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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17838: Notas de leitura (1002): “A Última Viúva de África”, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Carlos Vale Ferraz é autor de uma das obras-primas da literatura de guerra, "Nó Cego". Ao longo dos anos tem dividido a sua atividade literária pela ficção e pela historiografia contemporânea. O seu novo romance leva-nos até às sanguinárias guerras do Congo, pós-independência, a articulação nos grupos catangueses e mercenários de muitas origens com o que se passava no Leste de Angola.

A enigmática Madame X é uma minhota que chegou ao Congo nos anos 1950 e que vai avisando Luanda e os serviços de informação portugueses do que se está a passar, Miguel Barros é o português que viverá toda a trama deste período tumultuoso e que mais tarde deixará uma gravação que funciona como o fio de Ariadne no labirinto dos acontecimentos, um desfecho espantoso de um mausoléu de Madame X num templo algures no Alto Minho - dali partiu alguém para viver os dramas do império e ali regressou como último parágrafo da descolonização.

Um belo romance, sem margem para dúvida.

Um abraço do
Mário


A Última Viúva de África, por Carlos Vale Ferraz

Beja Santos

Para além de investigador de História Contemporânea de Portugal, Carlos Vale Ferraz é nome cimeiro da literatura da guerra colonial, não se pode fazer o seu estudo sem indagar esse extraordinário romance que é "Nó Cego" (primeira edição em 1983). Tem escrito diversos romances e agora volta a averbar a guerra colonial à sua ficção. “A Última Viúva de África”, Porto Editora, 2017, tem como trama a antiga colónia belga do Congo, a guerra de Angola, Madame X, uma portuguesa oriunda do Minho que trabalhava como informadora e conhecida por Kisimbi, a “mãe” pelos mercenários que combatiam em prol da secessão do Catanga, é esse o tempo pretérito porque mais próximo temos a sugestão de um filme passado no Alto Minho em torno do mausoléu que o filho multimilenário de Madame X procura erigir junto do velho templo, mas os antagonismos a tal propósito são enormes. O fio condutor vai do presente ao passado e uma gravação vai vertebrando o historial de guerras sangrentas, crimes abomináveis, cenários de loucura em que intervêm os Flechas, os mercenários do batalhão Leopardo, alguns descendentes desses protagonistas que o romancista vai progressivamente pondo em cena.

Logo a jornalista Lívia Catarino, “uma jovem magra, com movimentos felinos. Os cabelos pelos ombros, frisados, e o rosto seco, sem qualquer pintura. O tipo de mulher suburbana que tanto pode estar encostada a uma parede, na rua, à espera de clientes, como a trepar a um monumento para tirar a fotografia ao corpo despedaçado de um bombista”. Inicia-se uma viagem até Vilar, no concelho de Vieira, é aí que se pretende construir o mausoléu, por aí se faria um filme, é o propósito do produtor de cinema Miguel Barros que confia nos talentos do realizador Herberto Popovic. Fernando Oliveira, o filho de Madame X, entra em cena, conversa com Miguel Barros, que conheceu a mãe no Congo. Os protagonistas sucedem-se: Inácia Luz, Fabiola, a filha de um nome lendário do comandante do batalhão Leopardo, Jean Scrame. É um jogo de espelhos, as imagens revertem-se, vai-se ao fundo do passado e é então que uma bobine revela o que Miguel Barros tem para contar sobre todo esse processo descolonizador que meteu chacinas, torcionários, que foi palco iluminado da Guerra Fria. Porque Miguel Barros é uma dada imagem de um português que após diferentes deceções profissionais pega numa máquina fotográfica e aterra no Congo. Chegado a Leopoldville, conhece no hotel La Regina esta Madame X enquanto se ouvem tiros por toda a cidade. “Há três meses que Alice enviava mensagens para Luanda, dirigidas ao governador-geral, ao diretor da PIDE, aos administradores dos postos do lado de lá da fronteira, a informá-los de que o caos em que o Congo mergulhara se espalharia como um enxame de abelhas sobre Angola”. O romancista torna a vida mais fácil ao leitor apresentando-nos Holden Roberto, os acontecimentos angolanos de 1961, os combates no Norte de Angola e os mercenários, os catangueses, Tshombé e o Catanga. É um romance de conflitos, pigmentado de horrores e de combates cruentos, como num filme tipo Apocalypse Now. Entre os mercenários há até um português chamado Rodrigues que muitos anos mais tarde será visto como segurança num centro comercial. Os mercenários foram muitíssimos úteis numa dada fase da guerra, incómodos quando Mobutu se tornou o senhor absoluto do Congo. Em Vila Teixeira de Sousa, Miguel Barros conversa com um inspetor da PIDE Albano Martins e apercebe-se que houvera um aproveitamento tribal para formar os Flechas. Miguel Barros presenceia todos estes incêndios, a deposição de Lumumba, a bestialidade dos Muleles que praticavam a política da terra queimada.

Há momentos aterradores, como os massacres de Stanleyville, a prosa de Carlos Vale Ferraz é primorosa, é um mundo em convulsão onde os Simbas executam, rasgam corpos a seu belo prazer. Não é esquecido Che Guevara, que por aqui andou e se amargurou, apercebendo-se que tantos os revolucionários congoleses como os angolanos não possuíam nem estratégia nem inserção nas massas populares. Toda esta confidência de Miguel Barros a Inácia Luz dá circunstância ao leitor para acompanhar do princípio ao fim o caos congolês até à chegada do despotismo de Mobutu. Assistiremos ao conflito angolano como guerra civil, à partida de Madame X, dos mercenários, dos homens da PIDE. Num novo vaivém dos jogos de espelhos vamos conhecer melhor o drama desses protagonistas e dos seus familiares, e então voltamos a um Portugal quase atual em que Fernando Oliveira conseguiu o que quis para ter um mausoléu em honra de Madame X.

É um romance muito belo, onde se mesclam fugas permanentes, dissimulações, segredos guardados até ao limite, cenários de hecatombe, mitos africanos, a amargura pelos paraísos perdidos e, subliminarmente, a queixa inerente à incompetência dos políticos que não souberam encontrar respostas para obstar todo aquele atoleiro africano que deixou feridas abertas até ao presente. E não é por acaso que a última viúva de África veio finalmente descansar num dado ponto do Minho, de onde partira, para fugir à fome, aí pelos anos 1950 do século passado.

Carlos Vale Ferraz voltou a África com uma prosa intensa que incendeia o drama congolês e o pesadelo angolano, estruturou com enorme talento uma figuração entre o passado e o presente, entre a sobrevivência no tumulto dos acontecimentos e a pesada crítica aos europeus que também falharam o encontro com a História.
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Nota do editor CV:

Último poste da série de 6 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17828: Notas de leitura (1001): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15476: Notas de leitura (786): “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Foi pela mão do nosso confrade Carlos Silva que tive acesso a esta surpresa, creio tratar-se de uma revelação de jovens escritores guineenses.
Continuo sem entender como não é possível podermos comprar livros da Ku Si Mon Editora, tanto quanto sei a única editora guineense, devíamos encontrar uma forma de procurar vencer esta barreira. "IMF no Palácio do Governador" é uma bem magicada história, possui um bom manejo dos ingredientes de livros destinados a adolescentes.
Vamos ver os romances que se seguem.

Um abraço do
Mário


Uma bonita surpresa dos mais jovens escritores guineenses

Beja Santos

Trata-se de um romance de aventuras de adolescentes, não escapa aos autores, vê-se claramente, as influências desses mestres da literatura juvenil tipo Enid Blyton e Isabel Alçada e Ana Magalhães. Mas é um livro guinéu, os jovens chamam-se Abibo, Alexandro, Jéssica, Katia, Ramatulai, Shakira… Tudo começa em meio estudantil, Abibo interpela Alexandro acerca da Missão Impossível, assim começa a organização de um grupo de investigadores. Esta é a primeira aventura e intitula-se “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011.

