Mais um trabalho documental do nosso tertuliano (Tabanqueiro 530) Luís Gonçalves Vaz, desta vez uma Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné.
ANÁLISE DA SITUAÇÃO DO INIMIGO
PARTE I
Reunião de Comandos, em 15 de Maio de 1973, “alguns excertos da comunicação do Chefe da Repartição de Informações”, Tenente-coronel Artur Batista Mourão (Chefe 1ª Rep.)
“Em 15 de Maio de 1973, pelas 10H30, no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, teve lugar, sob a presidência e mediante convocação do General Comandante-Chefe, General António de Spínola, uma reunião de Comandos na qual participaram os comandantes-adjuntos respectivamente, Comodoro António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante da Defesa Marítima da Guiné, Brigadeiro Alberto da Silva Banazol, Comandante Territorial Independente da Guiné, Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques, Comandante-Adjunto Operacional e Coronel Gualdino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné …”
General Comandante-Chefe, General António de Spínola
“… Dou a palavra ao Chefe da Repartição de Informações. …”
“… A Situação no TO, analisada à luz da evolução do IN e do seu potencial, e processos de acção, sofreu, em especial nestes últimos dois meses, um substancial agravamento de resto já oportunamente previsto face às informações processadas, e que se traduz em Franca subida de grau no desenvolvimento em escalada da sua manobra Político-militar, constituindo o tempo inicial de uma nova fase do conflito: o empenhamento na passagem para acções do tipo convencional, embora ainda isoladas, visando objectivos limitados, e não integrados em qualquer plano de ofensiva geral em moldes clássicos, só próprio, aliás, de uma ulterior e última fase …”
Anexo à Ata da Reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973
Lancha torpedeira do tipo P6 - Deslocamento: 75 toneladas; Dimensões (em metros): 25.7 x 6.1 x 1.8; Armamento: dois tubos lança-torpedos de 533mm e dois reparos duplos de 25mm: Propulsão: quatro motores diesel accionando quatro hélices, totalizando 4800 CV; Velocidade: 43 nós; Autonomia: 450 milhas náuticas a 30 nós; Tripulantes: 25.
“… Para completar o quadro da evolução do potencial material do IN, resta acrescentar, no que se refere a Meios Aéreos, que o PAIGC dispõe já de 4 aviões ligeiros e aguarda o fornecimento de mais 6 de tipo não revelado, contando já com 28 pilotos; e no que se refere a Meios Navais, a posse de três Vedetas Rápidas do tipo P-6, de origem Soviética. …. “
“…A recente chegada de 6 pilotos estrangeiros (Líbios e Argelinos) à Rep. Guiné para substituírem, nos MIG-15 e MIG-17, os pilotos guineanos cuja imperícia se revelou em alguns acidentes.
Mig 15 e Mig 17 (fotografia retirada de: http://www.fairchild24.com/fighters.htm)
Soldados russos embarcando um Mil Mi-8 versão de transporte-armado durante a Guerra do Afeganistão. Esse helicóptero representou para os russos na guerra do Afeganistão, a mesma importância que os Bell UH-1 Huey representaram pros EUA durante o conflito no Vietnam. A diferença é que os Mi-8 são maiores, consequentemente levam maior quantidade de tropa e carga, e são bimotores. (Foto: Vaul)
A chegada à Rep. Guiné de 2 Helicópteros MI-8 Em fins de Abril.
A promessa da Rep. Guiné ceder uma pista ao PAIGC para manobra dos seus aviões.
…………….
POSSIBILIDADE DO INIMIGO E PROVÁVEL EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO
“…Face aos elementos analisados, em especial tendo em atenção as acções que o IN, bem como os países que mais directamente o apoiam, têm capacidade e intenção de realizar, concluiu-se neste estudo pelo agravamento progressivo e rápido de uma situação cuja súbita deterioração recente parece não deixar margem para dúvidas quanto à sua perspectivação no futuro próximo e imediato. Assim julga-se que o IN, no imediato, e tirando partido do impacto nas NF (nossas forças) das limitações sofridas, bem como da alta moralização que daí naturalmente advém para os seus combatentes, procurará:
- intensificar a acção antiaérea, procurando obter a todo o custo novos sucessos e adaptando …..
