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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21226: Agenda cultural (751): Sai amanhã, quinta-feira, com os jornais "Correio da Manhã" e "Sábado", o volume n.º 29, "Saúde" (, de 64 pp., da autoria de Luís Graça), da coleção "Memória de Portugal: dois séculos de fotografia"


"Saúde", volume nº 29, da coleção "Memória de Portugal: 2 séculos de fotografia"  (Lisboa, Atlântico Press, 2020, 64 pp)

[Sinopse da coleção: 

(i) "uma viagem visual e narrativa da história do nosso país, desde o surgimento da fotografia até à década de 1980"; 

(ii) total de 30 livros.

(iii) apresentada pelo professor universitário e ensaísta, Guilherme d’Oliveira Martins.

(iv) mais de 2.000 fotografias inéditas dos principais arquivos do país, como a Torre do Tombo e Fundação Calouste Gulbenkian;

(v) sai um volume todas as quintas feiras com o jornal Correio da Manhã e a revista Sábado;

(vi) custo de cada volume (de cerca de 60 pp.): 4, 95 € (pode ser compardo "on line")

(vii) o primeiro volume (Grandes Tradições) saiu no dia 23/1/2020;

(viii) a edição é da Atlântico Press, Lisboa.


'Saúde' relata o longo caminho percorrido até à consagração constitucional do Serviço Nacional de Saúde, em pleno século xx. Acompanhamos o flagelo das doenças epidémicas, os dias negros da tuberculose e a posterior construção de sanatórios, dispensários e hospitais. Evocamos, também, o contributo de algumas figuras incontornáveis da nossa Medicina, como Ricardo Jorge, Sousa Martins ou Egas Moniz, que trabalharam em prol do bem-estar e do aumento do índice de esperança de vida dos portugueses.

Prefácio de António Barros Veloso
Médico e doutor «Honoris Causa» pela Universidade Nova de Lisboa


O texto do livro "Saúde: o longo caminho do progresso",é da autoria do nosso editor Luís Graça, e foi escrito em plena pandemia, entre 15 de maio e 15 de junho do corrente, "em contrarrelógio". É ilustrado por cerca de meia centena de fotografias.

Índice: Prefácio: heróis ignorados:  pp. 5 |  O longo caminho do progresso: pp. 6-7 |  Tempo de pioneiros:  o grande desafio da saúde pública;  pp. 8- 25 | Nascer e morrer:  epidemias e doenças da pobreza: pp. 26-43 | Direito universal: Século XX consagra a «saúde para todos»: pp. 44-67.

Há, por exenplo, uma  breve referência aos "Médicos Militares" (p. 39): 

"No século XX, Portugal esteve envolvido em dois conflitos armados externos: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual perderam a vida 7760 soldados portugueses, e a guerra colonial. Com cerca de um milhão de homens, incluindo 200 mil africanos recrutados localmente, foi a que mais militares envolveu. Estão documentados 9196 mortos, por todas as causas – combate, acidente e doença – e 25 mil feridos.
Alguns milhares de jovens médicos enquadravam a força – um médico para cada 650 soldados – e davam, também, um excecional apoio sanitário às populações locais. Os Hospitais Militares, a começar pelo Principal, na Estrela, foram grandes escolas para estes médicos. O HM 241, em Bissau, chegou a ser considerado o melhor da África subsariana, com exceção da África do Sul.
Em 1965, foi criado o Regimento de Saúde, em Coimbra, para satisfazer as necessidades crescentes
de pessoal sanitário para os teatros de operações: médicos, enfermeiros, maqueiros. Os quadros
de saúde, e nomeadamente dos médicos milicianos, foram utilizados até à exaustão. A guerra também permitiu um grande desenvolvimento do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos."

Outros volumes que poderão interessar os nossos leitores; Guerras | Colónias | A epopeia do bacalhau | Mundo da infância... (São apenas sugestões, mas há outros tíulos com interesse, como, por exemplo educação, arte, indústria, ilhas, Lisboa, cidades, desporto, profissões perdidas, comboios, praias e turismo,  festas populares, etc.;o último volume, o nº 30, é sobre a emigração, sai no dia 13 do corrente mês. )





Cortesia de Atlântico Press (2020)

______________

Nota do editor:

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21194: Manuscrito(s) (Luís Graça) (188): Ficarão as moscas quando eu morrer


Selfie. © Luís Graça (2011)


Ficarão as moscas quando eu morrer


Aumento o som do aparelho dos ouvidos
só para captar as vocalizações dos golfinhos.
A vinte mil léguas submarinas dos meus tímpanos doridos.

Pobre de mim se fosse um golfinho bebé
com uma prótese auditiva,
e andasse perdido pelo mar largo e profundo.
Ou fosse apanhado pelos corsários de Salé.

Não creio que a minha mãe, em situação tão aflitiva,
me pudesse valer, encontrar e resgatar neste mundo.
Muito menos a santa casa da misericórdia
a quem cabe remir os cativos.

Imprevidente, devia ter trazido o sonar,
o chapéu de sol, e o gel,
e o livro do código fonético internacional.
Ah!, e o sextante, e 
o útero materno,
que quem vai para o mar 
avia-se em terra.
Mas não faz mal,
na Mauritânia Deus é grande 
e o oceano ainda é maior.

Terei muito que esperar pelos golfinhos,
que andam atrás das traineiras de sardinhas.
Fazem pela vida os golfinhos
e os pescadores de sardinhas,
ah!, e os comedores de sardinhas.

Eu arrisco a pele, ou melhor, o cancro de pele.
Mas já não tenho pernas 
para bater a costa de lés a lés.

Estão sentados à mesa da esplanada,
os comedores de sardinhas,
à espera que chegue o peixeiro.
São, de resto, muito mais peixeiros do que carneiros.