São jovens irrequietos, gostam de namoriscar, pregar partidas, sair em grupo. Os dois promotores enviam uma mensagem a futuros agentes, propondo-lhes fazer parte do grupo de investigação secreta e IMF na luta contra o crime, e propõem uma reunião numa sexta-feira no liceu, claro está uma reunião secreta. Comparecem Alexandro, Abibo, Faly, Aua, Noémia, Ramatulai, Fai, Zé Pedro e Mercedes mas Noémia avisa que vai ter com um amigo de nome Rayner ao Café Santa Luzia, dali a pouco. Ficam todos entusiasmados em fazer parte do IMF (Impossible Mission Force, ou Força de Missão Impossível) que tem a finalidade de investigar todo o tipo de crime. E começa o mistério:  
“Era quase de noite quando numa rua escura, meio abandonada, surgiram Noémia, Aua, Ramatulai, Faly e Zé Pedro. O destino era o café Santa Luzia, cujas traseiras ficavam naquela rua e a parte da frente numa outra rua, enorme e iluminada por candeeiros”. Uns ficam escondidos, outros vão entrar no café. Começa a haver indícios de ação policial: “De súbito na rua surgiu uma carrinha preta com os faróis apagados. O condutor devia conhecer muito bem a rua para andar assim às escuras. Parou mesmo em frente da porta das traseiras do café, e paralelamente aos rapazes. Estes permanecerem quietos a observar. Dois homens saíram do carro. O que vinha a conduzir era baixo e magro, o outro era alto, também magro. O que viera a conduzir abriu o porta-malas”. Tecem-se várias hipóteses, pretende-se saber quem é esse tal Rayner por quem a Noémia parece embeiçada.

Um grupo de jovens investigadores vai aventurar-se nas ruínas do Palácio do Governador, as visitas estão proibidas mas Noémia pede a Rayner, que trabalha para uma empresa turística, que autorize um grupo de amigos a acompanhá-lo numa visita ao palácio quando ele lá for com turistas, Rayner acede. Há espaços que se podem visitar, outros estão vedados ao público, jovens andam intrigados, vão tirando fotografias, Rayner avisa que o piso superior está selado, mas Abibo e Alexandro decidem desobedecer e sobem à socapa ao andar superior. Abrem uma porta, há lá uma figura humana que se precipita para os jovens numa gritaria horrorosa. Fogem mas prometem voltar. Mais tarde, examinando as fotografias tiradas, vêm um vulto numa janela, num compartimento onde não tinham entrado. Formam-se dois grupos para ir vigiar novamente o café de Santa Luzia, um dos jovens intromete-se na cozinha e ouve falar num carregamento de caixas.

Estamos já no Natal, os jovens montam vigilância ao Palácio do Governador, numa ocasião vêm passar dois homens que entram numa casa de banho pública junto do Palácio e desaparecem sem deixar rasto. Os jovens investigam e descobrem um fundo falso: “Empurraram a parede e esta deslocou-se para dentro revelando um túnel escuro. Afinal era uma porta de madeira que ali se encontrava, era uma obra de mestre, acabaram por entrar”.

Como é bem próprio da literatura juvenil, já estamos numa fase da ação quase explosiva, vai haver muitas aventuras dentro do Palácio, jovens presos, há jovens que enfrentam os meliantes, há lutas e muita balbúrdia no Palácio do Governador, os bandidos são presos pela polícia. Chegou a calma aparente, é preciso criar uma atmosfera para a próxima história: “Depois do sufoco passado no Palácio do Governador, os agentes sentiam-se todos recompostos e prontos para outra aventura. O novo ano chegara cheio de felicidades e estavam no primeiro dia de aulas”. Alguém chega com o jornal, contém uma notícia muito intranquila, os chefes da quadrilha fugiram da esquadra, como fora possível?

É uma história bem contada, possui os condimentos próprios, capítulos bem organizados, e é uma história africana, indicada para adolescentes dispostos a certas emoções fortes, como se exemplifica com uma passagem vivida naquelas peripécias dentro do Palácio: “Estava de novo na sala da lareira. Juntamente com os outros. De súbito, estes desataram a correr. Tentou fazer o mesmo, mas não conseguiu. Os pés não lhe obedeciam. O suor escorria-lhe pelo corpo todo, por causa das chamas que cresciam à sua volta. As labaredas tinham envolvido a figura que aí estivera sentada. Mas esta não gritava de dor, pelo contrário, gargalhava aos gritos, como se desejasse arder. Enquanto olhava apavorado para as chamas, uma serpente tinha-se arrastado até aos seus pés, envolvendo-se neles. Tentou soltar-se, mas de nada serviu, a serpente era forte. Gritou e nada. Estava molhado dos pés à cabeça. O pavor lhe ardia no peito, e o cérebro latejava. – Ajudem-me! Tenho de me soltar! – gritou. Dos outros não havia sinais”.

Mais um indício de que a literatura guineense procura o seu rumo, a sua identidade, ganhar um público. É pena não termos acesso às obras da Ku Si Mon Editora e às obras literárias de Adulai Sila, seguramente o nome mais representativo da atualidade das letras guineenses. É pernicioso manter esta distância, esta falta de intercâmbio editorial, é um entrave para a lusofonia. É a cultura e a amizade entre guineense e portugueses que ficam a perder.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15463: Notas de leitura (785): “O Fedelho Exuberante”, por Mário Beja Santos, Âncora Editora, 2015 (2) (Mário Vitorino Gaspar)

terça-feira, 5 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4284: Agenda Cultural (11): Memórias Literárias da Guerra Colonial, dia 7: Viagem ao Fim do Império, romance de Martz Inura



Na Biblioteca-Museu República e Resistência, Espaço Grandella, Estrada de Benfica, 419, Benfica, Lisboa, vai decorrer o 2º Ciclo de Conferências "Memórias Literárias da Guerra Colonial", entre 7 de Maio e 25 de Junho de 2009 (Quintas-feiras, 19h00).

A primeira conferência é já no próximo dia 7 (5ª feira), com a apresentação do romance Viagem ao fim do Império, da autoria de Martz Inura, um ex-combatente.

O autor tem uma página pessoal na Net: http://www.martzinura.com/

Viagem ao Fim do Império é o seu oitavo livro publicado e o segundo em prosa. O romance aborda a guerra colonial em Angola, onde o próprio escritor esteve em missão por duas vezes. Com cerca de 500 páginas, é mais um testemunho valioso sobre a catarse da guerra. Oficial miliciano, é hoje tenente coronel reformado. Vive em São João da Madeira. É natural de Oliveira de Azeméis. Nasceu em 1945.

“Muitos dos episódios descritos no livro eu próprio os vivi. Mas o livro é uma ficção, não descrevo as coisas tão horríveis como de facto foram”, contou o escritor ao semanário Labor.

Martz Inura é o pseudónimo literário de Emídio Ferreira Aguiar.

A próxima conferência é a apresentação, a 14 de Maio, do livro do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, A Retirada de Guileje: a verdade dos factos. Coutinho e Lima, hoje Cor Art Ref, era o comandante do COP 5, na altura da retirada de Guileje, em 22 de Maio de 1973.

Para mais esclarecimentos sobre este evento contactem o Paulo J. Sousa, da Câmara Municipal de Lisboa, Direcção Municipal de Cultura, Divisão de Gestão de Bibliotecas:

E-mail:
jose.paulo.sousa@cm-lisboa.pt

Sítios na Net:
http://republicaresistencia.cm-lisboa.pt/

http://www.cm-lisboa.pt/


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Nota de MR:

Vd. último poste da série em 30 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4269: Agenda Cultural (11): Ciclo de Encontros Guerra Colonial: Realidade e Ficção - Alverca do Ribatejo (Beja Santos)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3565: A literatura colonial (1): Fernanda de Castro ou a Mariazinha em África, romance infantil, de 1925 (Beja Santos)


Duas das ilustrações de Ofélia Marques que enriquecem o livro de Fernanda de Castro (1900-1994), Mariazinha em África (Lisboa: Ed. Empresa Literária Fulminense, 1925).


