel Ramos); Curadoria: Ana Vaz Milheiro, com Filipa Fiúza,  ISCTE-IUL, DINÂMIA’CET), Lisboa, 2016)



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16/2/2005 > Edifício da Estação dos CTT


 Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16/2/2005 > Edifício da administração do Gabu


Fotos (e legendas): © José Couto / Tino Neves (2005). Fotos gentilmente cedida por José Couto (ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71), camarada do nosso grã-tabanqueiro Constantino Neves.


Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1969/71 > Fonte das Bajudas

Fotos (e legendas): © Tino Neves (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Excerto de um texto de Constantino Neves (Tino Neves), ex-1.º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego,  1969/71 (hoje, bancário reformado, vivendo na Cova da Piedade, Almada), já publicado há 10 anos atrás no nosso blogue.

O Tino Neves conheceu muito bem Nova Lamego, e dá um contributo interessante para o esclarecimento de alguns questões com os comerciantes da "princesa do Gabu", desde o sr. Caeiro, português, até ao sr. Magid Danif, libanês (*):


Um Guia Turístico [, como por  exemplo o do Gabu] nunca está totalmente completo, daí o meu desejo, não de o completar, não tenho essa pretensão, mas sim, de dar mais uma ajuda para alcançar então esse fim, se possível. Outros o completarão.

Como já disse atrás, a descrição feita de Nova Lamego [, pelo camarada José Manuel Diniz ]  está muito bem feita, não faltando de facto um dos ex-libris, do qual achei até muita graça, da "GMC" e do "Unimog", de que me recordo perfeitamente, mas há muitos mais, assim como a Fonte das Bajudas [Foto nº 2],  que era a fonte onde as bajudas, nossas lavadeiras, iam lavar as nossas roupas, que ficava no caminho,  vindo, julgo eu, de Piche, ao entrar-se em Nova Lamego.

Foto nº 3 > O Tino Neves, vestido à civil,
no dia do 22º aniversário (8/2/1970),
junto à estação dos CTT
Passava-se junto da Administração do Gabu, de que também junto foto actual (fevereiro de 2005) [Foto nº 1], passava-se então pelo cruzamento (onde estou eu na foto à civil, no dia 8/2/1970). Sei que foi tirada nesse dia, porque foi dos poucos dias em que eu me vesti à civil, em Nova Lamego. E porquê? Porque no BCaç 2893, quem fizesse anos tinha como prenda a folga de quaisquer serviços e autorização para se vestir à civil, portanto essa foto [, nº3,] foi-me tirada no dia em que fiz 22 Invernos, no cruzamento, entre os CTT, correios civis (que junto 2 fotos, antiga e actual) [, Foto nº 4], o Cine Gabú e a loja do sr. Caeiro.

O sr. Caeiro  (**) era  um português de raça branca. A Casa Caeiro era um aloja essencialmente de electrodomésticos, mas não só, e na ponta que falta, a do meu lado direito, um dos edifícios civis utilizados para o quartel velho.

Por falar da loja do sr. Caeiro, o telhado da referida loja era simplesmente uma placa de cimento, não sendo muito grande, talvez pudesse lá pousar um helicóptero, mas foi utilizado para outra coisa diferente. Estando lá um capitão paraquedista que estava a preparar-se para uma competição no estrangeiro, de salto em queda livre, resolveu fazer uma aposta em como iria saltar e pousar no telhado da loja do sr. Caeiro. Assim fez, saltando de um helicóptero que subiu em espiral, tão alto, até deixar de se ver.