Não sei se os golfinhos comem sardinhas, grelhadas,
dizem que eles preferem o choco frito
com sumo de limão.

Como os corsários, afiam as facas
e os dentes de marfim, já muito gastos,
os comedores de sardinhas.
Aguardam pela iguaria que lhes sabe pela vida.

Há quem troque a vida por um bom prato de sardinhas,
ou por um saque, 
que ainda é bem melhor.

Há naus que levam escravos 
da Guiné para o Novo Mundo.
E regressam, ao Velho, 
com quinquilharia de ouro e prata.
E um pó branco a que chamam açúcar
(ou, em árabe, as-sukkar)

Contam os cêntimos os pescadores, na lota.
E já ninguém grita, de punho erguido,
que a luta continua.
Chui!, ninguém dá mais.
Fecha-se a porta à morte
ao dobrar o cabo Branco atrás do goraz.

O preço justo, camarada da companha ?
É o da lei da sobrevivência,
dizem os caçadores de escravos.

Pagam-lhes, aos "dealers",
com cavalos brancos, puros sangues árabes,
imunizados contra a peste equina africana,
diz a propaganda.
Afinal, a vida tem muito mais de arte & manha
do que de ciência.


Não há epistemologias que nos salvem,
muito menos a exata epidemiologia do nascer e do morrer
em África, com o Atlântico pelo meio,
a estrada da globalização à minha frente,
e os corsários ingleses e holandeses atrás de mim.

Em Mogador fui senhor,
em Essouira fui cativo.
Do nascer ao morrer vai um tiro de obus.
Infeliz, já nasceu, catrapus, já morreu.

Ninguém escolhe pai e mãe.
Nem os saarauís o deserto do Sara,
nunca mais ouvi falar deles, pobres coitados,
foram extintos com a partilha do planeta.
Confesso que simpatizava com eles,
cheguei a dar-lhes batatas da minha terra
em troca dos gorazes do mar deles.

Bolas, também não trouxe comigo a tabela
das equivalências. Nem a máscara.
Dizem que aqui o uso de máscara é obrigatório.

Mas, afinal, quanto pesa uma alma ?

Nem sei se a balança de pesar almas
estará devidamente calibrada.

Até no "hall" de entrada do purgatório
devia haver um aferidor (oficioso) de pesos e medidas.

Quantas toneladas de corpos
serão precisas para salvar uma alma ?,
perguntava o padre jesuita António Vieira,
nos engenhos de açúcar do Maranhão.
E quanto vale um império, em corpos e almas ?
Ou um herói ?

Que penosa essa cena
do Santo António a pregar aos golfinhos,
como se fossem predadores do topo da cadeia alimentar.

Da peste, da fome e da guerra… e do santo da nossa terra,
Libera nos, Domine!
Foi pregar para outros mares,
disputado entre Lisboa e Pádua.
Santos da casa nunca foram milagreiros.

Dos comedores de sardinhas, agora desconfinados,
sigo o rasto olfativo:
estão sentados à mesa da esplanada
num dos bairros populares, ribeirinhos,
salvos do camartelo camarário,
e por fim reordenados.

Mas será que as sardinhas já estão gordinhas ?
Há sempre uma dúvida existencial,
para o "chef", agora em "lay-off":
serão portuguesas ou espanholas, 
frescas ou congeladas ?

Vão-se os anéis, opulentos, do real erário,
ficam os magros dedos da saúde pública
e as luvas descartáveis.

Cega, surda e muda,
segue em procissão a santa senhora da saúde,
colina acima, rua abaixo.
Não vai segura, nas vielas da Mouraria,
por prevenção vai mascarada.
E queixa-se de que não ganha para o desinfetante.

Também não vale a pena gritar "Aqui-d'el-rei!",
que a corte já seguiu, lesta, para Santarém,

a toque de caixa.
Em caso de peste (de que Deus nos livre!),
aplique-se sempre o regimento:
"Meninos e meninas, chichi e cama!".

Em fila, os comedores de sardinhas,
em mesas intercaladas,
uma sim, outra não,
por causa do PPC, o processo da pandemia em curso.

Há um guarda-mor da saúde em cada porta da cidade,
a pôr carimbos: "Clean & Safe".
Por causa dos turistas do Mar do Norte que são fóbicos,
e temem que se acabe o desinfetante.

Não há moral na história, escrita ou por escrever,
de Salé à Guiné,
só os golfinhos há muito que não conhecem fronteiras
nem respeitam a zona económica exclusiva
nem as quarentenas 
nem sequer os cercos sanitários.

Gosto do internacionalismo proletário dos golfinhos,
velozes, roazes, vorazes.

Tenho pena que não sejam mais solidários.

Golfinhos e cachalotes de todos os mares, (re)uni-vos.
Não sei se eles entenderão a velha palavra de ordem,
outrora verdadeira declaração de guerra contra Neptuno:
uniform november india
victor oscar sierra.


São livres mas indefesos, 
temem as redes dos pescadores
como os chimpanzés do Bóe
temem os caçadores furtivos
e os negros os navios negreiros
e as baleias os arpões dos baleeiros
e os tubarões os cortadores de barbatanas.


No fim, perco o rasto aos golfinhos
já ao largo das Berlengas,
no regresso a casa,
e eu próprio me perco no mar da meia via,
a meio da minha história de vida.

Afundo-me com a minha nau de quimeras,
entre os restos de vírus e bactérias, em saldo,
da última pandemia.

Seria reconfortante saber
se os heróis vão para o olimpo,
e os sociopatas para o inferno.
Mas que sei eu do além ?! 
E sobretudo da justiça escatológica ?!

Regressam os pescadores a Peniche, à luta, à lota.
Há um golfinho que dá à costa, exausto, já cadáver.