Imagens: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados

Fernanda de Castro e a Guiné
por Beja Santos

Leopoldo Amado, nosso confrade, chamou a atenção num importante ensaio intitulado “A literatura Colonial Guineense” (Revista ICALP, vol. 20 e 21, Julho - Outubro de 1990) (*) para o legado de Fernanda de Castro na literatura colonial que se afirmou na primeira metade do séc. XX.

Em 1870, a presença portuguesa na Guiné aparecia moralizada pela sentença arbitral do Presidente Ulisses Grant, considerando-se a data como marco histórico para a autonomização da Guiné face a Cabo Verde. Iniciava-se um período de relativa prosperidade, com a intensificação de trocas comerciais, Bolama enche-se de uma classe administrativa e comerciantes, os negociantes estrangeiros cirandam entre Bissau e Bolama, entre Bolama e Buba, entre Bissau e Cacheu. Aparecem publicações, uma pequena elite manifesta-se como gente “civilizada face” aos “indígenas”.

É dentro deste processo de colonização, aculturação e pacificação que desponta a literatura local. Leopoldo Amado destaca o papel de Fernanda de Castro que viveu na sua juventude em Bolama e que escreveu um best seller que encantou várias gerações: “Mariazinha em África” que surgiu em 1925, a que se seguiram outras obras que tem a Guiné como palco: “O Veneno do Sol” (1928), “Aventuras de Mariazinha em África” (1929); “Exílio” (1952) e “África Raiz” (1966) (**).

Fernanda de Castro é a mulher de António Ferro [1895-1956], é uma escritora modernista, terá tido uma infância feliz na Guiné, todos estes livros acabam por ser memórias e confidências desse tempo. Leopoldo Amado destaca Fernanda de Castro nas sucessivas edições de “Mariazinha em África” foi adoçando a visão colonialista do negro, aliviando cargas de preconceitos, se bem que mantendo o entusiasmo dos seus relatos que seguramente apaixonaram leitores de várias idades sobre um exótico praticamente desconhecido ou ignorado.

“Mariazinha em África” é apresentado como um romance infantil. Estou a seguir uma edição da Ática, 1959, com ilustrações belíssimas de uma grande artista do modernismo, Ofélia Marques, uma ilustradora que se impôs no panorama nacional ao lado do seu marido, Bernardo Marques [1898-1962], este dotado de um risco de grande talento, um visionário do desenho, um mestre de aguarela.

Mariazinha, a mãe e o irmão mais novo vão se encontrar com o pai, capitão do porto de Bolama, é uma fascinante viagem de barco, passaram ao largo da Madeira, avistaram as Canárias, Mariazinha viu os peixes voadores, estiveram em São Vicente e partiram para Bissau e daqui para Bolama. É uma criança que se fascina com aquele admirável mundo novo, onde há tubarões, crocodilos, quando Mariazinha chega a Bolama tem à sua espera um lindo quarto pintado de azul, uma cama de metal amarelo, uma secretária com um tinteiro, livros de aventuras, um dicionário Larousse ilustrado.

O pai apresenta os criados que falam numa língua incompreensível, uma algaraviada: Lanhano é o criado de mesa, tem uma risca muito bem feita na carapinha, Adolfo que não percebe nada e que diz sempre si, sinhô, o jardineiro Undôko que tem uma dentuça feroz mas que não é capaz de fazer mal a uma mosca, há o príncipe Mamadi que veio aprender português lá em casa e entreter o Afonso e por último o cozinheiro Vicente que ás vezes faz belos petiscos.

A Guiné de Fernanda de Castro é um pouco à imagem das ilustrações de Ofélia Marques: é um mundo tirado da Europa, onde os indígenas estão abertos, regra geral, a aceitar uma civilização superior. Há florestas, passeios de canoa, festas de bajudas, Mariazinha conhece Ana Maria a filha do governador, falam de jagudis, experimentam o tornado, assistem a uma caçada no Oio, saciam a fome e a cede com cocos, vêm gazelas, ouvem falar de onças.

A vida das meninas é apresentada através de descobertas muito curiosas: a criação de um autêntico jardim zoológico, a chegada de um navio que exige a preparação rápida de uma refeição, é sempre a cultura ocidental – europeia a sobrepor-se à África inculta. Viajam até Buba, levam um gramofone que é oferecido ao príncipe Mamadi. Mariazinha pergunta e os outros respondem: fala-se dos Bijagós, há um pretendente que quer casar com Mariazinha, o pretinho Mamadi adoece cheio de febres, chegou a hora de regressar a Portugal, o pai adquiriu uma bela colecção de armas mandingas, o Vicente vai também, no cais todos os negros se despedem cheios de tristeza dos brancos que vão regressar a Portugal. Percebe-se o fascínio por esta trama, Mariazinha transmite a todos e a tudo uma alegria sincera, deslumbra-se com o exótico, transmite essa África exótica ao leitor, assim se veicula a mensagem colonizadora.

Quero só lembrar a todos que as obras completas de Fernanda de Castro foram editadas pelo Círculo de Leitores, em 2007. Quem quer conhecer os seus romances guineenses tem esta oportunidade.

A seguir a Fernanda de Castro veio o caso mais sério da literatura colonial guineense, Fausto Duarte, um mestiço que introduziu a temática da aculturação numa época em que a Guiné conhecia mudanças com o consulado de Sarmento Rodrigues que trouxe consigo Avelino Teixeira da Mota que irá ter um papel cultural incontornável.

A obra-prima de Fausto Duarte é “Auá”, um romance de 1934 que merece ser relembrado. Iremos aqui falar de “Auá”, é o grande romance guineense da guerra colonial (***).

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Notas de L.G.:

(*) Disponível em formato pdf, 18 pp., no sítio do Instituto Camões:

Amado, L. - A Literatura Colonial Guineense. Revista ICALP [Instituto de Cultura e Língua Portuguesa], 20-21 (Julho-Outubro de 1990): 160-178.

(**) Vd. poste de 7 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2248: Blogpoesia (6): África Raiz, de Fernanda de Castro

(**) Recensão bibliográfica, por Beja Santos, a inserir brevemente no nosso blogue.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2419: Tabanca Grande (52): Salutacions cordials a nostre amic catalan Àlex Tarradelas

1. Mensagem do nosso amigo catalão Àlex (1):

Caro Luís, obrigado a si. Se alguma vez precisar, ou simplesmente gostasse de publicar em castelhano ou catalão algum artigo que ache interessante para perceber o sentido do seu blog, ou qualquer coisa que achar que interessante para ser difundida, informe-me, e dentro da minha disponibilidade vou traduzi-lhe, encantado.

Um grande abraço,

Àlex Tarradellas

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Àlex, pela tua disponibilidade. Accionarei o eixo da amizade Portugal -Espanha-Catalunha-União Europeia-África-Guiné Bissau, sempre que se justificar e nos apetecer... Se me dás licença, vou-te pôr na lista dos amigos da Guiné que fazem parte da nossa Tabanca Grande... Vejo que estás atento a (e te interessas por) o que se passa hoje, não só na Guiné-Bissau como noutros países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) (2).
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2403: Antologia (67): As Duas Faces da Guerra: Como si la guerra fuera un simple juego de ajedrez (Álex Tarradelas)

(2) Vd. texto de Alex Tarradellas (que escreveu o prólogo e traduziu para castelhano o livro da mçamnicana Paulina Chiziane): Paulina Chiziane em espanhol. Diário dos Açores. 14/7/2007.