Foto nº 5 >Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > 1970 >
Baile de despedida as filhas do sr. Salomão,  o administrador
cabo-verdiano do Gabu. Na foto,  um grupo  de convidados,
militares, todos 1ºs cabos, entre eles o Tino Neves
O segundo dia em que fui também autorizado a trajar à civil, foi para ir a uma festa de despedida das filhas do sr. Administrador do Gabu, que era de origem cabo-verdianas. Estavam em Portugal, segundo me recordo, na região de Évora, num colégio de freiras, a estudar. Tinham passado lá,  em Nova Lamego, um mês de férias e estavam de partida. Foi então organizada uma festa com baile, julgo que pelo próprio sr. Salomão, pai das ilustres homenageadas, que eram muito giras e simpáticas. (Também junto foto dos únicos praças, primeiros cabos, que foram convidados).[Foto nº 5]

Foto nº 6 > O Tino Neves
ao telefone
Por detrás de mim, nesse cruzamento, mais atrás do meu lado direito, fica a porta de armas do quartel, onde eu estou ao telefone [, Foto nº 6] e sensivelmente mais atrás do meu lado esquerdo ficava um pequeno Destacamento de Engenharia.

Entre os poucos elementos que o compunham, estava um furriel, nome do qual já não me recordo, mas para quem trabalhei muitas vezes a pedido do meu capitão, pois ele tinha que fazer todas as semanas a listagem de pagamentos aos civis a seu cargo e muitas das vezes não o conseguia fazer sozinho e atempadamente. Eram bastantes folhas com 4 ou 5 cópias cada lista. Com o papel e o químico em 5 cópias, tinha que se bater bem forte nas teclas da máquina de escrever e, como as letras como o "a", "o", "b" e "d" cortavam o papel, sendo a lista composta pela maioria de "Baldés" e Djalós", os duplicados passariam por vezes a serem os originais, por estes estarem tão esburacados.

Noutros trabalhos feitos em "stencil" (ou folhas de cera) com aquela máquina, tinha que se ser muito suave ou utilizar o verniz, para repor a letra cortada. Com as folhas de "stencil" eu fazia qualquer tabela criada a régua e estilete, incluído este boneco, de que, não sendo o seu autor, me foi concedido para fazer subscritos (envelopes) para cartas e serem enviadas por nós aos nossos familiares e madrinhas de guerra. [Foto nº 7][

Falei do senhor libanês que tinha uma loja muito concorrida e uma esposa muito bonita. Posso afiançar que era verdade, cheguei a vê-la, só bonita não chega, mas fiquemos por aqui, não terei adjectivos suficientes para a descrever.

Havia mais uma loja de outro libanês que não ficava atrás, talvez fosse até mais popular, que era o sr. Magid Danif. Era ele e a mãe,  do qual não me lembra o nome, mas estando eu lá na altura, suponho que no inverno de 1970, talvez em dezembro, a senhora veio cá a Portugal, porventura passar o Natal ou outro assunto, o certo é que faleceu num quarto de pensão, asfixiada com um calorífico a gás.

Foto nº 7 > Boneco a "stencil" alusivo
 à peluda
Do sr. Magid Danif tenho uma estória que me aconteceu cá em Portugal, a qual nunca contei a ninguém. Vai ser contada agora pela primeira vez.

Eu era caixa na Agência do Totta & Açores, na Cova da Piedade e, no iníio dos anos 90, não tenho presente de facto o ano certo, mas julgo ter sido por essa altura, estava eu na caixa a pagar cheques, quando me aparece uma jovem bonita, alta e elegante bajuda que me entrega um cheque para receber. Nos instantes em que ela procurava o B.I. para eu conferir os dados e assinatura do verso do cheque, passo com os olhos pelo nome de quem pertencia o cheque, quando dei um berro, lendo o nome do apelido lá escrito, MAGID DANIF.

Assim o disse, logo recuperei a calma e julgo que ela não se tenha apercebido da minha reacção, pois estava com os olhos metidos na mala na procura da carteira, mas eu fiquei com o coração aos saltos. Ver e ouvir ali à minha frente, uma criatura, que eu talvez tenha visto em pequenina ou simplesmente ser familiar de uma pessoa que eu conheci na Guiné, para mim, e julgo que por todos aqueles que por lá passaram, ficamos vacinados, aliás, não diria vacinados, mas sim contaminados com o vírus Guiné. Qualquer coisa que se relacione com aquele país, o vírus manifesta-se logo e como ia dizendo, depois enquanto a ía atendendo, dialoguei com ela que me confirmou ser filha do sr. Magid Danif e que estava cá em Lisboa a estudar.