Na mesa da esplanada ficam as cabeças e as espinhas
das sardinhas.
E as moscas.

Ficarão as moscas quando eu morrer.


Luís Graça

Lourinhã, Praia da Areia Branca, 19 de julho de 2020,

o ano da pandemia de COVID-19
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de julho de 2020 > Guiné 617/74 - P21143: Manuscrito(s) (Luís Graça) (187): Tabanca de Candoz, entre o pôr do sol e o nascer da lua cheia...

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21155: Da Suécia com saudade (76): A propósito dos 'elefantes brancos' da cooperação sueca com a Guiné-Bissau: o caso do laboratório de saúde pública... (José Belo)






Bandeiras da Guiné-Bissau e da Suécia



1. Mensagem de José 
 Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:


Date: quinta, 9/07/2020 à(s) 08:31

Subject: A propósito do texto publicado na Tabanca do Centro.

O artigo lá publicado sobre a Guiné [, vd. ponto 2] é, infelizmente, mais um dos infindáveis que hoje se podem encontrar nos arquivos da imprensa sueca das últimas décadas.


Saúde Pública, Educação, Agricultura, Pescas, Transportes, Indústria Alimentar, Refrigerantes, Investimentos e outras actividades bancárias..., as conclusões das Comissões Estatais suecas que as analisaram (demasiadamente tarde!) são quase fotocópias nos seus negativismos.

Houve, nos anos sessenta e setenta, um genuíno interesse, por parte das sociedades escandinavas, em preencher os vácuos criados por seis séculos de Administração colonial.

Seria incapacidade? Seria não vontade?

A política spinolista "Por uma Guiné Melhor", surgida a contra corrente de todo o desinteresse anterior, apesar de tardia, limitada por uma situação de guerra então já bem implantada, não dispondo das muito avultadas verbas necessárias, ainda conseguiu por um curto espaço de tempo criar condições sociais únicas cujos resultados nos deixaram antever o que poderia ter sido se a política do governo colonial tivesse seguido o caminho do desenvolvimento.

"Quanto mais atrasados , educacional e socialmente, mais fáceis de governar": poderia ter sido a definição concisa da Administração Colonial. Princípios não só aplicáveis em África mas também em Portugal.

Em ambos os locais os resultados finais desta política de "Iluminismo saloio" falaram por si. 
Muito fácil, e limitativo, o apontarem-se como raízes de todos os erros (muitos e graves) os tempos pós-Abril de 74.

Mas está "bagunceira" final foi criada por uma longa e abrangente história de criminosas incompetências políticas, sendo Goa um bom exemplo das mesmas.

Alguns (!) dos "actores " deste histórico final de época em 74, fossem eles militares ou civis, mais não foram que pequenos palhaços de um vasto circo de interesses internacionais que em tudo os ultrapassava e...ultrapassou!

Apesar de todos os tão saudosistas "velhos do Restelo ", as gerações do nosso querido Portugal de hoje poderão cometer muitos erros e...certamente o fazem! Têm no entanto uma possibilidade não disponível a tantas e tão sacrificadas gerações anteriores: podem fazê-lo em LIBERDADE !

Um abraço do J. Belo.

PS - Aproveitando esta “janela” climatérica criada pelas curtíssimas semanas do Verão lapónica, vou arrancar este fim de semana, com a minha mochila e dois cães, para mais uma longa passeata (aqui chamada de “vandring”) pelos infindáveis rios, lagos e montanhas locais.

Um facto óbvio é o de não haver aqui em todas as árvores uma tomada elétrica para recarregar o telefone que (recomendavelmente!!!) deverá ser usado com prioridades bem escolhidas.

É um pequeno detalhe a acrescer ao facto de por aqui não haver nem casas nem gente, o que torna por vezes as coisas... complicadas... Enfim, é da natureza do Árctico ser “a modos que” imprevisível.

A haver alguns simpáticos “piropos” de alguns comentadores, tentarei, da minha parte e dentro destes condicionalismos, dar a sempre mui respeitosa mas devida resposta.

2. Tabanca do Centro > Quarta-feira, 8 de julho de 2020 > P1240: Desventuras dos Amigos Suecos > Elefante branco em história negra

[Reproduzido com a devida vénia...]
 

Após a independência,  a Guiné procurou obter avultados apoios económicos da Suécia para o sector da saúde. Um moderno laboratório clínico fazia parte prioritária da lista apresentada.

O Departamento Estatal Sueco para o auxílio aos países em desenvolvimento (SIDA) estava dividido entre consultores com opiniões díspares.


Deveria ser um laboratório de elevado nível internacional? Ou antes um laboratório adaptado às realidades guineenses, capaz de funcionar com pelo menos cinco paragens de electricidade diárias e pessoal não especializado?Como o auxílio a ser prestado deveria respeitar os desejos dos recebedores... ambas as sugestões foram apresentadas ao Presidente guineense [, Luís Cabral].

Este, sem o mínimo de dúvida, decidiu-se pelo modelo de laboratório mais avançado… e de custo mais do que duplo!

Argumentou o Presidente ser este o modelo que correspondia ao seu sonho de uma Guiné desenvolvida em futuro próximo.

As realidades vieram dar razão aos críticos:
  • O funcionamento parava continuamente;
  • Os cabos eléctricos e os compressores queimavam-se regularmente;
  • O sistema de refrigeração avariava-se;
  • O fornecimento de água era irregular devido a problemas da canalização...

O laboratório passou a ser conhecido como o elefante branco…

A SIDA.desejava acabar com os apoios mas, graças aos esforços e muita dedicação dos trabalhadores do laboratório, este lá se foi arrastando até 1998.

Dá-se a guerra civil e o laboratório acaba por ser atingido por algumas granadas, iniciando-se um importante fogo.