(...) Com o seu primeiro romance (Balada de Amor ao Vento, 1990), Paulina Chiziane foi considerada a primeira mu-lher de Moçambique a escrever um romance. No entanto, ela contradiz este dado ao negar sentir-se romancista. Define-se simplesmente como contadora de «estórias»: «Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos em volta da fogueira, a minha primeira escola de arte.» As «estórias» são a forma de definir a narrativa de cunho popular e tradicional nutrida de uma grande influência oral. (...).

(...) Se nos cingimos ao caso de Paulina Chiziane, encontramo-nos com uma mulher nascida em 1955 em Manjcaze, uma população rural no sul de Moçambique. Aos sete anos muda-se para os subúrbios de Maputo, conhecida como Lourenço Marques nos tempos coloniais. Ali, subsiste com o seu pai a trabalhar como costureiro pelas ruas e a sua mãe como camponesa. Na capital, conhece a independência do país a 25 de Junho de 1975. E os bons augúrios nacionalistas, gerados após libertar-se das tropas portuguesas, dissipam-se rapidamente com o início da guerra civil, que não vai terminar até 1992 com o Acordo Geral de Paz.

Durante este turbulento período, Paulina Chiziane obtém a sua formação escolar e começa os estudos em linguística na Universidade Eduardo Mondlane, mas não os acaba. Com o tempo, começa a publicar contos na imprensa moçambicana, até que em 1990 escreve o seu primeiro romance. O facto de trabalhar na Cruz Vermelha durante a guerra civil permite-lhe nutrir-se da crueldade do conflito na primeira fila (...).

(...) Com a publicação em espanhol de O Sétimo Juramento, a autora adentra-nos numa sociedade cheia de contradições, onde os costumes convencionais chocam constantemente com as raízes ancestrais das personagens.

David é um guerrilheiro que, após a independência de Moçambique das forças portuguesas, converte-se em director de uma fábrica. Membro de uma emergente pequena burguesia, assentada sobretudo em Maputo, agirá como um bom cristão. No entanto, perante o primeiro problema pessoal com que se depare, recorrerá à magia negra. Esta será a tónica geral de um reduzido grupo social regido por dogmas católicos e, ao mesmo tempo, carregado de hipocrisia. Portanto, apesar de agir sob os princípios da ciência, a religião católica e, em resumo, o modus vivendi trazido do Ocidente, não poderá fugir das religiões animistas que acompanharam os seus antepassados.

Ao longo do romance, Paulina Chiziane desvela-nos uma vida cheia de dualismos que se entrecruzam constantemente: passado e presente, revolucionários e acomodados, tradições ancestrais e religião católica, homens e mulheres, jovens e anciões, curandeiros e feiticeiros, magia negra e magia branca e um longo etc. Contudo, é muito importante destacar que não se trata de puro maniqueísmo, senão de binómios, muitas vezes enlaçados sem poder separar-se. Esta é a essência do romance, um mundo de contradições e incompatibilidades entre crenças. Uma longa história de feitiçaria num mundo dual, característico da sociedade africana. (...)


Paulina Chiziane
é editada em Portugal pela Caminho
(a quem são devidos os créditos fotográficos desta imagem).

domingo, 30 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART 1687 (1967/1969) >
Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 12 > Centro do aquartelamento (parada), edifícios do comando e cómodos dos oficiais, vistos do lado da messe de sargentos. (Podem ver-se os varandins e balaustradas que o Mário Vicente descreve no seu livro A Guerrilheira, para a direita das viaturas Matadores que se vêm ao fundo, ficaria a palhota que serviu de cárcere à Pami Na Dondo).

Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 10 > Outro interior da messe de Sargentos. Vejam-se os cadeirões feitos dos barris do vinho, a necessidade aguçava o engenho.
Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 7 > Interior da messe e bar de Sargentos.

Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotogáfico de Victor Condeço > Foto 1 > Cufar Aquartelamento de Cufar, vista do lado da Pista.

Fotos e legendas: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.



PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112



Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726 : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.


Parte VI - Esperando o segundo interrogatório (pp. 47-52)


Resumos dos posts anteriores (1):

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como.
Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.


(i) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu)

Passado que fora aproximadamente uma hora de terem levado a Bajuda, ouviram-se passos em corrida e grandes gargalhadas no Comando. Pouco depois a rapariga foi reintroduzida na prisão. Tremendo toda, enrolou-se junto de Pami. Esta ajeitou-se, de forma que as caras ficaram juntas. A professora de Flaque Injã passou com suavidade a sua única mão pelo rosto da jovem e sentiu os dedos humidificarem-se com as suas lágrimas. Num murmúrio, perguntou-lhe:
- Fizeram-te mal? Abusaram?
- Não!

Então sussurrante, a jovem contou tudo o que se tinha passado:
- Levaram-me para uma casa, onde estava uma cama dos militares. Fiquei ali só, durante um tempo até que apareceu um militar que deveria ser o dono da cama. Eu estava sentada a um canto. E ele pareceu ficar surpreendido com a minha presença. Começou a falar, mas eu não entendia nada, pois não conheço a língua deles. Passados uns momentos, ele aproximou-se e, sempre falando, pôs a mão na minha cabeça, e foi descendo até apertar o meu seio. Aí eu bati com a minha mão na dele. Falou mais, e veio novamente, agora tentando meter a mão entre as minhas pernas. Havia um pau junto, e eu peguei nele para lhe bater. Então ele começou a fugir, em volta da casa, sempre falando. Parou e tentou vir junto de mim outra vez, e eu levantei o pau novamente. Ouvi barulho, por cima, e vi muitas caras espreitando e rindo. Ele falou para os outros zangado, e os outros fugiram. Depois trouxeram-me para aqui. Mas estou com muito medo.

Estava narrada a aventura da Bajuda. Pami acalmou a miúda, colega de cárcere. Felizmente nada de grave tinha acontecido. No dia seguinte pelas conversas ouvidas ao grupo que se reuniu na varanda do Comando, verificou ter-se tratado de brincadeira, feita pelos alferes ao tenente. Do qual ficou a saber ser médico, e chamar-se Leandro.

Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Estes não conhecia o nome, mas eram do mesmo grupo que comandavam os Lassas. Um sem barbas, que tinha na mão o mesmo caderno onde Telmo tinha escrito, perguntou a um milícia que também era outro, o seguinte:
- Gibi, pergunta-lhe lá, se o que ela ontem disse é verdade?

O milícia formulou a pergunta em Balanta. A prisioneira esperou um pouco e acenou que sim com a cabeça. Os militares ficaram calados, e o que não tinha barbas disse para o outro:
- O que é que fazemos, Gama?

Ao que o de cara cheia e com barbas, respondeu:
- Sei lá, carago! Oh meu alferes, deixe essa merda, carago! Estamos aqui a perder tempo para quê? O alferes Telmo e o Mamadu que tratem dela, eles são Rangers, eles é que sabem tratar dessas merdas, carago!

Pami ficou a conhecer mais dois elementos dos Lassas. O alferes virou-se para o barbudo e falou:
- Eh, pá, eu acho que eles têm razão. Esta gaja parece esconder algo.
- Não duvido! Se o Telmo e o Mamadu nos pediram para fazer isto, é porque lhe cheira a qualquer coisa, carago! Mas eles que se chateiem. Eu já não tenho pachorra para isto, carago.

O alferes virou-se para o milícia Gibi, e disse:
- Diz-lhe que quando quiser falar verdade que diga. E agora leva-a para a palhota!

A professora ficou estupefacta. Estes indivíduos são de facto imprevisíveis. Tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer a Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista?