Acabei de a atender, dei-lhe o dinheiro do cheque e ela foi-se embora, mas eu não fiquei bem, queria falar um pouco mais com ela, saber mais coisas lá de Nova Lamego, etc., mas não podia, porque tinha uma bicha (fila) de pessoal à espera para atender. Chamei a pessoa que se seguia e aí é que foi o problema, só à terceira tentativa é que eu consegui fazer a operação de lançamento do cheque corretamente, porque naquele momento eu não me encontrava ali, na Agência do Totta da Cova da Piedade, mas sim a milhares de quilómetros, na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego, a percorrer as suas ruas, a visitar a loja do sr. Magid Danif.

Acabei de atender essa pessoa, fechei a caixa do dinheiro e desci aos arquivos, a fim de tentar acalmar, pois o meu coração estava aos saltos, estava eufórico, não sabia o que estava acontecer, só sabia que tinha ficado com pena de não ter ficado à fala um pouco mais com aquela encantadora criatura que tinha aparecido à minha frente. Confesso aqui, pela primeira vez, que chorei, as lágrimas corriam-me pela face abaixo, que nem torneiras, mas era um choro silencioso e de alegria, satisfação e tristeza ao mesmo tempo, por não saber mais nada de novo.

Não me conseguindo controlar, tentei lá no arquivo procurar alguma coisa que me desviasse a atenção e me acalmasse, o que aconteceu passados 15 minutos (o que naquele balcão nessa altura era possível, porque eram várias caixas a trabalhar ao mesmo tempo e eu tinha também ao meu cargo o arquivo). Peguei numa pasta e regressei à caixa para acabar o trabalho que faltava. Já mais calmo, mas já no final do fecho da caixa, procurei o cheque da menina Magid Danif e fui à base de dados procurar os contactos dela, com a intenção de mais tarde a procurar por telefone ou pessoalmente, mas quando já tinha no visor do PC o que procurava e me dispunha a tomar nota, senti uma mão no meu ombro esquerdo.

Virei-me quase de imediato e qual foi o meu espanto, não vi ninguém que o tivesse feito, porque estavam todos bastante afastados de mim e eu estava sozinho. Aquela mão invisível fez-me vir à realidade e pensar para mim, o que é que eu estava a fazer?

A pequena não ficou muito satisfeita, apesar de confirmar quem era, não mostrou com sorriso o acontecido, talvez tenha ficado assustada ou qualquer outra coisa. Desliguei o computador sem tomar nota e pensei se de facto ela também ficou curiosa,  talvez torne a vir cá, apesar da conta ser de Lisboa. E assim acabei o dia e muitos mais dias, meses e anos, sem saber mais nada daquela encantadora criatura nem de Nova Lamego.

Muitos ao lerem este meu desabafo, vão comentar: este deve estar, ou esteve apanhado do clima, mas não se esqueçam que naquela altura, na Net pouco se sabia ou nada,  e o que sabíamos da Guiné e, do meu caso em especial Nova Lamego, nada. Agora sim com a Net,  sabemos tudo o que queremos, é só procurar.

Antes deste acontecimento, tinha muitos casos em que me dava à fala com guineenses, porque sempre que via um africano, que me parecesse da Guiné, tentava logo saber donde eram e se eram do Gabu ou não.

Fico por aqui, satisfeito e aliviado por ter desabafado, mas só mais uma coisa: o vírus da Guiné    é de tipo proteico / vitamínico, porque quando vemos, ouvimos ou lemos algo sobre a Guiné, de bom, nos dá força e nos rejuvenesce (mas também quando é mau, nos deita abaixo, faz-nos dor e sofremos). (***)

2. Comentário do editor LG:

Apareceu em 22/11/2010 um comentário ao poste do Tino Neves (*), que é assinado por uma neta do sr. Caeiro, a Bela... De facto, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande.
Pena não ter deixado um contacto (telefone, email...)


"Anónimo disse...