Como pode o laboratório sobreviver a todos estes incidentes Como são hoje analisados os resultados?

Todos os apoios aos mais variados sectores da Guiné acabaram por falhar, decidindo a SIDA terminar com a cooperação económica no início dos anos 2000. (2,2 mil milhões! Tendo sido a Guiné o país que recebeu maior auxílio económico per capita).

A cooperação por parte do Instituto Sueco da Saúde Pública também terminou então. O laboratório passou a ser financiado por diversos Institutos Suecos de Investigação.

A universidade sueca de Lunde, através de um grupo de investigadores e do laboratório, tem vindo a estudar um tipo especial de HIV/Sida  que existe na Guiné, chamado de hiv-2.

Os resultados foram já apresentados em publicações científicas, tendo gerado grande interesse quanto a vir a ser criada uma vacina.

Hoje considera-se terem sido estes apoios económicos contra-produtivos para o país, o qual, deste modo, não sentiu necessidade de mobilizar os seus recursos próprios.

Ao terminarem os apoios,  criou-se um vazio económico, agora preenchido pelas avultadas verbas do tráfego internacional da droga.

Excerto da revista “OmVärlden”
Texto: Mats Sundgren

UTVECKLINGSSAMTALET
Avsnitt 7: Det svenska biståndets vita elefant
Publicerad: den 31 maj 2015 Uppdaterad: den 31 maj 2015


[Tradução / adaptação livre: José Belo; revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no nosso blogue: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21145: Da Suécia com saudade (75): Pedagogias várias para proveito do macho-ibérico: as representações sociais das... suecas, "muito dadas" (José Belo)

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20999: Os nossos seres, saberes e lazeres (393): Diário de um confinado (... mas não condenado) (José Saúde, Beja, abril de 2020)




Beja > Abril de 2020 > O Zé Saúde... "confinado mas não condenado"

Fotos (e legenda): © José Saúde (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Mensagem do José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), jornalista e escritor, residente em Beja, com 190 referências no nosso blogue:

Data: 15/05/2020, 17:35 
Assunto: Diário de um confinado



Luís, boa tarde

Tu, como administrador do nosso blogue, entendes que a temática que escrevo tem cabimento no nosso espaço?


Todos vivemos a preocupação do covid-19, e todos falamos a mesma linguagem de uma pandemia que por ora nos aflige.

O texto é longo e tem três fotos e foi feito a 20 de abril. Deixo isto ao teu critério, se entenderes publica. Ah, falo também de dois camaradas nossos por terras guineenses.

Abraço,

Zé Saúde


Diário de um confinado
por José Saúde

O confinamento que o Covid-19 obrigou!

Somos ínfimas partículas de um universo onde a banalidade dos acontecimentos proliferam, sendo a sua arquitetura surreal construída em peças soltas que ditam fins pressupostamente engendrados e cuja aritmética final baterá sempre certa desde que a conjetura derradeira da prova seja pautada pela exiguidade e o seu fim se apresente estritamente compreensível. 

Agora, confrontado com uma perspetiva inimaginável, o mundo depara-se com uma epidemia que não conhece fronteiras, raças humanas, credos, religiões, natureza das línguas, cores, estratos sociais ou políticos, enfim, um flagelo de consequências ilimitadas que obrigam o mais vulgar cidadão cosmopolita a resguarda-se de um inimigo invisível que dá pelo nome Covid-19.

Nasci no dia 23 de novembro de 1950 em Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa, distrito de Beja, Baixo Alentejo.  e no universo celeste de então ainda se falava dos sórdidos alaridos dos sons das armas com as quais os desavindos combateram na Segunda Guerra Mundial a qual ocorreu entre 1939 e 1945. Depois, com a Europa praticamente destroçada, procedeu-se à sua renovação, assistindo-se às emigrações em massa de gentes que procuravam melhores situações financeiras além-fronteiras.

O mundo perante a devastação territorial observada, soube evoluir e a era das máquinas trouxe uma outra performance a uma sociedade que reclamava bem-estar e sobretudo pão para colocar na mesa de famílias famintas que viviam confinadas aos magros salários entretanto auferidos. Da carroça puxada, à época, por uma parelha de animais, às novas máquinas foi um passo gigante, seguindo-se o inovado tempo dos tratores, dos automóveis e sobretudo de uma enorme alteração infraestrutural quer do mundo rural na sua plenitude, quer do urbano.

A humanidade desenvolveu-se, conheceu a expansão das cidades, vilas e aldeias, assim como as novas técnicas industriais e, por outro lado, soubemos, in loco, o quão difícil foi a funesta guerra colonial nas três frentes de combate – Angola, Moçambique e Guiné – onde estiveram envolvidos cerca de 800 mil jovens soldados, intitulados como “carne para canhão” e de onde resultaram 100 mil feridos, 30 mil evacuações e perto de 10 mil mortos.

A evolução entrementes deparada não parou e cresceu desalmadamente no tempo e no espaço, o homem foi à lua, desbravou campos aéreos, implementou novas dinâmicas e chegou ao ponto de denominar tecnologicamente um qualquer espaço independentemente do local onde porventura este se situe. Carrega-se num botão e de repente eis-nos em contacto direto e visual com um outro amigo que se encontra do outro lado do globo terrestre. Acrescesse que as cenas cinéfilas a preto e branco do passado deram lugar à cor e o mundo evoluiu compreensivamente.

Aliás, tudo mudou radicalmente. Na minha singela opinião o universo confronta-se com uma presumível “Terceira Guerra Mundial”, mas sendo esta biológica, química e nuclear. A mãe Natureza é imutável e, quando o homem se fixa no interior de um casulo onde o eu se sobrepõem ao nós, eis que o desfecho tem efeitos tremendamente desastrosos. É o covid-19 a causar danos irrecuperáveis.