(ii) Malan, denunciado como guerrilheiro, é entregue à PIDE de Catió

Ao terceiro dia é concedida autorização para as prisioneiras lavarem a roupa, pelo que se dirigem todas para o poço. As duas mulheres primeiramente interrogadas, e que continuam a ser ouvidas em conjunto, desligam-se um pouco do grupo. Os militares sentem grande interesse por elas, e estão constantemente a ser chamadas. Pami tem a certeza que elas estarão a passar informações sobre a guerrilha. A professora apercebe-se que os homens estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Do seu ponto de observação, no interior da prisão palhota, consegue ouvir uma conversa, em que Malan Cassamá, já foi identificado. Ouviu perfeitamente Telmo falar com o Leão de Cufar:
- Meu capitão, o problema está resolvido, o indivíduo não confessou, mas há um que confirma, que o gajo é mesmo o Malan Cassamá, e que pertence ao Exército Popular como consta no pedido de captura!
- É uma porra, Telmo! Não podemos ficar com ele. Temos de o levar para Catió e entregá-lo à PIDE. Mas vê se lhe caças alguma coisa. Na próxima ocasião, pedimos o gajo como guia. Olha, diz ao Palmeiro que aquelas duas gajas que se abriram, podem ir embora. E já agora que levem a miúda, não vá algum sacana de noite meter-lhe os tampos dentro, e termos para aí problemas. As outras espremam um pouco mais a ver se dá alguma coisa. A sem mão é capaz de ser tonta, mas tudo é possível.
- Certo, vou tratar disso com o Palmeiro!
- Outra coisa, meu capitão. A mais velha disse alguma coisa que coincide na generalidade com as outras. Mas os soldados andam de volta dela, e parece que alguns já a comeram. Era melhor o doutor vê-la, não vá haver para aí uma infecção geral, e andar tudo de gaita à bandoleira.
- Certo, levem-na ao Leandro.

Pami, embora receosa e triste, por verificar que os prisioneiros parecerem não estar a aguentar-se. Ficou mais aliviada com esta revelação, pois Malan pelo menos já tinha o estatuto de prisioneiro em princípio regularizado. Mas estava preocupada por não ser chamada, nem a sua companheira, agora que as outras três tinham partido. Ou estariam à espera que fosse ela a tomar a iniciativa? Grandes momentos de confusão para a professora de Flaque Injã.

Uma manhã, oito dias passados sobre a sua captura, Pami conseguiu ver Malan. Mãos amarradas por uma corda, que lhe envolvia o pescoço, o guerrilheiro era içado, para uma viatura, que seguiria numa coluna rumo a Catió. Agora sim a separação seria para sempre.

Aos poucos os homens prisioneiros foram desaparecendo. O destino deles era interrogação para Pami, que permanecia com a sua companheira, a qual por vezes se ausentava com os militares, voltando com pão, vinho, bolacha e por vezes aparecia já alcoolizada. A conversa entre as duas era nula. Uma manhã a companheira saiu e não voltou mais.


(iii) Pami torna-se confidente de Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu)

Pami sentiu mais liberdade, e verificou que ninguém ficava a guardar a sua prisão. Pelo que começou a sair e a sentar-se no chão junto à porta, apercebendo-se agora praticamente de toda a vida dos Lassas dentro do seu aquartelamento. O pessoal da milícia falava com ela, e as mulheres aproximavam-se mais, mantendo até conversa. Pami receou que alguma mais velha a reconhecesse de Catió, mas a invenção do nome e a falta da mão ocultavam perfeitamente bem a sua verdadeira identidade.

Duas mulheres, as quais eram bastantes novas e casadas com dois milícias já velhos, começaram a vir até junto dela, e falar imenso. A professora redobrou a atenção e concentração, não fossem os militares tentarem recolher qualquer informação através delas. Apercebeu-se mais tarde que não seria essa a intenção, mas única e simplesmente a conversa um pouco criança, talvez, que suscitava a curiosidade e o interesse das jovens mulheres.

Apercebeu-se rapidamente que a que dava pelo nome de Míriam, era nada menos nada mais do que a lavadeira - mas não só - do furriel Rafael. A de nome Meta - um pouco tonta - tinha relações com um soldado nativo, ou seja do recrutamento da Província, como diziam os colonialistas, o qual era criado (impedido) de três furriéis, onde estava incluído o Rafael.

Que ódio tinha Pami a este homem! Porquê? Ela própria não o sabia definir. Seria por causa dos interrogatórios? Talvez! Mas... tirando o caso de puxar pela pistola e tê-la colocado no seu ouvido, não tinha sido violento. Antipatia natural seria!? O olhar dele parecia que a trespassava.

Da conversa com as duas Pami ficou a saber que Meta dormia com o impedido por gostar de fazer conversa giro, coisa impossível de acontecer com seu marido, dada a impotência deste derivado da sua velhice. Os encontros de Miriam com o furriel seriam o desejo desta ter um filho de um homem branco. Coisas incompreensíveis para a jovem professora, cuja cabeça era apenas ocupada por Malan.

Os Lassas voltaram a ir ao outro lado do Cumbijã. Meta contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos. Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar (2).
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

(2) Comandante dos Lassas

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 10 : "Lagoa entre Catió e Priame".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 28: "Cufar, 1966 - Artilharia no quartel de Cufar, Obus 8,8 cm".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 14: "Catió 1967- Material capturado em Cabolol no decurso da Operação Penetrante em 27 de Junho de 1967".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 25: "Cachil 1965– Ilha do Como – Interior do aquartelamento".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 6: "Catió 1967- Meninos e bajudas na estrada de Ganjola".

Fotos e legendas: © Benito Neves (2007). Direitos reservados (1):


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (2)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.



Parte IV - Pami e Malan são feitos prisioneiros pelos Lassas (pp. 35-40)

© Mário Fitas / (2007). Direitos reservados.


Resumo do episósio anterior (2):

Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.

A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.



(i) Pami e Malan são feitos prisioneiros

Madrugada de 24 de Agosto de 1965. Pami dorme paulatinamente nos braços de seu marido, depois de uma noite de amor. Ao romper da aurora, uma leve neblina cobre a bolanha entre Cobumba e o rio Cumbijã. Os cães da Tabanca começam a latir e ouvem-se barulhos esquisitos que, aos poucos, se transformam em gritaria. Cobumba está cercada por tropas do exército Português. Há algumas fugas, e ouvem-se algumas rajadas de espingardas G3. Malan, desprevenido, apenas tem tempo de esconder a sua Kalashnikov num depósito de arroz. Os soldados portugueses fazem a busca, de casa em casa. O pessoal capturado é reunido numa clareira. Disfarçadamente, Pami afasta-se de Malan, por ordem deste, para que não haja mais confusão, e para tentar não comprometer sua mulher. Ele está perdido! Vai ser facilmente identificado como guerrilheiro, pois sabe que existe mandato de captura contra ele.

Pami pensa como poderia tudo isto acontecer? E repentinamente apercebe-se.Os Lassas! Verdade, ali estavam eles! Mas como? Não se ouvira nada! O roncar das lanchas de desembarque!? Terão vindo pela estrada! De certeza! São mesmo perigosos. É necessário muito sangue frio e inteligência para tratar com esta gente. Estamos no fundo, pensa Pami, enquanto, atentamente, observa a movimentação das tropas portuguesas, identificando quem manda quem, e o cumprimento irrepreensível desta máquina de guerra. Raro é o soldado que não tem barba crescida, o que lhe dá uma certa camuflagem. Agora vê nitidamente quem comanda tudo. Precisamente! É aquele indivíduo alto, magro, barba curta e óculos escuros, que apenas usa pistola. Tudo passa por ele, que recebe e dá informações através do elemento que transporta um enorme rádio às costas, e que responde pelo nome de Garcia. Não há confusão! Os homens movimentam-se, como que vivessem em Cobumba há longos anos.