Olá, Sr. Luís Graça! No seu artigo sobre a sua viagem em 2005, fala na loja do Sr. Caeiro. Não chegou a tirar fotos actuais? Após a morte dele, uns anos mais tarde, o meu pai manteve lá a farmácia até aos anos 80/90. Teve de desistir, por mais que se preocupasse em manter o nome do seu pai, a vida não o permitiu. Falo do sr. Caeiro, meu Avô! O Padrinho, como todos o chamávamos, meu pai, mãe, irmão e eu. O Homem mais bondoso que conheci, infelizmente só até aos meus 5 anos. Um abraço a quem o conheceu e um bem haja. Bela.

"22 de novembro de 2010 às 23:57".

Em conclusão, a loja do sr. Caeiro deu origem a uma farmácia, no Gabu, na nova Guiné-Bissau, e que se terá mantido  aberta até aos anos 1980/90... Alguém se lembra ? Parece comfirmar-se a naturalidade, portuguesa, do sr. Caeiro.

Que idade terá hoje a Bela ?  Será diminutivo de Anabela ? E usa o apelido Caeiro ?  Se nos ler, que nos escreva para:

luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Bela: as fotos não são minhas, mas de um camarada e amigo do Tino Neves,  o José Couto, que lá esteve, na Guiné-Bisssau e foi ao Gabu, em fevereiro de 2005... O Tino Neves e outros camaradas, que aqui têm escrito, conheceram o seu avô Caeiro, por volta de 1967/68 (o Virgílio Teixeira) e 1969/71 (o Valdemar Queiroz, o Constantino Neves...), e gostariam de saber algo mais sobre o resto da sua vida... Pena que tenha morrido cedo. Ficámos com a ideia de que a família Caeiro era da Figueira da Foz. Certo ?

Sobre a família Danif, de origem libanesa, em Bafatá, ver aqui.

Vd. também fotos do Gabu, tiradas pelo nosso grã-tabanqueiro João Graça, em finais de 2009. A "rainha do Gabu" de ontem parece ter passado a perna à "princesa do Geba", Bafatá, hoje em decadência.


3. Imagem aérea do quartel antigo e da vila de Nova Lamego.O quartel estava situado no centro da vila, formando um rectângulo e ocupando alguns edifícios civis. A foto, cedida por Roseira Coelho (,que o Tino Neves presume que fosse ten pilav), já vinha com as marcas sem a respectiva legenda. O Tino Neves completou as legendas. (****)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares (Parte I)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares. (Lado direito da foto de conjunto) (Parte III)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares. (Lado esquerdo da foto de conjunto) (Parte III)


Legendas:

(1) Caserna das Praças;
(2) Casas civis (para alugar);
(3) Loja dos irmãos Libaneses;
(4) Depósito de géneros;
(5) Estação dos CTT (civil);
(6) Destacamento de Engenharia;
(7) Messe de Oficiais;
(8) Messe de Sargentos;
(9) Parque e Oficinas Auto;
(10) Refeitório;
(11) Dormitório de alguns Sargentos;
(12) Sala do Soldado;
(13) Parque de Jogos.

Foto (e legendas): © Roseira Coelho / Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3861: Memória dos lugares (17): Nova Lamego, a raínha do Gabu (Tino Neves)

(**) Vd. poste de 16 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19407: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LX: A Casa Caeiro e os comerciantes libaneses de Nova Lamego

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19407: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LX: A Casa Caeiro e os comerciantes libaneses de Nova Lamego


Foto nº 1


Foto nº 1 >  A Família Caeiro, na sala de cinema do Gabu, nas últimas filas.  Da direita para a esquerda: eu, o senhor Caeiro, a sua filha e uma amiga. Nova Lamego, na sala de cinema do Gabu, 21 Fevereiro de 68. Foto nº 1A - Detalhe: O sr. Caieiro e a filha (que ostenta, na foto, a capa de uma revista humorística brasileira, popular na época, "Vamos Rir!", de periodicidade mensal, da "Rádio Editora Lda...)