Retido em casa

Encontro-me retido entre as paredes de uma casa onde o vazio é uma arma de arremesso que me coloca, felizmente, ainda na prateleira dos seres viventes. Desabafo com os meus botões e eles, embora murmurando de baixinho, respondem-me com altivez: não tombes, transmite-me o mais voluntarioso companheiro no alto da sua irreverente dignidade e eu, obediente, volto a reerguer-me. Vivo só e as visitas, não sendo diárias, dão-me alento para reencontrar o caminho seguro do amanhã.

A minha rotina do dia-a-dia passa pelo levantar cedo, cerca da sete da manhã, como aliás sempre foi costume, tomo banho, desfaço a barba, umas vezes visto-me como se fosse para sair, outras fico em pijama, delicio-me com o meu pequeno almoço e parto para mais uma jornada de trabalho. Ligo o computador e é nele que passo parte dos meus dias de ócio.

Aproveitando a razão de um confinamento imposto pelas entidades oficiais, que se aceitam plenamente, lá vou “matando” o tempo com a escrita, lendo e ouvindo as últimas notícias emitidas pelos canais televisivos. As informações todas elas recaem no covid-19 e das sequelas que o dito cujo proporciona numa sociedade onde os velhos são os mais fustigados, dado que a sua fragilidade é naturalmente superior. X mortos, y de novos casos e w de recuperados.

Creio que o medo que a determinada altura se apoderou da minha pessoa, está diretamente relacionada com o AVC que há quase 14 anos me flagelou, na madrugada do dia 27 de julho de 2006, e que tentou levar-me para o além quando nada o fazia prever. Logo, a minha condição patológica acarreta cuidados redobrados. Sou, portanto, uma das pessoas de alto risco, daí que as minhas filhas, Marta e Rita, diariamente me telefonem para saberem o meu estado de alma.

A Marta vive no Montijo e por volta das 10 horas da manhã, faz o primeiro contacto repetindo o feito ao longo da tarde. A Rita utiliza o mesmo método, para além das visitas onde me traz a comida que consumo em horários considerados adequados. Aqui fica também o profundo obrigado ao meu genro, Paulo Paixão, sendo que ambos se ocupam da missão ao trazerem-me os preciosos bens alimentícios. Aliás, desde que estou confinado a uma casa cheia de nada, é comum às segundas-feiras tanto a Rita como o Paulo trazerem-me o “avio” para a semana.

Uma outra presença, mesmo não sendo constante, é a do meu amigo Chico Fonseca, também ele um camarada na guerra da Guiné que, equipado com uma máscara,  me traz algumas das novidades postas a circular nas ruelas citadinas acerca do covid-19. Numa destas recentes quintas-feiras, 17 de abril, lá me trouxe uma remessa de encomendas para aconchegar na minha dispensa e outras que foram a caminho do frigorifico. A ele estou-lhe verdadeiramente grato.

De resto recebo telefonemas, outras vezes a iniciativa é minha, dos meus amigos Otílio, Zé Cano Brito, Machado, Fernandes, Joaquim Catrapona, Dorival Xavier, Manel Serra, de entre outros que esporadicamente me perguntam sobre o meu estado moral, o que aliás muito agradeço, como foi o caso do Toinho no passado dia 15 de abril. Aqui deixo também o meu bem-haja à minha prima Anazinha, residente em Almada, que nunca se esquece de fazer o favor em me ligar. Ou não fosse a nossa amizade uma espécie de irmãos de sangue.

A lida da casa

Os afazeres de casa foi coisa que nunca me perturbou a mente. Sabendo-se que a minha condição física é limitada, a mão direita resolveu um dia declarar-se ausente às tarefas, utilizo somente a esquerda, aquela que é hoje a minha idolatrada rainha, ponho a mesa, lavo a loiça e volto a colocar os utensílios utilizados no seu lugar. 

Para além destes afazeres diários, faço máquinas para lavar a roupa, estendo-a e passo-a a ferro. Reconheço que o cansaço é, amiudamente, confrangedor dado que a diminuição física acarreta alguns contratempos, mas a minha voluntariedade, assente essencialmente numa enorme ânsia de viver, não me faz recuar perante os obstáculos que me surgem pela frente. O fazer a cama, por exemplo, é uma outra tarefa quotidiana de que não abdico.


Saudades da convivência social

É óbvio que tenho saudades da convivência social e aceita-se que assim o seja. Dos finais de tardes passadas na companhia dos amigos Zé Pardal, um velho companheiro e e também ele camarada da Guiné, Manel Vilão, Fernandes, Léi Marujo, Manel Augusto, Manel Aleixo, Chico do Talho, como é conhecido, Pepe, Correia e Zé Horta, ou do simpático Rui Torres, um rapaz com trissomia 21 que amavelmente se aproxima de nós, sendo a nossa reação de aproximação entendida como profícua, de entre outros companheiros que se juntam connosco à mesa do Café Caixinha, no Bairro de Santa Maria, em Beja, onde a cordialidade do Vítor e da Sandra é digna da nossa afeição, enfim, ali se dispersam um rol de conversas que tempo, já com tempo, dissemina a uma velocidade estonteante.

Tenho também saudades em conduzir o meu carro estrada fora e desbravar os dias solarengos de uma primavera onde o mês da abril nos envia para os tempos em que se conquistou a liberdade no ano de 1974 com a Revolução dos Cravos. Mas este abril nasceu sob o signo do confinamento, um confinamento que aleatoriamente leva o ser humano a um monumental cansaço psicológico reclamando-se laivos de liberdade, não obstante as regras que determinam a razão de o ficar em casa. Todavia, uma luz ao fundo do túnel aconselha-me que lance um grito de “Ipiranga” e soletre calmamente a expressão: quero ser livre, quero abraçar, apertar a mão e beijar, sobretudo os meus netos!