(ii) O leão de Cufar

A população que não conseguira fugir ao golpe de mão, contínua toda reunida. E à ordem do homem dos óculos, um negro, magro e pequeno, começa a transmitir em balantaum discurso contra os malefícios da guerrilha, e a necessidade de entendimento com as autoridades legais. Dado não se encontrar o chefe da Povoação, terá de levar algumas pessoas, homens e mulheres, para conversar melhor sobre todos estes problemas, e sobre os guerrilheiros que se movimentam com muita facilidade em Cobumba e, também, para receber explicações pela inexistência de jovens. Pede aos que ficam para transmitirem ao chefe de Tabanca estas palavras, e que seria bom que o mais breve possível ele se apresentasse em Bedanda, ou de preferência em Cufar, no que teria imenso gosto. Seguidamente, iria ser escolhido o pessoal que acompanharia os militares. Falou baixinho com um elemento que Pami reconhece ser um residente da Tabanca de Priame, em Catió. Concerteza seria o chefe da milícia. E são os homens e mulheres escolhidos. No grupo estão incluídos Malan Cassamá e, inexplicavelmente, Pami na Dondo.

Porquê? Não veriam os militares a sua frágil constituição e a inexistência da sua mão esquerda? Ou seria por isso mesmo!?... Não é uma tropa qualquer, há algo de especial nestes indivíduos, adivinham as coisas. Os soldados que rodeiam os homens que os acompanharão, começam a movimentar-se, obrigando-os a segui-los. Como uma cobra a deslizar por entre o capim e em fila, Pami observa os Lassas a saírem das suas posições e a movimentarem-se na direcção do cais. As mulheres são agora mandadas caminhar entre um grupo, que se terá mantido invisível do lado Norte no sentido de Cansalá. Ao entrarem na picada que atravessa a bolanha, para acesso ao cais, em terreno descoberto os militares deslocam-se afastados uns dos outros, aproximadamente quatro a cinco metros, em andamento rápido, e verifica-se que têm a preocupação de colocarem os pés no mesmo local do companheiro da frente. Pelo alongamento, devem ser próximo de cem homens.

Pami compreende agora toda a manobra. Fizeram roncar as lanchas de desembarque no rio junto a Cadique, para as tropas se movimentarem mais facilmente pelo interior, e não serem detectadas.

(iii) O embarque dos prisioneiros em lanchas da Marinha

Chegada ao cais, embarque rápido. A primeira lancha enche rapidamente, e recua para meio do rio, para segurança. A segunda também é rápida na movimentação. O pessoal prisioneiro continua separado. Na primeira lancha, os homens, onde segue também o homem dos óculos sempre com o do rádio atrás. As mulheres, na segunda, com o grupo que se mantivera invisível a Norte da povoação, e começa a descida do rio.

Pami Na Dondo - incógnita sabedora da língua portuguesa -, vai observando e registando as conversas dos militares, ignorantes ainda sobre quem são as suas prisioneiras. Julgando-as apenas entenderem o dialecto Balanta, ou um pouco de Crioulo.

Quatro militares estão muito próximo de Pami e esta pode seguir perfeitamente o seu diálogo. Apercebe-se rapidamente que são os chefes deste grupo de homens. Fica um pouco incomodada com o olhar persistente de um deles. Boina preta na cabeça, lenço da mesma cor ao pescoço. Não pára de olhar o coto da sua mão, procurando depois os seus olhos, com uma intensidade profunda. Passados uns momentos, fala para o que estava a seu lado:
- Telmo! Temos de soltar a língua àquela gaja sem mão! Tem cara de inocente, mas é capaz de saber muito!
- Acredito! É bem possível! - retorquiu o outro.

Mas um terceiro, pequenino e magro, muda a conversa.
- É pá e as sacanas das formigas! Foda-se, fiquei todo picado. Vocês viram como os cabrões têm a estrada toda cortada e cheia de abatises!?

O que dá por nome de Telmo riposta:
- Qualquer dia vamos limpar aquela merda toda! Tambinha, o que é que dizes?
- O caralho! Vai tu!

O da boina preta olha para o Tambinha - diminutivo de nome balanta, apercebe-se Pami - e com escárnio diz:
- É melhor ires marcando as férias se não quiseres embarcar nessa! E tu, Taveira, não estás cá!? Ou estás a masturbar-te em pensamento!? Não dizes nada?

Entretanto, um soldado com aspecto boçal e de barba ruiva bastante crescida, chega-se mais a uma bajuda, que fazia parte das cinco prisioneiras, e por entre o pano com que esta cobria o corpo, mete-lhe a mão nos seios e sai-lhe:
- Rica chicha! Isto para o almoço era até esfolar a gaita!

Os militares riem, mas o de nome Telmo, autoritário e vendo a cena, repreende o soldado:
- Se lhe tocas mais uma vez, levas com a G3 no focinho! Seu porco! Assim é que queres fazer psico? É? Toma juizinho. Ninguém toca nas mulheres!

Faz-se silêncio por uns tempos, perturbado apenas pelo roncar do motor da lancha. Alguns militares começam a tirar cigarros dos bolsos e, fumando, vão mirando as prisioneiras com olhar muito distante.

Passado algum tempo de viagem, um militar de calção e camisa azuis - que deveria pertencer à guarnição da lancha -, informa o de nome Telmo:
- Estamos a chegar! É melhor mandar a malta desviar, para a prancha descer e acostar melhor!
- O.K.! Malta, vamos chegar mais para trás!

E, virando-se para os outros três companheiros, dá as seguintes ordens:
- Taveira, sai primeiro com os teus homens!

Depois, virando-se para o da boina atalha:
- Mamadu, com os teus leva as mulheres! Cuidado ao subir para as viaturas! Tambinha, vais no último Unimog!

(iv) A chegada a Cufar

E começam as despedidas do pessoal da lancha, enquanto a porta da frente da mesma desce e embate em terra, pelo que fica pronta para o desembarque. Os soldados começam a sair, agora com outro à vontade, e muita fala. Não sabendo onde se encontrava, Pami apercebe-se de que o terreno é já muito conhecido dos militares.

Apesar dos avisos recebidos, as mulheres são auxiliadas a subir para as viaturas, pelos soldados que aproveitam para as apalpar e passar as mãos pelas partes baixas das mesmas, satisfazendo assim o instinto animalesco, resultante de longa privação de sexo. Só quando as viaturas se põem em andamento, e atravessam a tabanca de Impungueda, Pami reconhece o local. Sim, é de certeza, passara por ali antes da ocupação de Cufar pelos militares. Atravessam Iusse, contornam a lagoa e entram ao fundo da pista de aviação, em direcção à antiga Quinta.

Ao chegarem ao portão da Quinta, Pami não reconhece nada. Está tudo modificado, só quando param em frente da moradia principal, identifica a antiga casa. Desce toda a gente, e alguns soldados curiosos aproximam-se dos prisioneiros que continuam separados. O militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento, reúne com os chefes dos grupos, e é dado destino aos prisioneiros. Na separação ainda há um olhar entre Pami e Malan, transmitindo em pensamento a mensagem secreta, de que a sorte os acompanhe. Não será assim! Pami e Malan fazem naquele breve, mas profundo olhar, o adeus para sempre. Ali terminará uma vontade, um querer, uma coisa diferente, aquele amor sofrido e vivido até à exaustão. É o fim de certeza! No seu interior eles sentem-no! Sentem vontade de correr um para o outro e morrer naquele momento. Mas já é tarde, lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação para sempre. A solidão toma conta do seu pensamento e coração .

(v) Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló

As mulheres prisioneiras ficam à guarda dos milícias do ex-cipaio. Os homens ficam sob a custódia dos soldados brancos. Nenhum prisioneiro conhece o seu destino. À noite é distribuída uma refeição de arroz com carne de vaca, cozinhada pelos soldados Lassas. Pami rejeita, não tem apetite, apenas bebe um pouco de água. Com as suas companheiras, são metidas numa palhota junto às moranças dos milícias. É-lhe solicitado silêncio, e o medo não deixa que haja qualquer comunicação entre as mulheres. Pami não consegue dormir um minuto, pelo que se apercebe dos movimentos nocturnos próximos da palhota. De quando em vez ouvem-se passos. Deverá ser o render das sentinelas.