Foto nº 2 >  Uma das primeiras fotos tiradas naquela terra quando cheguei a Nova Lamego. Estou no 1º andar do edifício do Conselho Administrativo,  do BCAÇ 1933,  no terraço do mesmo, e por trás pode ver-se a loja da Casa Caeiro. Nova Lamego, Outubro de 1967.


Foto nº 3  > Vistas da Casa Caeiro, uma casa comercial que pensava ser de Libaneses, mas já alguém me disse que não eram Libaneses. Foto tirada do 1º andar das instalações do CA.  Nova Lamego, Set / Out 1967.


Foto nº 4 > Nova Fotografia das instalações da Casa Caeiro.  Foto tirada do 1º andar das instalações do CA.  Nova Lamego, Janeiro de 1968.



Foto nº 5 > Instalações fortificadas [, protegidas por bidões com areia, ao nível térreo... ]do CA – Conselho Administrativo. Em cima, no  1º andar do edifício do Comando do Batalhão,  o autor e mais 2 elementos do CA, Furriel Pinto Rebolo e o nosso 1º Cabo Seixas.  Nova  Lamego, c. Set / Out 1967.


Foto captada em Nova Lamego, a partir da Rua Principal, das instalações do CA, no mês de Janeiro de 68.

Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Nova Lamego

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação do álbum foto-
gráfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, 


[Foto à esquerd , o Virgílio e a esposa Manuela, o grande amor da sua vida, na Tabanca de Matosinhos, Restaurante Espigueiro (ex-Milho Rei), 5 de setembro de 2018. O casal vive em Vila do Conde. (Foto: LG, 2018)]



CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T060 – A CASA CAEIRO

Comerciantes Libaneses em Nova Lamego


VISTAS DO EDIFICIO DO COMANDO


I - Anotações e Introdução ao tema:

1 - O Meu Batalhão – BCAÇ 1933 – instalou-se em Nova Lamego, Sector militar L3, no Leste da Guiné. O comando do Batalhão, ficou com um dispositivo de 18 unidades independentes, ao longo de 1/5 do território do CTIG.

Nova Lamego, também conhecida por Gabu, é uma cidade de porte médio, com varias infraestruturas locais, nomeadamente, correios, escola, cinema, café e bar, algumas casas de comidas e bebidas, bem como, algumas lojas de comércio.

O concelho do Gabu é governado por um Administrador de Circunscrição, com sede em NL, e um Administrador de Posto com sede em Piche.

De todas as lojas, a que mais se destacava era a famosa Casa Caeiro, mesmo no centro da cidade. Ali vendia-se de tudo o que precisávamos e mais o que não era preciso para nada.

O Senhor Caeiro, dono da referida casa comercial, tinha uma bela filha, branca,  libanesa, coisa a não desperdiçar, em terra de pouca mulher branca, a qual era acompanhada por várias vezes com outra rapariga branca, que não sei qual a relação com eles.

A Casa Caeiro localizava-se mesmo do outro lado da rua, frente a frente, onde estava o gabinete do Conselho Administrativo, e do respectivo Comando do Batalhão.

Era um edifício tipo colonial, e ficávamos no 1º andar desse edifício, e logo se poderia ver todo o andamento e movimento da loja, a Casa Caeiro, que não era nada pequena, e que era frequentada pelas variadas etnias locais.

De tal modo que era um passatempo, vir para o varandim, e ver as pessoas, locais e outras pessoas europeias ou não, com os seus negócios, e acima de tudo, quando a filha do Caeiro saia à rua, logo era alertado por alguém o grito do Ipiranga, para irmos todos ver a beldade de mulher a sair à rua, com o seu corpo formoso para aquelas paragens.

Posto isto, a Casa Caeiro era visitada quase diariamente pela ‘malta’ nem que fosse para comprar uma caixa de fósforos, ou um abano para o calor.

Era gente simpática, o que está escrito é que eles apenas se dedicavam ao comércio, não alinhavam a sua actuação nem de um lado nem de outro, eram independentes, o que já seria uma tarefa difícil numa zona de guerra, como era aquela.