Liberdade

Através dos vidros da janela de um segundo andar vejo movimento, embora limitado, de pessoas em circulação numa rua que acusa uma suprema falta de trânsito. Algumas, poucas, criaturas segurando a trela de animais de estimação, outras com sacos de compras, ou de lixo para jogar para o contentor, outras em carros que se preveem serem gente em trabalho, e eu em casa amarrado ao mui digno conceito que acusa falta de uma liberdade plena.

Olho, atentamente, as fotos dos meus cinco netos que faço questão em manterem-se por perto e à noite contemplo-me com uma videochamada onde nos permite um encontro virtual. Avô e netos reencontram-se à distância porque a liberdade das novas tecnologias permite-nos trocar dois dedos de conversa. Ou quando à socapa vou vê-los, eles na varanda e eu cá em baixo na rua, e com a minha neta Ritinha, na inocência dos seus quatro aninhos, lançando-me o alerta: “avô, vai para casa porque o coronavírus é perigoso”! Tem razão. O avô cumpre.

Com o breu da noite a reclamar descanso parto rumo ao meu leito, seguindo-se uma noite desassossegada por via de um rol de sonhos que teimam em não me aluviar de um stressante dia onde uma imensidade de fantasias me ocorrem amiúde.

Sequioso da liberdade, remeto-me a incentivar o mais incauto cidadão que o tempo que por ora vivemos requer cuidados e sobretudo respeito por nós e pelos outros, porque só assim levaremos no futuro, que se requer próximo, a carta a Garcia.

Soltem as amarras do medo

Sim, é perfeitamente admissível que neste diário de um confinado lance o meu estridente e solidário grito de alerta o qual se encontra perfeitamente enquadrado com a questão sanitária que se abateu sobre o povo: soltem as amarras do medo e viajemos com segurança pelo interior de uma sociedade farta de estar em casa, sabendo-se de antemão que os tempos que sobram passam pela tenaz luta contra um inimigo cujo paradeiro é literalmente marcado pela sua invisibilidade. É, no fundo, o assistir a uma peleja desigual visto que do outro lado da trincheira existe um outro guerreiro, com rosto, nós, que foi apanhado na cilada sem que nada o fizesse prever.

Neste subtil contexto, fica o solidário aviso de um ermita que recusa perentoriamente atirar a toalha ao chão porque a vida, sendo efémera, vale a pena ser vivida. Cuidem-se, porque o barco em que navegamos é o da solidariedade e nele jornadeiam ricos, remediados e pobres, logo pronunciemos com firmeza que o momento é de união e não de discórdia, já que o covid-19 bate às mais diversificadas portas, sejam elas a da ostentação ou a da pura humildade!


Almoço do confinado

Neste permanente deambular à volta de uma mesa onde os bens alimentícios são trazidos não só pela minha filha Rita como também pelo meu genro Paulo, hoje, 22 de abril de 2020, o estômago do confinado nutriu-se com um bacalhau feito no forno, cujo paladar foi abençoado com um copo de vinho da região e pão de São Miguel do Pinheiro.

Para compor a refeição fiz uma salada com tomate, pepino e cebola, regada com azeite e vinagre e, por fim, uma laranja. Convém deixar vincado que arranjar todos estes ingredientes comestíveis dá-me um imenso trabalho. Só com a mão esquerda a funcionar, o serviço, parecendo fácil, de facto para mim não o é. Mas pronto, lá puxo pelas ferramentas escondidas e por fim dou graças por mais um obstáculo vencido.

As notícias

As notícias sobre o covid-19 caem em catadupa. Todo o mundo, o que é absolutamente normal, fala da epidemia. As conversas cruzam-se a uma velocidade estonteante. O medo instalou-se e a sociedade parece martirizada a um confinamento que tarda em conhecer o seu fim.

Reconheço que o covid-19 trouxe uma forma mais real para o ser humano se reencontrar com a veracidade da vida. A monstruosidade de efeitos provocados pela mão do homem neste imenso globo, trouxe catastróficas condições existenciais que levaram a própria Natureza a reclamar a razão pela qual é mãe.

É óbvio que a epidemia conhecida terá tido uma outra razão. Daí a desigualdade conferida na essência da mortalidade. Vejamos: racionalmente conhecemos que os mortos, quase na generalidade, são pessoas cujas idades se situam acima dos 70 anos. É a terceira idade a ver-se confrontada com tamanho mal. Aliás, numa observação atenta no capítulo mundial, verifica-se que os mais idosos são aqueles que sofrem na pele um destino que se apresenta como lógico. Os Lares são espaços que merecem uma maior atenção.

Falando com os meus amigos, pessoas que se situam já casa dos 70, ou próximo desta idade, pois todos na generalidade para lá caminhamos, observo medo neste covid-19. Mostram-se apreensivos e ninguém ousa traçar o caminho do futuro com convicção. Ou seja, projetar o dia de amanhã em segurança. Resguardados em casa limitam-se ao convívio caseiro e nada de visitas. Todos, já com netos, lá vão mendigando a presença dos seus descendentes, todavia, o dever do confinamento e da aproximação lá vai ficando colocada na prateleira dos desejos.

Neste contexto, as notícias não são animadoras. Fiquemos, pois, com a esperança que tudo passará, sabendo-se que nem tudo será como dantes, pelo menos ao dia em que existir uma vacina que “derrube” o maldito covid-19.