No dia seguinte, ao romper da madrugada, começam a ouvir-se os bombalôs, tambores, no seu frenético tan-tan, para os lados das tabancas a sul, anunciando o Choro pela morte de alguém. Pami sentada no chão de capim - pensamento enevoado -, não sente os panos enrolados ao corpo, todos ensanguentados. A situação nem lhe dá a física percepção, de que lhe terá aparecido a menstruação.

Conforme o sol se vai erguendo por sobre o tarrafe da confluência dos rios Manterunga e Cumbijã, a vida no aquartelamento, vai tomando movimento. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(Continua)
__________

Notas de L.G.:

(1) Um especial agradecimento é devido ao nosso camarada Benito Neves que pôs à disposição do Mário Fitas e da nossa Tabanca o seu álbum fotográfico. Sobre o Benito, vd. os seguintes posts:

Vd. posts de:

15 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2268: A falsificação da história da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)(Benito Neves)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

2 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1559: Ex-Alf Mil Avilez, da CCAV 1484, hoje professor de arte, foi o autor do mural de Catió (Benito Neves)


(2) Vd. episódios anteriores:

Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)


(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)




28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)23 de Novembro de 2007 >




(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

(3) Lassas era a alcunha por que eram conhecidos os militares da CCAÇ 763, de que fazia parte o Mário Vicente, Fur Mil Fitas . No seu primeiro livro (Putos, Gandulos e Guerra, edição de autor, Cucujães, 2000, p. 75), pode ler-se:

"Por informações recebidas, a [CCAÇ 763] será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas. Pelo que se veio a saber, lassa era "uma espécie de abelha existente na Guiné que, não sendo molestada, não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa quando enraivecida. Esta alcunha resultaria, portanto, da actuação da [Companhia] pois, quando chegava a uma povoação em que a população estivesse e não fugisse, não haveria problemas, pois falava-se com essa população e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Se, caso contrário, a população fugisse e abandonasse as suas moranças, as mesmas eram literalmente destruídas" (...) .

O termo crioulo que eu ouvi, muitas vezes, aos meus soldados fulas, quando fugíamos das terríveis abelhas africanas era Bagera, bagera!!! (LG)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)



Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) (1)

Foto 27 > "Catió, 1967. Tenente João Bacar Jaló (ou Djaló), comandante da Companhia de Milícia 13, à porta da sua casa em Priame... Pela presença da viatura, provavelmente ia deslocar-se ao Comando do Batalhão para participar em mais um planeamento de uma operação, era normal pedirem a sua presença e atenderem as suas recomendações. Com o seu saber e a sua experiência no terreno, a ele se deveram por certo o êxito de muitas operações e o reduzido número de baixas sofridas. Nesta altura já lhe tinham sido atribuídas duas Cruzes de Guerra, um em 1964 e outra em 1965; em 1970, já ao serviço dos Comandos, é-lhe atribuída a Torre Espada". (BN) (2)

Foto e legenda: © Benito Neves (2007). Direitos reservados



Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72), a quem desejamos boa saúde e boa viagem até Santiago de Compostela (4). Lição nº 7: O que a Brinsam faz durante o dia... Parágrafo final: "A Brinsam é uma menina estudiosa e amiga da família. Quando ela for crescida, ela vai ser uma boa militante do nosso Partido".

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (5)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Edição no blogue: Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.


Parte III - O amor em tempo de guerrilha e contra-guerrilha (pp. 29-35)

Resumo do episódio anterior (5):

De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) (3). Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.


(i) A deserção do filho de Luís Ramos, furriel miliciano do Exército Português, e a morte da mãe de Pami Na Dondo

Entretanto a guerrilha vai aumentando. Mas, do outro lado, as coisas também não estão paradas, antes pelo contrário. O Governo Português começa a enviar tropas em massa para a Guiné. Num desses contingentes o furriel miliciano Ramos, filho do empregado da Casa Brandoa, deserta, e ingressa na guerrilha. Numa passagem por Cadique Iála, para visitar sua mulher Sanhá já muito debilitada, Pan Na Ufna passa por Flaque Injã e, delirante, conta a sua filha todos os pormenores da deserção do filho de Luís Ramos.

Na zona, as coisas começam a complicar-se. A Catió chegam reforços significativos após a intervenção na ilha do Como. O Cantanhês, zona libertada, começa a assustar o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Fins de 1964, Sanhá dá o último suspiro na sua morança na povoação de Cadique Iála. Seguindo a tradição, Pan, acompanhado de sua filha, faz o choro de sua mulher para que o espírito desta se volatilize em paz, mandando matar o melhor boi e adquirindo uns bons litros de aguardente de cana.


(ii) Em Março de 1965, os Lassas [CCAÇ 763] (6) instalam-se em Cufar, numa antiga fábrica de descasque de arroz

A Quinta de Cufar com a sua bela pista de aterragem em terra batida - inaugurada pelo General Craveiro Lopes quando ainda presidente da República Portuguesa -, depois de fortemente bombardeada, é ocupada pelo exército português. A população de Cufar, Cufar Nalu e Cufar Novo é obrigada a fugir para norte. Algumas famílias instalam-se nas povoações a sul de Cufar.

Ao Cafal chegam informações de que o exército português se prepara para instalar um aquartelamento na antiga Quinta. São feitas várias tentativas de assalto à velha fábrica de descasque de arroz, mas os militares portugueses, embora sofrendo algumas baixas, resistem, acompanhados pelo antigo cipaio João Bacar Jaló - agora alferes de segunda linha -, comandando uma Companhia de milícia nativa que colabora com o inimigo português. Os comités das tabancas a sul de Cufar informam dos movimentos do exército português.

Princípios de 1965: é confirmada a intenção da instalação do aquartelamento de Cufar na antiga Quinta. Nino manda mais reforços para a mata de Cufar Nalu e pede atenção sobre a psicossocial das povoações a sul, que vão sofrer a pressão do inimigo. É reforçado o apoio e controlo das tabancas de Iusse, Impungueda, Mato Farroba e Cantone. Pan Na Ufna com o seu grupo, conhecedor perfeito da zona, entra nos reforços cedidos a Cufar Nalu.

Março de 1965: as informações são mais precisas. Chega a Cufar uma companhia do exército colonial, com os fins de combater a guerrilha e construir um aquartelamento. Segundo as informações, irão tentar fazer um tampão sobre a população a sul, e a respectiva acção psicossocial. Há que preparar a resposta, a qual como veremos, não será nada fácil.

(iii) Pami e Malan vivem a sua estória de amor, em plena guerra

Sempre que tem oportunidade, Malan Cassamá desce até Flaque Injã para passar alguns momentos com sua mulher. Quando não é possível, é a professora que se desloca até mais a Norte para se encontrar com o seu companheiro.

À sombra das mafumeiras, poilões enormes ou nos mangais junto ao rio, corpos unidos, suados pela força do desejo, dão largas ao seu amor. Compreendem que fazem parte da própria natureza que os envolve, o seu dualismo é um mundo só. São uma existência única. O exterior e interior é nuvem que os envolve, e se transmuta em tornado de prazer. Dois corpos, dois seres que se transformam, entrelaçando-se num só. São belos os momentos de Pami e Malan; mas... a realidade é bem diferente! A guerra tem de separá-los e ficam as promessas e os desejos de que seja muito próximo o novo encontro.

No intervalo das suas aulas em Flaque Injã, a professora vai conversando com os seus companheiros da guerrilha. Os sucessos e insucessos são comentados, e a moralização e fortificação do ideal independentista e anti-colonialista são temas imprescindíveis nessas mini-conferências.