- incrementar a acção de guerrilha à luz de uma mais directa agressividade, especialmente dirigida contra as guarnições agora mais dependentes do reabastecimento por via terrestre, em especial por emboscadas contra colunas auto e apeadas, conjugadas com ou não com ataques a aquartelamentos;
- massificar as acções contra povoações com guarnição militar em ordem a obter sucessos militares politicamente exploráveis e dissociar a adesão das populações pela prova de força em acção frontal contra a protecção conferida pelas NT, tirando assim partido dos novos meios e processos de acção.
Esta actividade incidirá, mais provavelmente, nas guarnições de fronteira em especial nas mais vulneráveis às acções com carros de combate, pelo que se consideram áreas de preocupação:
- o eixo NOVA LAMEGO-BURUNTUMA e em especial a guarnição de BURUNTUMA, particularmente ameaçada:
- a região de ALDEIA FORMOSA e, e em especial, as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE, expostas a uma acção de carros de irradiando da Rep Guiné;
- a fronteira Norte da Zona Oeste, com particular incidência para a faixa tradicional de infiltração (GUIDAGE/BIGENE/FARIM/CUNTIMA).
……”
Chefe da Repartição de Informações, Tenente-coronel Artur Batista Mourão. In: Anexo “A” À Ata da Reunião de Comandos, de 15 de Maio de 1973
Base de Cumbamori no Senegal
Fonte da foto: livro "Guerra Colonial", Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes
Como sabem, neste mesmo mês (Maio de 73), Guidage ao Norte e Guileje ao sul, foram as duas pontas da tenaz da Operação Amílcar Cabral, lançada pelo PAIGC, e de que já escrevi neste nosso Blog. A queda de Guilege a 22/05/1973, na sequência da operação "Amilcar Cabral", é de facto “previsível” na análise da reunião de Comandos de 15/05/73, pois nela se debateram o crescente poderio do PAIGC nas zonas de fronteira. Como tal, fica aqui a questão, “qual a razão do Comando-chefe da altura, o mesmo que cerca de 10 dias antes, soube das verdadeiras intenções/potencial do In e não fez nada (a Sul) para evitar que “a ponta da tenaz da Operação Amilcar Cabral, lançada pelo PAIGC, não tivesse êxito a Sul? Falta de Efectivos de Reserva? Falta de Tropa especial? Ou subestimou-se mesmo o “potencial do PAIGC”? ou outro motivo? …. De facto o Comando-chefe, “investiu a Norte, na Operação Ametista Real”, realizada para "libertar" Guidaje, a norte, com um batalhão de comandos, tendo as NT sofrido nessa operação, 10 mortos, 22 feridos graves e 3 desaparecidos. É bom relembrar, que no primeiro trimestre de 1973 as NT tiveram 135 mortos, enquanto em igual período em 1972, tinham tido apenas 48.
Em Suma, e como o Comandante-Chefe (general António de Spínola) afirmou nesse longínquo dia 15 de Maio de 1973, nessa mesma reunião de Comandos; “…encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios …”
Ao contrário do que se possa pensar, os serviços de informação militares, funcionavam e pelos vistos com um grande grau de previsão…. Tínhamos mesmo agentes no terreno …
Estes registos que aqui apresento, foram extraídos de um Documento “MUITO SECRETO”, já “DESCLASSIFICADO”, Ata da Reunião de Comandos, de 15 de Maio de 1973.
Anexo à Ata da Reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973
Comunicação nesta reunião de Comandos, do Chefe da Repartição de Informações…
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9634: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74 (Luís Gonçalves Vaz)
Vd. último poste da série de