Os medos

Confesso, convictamente, que ninguém é herói nesta epidemia que infelizmente nos flagelou. Nos meus elevados 69 anos conheci as mais díspares situações que fizeram o mundo evoluir. Conheci o mau e o bom. Conheci uma outra guerra em que existia um inimigo com qual lutávamos nas frentes de combate. Sim, estive no conflito armado na Guiné, onde assisti a caóticas situações. Camaradas que morreram, outros estropiados, outros psicologicamente atrofiados, outros que passaram imunes às balas que felizmente lhe passaram ao lado, ou a uma mina que rebentou fora da sua área de ação, ou a um flagelamento ao quartel onde tinha sido depositado, enfim, a malfadada guerra aqui era uma outra.

Mas, atualmente, a guerra é contra um inimigo sem rosto e onde a sua invisibilidade acarreta problemas acrescidos. Tenho medo? Sim, porque os medos aqui são literalmente tidos como incertezas do amanhã.

A minha esperança, que é a de todos, que estes medos que ora nos angustiam sejam convertidos em auréolas de felicidade num futuro que esperamos seja risonho.
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terça-feira, 5 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20944: Manuscrito(s) (Luís Graça) (181): Cesário Verde (Lisboa, 1855 - Lisboa, 1886) : poesia para dizer em voz alta à janela ou à varanda, uma boa terapia contra os "irãs maus" que infestam agora os poilões das nossas tabancas, em tempos de COVID-19... E no Dia Mundial da Língua Portuguesa.



Cesário Verde, por Columbano (1887)

NÓS

I

Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E o Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.

Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas
(Até então nós só tivéramos sarampo)
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!

Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvamo-nos na fuga.

Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.

Pela manhã, em vez dos trens dos baptizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na "city", que desterros!

Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejeções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!

Uma iluminação a azeite de purgueira,
De noite amarelava os prédios macilentos.
Barricas de alcatrão ardiam; de maneira
Que tinham tons d'inferno outros arruamentos.

Porém, lá fora, à solta, exageradamente,
Enquanto acontecia essa calamidade,
Toda a vegetação, pletórica, potente,
Ganhava imenso com a enorme mortandade!

Num ímpeto de selva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,
Como uma universal celebração de bodas,
Amaram-se! E depois houve soberbos partos.

Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,
Triste d' ouvir falar em órfãos e em viúvas,
E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.

Ele, dum lado, via os filhos achacados,
Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!
E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,
E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!

E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de maio aos frios de novembro! (...)

Excertos, NÓS - I, in "O Livro de Cesário Verde: 1873-1886, posfácio e fixação de texto, António Barahona. Edição definitiva. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 98.100. (Com a devida vénia...)



1 Hoje celebra-se  o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Pela primeira vez!.. A data foi consagrada, em novembro passado,  pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Por azar, a primeira vez que se celebra a data,  esta coincide com a pandemia de COVID-19. Não haverá grandes ajuntamentos na rua ou nos salões... Mas temos as redes sociais, a Internet, o nosso próprio blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, para podermos celebrar em conjunto esta efeméride com todos os nossos amigos e camaradas que vivem quer em Portugal, quer mais a norte ou mais a sul, a leste ou oeste da pátria de Camões e de Fernando Pessoa. 

O Português é a língua que nos une, a todos nós, os mais 260 milhões de lusófonos,  sendo  língua oficial de 9 países em 4 continentes: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. É também língua oficial da Região Administrativa Especial da Macau, República Popular da China. É língu mais falada no hemisfério sul. Além disso, estimam-se em 7 milhões o nímero de  pessoas que falam português e vivem fora de seus países de origem, na diáspora... Por fim, e não menos importante,  haverá, em todo  mundo, cerca de 4 dezenas de crioulos, de origem portuguesa... Sem paternalismos nem colonialismos, podemos dizer que nós, portugueses, os nossos antepassados,  abriram a primeira estrada da globalização, com a "aventura marítima", e ajudaram a dar "mais mundos ao mundo"... 

É verdade que nem todos os macaenses ou todos os guineenses ou timorenses ou moçambicanos dominam a língua portuguesa, escrita e falada. Os mais privilegiados, como nós, temos a obrigação de proteger e promover a língua de todos nós, a língua com que dizemos liberdade, com que cantamos a saudade ou com que expremimos os sentimentos de amor, amizade, camaradagem, compaixão, empatia, solidariedade... 

O meu pequeno contributo, para este dia,  é o de reproduzir aqui um excerto do belíssimo e extenso poema Nós, de um grande poeta português, um dos meus favoritos, que teve uma vida curta: morreu de tuberculose. Trata-se do lisboeta Césario Verde (1855-1886). A sua genialidade só foi mais tarde reconhecida, e logo por outros grandes poetas como Fernando Pessoa.

2. Na primeira parte do poema Nós, Cesário Verde evoca o surto de febre amarela que atingiu Lisboa em 1857 que terá contagiado entre 16 a 17 mil pessoas (perto de 10% do total da população lisboeta) e provocado mais de 5 mil mortes.E dois anos anos, o surto de cólera.

Se bem que séc. XIX venha marcar o fim das grandes epidemias que, ao longo de séculos vitimaram as populações europeias, surgem novos problemas de saúde, com a industrialização e a urbanização da Europa.  No nosso país, por exemplo, em menos de um quarto de século, e em duas ocasiões, a cólera irá fazer dezenas de milhares de mortos: cerca de 40 mil em 1833, um terço dos quais na capital; e aproximadamente 9 mil em 1855-56. Embora as estatísticas de mortalidade possam variar de autor para autor, a cólera passa a ser a doença epidémica, por excelência nas cidades em grande expansão.  

A cólera passou a ser conhecida dos portugueses com a chegada à Índia onde era endémica.  No caso do surto de febre amarela de 1857, as áreas mais afectadas em Lisboa  foram inevitavelmente as dos bairros populares (como Alfama e Bairro Alto), onde se concentravam as chamadas classes laboriosas, misturadas com o lumpen-proletariado, e onde continuavam a ser péssimas as condições de higiene e salubridade. 

