Foto nº 2 > Portalegre> Arcadas do Convento de S. Bernardo (séc. XVI) > Os belíssimos painéis de azulejos (séc. XVIII), fazendo lembrar a belíssima Estação de S. Bento, Porto) > 2021 > A Isabel apontando um pormenor para as esposas de outros camaradas num dos encontros da companhia, neste caso em Portalegre, organizado pelo camarada Parola
Com o fim da instrução em Estremoz (RC3) (**), fomos “despejados” para o quartel de Portalegre, instalado no Convento de São Bernardo, do Século XVI, com belíssimos painéis de azulejos (séc. XVIII), a maior parte deles apresentando cenas da vida de São Bernardo (fazendo lembrar a bela e “mui nobre”, estação de S, Bento no Porto), para permitir o início da instrução de novas companhias.
Permanecemos neste magnífico convento muito pouco tempo (antes que nos transformássemos em monges!!!) a aguardar embarque para a Guiné. O tempo suficiente para tirarmos umas fotografias, com o boné do sargento Redondeiro, que enchemos com folhas de jornal para o mesmo não se enterrar até ao pescoço nas nossas cabeças, para o nosso novo cartão de militar. (Foto nº 3).
Foi aqui que o mesmo sargento, de fisionomia a condizer com a patente, grande e gordo, com uma avantajada barriguinha, decidiu, dado a sua experiência de outras comissões, fazer o discurso de despedida, antes de rumarmos a Lisboa para o embarque. Era suposto um discurso a chamar ao patriotismo mas ao mesmo tempo de ânimo e de tranquilidade e de que tudo iria correr pelo melhor. Contudo o discurso saiu completamente ao lado ao começar logo por dizer:
- Caros militares, infelizmente, alguns de vocês não voltarão a casa…
O moral de todos aqueles rapazes bateu no fundo, pelo que a nossa tarefa, durante e todo o dia, recorrendo aos nossos conhecimentos de psicologia (que não eram nenhuns) e também afetados por aquele discurso, de alguém que sabia do que estava a falar, foi tentar recompor-se e recompor o pessoal.
O Redondeiro, juntamente com um seu colega Pereira (únicos militares de carreira apenas com tarefas logísticas), foram sempre bons camaradas. O Redondeiro desde o primeiro dia assumiu o papel de “paizinho” da companhia. Recordo-o aqui com muita saudade e ternura.
O pouco tempo que aqui permanecemos não deu para conhecer esta bela região alentejana e o seu fantástico triângulo: Portalegre, Marvão, Castelo de Vide. (Vd. fotos da nossa visita em 2021: Nºs 1,2, 5,6,7,8)
Só me lembro da nossa infantilidade ao entrarmos na escola secundária, em frente do quartel, “matando o tempo”, deliciando-nos com os nomes, para nós, invulgares, mesmo bizarros, dos alunos afixados nas pautas, e, quem sabe, arranjar uma (ou mais) madrinha de guerra…
Esta ida à escola foi premonitório já que no ano letivo de 1977/78, fui colocado nesta mesma escola (nesta cidade lecionou José Régio – reclamado por Vila do Conde onde nasceu e por Portalegre onde viveu, sempre no meio da sua imensa coleção de Cristos), onde conheci a minha mulher (na altura professora de matemática de uma das minhas turmas), pelo que esta região ficou para sempre marcada, pela positiva, nas nossas vidas. Em 72 não houve madrinha de guerra mas em 79 houve casamento…
O contacto com os invulgares nomes dos alunos afixados nas pautas no ano de 1972 não me livrou de pequenos percalços em 1977: logo no primeiro dia de aulas, como era habitual, promovi as respetivas apresentações, com um aluno, de sorriso rasgado, apresentando-se como (V)Bagina. Fiquei à espera de um “bruaá” na sala, que não aconteceu. Como bom nortenho, escrevi Vagina na minha caderneta;
Na apresentação dos professores do meu grupo disciplinar, um dos mais efusivos apresenta-se como Lacão. Devido à minha surdez do ouvido direito (ainda hoje penso que devido aos disparos do canhão sem recuo no fogo real para a ilha de Tavira) entendi “Lacrau”. Passei todo o meu tempo de Portalegre a chamar Lacrau ao homem e ele, como bom alentejano, nunca nada me disse!
Nada me tira o meu Minho (… e o meu Douro vinhateiro e...) mas o Alentejo e os Alentejanos estão no meu coração, inclusive o homem que “deitou abaixo” o meu pequeno garrafão de verde tinto nos longínquos anos 60 a caminho de Ermidas Sado. (**)
Na passagem em trânsito para a Guiné, em 1972, não deu para conhecer a bela região do Alto Alentejo, desforrando-me “à tripa forra” em 1977/78.
Jamais esquecerei:
• as tertúlias na esplanada do Tarro, depois do jantar, até que os funcionários arrumando as mesas vazias e limpando o lixo debaixo dos nossos pés nos davam ordem de saída;
• o cimbalino (termo que sempre fiz questão de utilizar, com o empregado sempre retorquindo: uma bica?) depois do almoço no café “Facha”, em frente ao imponente plátano, lendo as gordas do jornal da casa;
• uma ou outra vez tomando o cimbalino, depois do jantar, no café Central, a meio da rua direita, mas que é muito “torta”, onde grandes jogadores de xadrez se juntavam;
• um pingo (com o empregado sempre a retorquir: um garoto?) e uma nata, a meio da tarde, no lindo e histórico café Alentejano (felizmente hoje ainda aberto e mantendo o mesmo “glamour”), em frente à estátua do “Semeador” namorando […];
• as tardes mais quentes passadas debaixo do frondoso plátano (hoje quase monumento nacional), namorando […];
• o lanche com um grupo de amigos habituais (no qual se incluía o “Lacrau”!), depois dos jogos de futebol, na tasquinha do Marchão, bebendo umas espetaculares imperiais (que eu insistia em chamar finos) acompanhadas com perninhas de rã (que eu nunca fui capaz de comer) e umas divinais empadinhas de frango, que eu devorava com sofreguidão;
• as idas a um magnífico restaurante na Serra de S. Mamede, do qual já não me lembro o nome, com paragem obrigatória no magnífico miradouro...para namorar;
• a Pensão 21 onde me instalei com outro colega e amigo de Viana do Castelo. Aqui fomos tratados como filhos pelo proprietário (o Sr. Mourato) e pela simpática empregada que nos servia as refeições. No dia em que decidimos fazer um estendal, na varanda do quarto, com as nossas cuecas a secarem ao sol, foi o dia em que não só o proprietário e a empregada bem como todos os hóspedes ficaram definitivamente rendidos aos jovens e prendados professores do Minho!;
• as refrescantes idas a uma fonte de água pura e fresca; nos dias de maior calor, a caminho da serra, onde sempre éramos alertados por simpáticas mulheres que aí vendiam fruta; que no alto da sua sabedoria espelhada nos seus cabelos brancos, que bebendo água da fonte o feitiço o ligaria ao Alentejo pelo casamento; o meu amigo de Viana do Castelo casou com uma jovem e simpática professora de Marvão (Escusa) e eu com a Isabel, uma alfacinha de Alcântara, (embora natural de Idanha), professora também deslocada na cidade, ou como diz o provérbio, “Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia fica lá a asa”!!!
• as idas às tasquinhas da Serra de S. Mamede, onde aprendi a letra do “Fado do Embuçado” (2);
• o calcorrear, milímetro a milímetro das ruas e tasquinhas de Marvão e Castelo de Vide;
• as incursões a , Elvas, Alegrete, Monforte, Nisa, Vila Viçosa, Campomaior, etc.;
• um fim de semana passado na casa de um colega de Évora, comendo uma divinal sopa de Cação preparada pela sua simpática esposa; a noite passada numa taberna, estilo Zé d’Alter (2), onde o fado aparecia de onde menos se esperava devorando um magnífico gaspacho; terminando a noite a ver nascer o Sol numa das zonas altas da cidade;
• a abordagem de uma patrulha da polícia, às 4 horas da manhã quando esperava-mos o nascer do sol, pedindo-me a carta de condução, que tinha ficado na pensão, o BI, o título de propriedade da minha Diane, que também não tinha - com o polícia já desesperado a pedir, qualquer documento com fotografia que também não tinha. Dada a minha calma, adocicada com algum humor nortenho, o polícia esboçou um sorriso dizendo: parecem boas pessoas aproveitem bem o fim de semana em Évora;
• uma incursão a Badajoz com o regresso já com a fronteira fechada (chegamos 5 minutos depois da meia noite), voltando a Badajoz, esperando a abertura dos primeiros cafés para o pequeno almoço e acelerar para a primeira aula da manhã;
• assistir ao dérbi da cidade entre os Estrelas de Portalegre e o Desportivo Portalegrense com as rivalidades levadas ao extremo durante o jogo, mas logo esvaziadas nas inúmeras tabernas da cidade;
• participar numa manifestação contra a Lei Barreto, já com o PREC a perder força, com direito a carga policial (e tudo o mais a que tinha-mos direito nestas manifestações…) com fuga ao cassetete com o meu amigo deixando a sua mala de engenheiro para trás;
• as viagens de comboio (sempre adorei viajar de comboio) a caminho de casa nas pausas escolares na direção: Chança, Mata, Crato… e no regresso ao Alentejo na direção: Crato, Mata, Chança...como gostavam de dizer os portalegrenses;
Viajo de comboio sempre com o mesmo entusiasmo como se fosse a primeira vez. Com o comboio cheio de gente sinto-me personagem de um filme no meio de um turbilhão de cenas do quotidiano. Sozinho sinto-me numa sala de cinema vendo passar o mundo lá fora pela janela do comboio como se de uma tela se tratasse.
Durante as viagens faço sempre um esforço tremendo para não adormecer, já que um minuto dormido é um minuto não vivido.
Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui há procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.
Foto nº 5 > O famoso Plátano de Portalegre. Candidato, em 2021, a árvore da Europa > 2021