(iv) Donde se fala do renegado cipaio João Bacar Jaló e da contra-ofensiva dos Lassas

As informações vindas do outro lado do Cumbijã não são muito agradáveis. Em Cufar estariam instalados aproximadamente duzentos homens, incluindo uns vinte a trinta traidores da milícia, do antigo cipaio João Bacar Jaló, que andariam a dar conhecimentos sobre o terreno e populações da zona, bem como a adaptação aos militares chegados que, embora não pertencendo a tropas especiais, estariam muito bem enquadrados, parecendo ser muito activos, e até um pouco sabedores da matéria, pois já teriam começado a acção psicossocial intensamente sobre as populações do lado sul de Cufar e, nos poucos contactos com a guerrilha, estacionada em Cufar Nalu, não se teriam intimidado, antes pelo contrário, reagindo com envolvimentos perigosos e rápidos.

Vamos ter problemas com esta gente, não lhe poderemos dar facilidades. A guerrilha tem de cair em cima deles e dar-lhe um ensinamento. Qualquer aproximação da mata de Cufar Nalu ou das populações tem de ser anulada, e fortemente castigada. São as orientações emanadas do Cafal. Mas, não será muito bem assim! As tropas instaladas em Cufar cheiram as coisas, e não têm medo. Com um comando experiente, bem estruturadas, a sorte a fortalecer-lhe a moral. Há que ter cuidado.

Verdade! A 15 de Maio de 1965, a casa de mato - acampamento - instalada na mata de Cufar Nalu é assaltada e destruída. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona, e não se furtam ao contacto.

Em princípios de Junho [de 1965] o atrevimento é maior, o PAIGC vê o seu acampamento de Cabolol assaltado, e é obrigado a abandonar, no chão, vários guerrilheiros mortos e diverso equipamento. Estes colonialistas são mesmo como as abelhas Lassas. Dê-se-lhes daqui para a frente o nome de Lassas.

Os chefes do Cafal estão furiosos. Os Lassas começam a conquistar a população menos politizada. As milícias e guerrilha começam a ter dificuldades com estes militares que, para além de não darem descanso, conseguem construir um aquartelamento, ocupando agora toda a Quinta.


(v) Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã

Em Julho o descaramento é demasiado. Desembarcam debaixo de fogo, passam para o outro lado do Cumbijã e assaltam Flaque Injã e Caboxanque. O acampamento de Flaque Injã é destruído, e a sua escola, completamente arrasada. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

É o caos. Ao regressar da mata onde se tinha refugiado, Pami NJa Dondo não quer acreditar no que vê! Fica petrificada. Não!... Não pode ser!?... Um nó aperta-lhe a garganta... Os alvos dentes cravam-se-lhe nos lábios carnudos até doer e o sangue aparecer. Como um riacho de pedra em pedra, as lágrimas rolam-lhe pelo magro e esguio rosto. Não é dor!... É revolta!

Porquê? A sua escola!? O seu encanto!?... Ah guerra!... Horrível flagelo do relacionamento humano!

Pami olha para o coto do seu braço esquerdo e sente a antítese. Na guerra mata-se para não se morrer, destrói-se para se não ser destruído. Mas a professora, neste momento, sente que seria preferível sentir a sua própria destruição e morte, do que ver aquele dantesco espectáculo. Da garganta a sufocar - em perfeito português - sai-lhe um grito de dor e revolta:
- Monstros!...

Não vale a pena!... Senta-se no solo e encosta-se de encontro ao tronco seco de um velho poilão, inclina a cabeça sobre o peito. Escorrendo sobre a cara e queixo, as lágrimas correm-lhe por entre os pequenos e desnudados seios. Com a destra, e única mão que lhe resta, tenta limpar os lacrimejantes olhos que, embaciados, não deixam ver o céu que agora procura, e pergunta ao Deus do padre Francelino o porquê de tudo isto?

Parece ouvir num sussurro uma voz muito ao longe:
- Os homens!... Pami!... os homens! Também eu morri na cruz por eles! Para quê?!...

Em puro acto de regressão, sente a necessidade do leite quente materno, mas a realidade é o frio cortante, de uma noite sem estrelas. Levanta-se e tenta encontrar a foto do comandante Nino, tirada na China, que Malan lhe tinha oferecido. Em vão! O que não foi destruído, foi levado. O velho dicionário é monte de cinza negra no chão. Toca-lhe, e o adorado amigo transforma-se em nuvem de negras borboletas esvoaçando.

Dirige-se para o acampamento, e tenta ajudar no tratamento dos feridos e no enterramento dos mortos.

Uma semana depois, novamente a notícia: os Lassas voltaram a Cabolol, e fizeram grandes estragos!


(vi) Notícias moralizadoras para a guerrilha: uma delegação da OUA vista as regiões libertadas

Os chefes da guerrilha mandam os seus grupos fugir ao contacto, e entrar no desgaste do bate e foge. Há ordens para enfrentar os militares de Cufar, apenas quando se tiver a certeza de poderem ser emboscados, e cair com força em cima deles. Utilize-se a emboscada com abelhas.

Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Mais uma vez, Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento, que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê, terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Meados de Agosto, [Pami] desce com Malan até Cobumba. Malan e o seu grupo exectutam várias emboscadas e ataques ao pessoal do quartel de Bedanda, causando várias baixas ao exército português, entre as quais se conta a morte de um sargento. O grupo de guerrilha regressa à sua base em Cansalá, mas Malan consegue autorização para ficar dois dias com a sua mulher.

As notícias são mobilizadoras para o esforço da guerrilha. E a visita de uma delegação da Organização de Unidade Africana (OUA) a zonas libertadas, a convite do PAIGC, é bastante moralizadora para os combatentes pela Independência.

(Continua)
_____________

Notas de L. G.:


(1) Vd. posts de:

15 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2268: A falsificação da história da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)(Benito Neves)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

2 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1559: Ex-Alf Mil Avilez, da CCAV 1484, hoje professor de arte, foi o autor do mural de Catió (Benito Neves)

(2) Morreu em combate, com o posto de capitão graduado, comandante da 1ª Companhia de Comandos Africanos, sediada em Fá Mandinga (Sector L1, Bambadinca), em 16 de Abril de 1971. Participou na Op Mar Verde (invasão de Conacri), em 22 de Novembro de 1970.

Vd. posts de:

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1769: Estórias do Gabu (4): O Capitão Comando João Bacar Jaló pondo em sentido um major de operações (Tino Neves)

(3) Vd. posts do Mário Dias:

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

(4) Vd. post de 27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2221: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (1): Bandêra di Strela Negro (Luís Graça / Paulo Santiago)

(5) Vd. posts anteriores desta série:

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

Resumo:

A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.


Vd. também postes de:

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2315: Catió: A morança que poderá ter sido a da nossa Pami Na Dondo, a Guerrilheira (Victor Condeço)

(6) Lassas era a alcunha por que eram conhecidos os militares da CCAÇ 763, de que fazia parte o Mário Vicente, Fur Mil Fitas. No seu primeiro livro (Putos, Gandulos e Guerra, edição de autor, Cucujães, 2000, p. 75), pode ler-se:

"Por informações recebidas, a C.C. será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas. Pelo que se veio a saber, lassa era "uma espécie de abelha existente na Guiné que, não sendo molestada, não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa quando enraivecida. Esta alcunha resultaria, portanto, da actuação da C.C. pois, quando chegava a uma povoação em que a população estivesse e não fugisse, não haveria problemas, pois falava-se com essa população e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Se, caso contrário, a população fugisse e abandonasse as suas moranças, as mesmas eram literalmente destruídas" (...) .

O termo crioulo que ouvi, muitas vezes, aos meus soldados, quando fugíamos das terríveis abelhas africanas era Bagera, bagera!!! (LG)