Quanto à filha do Caeiro, apenas falei com ela na loja, cruzávamos na rua, no café ou no pequeno cinema semanal, não sei a vida que eles levavam fora das horas de serviço.

Resolvi tirar este Tema do grande tema de Nova Lamego, com cerca de 200 fotos, e fazer um pequeno Poste de 5 fotos, para dar um pouco de ar fresco àquela zona tórrida e seca.

Este Tema já havia sido enviado para postar num grande conjunto sobre Nova Lamego, e agora foi alterado para formato mais pequeno.

Já foi revisto e corrigido várias vezes, para melhor clarificar certas fotos e inseri-las do contexto do tema. Acho que agora já não há mais nada para corrigir.

Estas fotos não estão nada bem, por um lado por falta de prática, depois são outros a tirá-las, sendo eu a focar a máquina, mesmo assim não prestam.

Por outro lado, a qualidade inicial do rolo e do papel de revelação não era nada bom, e com 50 anos metidas numa caixa e em várias sítios e garagens, a humidade e o tempo fizeram o resto, o bolor foi-as comendo, apesar disso hoje já estão digitalizadas.



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1966 > A rua principal de Nova Lamego... Do lado esquerdo vê a Casa Caeiro e o edifício que era o comando do batalhão do BCAÇ 1894... Do lado direito, um edifício não editificado e depois a estação dos CTT(Correios, Telégrafos e Telefones)...

Foto do álbum de Manuel Caldeira Coelho (ex- fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)

Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


II - Legendas das fotos:

F01 – A Família Caeiro, na sala de cinema do Gabu, nas últimas filas.

Vemos junto a mim, o Senhor Caeiro, a sua bela e avantajada filha e outra rapariga que não parece filha, e nunca soube a sua relação. Não vejo a esposa do Sr. Caeiro. Pensava ser na casa dele, mas acredito mais ser na sala de cinema do Gabu, pela forma de estar e pelas cadeiras.

Foto captada em Nova Lamego, na sala de cinema do Gabu, em 21 Fevereiro de 68.

F02 – Uma das primeiras fotos tiradas naquela terra quando cheguei a Nova Lamego. Estou no 1º andar do edifício do Conselho Administrativo, no terraço do mesmo, e por trás pode ver-se a loja da Casa Caeiro, a mais conhecida do local, especialmente pela especialidade da sua filha. Mais atrás podem ver-se enormes árvores – poilões, mangueirais, ou outras espécies.

Foto captada em Nova Lamego, no 1º andar das instalações do Conselho Administrativo, em Outubro de 67.

F03 – Vistas da Casa Caeiro, uma casa comercial que pensava ser de Libaneses, mas já alguém me disse que não eram Libaneses. Os fulas e outros muçulmanos, sentados na sombra da casa, o calor aperta. A atravessar a rua, vou à frente e atrás vem o nosso Furriel Rocha – O Algarvio, com a sua boina e a sua sombra.

Foto captada em Nova Lamego, do 1º andar das instalações do CA, entre os meses de Set-Dez 67.

F04 – Nova Fotografia das instalações da Casa Caeiro, comerciante Libanês, é ainda muito cedo, pois as sombras são menores e o movimento não é grande.

Foto captada em Nova Lamego, do 1º andar das instalações do CA, no mês de Janeiro de 68.

F05 – Instalações fortificadas do CA – Conselho Administrativo, no 1º andar do edifício do Comando do Batalhão. Em cima, o autor e mais 2 elementos do CA, Furriel Pinto Rebolo e o nosso 1º Cabo Seixas. Outras das primeiras fotos captadas na Guiné e em Nova Lamego.

Foto captada em Nova Lamego, a partir da Rua Principal, das instalações do CA, no mês de Janeiro de 68.

NOTA FINAL DO AUTOR:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. #


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933 / RI15 / Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».

Em, 2019-01-14.

Corrigido o texto e as legendas das fotos, hoje.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19062: Memória dos lugares (381): Bigene, na fronteira com o Senegal... Foi lá que fomos render a CART 3329, em outubro de 1972, antes de ir parar ao Cantanhez (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar, Nhacra, 1972/74)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > Junto aos brasões das Companhias que por lá tinham passado



Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 >
O descanso do “guerreiro” junto ao posto de rádio

Foto nº 3 > Guiné > Regão de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > Com um amigo de ocasião


Foto nº 4 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > De vez em quando dava para tomar banho.


Fotos(e legendas): © Eduardo Campos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Excerto de um texto de memórias do Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio-telegráfico, CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério", Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar. Nhacra, 1972/74) (*)


No dia 28 agosto 1972, teve início no Regimento de Infantaria 15 (RI 15), em Tomar, a concentração do pessoal que constituiria a Companhia de Caçadores 4540 ["Somos Um Caso Sério", 1972-1974]. Na sua grande maioria, os militares eram oriundos do Norte do País, sendo de realçar a presença de alguns que vieram de França, para cumprirem o Serviço Militar.

Foi-nos concedido o gozo de uma licença de 2 semanas, após a qual o pessoal da Companhia se foi apresentando novamente no RI 15, tendo-se procedido à cerimónia de Benção e Entrega do Guião à Companhia no dia 15 de setembro de 1972, seguido de um desfile das tropas, na parada do Regimento.

Às 2h00 do dia 19 desse mesmo mês, a Companhia embarcou em autocarros, em Tomar, dirigindo-se para o aeroporto de Lisboa, onde o pessoal transitou para um avião dos TAM (cerca das 09h00), após o que levantamos voo rumo aos céus da África Ocidental.

Após quatro horas de voo bastante confortável, durante as quais imperou a boa disposição, já que a quase totalidade do pessoal realizava a sua primeira viagem aérea, aterramos no Aeroporto de Bissalanca. Procedeu-se então ao desembarque, perante um calor tórrido e sufocante, próprio das regiões tropicais.

Terminadas as formalidades habituais destas rotinas, procedeu-se ao transporte dos militares e respectivas bagagens, numa coluna de viaturas com destino ao Cumeré onde ficamos instalados. No dia 22 de setembro de 1972, de manhã, fomos chamados para uma formatura geral, a que se seguiu o desfile da Companhia recém-chegada, perante o Brigadeiro Alberto Silva Banazol [, comandante do CTIG, ] que proferiu algumas palavras de boas-vindas. Nesse mesmo dia segui para Bissau, com destino ao Regimento de Transmissões, onde estive cerca de 15 dias a fazer o chamado IAO.

Terminado o IAO, houve lugar a nova formatura geral no dia 17 de outubro de 1972, desta vez frente ao General António Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Força Armadas do CTIG. No dia seguinte, a 18 a Companhia partiu do Cumeré com destino ao porto de Bissau, onde se procedeu ao nosso embarque na LDG Bombarda, rumando à "terra prometida”, Bigene, junto à fronteira com o Senegal.

E assim, lá fomos rio acima (Cacheu), desembarcando numa localidade chamada Ganturé, onde nos esperavam os camaradas da CART 3329, que iríamos substituir. Era notável a alegria com que nos receberam, tendo-nos em seguida transportado para Bigene (cerca de 6 ou 7 km), onde deparamos com vários dísticos e cartazes alusivos à chegada da nova Companhia de periquitos, espalhados pelas paredes e pela rua principal, cheios de humor e ironia......

Bigene era bastante povoada, com gentes de várias etnias, predominando os Fulas e os Balantas, havendo ainda bastantes Mandingas. A população europeia, além dos militares e do administrador de Posto, era praticamente inexistente, havendo apenas 1 português que era proprietário de uma casa comercial. Havia mais 3 casas comerciais, propriedades de 3 libaneses.

No posto sanitário de Bigene acontecia algo que eu considerava surpreendente, que era receber e tratar populares do Senegal, que atravessavam a fronteira para receberem tratamento médico. Ao mesmo tempo, esta gente aproveitava para comercializar os seus produtos no mercado local.

No dia seguinte, começou o treino operacional em conjunto com a CART 3329, cuja finalidade era adaptar e capacitar o pessoal em situações operacionais semelhantes às que iria encontrar nas suas futuras actividades dentro do sector atribuído à Companhia. É de salientar que, ainda no período de treino operacional a 23 de outubro de 1972, se ter verificado o 1º contacto de fogo com o IN, mesmo junto ao marco fronteiriço que separava a Guiné e o Senegal.

Só me apercebi que a palavra guerra fazia aqui todo o sentido, quando saí pela primeira vez para o mato e assisti à implantação de um campo de minas, e algumas armadilhas, na zona Samoge-Sambuía [dv. mapa, abaixo].O primeiro baptismo de fogo aconteceu a 24 de outubro de 1972, próximo de Nenecó, sem consequências. O PAIGC pelas informações que tínhamos, não tinha estruturas dentro do subsector de Bigene, nem se encontrava implantado no mesmo.

Partiam de bases situadas no Senegal, principalmente em Kumbamori, crê-se que utilizando as variantes do corredor de Sambuiá, para “cambar” o rio Cacheu, transportando material e mantimentos até ás margens do rio Cacheu, que procuravam atravessar em canoas e botes de borracha, para o interior do território, sendo, por vezes, surpreendidos pelos fuzileiros que se encontravam em Ganturé.

Terminado o período de sobreposição com a CART 3329, foi transferida por esta Companhia, para a nossa, toda a responsabilidade administrativa e operacional. No dia 15 de novembro de 1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene.

Foi com muita emoção que os vimos partir, após um convívio comum de quase um mês, passado naquela localidade. Passou, desde então, a nossa Companhia a dar cumprimento às missões que lhe foram atribuídas, executando as directivas do COP 3.

Uma semana depois recebemos a noticia que iríamos ser transferidos para Sul, sendo substituídos pela CCAÇ 3 e, de novo, lá fomos na LDG Bombarda...

Estávamos no dia 9 de dezembro de 1972, rio Cacheu abaixo... Destino: Cadique, Cantanhez, região de Tombali... (***)



Planta topográfica de Bigene (parte superior) > Escala aproximada 1:5000. A norte, fronteira do Senegal (Nenecó, Sindina); a nordeste, corredor de Samoge-Sambuiá); a leste da pista de aviação, Binta; a oeste,  Barro (a 13 km); a sudeste, Ganturé (e rio Cacheu) (a 6/7 km). Havia 3 obuses 14 (140 mm) e 4 ou 5 morteiros 81 (mm). (***)

Legendas:

6 - Estação dos Correios
7 - Chefe de posto
8 - 3º Gr Comb
9 - Espaldão da metralhadora Breda
10 - 1º Gr Comb
11 - Espaldão da metralhadora Breda
12 - Capela [, ao lado esquerdo, o campo de futebol]
13 - Enfermaria civil
14 - Quartos de sargentos
15 - Secretaria
16 - Arrecadação da Casa Gouveia
17 - Casa Gouveia
17A - Quarto do major e capitão do COP3
18 - Casa Issufo (?) [nome ilegível; provável aportuguesamento de Youssouf]
19 - Arrecadação de material de guerra
20 - 2º Gr Comb
21 - Escola missionária
22 - COP 3
23 - Casa Rei (?) Mané [, nome ilegível]
24 - Casa Hilário
25 - Padaria
26 - Casa Assad
27 - Quartos de oficiais
28 - Depósito de géneros, enfermaria e cozinha.




Planta topográfica de Bigene (parte inferior) > Escala aproximada 1:5000

Legendas:

1 - Central elétrica
2 - Vacaria
3 - 4º Gr Comb
4 - Arrecadação
5 - Oficinas
29 - Escola civil
30 - Mercado civil



Mapa topográfico de Bigene > Escala 1:5000.  S/d. Cópia do documento original, cortesia do nosso camarada Eduardo Campos. O original será da autoria do major Vinhas, do COP 3, na altura sob o comando do ten cor cav Correia de Campos.
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