Originária da América Central, terá chegado a Portugal continental no ínício da década de 1720. A primeira epidemia de febre amarela ter-se-á manifestado em Lisboa, no Outono de 1723. Aao fim de três meses terá feito mais de seis mil vírimas mortais, nas zonas de maior densidade populacional.

Registam-se igualmente importantes surtos de febre tifóide e de tifo, embora estas doenças tendam a regredir a partir de 1865. Mas,  mesmo ainda em 1923, Ricardo Jorge considerava Lisboa, no seu estilo tão castiço e peculiar quanto hiperbólico, como "uma das cidades mais infectamente tíficas" (sic) da Europa...

Cesário Verde era bebé aquando da epidemia de febre amarela de 1857. Mas este acontecimento ficou na memória da família Verde. O  seu pai, abastado agricultor e comerciante de ferragens na baixa lisboeta, fez aquilo que os ricos faziam na época: retirar a família para o campo. Neste caso, para a sua quinta em Linda-A-Pastora, hoje concelho de Oeiras. Aí Cesário Verde enamora-se pelas delícias do campo e dá-nos conta da modernização da agricultura da época.  


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Nota do editor:

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20878: Da Suécia com Saudade (68): por causa da tal pandemia, as minhas renas não podem agora andar em bicha de pirilau e muito menos em manada... (José Belo)







Tabanca da Lapónia > As queridas renas do Zé Belo, régulo da tabanca e criador, que agora estão proibidas por ele, à revelia dos "colonialistas" de Estocolmo, de andar em bicha de pirilau e muito menos em manada...  E os  vizinhos lá vão  interiorizando a  medida "sanitária"...

Foto: Cortesia de José Belo. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Belo ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português: jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, e Key-West, Florida, EUA.

Date: 8/4//2020 à(s) 07:45

Subject: O vírus na Lapónia Sueca... antes e depois.

Desde o Inverno ao próximo Verão; desde a casa aos vizinhos !..

J. Belo


2. Comentário de LG:

Que os doentes e os mortos de todo o mundo, vítimas desta pandemia de COVID-19, nos perdoem... por estarmos a falar de coisas sérias, trágicas, em tom ligeiro, recorrendo ao nosso humor... luso-lapão. Mas também ele pode ser didático... Temos de aprender uns com os outros... E até com as tuas renas, e outros dos teus vizinhos que lá vão ruminando o provérbio popular português, de que "vale mais só do que mal acompanhado"...

No que diz respeito à contenção da pandemia da COVID-19, a  Suécia parece ter a adotado  uma   estratégia mais liberal, mostrando-se  desalinhada em relação à generalidade dos paises da União Europeia que estão em confinamento (ou isolamento horizontal)... A estratégia de isolamento vertical, seguida pela Suécia, tem alguns admiradores, e nomeadamente no Brasil do Bolsonaro, e muitos detratores...

A meio deste "campeonato" (que não tem data certa para o podermos dar por encerrado...), a Suécia está, contudo à frente dos outros países nórdicos no que respeita ao número de mortos (por milhão de habitantes).

Embora ainda seja cedo para tirar conclusões sobre a eficácia das diferentes estratégicas, e até porque os países são diferentes (hemisfério, clima, estação do ano, cultura,  idiossincrasia, modelos de convívio social, economia, PIB, índice de democracia,  índice de desenvolvimento humano, demografia, coabitação,  urbanização, densidade populacional, sistema de saúde,  etc.) e, além disso,  a pandemia está em diferentes fases, a  verdade é que a Suécia tem, neste momento,  uma taxa de letalidade (por covid-19)  mais alta que Portugal (10,9% contra 3,5%), e  nos últimos 14 dias teve mais casos de infeção (mais de  50% do nº de novos casos em relação ao total de casos) (Vd. quadro a seguir)... Quer dizer, que a triste procissão ainda vai no adro: compare-se a % de casos nos últimos 14 dias, em países como Brasil (72%), EUA (58%), Suécia (53%)... e China (14%).

A Suécia manteve abertos  restaurantes, lojas, centros comerciais. creches e escolas do ensino  básico...  A população tende a seguir as recomendações do governo no que diz respeito ao distanciamento social, e ao isolamento dos idosos, as ruas estão menos movimentados, ao que se lê nos "media", mas  nada que se pareça com Lisboa, Madrid ou Milão... E é certo que muitas empresas também  recorrem ao teletrabalho.  Mas não  houve declaração de estado de emergência como, por exemplo, na Europa do Sul, com imposição do "isolamento social" (em casa).

Distribuição de casos de COVID-19, numa amostra de países (, situação reportada a 19 de abril de 2020) 


País
Nº casos
(1)
Nº mortes (2)
Nº casos últimos 14 dias (3)
% de casos últimos 14 dias (4) (3:1)
Taxa de letalidade (%) (2:1)
Alemanha
139897
4294
48183
34,4
3,1
Brasil
36599
2347
26321
71.9
6,4
China
83803   
4636
1228
14,6
5,5
Dinamarca
7242
346
3165
43,7
4,8
Espanha
191726
20043
66990
34,9
10,4
EUA
735086
38910
422849
57,5
5,3
França
111821
19323
43216
38,6
17,3
Itália
175925
23227
51293
29,2
13,2
Portugal
19685
687
9161
46,5
3,5
Suécia
13822
1511
7379
53,4
10.9

Fonte:  Adapt.  de ECDC – European Centre for Disease Prevention and Control  (An agency of the European Union) (para os dados das colunas  1, 2, 3), disponível em https://www.ecdc.europa.eu/en/geographical-distribution-2019-ncov-cases Consult em 19/4/2020)
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Nota do editor: