terça-feira, 31 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2013: Questões politicamente (in)correctas (31): o racismo e a disciplina militar (Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 52 > Natal de 1970 > Comentário do BS: A fotografia chegou-me a Lisboa depois do Natal de 1970. Tem escrito Recebe um abraço do Nelson Reis, Fá, Natal de 1970. Parti do Xime para Bissau a 4 de Agosto desse ano. O Nelson Wahnon Reis chegara meia dúzia de dias antes. Creio que se cometeu um erro tremendo com a sua nomeação para um pelotão de fulas e mandingas, felizmente que tudo acabou em bem. A seu tempo falarei desse período na Operação Macaréu à Vista. Agradeci as notícias, mas logo informei que estava a preparar exames, o que não era bem verdade. Estava tomada a decisão de cortar radicalmente o contacto, tinha aqui os estropiados, e chegaram mais, nos anos seguintes. O Nelson está ao centro, de pé. Tem a sua direita, já bem gordinho, o Cabo Queirós, o 81 ( ajudava-me no morteiro, nos dias de festa...), sentado à direita, de mão no queixo o meu inesquecível guarda-costas, Tcherno Suane. Comentário do L.G.: O Alf Mil Nelson Wahnon Reis, que foi substituir o Beja Santos, no comando do Pel Caç Na52 (entretanto transferido para Fá Mandinga, por troca com o Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, que foi para Missirá) era natural de Cabo Verde.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Disparidade de Critérios: Cabo metropolitano ou cabo guineense?

por Beja Santos

Luís, tu questionaste-me se a minha reacção face ao comportamento repreensível do Cabo Benjamim Lopes da Costa (ver episódio "Mataste uma mulher, branco assassino!") (1) teria sido idêntica caso tivesse ocorrido com um Furriel ou Cabo metropolitano. Desculpa só hoje responder, foi só por pura falta de tempo.

Respondo sem hesitar: sim, teria sido a mesma. A minha relação com e Cabos não tinha distinção, orientei-me sempre pela dedicação, motivação e competência. Para falar só de Benjamim, meses mais tarde sobre esta triste ocorrência, ele foi louvado por "ter demonstrado excepcionais condições de trabalho, desembaraço e entusiasmo em todos os serviços de quem tem sido encarregado... Abnegado e competente, também nas actividades operacionais se revelou um elemento cumpridor e com quem se podia contar".

Em 1971, tinha já a guerra acabado para os dois, convidou-me para padrinho de casamento (assistiu e participou na boda do meu casamento, em Abril de 1970), não podia nem queria aceitar, enviei-lhe a prenda que ele me pediu, as alianças. Através do irmão, o Benicío Lopes da Costa (foi secretário-geral da Assembleia Nacional Popular e brilhante aluno de Filosofia da Cristina) fui sempre tendo notícias e estivemos juntos em 1991, por várias vezes. Veio a morrer num estúpido acidente de automóvel.

Tu, que conheces melhor que ninguém o volume publicado no blogue, não encontras discriminação nos tratamentos. Havia três Furriéis, aparece sempre o Casanova e o Pires, nunca escrevo sobre o Pina, que adoptou connosco um estranho comportamento de um desenfianço permanente (terá direito ao episódio "O dedo mindinho do Furriel Pina"). No entanto, ele será transferido para o [Pel Caç Nat] 63 e receberemos o Furriel Vitorino Ocante, um guineense, um homem afável, cumpridor e competente.

Não te esqueças igualmente que eu sempre tratei o Cabo Costa como o mais culto dos meus colaboradores. Era um papel de Bissau, frequentou o liceu e tinha uma preparação cultural muito acima da média. Na emboscada de Malandim (1), produto das circunstâncias, certamente por ser a primeira vez que via sangue, o Benjamim fraquejou. Ou eu cortava a direito ou o sentido de justiça que é crucial na comunicação com a tropa guineense estava definitivamente perdido e os meus créditos arruinados. Vi assim, sentia assim, se voltasse atrás teria procedido assim.

Beja Santos

________

Nota de L.G.

20 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
Comentário ao post:

Luís Graça disse...

Meu caro Mário e restantes camaradas da Guiné: Uma das regras de ouro do nosso blogue é: Ninguém condena ninguém!... Nenhum camarada que fez a guerra da Guiné diz para outro camarada de armas, a esta distância (de 33 a 44 anos): Foste herói, ou foste coberde, ou foste assassino, ou foste criminoso de guerra... Ninguém, nesta caserna, está em condições de dizer, olhos nos olhos, a outro camarada: Procedeste bem, procedeste mal...

Nenhum de nós quer ser ou pode ser juiz em causa própria: Mal ou bem, estivémos num lado da barricada; lutámos ou fingimos que lutámos; matámos (por muito que nos custe admiti-lo); destruímos aldeias, meios de vida, gado; envenenámos poços; regámos culturas de arroz com napalm... Como em todas as guerras, defendemos e atacámos. E, como muito bem nos lembra o Briote, fizémos escolas, abrimos centros médicos, mobilizámos milhares de jovens guineenses, criámos a ilusão da Guiné Melhor... Enfim, fomos capazes de fazer a paz, em condições dífíceis...

Há guineenses, hoje - não posso quantificar - que guardam boas recordações de nós; outros nem tanto... Na realidade, a guerra colonial foi também uma guerra civil, em que valia tudo (ou quase tudo), incluindo a demagogia...

Serve este preâmbulo para saudar o Mário Beja Santos pela sua coragem e honestidade intelectual. Toda a gente sabia, na Bambadinca do meu tempo, que ele montava emboscadas, à noite, às gentes de Madina (leia-se: às forças do PAIGC) que vinham abastecer-se nas aldeias ribeirinhas do Rio Geba, de etnia balanta, que por sua vez faziam as suas trocas comerciais com os comerciantes (brancos) de Bambadinca...

Alguns de nós, como eu, não apreciavam muito o comportamento (militar) do Tigre de Missirá que levava a sua missão até ao extremo limite das suas forças... Por isso, ele teve a sua cabeça a prémio... Mas na véspera de acabar a sua comissão, quando escapou por um triz de uma mina, os seus camaradas da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852, e de outras unidades, atravessaram a bolanha de Finete, de noite, para ir em seu socorro... Ele era nosso camarada. E eu também estive lá. Eu, o Humberto, o Carlão e tantos outros.

Hoje, ao ler os seus escritos, que temos vindo a publicar ao longo de um ano, eu entendo melhor os terríveis dilemas morais de um homem só, a quem foi confiada uma missão hercúlea, quase impossível...

Não vou julgá-lo, não tenho esse direito, a respeito do que se passou na emboscada de Malandin, no dia 3 de Agosto de 1969, às 19h...

Quero apenas acrescentar que também sou capaz de entender (compreender, o que não implica nenhum juízo de valor) o comportamento do 1º cabo Costa, papel, oriundo de Bissau...

Gostava de perguntar ao Mário, qual teria a sua reacção, se em vez do Costa, tivésse sido outro cabo, metropolitano, ou até um dos seus furriéis, o Pires ou o Casanova o autor das terríveis palavras "Assassino, mataste ua mulher"!... É uma mera hipótese teórica, mas a questão é interessante para suscitar uma reflexão (crítica) entre todos os camaradas que fizeram aquela guerra e que tinham, nas suas fileiras, militares guineenses, como foi o caso do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, do Pel Caç Nat 53, do Paulo Santiago, do Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, da CCAÇ 13, do Carlos Fortunato ou da CCAÇ 12, do Luís Graça, do Humberto Reis, do Joaquim Fernandes, do Tony Levezinho, do Abel Rodrigues ...

Como é que eu ou qualquer um de nós teria reagido se houvesse, nas nossas fileiras, alguém, camarada, a gritar-nos na cara: "Assassino, mataste uma mulher!"...

Retomando as palavras de Jesus Cristo, quem de nós, hoje, está em condições de lançar a primeira pedra a um camarada que foi capaz de pôr o seu nome por baixo de um texto portentoso e ao mesmo tempo perturbante como este, que acaba de ser publicado no nosso blogue ?

Luís Graça

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2012: Em busca de... (7): Meu irmão, Guido de Ponte Brazão da Silva, alferes, morto em Canquelifá, em 1970 (Conceição Brazão)

1. Mensagem, com data de 16 de Junho de 2007, enviada por Conceição Brazão

Exmo. Senhor, Dr. Luís Graça,


Venho muito respeitosamente parabenizar por este blogue tão especial.


Peço desculpa por a minha ousadia, mas venho pedir qualquer informação que
saiba sobre o meu irmão, Guido de Ponte Brazão da Silva, natural da Boaventura, Madeira, Alferes do RC 3, falecido em Canquelifá, Guiné, no dia 22-10-1970, que teve como Comandante o Capitão Castro Neves, SPM 6493, e um amigo, Alferes Paiva Nunes, que julgo fazer parte da mesma Companhia.


Lamento não ter mais qualquer dado, que se justifica por ser um tema muito penoso para qualquer diálogo com os meus pais. Infelizmente o meu pai já faleceu em 1977 e à minha mãe por respeito com a sua dor ainda hoje muito sentida, nunca o poderei saber.


Antecipadamente grata, por toda a v/atenção dispensada.


Apresento os meus melhores cumprimentos,


Maria da Conceição de Ponte Brazão da Silva Ramos





2. Comentário de L.G.:


Cara amiga: Faz todo o sentido procurar notícias da antiga unidade militar a que pertenceu o seu irmão, nosso camarada, morto em plena juventude no nordeste da Guiné, em Canquelifá, junto à fronteira com o Senegal (veja a
respectiva carta ou mapa). Você tem o direito a saber a verdade, toda a verdade, sobre as circunstâncias em que morreu o seu irmão. Como noutros casos, sempre dolorosos, o Exército deu a terrível notícia, aos seus pais, da maneira habitual: impessoal, telegráfica, seca e desumana...

Infelizmente não temos muita informação sobre Canquelifá desse tempo, mas seguramente que vamos fazer o nosso melhor para satisfazer o seu pedido. Vamos tentar falar com camaradas do seu irmão, depois de identificarmos o Batalhão e a Companhia a que ele pertencia. Há um Batalhão de Cavalaria (BCAV 2922) e uma companhia (CCAV 2748) que estiveram em (ou passaram por) a região de Canquelifá, entre 1970 e 1972. Esse batalhão tinha a sede em
Piche.

Um camarada nosso que esteve sete meses adido a esse batalhão, em Piche, foi o Helder Sousa > Vd. post de 26 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1702: A guerra também se ganhava (ou perdia) nas ondas hertzianas (Helder Sousa, Centro de Escuta e de Radiolocalização, Bissau).

Temos mais uma notícia sobre esse batalhão, no post de 13 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1067: Morreu o major Mendes Paulo (BCAV 2922, Piche, 1970/72) (José Martins)
O Major de Cavalaria João Luís Laia Nogueira Mendes Paulo foi Oficial de Informações e Operações no Batalhão de Cavalaria nº 2922, e era oriundo do Regimento de Cavalaria nº 3 de Estremoz, tal como o seu irmão. Pode ser que o nosso camarada José Martins possa averiguar ago mais sobre este assunto. Vamos desejar boa sorte para as nossas buscas.

Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)


Maia > 21 de Julho de 2007 > O encontro com o António da Silva Batista (ao centro): à esquerda, o Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Foto: © João Santiago (2007). Direitos reservados.

1. O nosso tertuliano Júlio César , enviou uma mensagem ao Editor Luís Graça, com data de 25 de Julho, comentando o caso do nosso desafortunado camarada Batista:

Luís:

Li, como um misto de perplexidade e revolta, o que aconteceu (e está a acontecer) ao nosso amigo e camarada Batista, prisioneiro de guerra, desprezado por aqueles que mais lhe devem (1).

Acho muito bem e apoio a entrada deste camarada na Tabanca Grande (que nunca se tornará pequena, pois ela é do tamanho do mundo, que é quanto mede o coração de um ex-combatente da Guiné).

Tudo quanto possamos fazer para minorar o sofrimento deste nosso camarada nunca será demais.

Percebe-se, pela entrevista, que é um homem simples, como simples eram a grande maioria dos ex-combatentesda Guiné. Não tem ódios, nem rancores e, se calhar, por isso mesmo, é que tem sido desprezado.

Preciso de saber o seguinte: O DL 170/2004, de 16 de Julho, que revoga o DL 34/98, de 18 de Julho, que tinha sido regulamentada pelo DL 161/2001, de 22 de Maio, estabelece uma Pensão pecuniária no valor de 100 euros mensais, que serão actualizados anualmente, para todos os prisioneiros de guerra, desde que apresentem comprovativo dessa situação.

Quer dizer... como na Caderneta Militar do nosso camarada Batista, não vem mencionada a sua situação de Prisioneiro de Guerra (nem tão pouco - como vimos - a sua passagem pela Guiné???), pergunto: será que esta pensão lhe foi atribuída? Seria o cúmulo da filha da putice, mas é questão a colocar...

Cumprimentos para todos os Tertulianos e um abraço de solidariedade ao nosso camarada Batista.

Júlio César Ferreira
Ex. 1º cabo 70/71 C. Caç. 2659
Cacheu

2. Em 27 do mesmo mês o co-editor Carlos Vinhal enviou ao Álvaro Basto e ao Paulo Santiago a seguinte mensagem:

Camaradas Álvaro Basto e Paulo Santiago

Querem fazer algum comentário a este mail do camarada Júlio César?

Um abraço do
Carlos Vinhal

3. No mesmo dia Paulo Santiago comentava:

Carlos : Este mail do Júlio César vem ainda tornar mais chocante a situação do Batista.

Não conhecia estes Decretos Leis, sendo assim o António Batista, além de não ter a Caderneta Militar, a que tinha direito, está a ser ROUBADO, visto não receber qualquer pensão.

É, de facto, o cúmulo da filha-da-putice, como diz o camarada Júlio.

Um abraço do
Paulo Santiago

4. No dia 28 Álvaro Basto em mensagem dirigida ao co-editor CV, dizia:

Olha, Carlos.

Estou estupefacto.

Claro que há que urgentemente averiguar a aplicabilidade deste Dec. Lei ao Baptista.

Eu próprio irei falar com um advogado meu amigo (que por sinal esteve em Jumbembem também) para se fazer uma averiguação cuidada, pois a confirmar-se isto é bem provavel que o Baptista tenha direito não só à pensão não paga, mas a uma indemnização por danos morais e patrimoniais pela omissão da sua real situação militar pelos serviços competentes do Exército.

Logo que saiba alguma coisa mais eu volto comunicar

Um abraço a todos

Álvaro Basto

5. Comentário do co-editor CV:

Estamos perante um caso quase irreal.

Um simples mortal é mobilizado contra sua vontade para combater numa guerra longe da sua terra natal, numa Guiné de que só ouvira falar nos bancos da escola, é feito prisioneiro e a recompensa que lhe dão é pura e simplesmente fazer de conta que não se passou nada?

Pena que durante estes anos não tenha aparecido alguém que ajudasse o Batista a reinvidicar os seus direitos.

Esperemos para ver o que o Álvaro vai conseguir em termos de obtenção de informações.
Provavelmente vamos ter de arranjar, junto dos seus antigos camaradas, testemunhos comprovativos da sua actividade operacional e do acto que deu origem à sua captura.

Desgraçadamente não haverá entre nós nenhum companheiro de Companhia ou Batalhão do António Batista, excepção do Joaquim Guimarães que julgo estar radicado nos EUA ?

Camaradas, temos que unir forças para que as injustiças de que vamos tendo conhecimento, sejam banidas e as pessoas lesadas, ressarcidas.

Muitos camaradas Batistas andarão por aí.

Aceitam-se sugestões de todos os camaradas, especialmente dos que estão ligados às diversas organizações de antigos combatentes existentes. Todos poderão dar uma ajuda preciosa, para se traçar uma linha de acção concertada.

Vamos todos ajudar o Batista. Temos que ser solidários.
_______________________

Notas do co-editor CV:

(1) Vd. Posts de:

3 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007:Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)

Guiné 63/74 - P2010: O Major Pereira da Silva que eu conheci, em 1966, no QG de Santa Luzia (Virgínio Briote)

1. Texto do Virgínio Briote, nosso co-editor:

Caro Luís,

Espero que te tenhas reconfortado com os ares do Marco. Que belas terras e que vinhos, Deus meu!

Tenho acompanhado com muito interesse o estudo que o Afonso (1) tem vindo a fazer sobre o caso. Também, quando vi a foto, vi que havia uma troca na identificação dos majores P. da Silva e P. Ramos. Enviei-lhe a mensagem, que podes ler abaixo. Embora ciente do erro, pedi-lhe que verificasse a legenda. Porque o Afonso é o mais interessado na procura da verdade, devia ser ele, penso eu, a proceder à rectificação. Ainda não respondeu, pode dar-se o caso de estar ausente. Assim, proponho esperar mais um ou dois dias e, caso não haja qualquer resposta, substituir a foto pela outra que existe no blogue, esse sim correcta.
Um abraço,
vb

Afonso, caro Camarada,

Antes de mais, cumprimentos pelo notável trabalho que tens vindo a fazer, no esforço em desvendar até ao limite o caso dos assassinados na zona de Teixeira Pinto. É uma obra, sem necessidade de sabujices, como então se dizia nos nosso tempos, uma obra, escrevia eu, com muito interesse e, que os investigadores futuros sobre a colonialização/descolonização da Guiné não podem esquecer. Parabéns pelo teu trabalho, Afonso, é o mínimo que te posso dizer.

Uma questão que convém tu repensares, é a legenda da foto. Eu conheci o major Pereira da Silva. Nos finais da minha comissão, Set/Dez 66, estive no QG a fazer nada, andava por ali, a esperar que os 24 meses acabassem.


O major P. da Silva, um dia, no final de um almoço, abeirou-se de mim, deu-se a conhecer, falou-me de assuntos que me diziam pessoalmente respeito, mostrou estar bem informado, para minha surpresa. Daquele encontro na messe de Santa Luzia, ficou-me me a recordação de um homem culto, inteligente, a que eu, confesso, não estava muito habituado a ver nos oficiais do QP.

Naqueles últimos meses, nos finais de 66, convivemos quase diariamente, mais que uma vez viemos até à cidade, demos as voltas do costume pelas montras de Bissau, jantámos 2 ou 3 vezes no Fonseca (Solar dos 10, não sei se este restaurante te diz alguma coisa). Isto para te dizer que conheci de perto o P. da Silva.

Ao Passos Ramos, se a memória não me está a trair, apresentaram-mo uma vez.

De qualquer das formas, fala com outras pessoas que o tenham conhecido, como, por exemplo o Tunes, que privou bem de perto com os três.

Um abraço, Afonso, e até um dia destes,
vb


2. Comentário: Obrigado, Virgínio, o assunto está esclarecido (1). Fica também aqui, para conhecimento dos nossos acamaradas e amigos, o teu apreço pelo trabalho do Afonso M.F. Sousa que, possivelmente, estará de férias.
______

Nota de L. G.:

(1) Vd. posts de

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

Guiné 63/74 - P2009: Blogpoesia (3): Explorador? Mineiro? Não, um Soldado ! (Jorge Cabral)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > No comments! (As grandes fotografias dispensam legendas) (1)

Foto: © Idálio Reis (2007). (Editada por L.G.). Direitos reservados.



1. Texto do Jorge Cabral:


Querido Amigo,

Cá continuo e como sempre voluntariamente na margem. Do Tejo? Do Geba? Ou da vida?
Gozando, e gozando-me, aponto os muitos reis que vão, invariavelmente, nus.

Aproveitarei o teu conselho para pôr a escrita em dia. Tenho tanto para comentar… Entretanto, e como sou um prosador demorado, mas um poeta repentista, envio poema provocado pela exemplar fotografia do Idálio.

Boas férias para ti e toda a
Tabanca,

Jorge

Explorador? Mineiro? Não, um Soldado!
A pá como viola a dedilhar.
Vê-se que está cansado
Do fado, sempre o mesmo, aguentar.
É muito cedo. Parece madrugada.
Chuva, calor, vermelha a terra.
Que pensa ele? Na namorada?
Na mãe? Ou no porquê da Guerra?
Tão jovem, apenas um rapaz
No meio de tantos perigos.

Oxalá ainda viva e sempre em Paz
Sem ter de construir novos abrigos.


Jorge Cabral

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1973: Gandembel/Ponte Balana: homenagem aos bravos combatentes de um lado e doutro (Idálio Reis)

Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970. Por lapso, num post anterior, os três majores apareceram por outra ordem, errada (1).

Foto: Cortesia de
Afonso M.F. Sousa (2007)

Guiné > Bissau > 1970 > A única fotografia dos três majores que até agora tínhamos publicado (2): da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), com a sua enorme bigodaça; Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial (o 3º, na fotografia) que presumimos ser o Alf Mil Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Fonte: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa:
Círculo de Leitores. 1995. p. 373. (com a devida vénia...)

1. Mensagem do João Tunes:

Camaradas editores,

Quando foi editado o Post 2004, fiz um comentário chamando a atenção que a fotografia com os majores mortos no chão manjaco tinha legendas trocadas em que se chama Passos Ramos a Pereira da Silva e vice-versa (1).

Como conheci os majores pessoalmente em Teixeira Pinto (Canchungo), tendo-me tornado amigo de Passos Ramos e Pereira da Silva (3), de quem fiquei admirador e muito me doeu as suas perdas e, sobretudo, a forma cobarde e sádica como foram assassinados, não tenho dúvidas quanto ao erro cometido. O comentário ficou para apreciação dos editores e até ao momento continua não publicado e a gralha na foto mantem-se. O que acho que já não fará a glória do PAIGC como trocar identidades não é a melhor forma de se homenagear alguém.

Não sei porque é que o comentário continua em stand-by e porque continua a troca de nomes entre os dois militares a que, justamente, se quis prestar homenagem. Não faço questão em que o comentário seja editado mas, no mínimo, o respeito para com estes nossos camaradas caídos em combate impõe que os seus nomes não sejam trocados e a gralha seja rapidamente corrigida.

Ainda pensei que os três editores tinham ido de férias em simultâneo mas verificando que continum a publicar posts, um pelo menos deve estar de serviço. A esse, endereço este apelo. Escuto.

Melhores saudações do
João Tunes

2. Comentário de L.G.:

Camarada João: Mal cheguei do Norte, inseri o teu comentário. Por enquanto sou eu que modero os comentários que, em princípio, são sempre publicados, desde que respeitem as nossas regras de convívios e as nossas normas editoriais... Mas é mais uma tarefa que vou ter que delegar.
Isto quer dizer, portanto, que não posso imputar qualquer responsabilidade aos nossos camaradas co-editores que, para além do mais, são tão ou mais voluntários e voluntaristas do que eu e que, como deves imaginar, não estão nem não podem estar permanentemente no computador, com a caixa do correio aberta.
Portanto, o erro de troca de nomes só pode ser imputado a mim. O Afonso mandou-ne a foto mas eu não sei se as legendas são da sua autoria. Fui eu (e mais ninguém) que editei o post (1) e, como tal, eu deveria ter detectado o erro. Até por que conhecia o teu post e a descrição que fazias do Pereira da Silva com a sua enorme bigodaça (3)... Não detectei o erro, lamento, dou a mão à palmatória (que é para isso que ela existe...).
João, obrigado pelo teu oportuno reparo e teu já proverbial olhar clínico, treinado e sempre atento às gralhas, aos erros, aos lapsos, etc., que muitas vezes borram a pintura cá da nossa blogosfera... As minhas desculpas aos familiares, amigos e camaradas dos saudosos majores Pereira da Silva e Passos Ramos.
3. Comentário posterior (31 de Julho) do Afonso M.F. Sousa:
Homens de rija têmpera (se quiserem: "camaradas e amigos"):
Acabo de chegar da Mealhada, onde estive em casa da irmã do José da Cruz Mamede a mostrar-lhe o dossiê sobre a triste ocorrência do 12 de Outubro de 1970, lá para os lados de Mansoa e que, também, não vi ainda publicado no Blogue.
(...) Quanto à fotografia [dos três majores] recebia-na no dia em vos enviei o up-date ao dossiê O Massacre do Chão Manjaco. Enviou-ma, por mail, um simpático militar (Albino Silva) que, à altura desta trágica ocorrência, estava em Jolmete. Não sei se foi legendada por ele, mas o facto é que a recebi assim (...).
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970) Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)
(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)

(...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.

"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair. Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(...)

"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)

João Tunes

Guiné 63/74 - P2007: Três homens de Guileje: Nuno Rubim, J. Casimiro Carvalho e Abel Quintas

Maia > Maio de 2007 > Três homens de Guileje: Nuno Rubim, José Casimiro Carvalho e o Abel Quintas. Estes dois últimos respectivamente Fur Mil Op Esp e Comandante da CCAV 8350, os Piratas de Guileje.

Maia > Maio de 2007 > O Nuno Rubim em casa do José Carvalho.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do José Casimiro Carvalho, com data de 28 de Maio último: Para que conste: Cor Nuno Rubim, Cap Quintas e eu, claro... Minitertúlia na minha casa, àcerca de Guileje".


2. Ainda muito recentemente (26 de Julho), o nosso co-editor Virgínio Briote mandou a seguinte mensagem ao Coronel Nuno Rubim, seu antigo comandante do tempo dos comandos.

Viva "Capitão" Rubim!

Quando nos encontramos, então para um almoço? Já pedi ao Luís Graça para combinar consigo um almoço. Fico a aguardar notícias.

Estou a par da sua intensa actividade no Projecto Guileje (1).

O Vilaça foi enterrado no Natal, o "cabo" Tudela no mês passado.

Um abraço,

vb


3. Comentário de L.G.:

Deixem-me fazer aqui uma especial saudação ao ex-capitão Quintas, comandante da CCVA 8350, gravemente ferido em Guileje no dia 1 de Junho de 1973 (2). Fica a porta aberta para a sua entrada da nossa tertúlia ou Tabanca Grande, se for esse o seu desejo e vontade.

Aproveito também para desejar umas repousantes férias ao nosso amigo Pepito que tem andado, por aí, entusiasmadíssimo e incansável, em busca de apoios para seu/nosso Projecto Guiledje e para a realização do Simpósio Internacional sobre a Memória de Guileje (ou Guiledje) na Luta pela Independência da Guiné-Bissau.

Já falámos ao telefone e já combinámos encontrar-nos na Praia... ou de São Martinho do Porto (a dele) ou da Areia Branca (a minha), duas belas praias do Oeste Estremenho (respectivamente, dos concelhos de Alcobaça e Lourinhã). O convite é extensivo ao Nuno Rubim, que o Pepito (e todos nós) tem em alta estima... O almoço com o V.B., se calhar só poderá ser para Setembro... a menos que se proporcione um encontro a quatro em São Martinho do Porto ou na minha terra (Lourinhã: vou lá estar em Agosto, na Rua da Misericórdia, mesmo no centro da vila, a 100 metros do Museu dos Dinossauros que - passe a publicidade - vale a pensa ser visitado, se alguém passar por aqueles lados...).

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

14 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - 1949: Simpósio Internacional "A memória de Guiledje na luta pela independência da Guiné-Bissau", Bissau, 1-7 de Março de 2008 (Pepito)

(2) Posts com referências ao Capitão Abel dos Santos Quelhas Quintas:

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)

2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

domingo, 29 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2006: Convívios (22): CCAÇ 763 (Cufar 1965/66), Almeirim, 23 de Setembro de 2007 (Mário Fitas)

1. O nosso camarada Mário Fitas (1), autor do livro Pami Na Dondo, mandou em 27 de Julho último esta humorada mensagem ao nosso Editor Luís Graça.

Caro Luís,

Estou em dívida com o chefe da Tabanca, em virtude do não envio do meu livro. São as malditas gafes, que não deveriam existir num reformado. Só que a reforma por vezes é um engano - ainda bem - e o tempo disponível torna-se menor.

Oh chefe, isto é mesmo de alentejano, não é? Como bom alentejano, é mais a confiança na relevação da falta! Mea Culpa. Um dia lá chegará.

Solicitava,entretanto, que no nosso blogue publicitasse a realização do 9.º Encontro da CCAÇ 763, rapaziada que foi moradora em Cufar , em 1965/66.

O evento terá lugar no Restaurante Moínho de Vento, em Almeirim, no próximo dia 23 de Setembro.

Com os melhores agradecimentos.

Um Abraço,
Mário Fitas


2. Comentário do co-editor CV:

Caro Mário, ficamos a aguardar a tua reportagem sobre o encontro que agora dás a conhecer à Tertúlia. Manda também umas fotos do acontecimento para ilustrar a tua prosa.
_________________________

Nota de C.V.:

(1) Sobre o Mário Fitas, vd. posts de:

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

sábado, 28 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2005: Convívios (21): BART 3873 (Bambadinca 72/74), em Viseu, no dia 16 de Junho último (Álvaro Basto)

Viseu> 15 de Junho de 2007> Encontro do BART 3873 ( Bambadinca 72/74)> Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Casimiro Barata, António Silva, Álvaro Basto, António Barroso; Silva, Eduardinho, Lima Rodrigues, António Azevedo; Maçães, Mourão, Ceia, Artur Soares e Carlos Nunes (os que vão assinalados a azul e a bold, são membros da nossa tertúlia).


Viseu> 15 de Junho de 2007> Encontro do BART 3873 ( Bambadinca 72/74)> Da esquerda para a direita: Ex-Alf Mil António Barroso, ex-Alf MIl Mourão, ex-Major Jales Moreira e ex-AlfMil Lima Rodrigues.

Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Álvaro Basto, com data de 10 de Julho último.

Caro Luís Graça,

Em primeiro lugar gostaria de dar as boas vindas, na sua nova função de co-editor do Blogue, ao Virgínio Briote. Face à dimensão que este blogue atingiu, creio que sem estas ajudas desinteressadas não conseguirias dar conta do recado. Bem hajam todos quantos trabalham para manter o espaço desta Tabanca Grande viva e animada.

Seguidamente gostaria de te pedir para que logo que possível desses conta no Blogue de um encontro realizado no passado dia 16 de Junho, em Viseu, do pessoal do BART 3873 (Bambadinca 72/74).

Estiveram presentes representantes das diversas CART que o compunham (Xime, Mansambo, Xitole e naturalmente Bambadinca). Aliás fiquei espantado por tanto ouvir falar do nosso Blogue no encontro e nada ter, quer antes quer depois, aparecido no Blogue sobre o assunto.

Esta reunião anual vem sendo organizada desde 1975, segundo creio, tendo sido o seu principal mentor durante muito tempo o Ex-furriel enfermeiro da CCS, o Sousa. Creio que ultimamente tem sido o ex-Major Jales o principal obreiro dos encontros, mas aceitem as minhas desculpas se estiver enganado.

Esta reunião assumiu para mim um papel de enorme importância já que foi a primeira vez que estive presente e ainda bem. Da CART 3492 (Xitole) a que pertenci e de quem "tratei da saúde" o melhor que sabia e podia já que era enfermeiro, estavam praticamente todos os oficiais (faltou o Mexia Alves que não pode estar presente) e sargentos, estando ainda um grande número de cabos e praças. Nem um dos Primeiros Sargentos quis faltar e lá esteve a marcar presença com as suas fotografias a tentar descobrir quem era este e aquele.

Foi realmente um reencontro de todas as emoções e acredita, Luís, que eu nem imaginava quanto carinho e estima sentia ainda por todos eles. Quanto recalcamento havia por aqui para só este ano ter tido a coragem de os rever. E felicidade das felicidades... fomos todos sãos para a Guiné, e voltámos todos vivos e ainda estamos todos sãos e vivos. Só essa constatação quanto nos vale, especialmente quando lemos as estórias que lemos no Blogue de quantos e quantos que nunca chegarão a sentir esta felicidade do reencontro.

Aproveito para enviar algumas fotos do pessoal da CART 3492. Infelizmente não conseguimos uma foto completa do grupo todo, já que quando estas foram tiradas muita gente tinha ido embora

Quero deixar aqui as minhas desculpas por não ter anotado o nome de todos, mas foram emoções a mais para um só dia e acabei por me esquecer.

Recebe um grande abraço
Álvaro Basto

2. Comentário do co-editor C.V.: Na ausência do Luís Graça, que está para o Norte, aqui fica a notícia do teu emocionado reencontro com os teus camaradas do BART 3973. Aceita as nossas desculpas pelo atraso na publicação da notícia. De qualquer modo, ela aqui fica, também na esperança de que mais camaradas que passaram pelo sector L1 da Zona Leste nos três últimos anos da guerra (de 1972 a 1974) apareçam aí, um dias destes, a entrar pela nossa Tabanca Grande adentro.

Por sua vez, o Virgínio Briote também fica sensiblizado pelas amáveis palavras que lhe diriges, por ocasião da sua 'tomada de posse' como co-editor do blogue. Todos não somos demais para fazer deste espaço da blogosfera algo que nos surprende todos os dias e de que começamos a ter orgulho. C.V.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (11): (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Passos Ramos, Pereira da Silva e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Foto: Cortesia de Afonso M.F. Sousa (2007)

Mensagem de 26 de Julho de 2007 do nosso querido camarada Afonso M.F.Sousa, residente em Maceda/Ovar, e um dos mais antigos membros da nossa tertúlia (está connosco desde Junho de 2005, mas infelizmente ainda não tivemos ocasião de nos conhecermos pessoalmente). Agradeço-lhe mais este trabalho de investigação, feito com paixão e rigor, e que honra e enriquece o nosso blogue. É que o Afonso não se limita a fazer investigação de arquivo... Desta vez foi até Braga falar com o Lino!... Espero que ele também possa, um dia destes, fazer sair um livro sobre este episódio marcante e decisivo, da guerra da Guiné. (LG).

Anexo ao dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


Caro Luís Graça,

Com um abraço, envio mais um breve aditamento ao dossiê relativo à morte dos três majores (1).


O ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585, vive hoje em Braga

Onze da noite do dia 20 de Abril de 1970. O furriel Lino, da CCAÇ 2585 (destacamento de Jolmete, pertencente ao BCAÇ 2884 , com sede no Pelundo), é um dos homens que integra o pelotão que vai partir para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo, nas proximidades da 2ª bolanha.

Julho de 2007. Localizo o ex-furriel Lino, na cidade de Braga. Tive com ele uma agradável e muito útil troca de impressões sobre aquele momento trágico, na Guiné. Era interessante ouvir o testemunho de alguém que tivesse estado, exactamente naquele dia e naquele local, para que alguns pontos ou dúvidas pudessem ser clarificados.

É com base nas informações recolhidas que elaborei este texto, que se constitui como adenda à crónica já anteriormente publicada no Blogue (1).

Depoimento do ex-Fur Lino:

Guiné, 20 de Abril de 1970 >Os momentos que se seguiram à consumação de uma cilada

Às 15 horas, em Jolmete [a nordeste de Pelundo, perto do Rio Cacheu], um militar nativo chama a atenção de alguém, dizendo que acaba de ouvir um tiro e garante que é junto à 2ª bolanha. Pouco tempo depois ouve um 2º tiro e reafirma que se trata de algo naquela zona. Sabe-se que naquele dia todas as forças militares permaneceram nos aquartelamentos. Só restritamente, há conhecimento do que iria decorrer naquele momento e naquele local. O comandante do destacamento sabe que os tiros não constavam do programa. Fazem-se contactos. Nota-se alguma preocupação, alguma agitação. Só por volta das 21 horas um pelotão é alertado para a necessidade de ter que sair, a qualquer momento.


(i) Pelotões de soccorro que saiem de Jolmete e do Pelundo descobrem os cadáveres pela madrugada do dia 21 de Abril de 1970

Após as onze horas, partem de Jolmete, seguindo a picada para o Pelundo. Por volta da meia-noite, logo após a 2ª bolanha (sentido Jolmete-Pelundo) dão de caras com os 2 jipes, sobre a picada. Não avistam por ali os corpos dos oficiais. O reconhecimento é apenas uma rápida observação, um pouco à distância. A escuridão e as circunstâncias assim o determinam. Instalam-se e ficam na expectativa. A previsão de perigo, a expectativa de cairem numa emboscada de grande envergadura, são preocupações que os acompanham.

Do Pelundo saira, entretanto, outro pelotão para patrulhamento conjugado com as forças de Jolmete. Estas esperam pelo clarear da manhã, para fazerem o adequado reconhecimento da zona e visualizar o local em redor das viaturas, por forma a obter informações e a confirmação da tragédia. Por volta das cinco e meia começa a sua movimentação. Procuram localizar (vivos ou mortos) os três majores e o alferes, nas imediações dos jipes. Em pouco tempo conseguem localizá-los, inertes, no enfiamento das viaturas, mas dentro da mata.

Confirmam que estão sem vida e alguns aparentam ter membros partidos e sinais de confrontação algo violenta. As suas fardas estavam intactas, sinal de que não foi molestada a sua integridade física ao nível do tronco. Todos apresentavam, isso sim, sangramentos ao nível da nuca, o que atesta que aqueles tiros, ouvidos em Jolmete, tinham aqui a sua justificação. Os dois intérpretes (supostamente da Gâmbia) foram também mortos e os seus corpos encontrados debaixo dos jipes, onde, provavelmente, terão querido refugiar-se.


(ii) Reacção emotiva de Spínola: Liquidem-nos a todos!

São seis da manhã. Ouve-se o som de um helicóptero que se aproxima do local. Faz a aterragem na clareira da mata. A tal clareira que iria servir para a cerimónia de rendição do bigrupo do PAIGC. É Spínola que se apresta para sair do heli. Rapidamente dirige-se para faixa da mata onde os corpos estão prostarados. À vista deles, Spínola olha demoradamente para o chão. Não resiste sem que as lágrimas lhe perpassem pela cara. Depois, como que por instinto, diz: Liquidem todos os que virem pela frente. Mas, como é compreensível, foi um impulso de raiva de circunstância e, por isso, a ordem não foi seguida.

Foi quase voz corrente, entre os militares desta zona (Teixeira Pinto, Pelundo, Jolmete), de que houve à volta deste processo algum excesso, alguma falta de prudência, alguma precipitação ou excesso de confiança...como que um pressentimento de êxito um pouco exagerado. Por via disso, a tragédia poderia ter tido contornos ainda maiores. Para além de Spínola, até um médico e o capelão estavam para participar. O entusiasmo era grande, muitos queriam assistir ao grande ronco. Mas a questão traição/cilada nem sequer terá sido cogitada, face à confiança e ao entusiasmo reinantes. Os homens de Nino Vieira anteciparam-se, sobrepuseram-se ao grupo dissidente, e à hora combinada estavam lá para liquidar esta tão ansiada rendição.

Afonso Sousa

Nota de A.S. - O dossiê sobre A morte dos três majores que publicámos recentemente (1), é como todos, deste contexto, um trabalho inacabado. Elaborar uma explicação tão próxima quanto possível da realidade não é tarefa fácil. O relato histórico, enquanto não atingir toda a verdade do que, efectivamente, aconteceu, permanece sempre e só no plano da mera descrição. Construir um quadro exacto do que se passou precisa de coerência, ordem e racionalidade ou seja, um grau de exactidão e de confiança dos testemunhos. De contrário pode suscitar-se a confusão ou imprecisão do relato histórico. Por vezes, apenas sobrevivem memórias fragmentadas do passado e isso pode trazer riscos de se substituir o real pelo imaginário ou de se complementarem lacunas com especulações.

É necessária a investigação, o confronto entre fontes e as diferentes versões de um mesmo acontecimento, de forma a garantir a objectividade nos factos narrados. São estes caminhos de identificação da narrativa com a verdade, que nos instiga quando fazemos a memória da guerra. Deixamos um relato em determinado ponto e mais tarde damos-lhe sequência, conforme se vão dissipando dúvidas ou colhendo novos e mais fidedignos testemunhos. Daí o título do anterior trabalho: «Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo»

Nota: Efectivamente, na legenda da fotografia acima, há troca de nome entre os majores Pereira da Silva e Passos Ramos. Aquele é o homem do bigode, como se constata nesta foto


_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

Guiné 63/74 - P2003: Blogoterapia (30): Mário, direi orgulhoso a quem ler o teu livro: Eu também comandei o 52 !!! ( Joaquim Mexia Alves)

O nosso Joaquim Mexia Alves, a quem o Vitor Junqueira chamou, há tempos, "gigante com coração de passarinho", no Xitole, 1972, com uma mina A/P nas mãos... Foi Alf Mil Op Esp e esteve na Guiné, entre Dezembro de 1971 e e Dezembro de 1973, tendo percorrido nada menos que três unidades (caso raro!): CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e à CCAÇ 15 (Mansoa).

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

Caros Mário e Luís & Camaradas da Guiné:

"Confesso que estou muito orgulhoso por esta aprovação" - diz-nos assim o Mário, com toda a simplicidade! (1)

E nós pegamos nesta frase e fazêmo-la nossa: "Estamos muito orgulhosos desta aprovação, estamos muito orgulhosos deste livro, estamos muito orgulhosos do Mário, estamos muito orgulhosos do Luís que nos deu este espaço."

Ao lermos-te, Mário, lemos cada um de nós!

Todos estivemos em Missirá, todos vivemos a ansiedade, as preocupações, a distância, a solidão tantas vezes acompanhada, a saudade, o medo, o horror, a indignação, a revolta, o orgulho, o desânimo, a frustração, a incompreensão, a incompetência, a arrogância, o autoritarismo, a dor da perca, todos vivemos tudo isso e o mais que os nossos corações sentiram, por isso dizemos e afirmamos: «Estamos orgulhosos do teu livro, e consideramo-lo nosso» (2).

Curiosamente Mário, gostei de comandar o Pel Caç Nat 52, mas confesso que nunca o considerei como unidade militar importante.

Tu vieste dar uma nova dimensão ao 52, e a todos os 52 que existiram na Guiné (3), porque deles e com eles se fez a guerra, independentemente da justiça da mesma.

Este livro fará parte da minha vida, pois a verdade é que por tua causa, eu poderei dizer orgulhoso a quem ler este livro: Eu comandei o 52!!!

Desculpa se te roubo um pouco desse orgulho são, de quem cumpre uma missão de dar a conhecer aos outros, a vida dos seus pais, avós, maridos, tios,...

Não dispensamos uma apresentação formal do livro onde nós, os velhinhos, possamos estar e dizer que fomos 'feridos', fomos 'presos', fomos 'mortos', fomos 'esquecidos', mas ainda aqui estamos!!!

Parabéns, Mário, pela obra. Parabéns, Luís, porque pela tua ideia foi possível a obra.

Abraço a todos do
Joaquim Mexia Alves

P.S. - Gostei muito do que me chamou o Vitor Junqueira num mail que me enviou a seguir a Pombal: "Gigante com coração de passarinho"! Acreditem que há umas lágrimas que neste momento teimam em sair dos meus olhos!!!

2. Comentário do editor L.G.: Joaquim, prepara-me uma fado para a ocasião! Se for caso disso, eu arranjo-te a letra!

___________

Notas de L. G.:

(1) Vd. post de 25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1996: Nas Terras dos Soncó, um livro saído do nosso blogue, em próxima edição do Círculo de Leitores (Beja Santos / Luís Graça)

(2) Vd. post de 26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1998: Blogoterapia (28): No Diário do Mário Beja Santos, está lá tudo, estamos lá todos nós (Virgínio Briote)

(3) Vd. posts de:

30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1901: O Pel Caç Nat 52 que eu comandei em 1966 (Bolama, Enxalé, Porto Gole) (Henrique Matos)

28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P2002: Blogoterapia (29): O Mário escreve com a mesma teimosia, perseverança, paixão e coragem com que ia a Mato Cão (Luís Graça)

1. Mensagem do editor do blogue, já enviada por e-mail a toda a tertúlia:

Amigos & camaradas:

(i) Quis reservar o Post nº 2000 ao episódio nº 55 da Operação Macaréu à Vista (que devia ter saído na semana passada) (1)...

É uma pequena homenagem ao nosso camarada Beja Santos que, religiosamente, todas as semanas, de há um ano a esta parte, vai alimentando o nosso blogue com as suas memórias da Terra dos Soncó, o Cuor... Com a mesma teimosia, perserverança, paixão e coragem com que ia, quase todos os dias, a Mato Cão...


Nesta semana, soubémos, com regozijo, da notícia da publicação do seu livro Na Terra dos Soncó (título privisório), em Fevereiro ou Março de 2008, pelo Círculo de Leitores, contendo os episódios correspondentes ao 1º ano da sua comissão em Missirá (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca), à frente do Pel Caç Nat 52 (Missirá) e das milícias de Finete...

É claro que vamos fazer uma festa... Até já há sugestões: 3º encontro da tertúlia e almoço na Sociedade de Geografia (um sítio central e simbólico), em Lisboa, e depois, às 18h, lançamento do livro, com direito a.. um bom espumante português (que os temos até melhores que o champanhe farncês!)...

O Mário Beja Santos já tem três livros publicados no Círculo de Leitores, de temática relacionada com o consumo e os direitos dos consumidores...Espero com isso que ele nos abra a porta, do Círculo de Leitores, para outras iniciativas editoriais nossas... O Mário faz questão de fazer reverter uma parte dos direitos de autor para o funcionamento do nosso blogue e para apoio a iniciativas nossas na área da cooperação e ajuda com a Guiné (Não aceito que ele prescinda da totalidade dos direitos de autor!)...

Por outro lado, estamos prestes a atingir as 330 mil páginas visitadas, o que dá uma ideia do nosso pequeno sucesso em termos de procura (e de alguma influência)... Não são seguramente só camaradas a ler-nos, a visitar-nos...

(ii) A notícia menos boa é que vem aí o Agosto, as férias, o dolce far niente... O blogue irá ressentir-se um pouco... Na minha ausência, os co-editores, Carlos Vinhal e Virgínio Briote, tomarão conta de nós, com a dedicação e a competência com que o tem feito até agora... Eu próprio de vez em quando também vou lá espreitar e dar uma mãozinha...

O Carlos Vinhal acabou de fazer uma semaninha de férias no estrangeiro de fora, e vem todo cheio de genica... A ver vamos... O Briote ainda não me disse das suas disponibilidades em Agosto... De qualquer modo, a caixa de correio estará sempre aberta e é suficientemente grande para receber a vossa correspondência... Os mais tímidos e os mais preguiçosos que aproveitem o mês de Agosto para mandarem os seus escritos, as suas estórias, os seus apontamentos... grandes ou pequenos.

Todos temos o direito (e o dever) de participar no NOSSO blogue !!!....

Boas férias, seguras e saudáveis. Luís Graça

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2001: Todos ouviram falar do Morés, o mítico Morés, o Morés de todos nós (António Rodrigues / Luís Nabais/ Virgínio Briote)



Guiné > Regiãodo Oio > Picada Mansoa-Bissá > O famigerado 'Granadero'...

Foto de António Rodrigues (2007) (cortesia de Luís Nabais)


1. Mensagem do Luís Nabais, ex-Alf Mil, CCS/BCAÇ 2885, 1969/71(1):

Reenvio de uma mensagem de um camarada que era do meu Batalhão:

Será que conheces a história desta viatura? Chamaram-lhe o 'Granadero'. Está numa mata, que não me recordo ao certo, foram tantas. Também passei pelo Morés e não foi uma vez. Esta viatura pertencia a uma companhia, parece-me que de açorianos [, madeirenses, CCAÇ 1439,], que estiveram no Enxalé, Porto Gole e Bissá, de vez em quando iam jogar uns conta os outros. Então, na estrada de Mansoa para Bissá, sofreram uma emboscada, segundo parece com bastantes mortes, a aviação foi lá e com uma bomba queimou tudo.

Numa das operações que fiz qundo estive em Bissá, fomos dar com o 'Granadero', que parece que, depois do desastre, nunca mais ninguém se tinha aproximado dela, mesmo nós já tinhamos sido corrido várias vezes daquela zona.

Quando foi comunicado ao Spínola que tínhamos estado no 'Granadero', ele chamou-nos mentirosos, porque nunca ninguém se tinha aproximado do local. Voltámos lá e então arrancamos o tripé de uma metralhadora, salvo erro uma Breda ou MG3 [, uma Breda], assim como parte do limpa-vidros da viatura, que ainda estava cromado. Foi a única maneira do Spínola acreditar. Se quiseres perguntar no blogue se alguém conhece esta história, estás à vontade.

Um abraço,
Rodrigues

2. Comentário do co-editor vb:

A primeira referência que tenho de Morés, talvez em Abril ou Maio de 65, ouvi-a do Ten Coronel F. Cavaleiro, Comandante do BCAV  490, então com base em Farim. Ouvi-o dizer, numa manhã, que tinha havido um grande ronco, uma Companhia  do BART 733 (salvo erro, comandado pelo TenCor. Glória Alves), tinha dado com uma arrecadação de material na zona de Morés. E baixas nossas, alguém perguntou. Apenas uma, um alferes apanhou uns estilhaços de uma bailarina, nada de muito grave, parece.

Mais tarde, um ou dois meses depois, encontrei em Bissau, na 5ª rep (o Bento), o tal alferes. Tratava-se do Fernandes, não me consigo lembrar de mais nenhum nome. Contou-me o que se tinha passado e, displicente, ainda tirava, em plena esplanada, pequeninos bocados dos braços e das pernas. Só não tirava dos intestinos (tiraram-lhe um pedaço) e do pénis, que ele, púdico, não mostrava em público.

Depois, Morés passou a fazer parte do vocabulário. E Tambato, Cambajo, Namedão (na estrada Mansoa-Bissorã), Inchula, Iarom, Talicó. E, como tantos outros, pisei aqueles trilhos, uma duas, três vezes, sei lá quantas. Sem grande sorte, em termos de roncos operacionais, com grande felicidade, porque nunca tivemos azares. A mesma sorte não tiveram camaradas de outros grupos de Cmds.

O Soldado Florêncio Terêncio (na foto, à direita, com o 1º Cabo Tudela, em Set. 65 a receberem o crachá das mãos do Com. Militar), algarvio, do gr. Vampiros deixou lá uma perna e a vida. Antes de morrer ainda disse ao alf. Vilaça, comandante do grupo, que não se preocupasse, que uma semana depois voltava a estar operacional.

Mas quem conheceu bem Morés, naqueles anos, foi o Cor Rui Alexandrino Ferreira, o nosso Rui do "Rumo a Fulacunda", e desta obra vamos voltar a falar, mais lá para diante.

Morés, Morés, quem não ouviu falar, mesmo aqueles que por lá nunca passaram? Todas as companhias que estiveram no Oio, tiveram um ou mais pelotões que por lá entraram ou tentaram entrar.


Tal como um Vietname, muitos Vietnames, um Morés, muitos Morés. Do Vietname, a frase é do Che. Da Guiné, nunca ouvi, mas alguém o deve ter dito. E se ninguém disse esta frase, que interessa, foi no que a Guiné se foi transformando ao longo dos anos 63/74
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Nota de v.b.:

Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...

Guiné > c. 1968 > Bilhete postal > No verso lê-se: "Bilhete postal > Mandinga - Guiné Portuguesa > Agência-Geral do Ultramar - Lisboa" (Cortesia de Cristina Allen: faz parte de uma colecção de postais ilustrados da Guiné, enviados pelo seu então noivo e futuro marido, Mário Beja Santos). Podia muito bem ser o retrato de um Soncó, do Cuor... (LG)


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Bafatá > O Alf Mil Rodrigues e o Fur Mil Reis, da CCAÇ 12, posando descontraídos para a posteridade no jardim público de Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba. O Rodrigues, infelizmente já falecido, era o comandante do 4º Gr Comb da CCAÇ 12 que fez, com o Pel Caç Nat 52, a Op Gaúcho, e que é aqui referido neste episódio. É divertida a primeira ideia com que o Beja Santos ficou dos periquitos do 4º Gr Com da CCAÇ 12, e em particular das suas praças africanas, acabadinhos de chegar da instrução em Contuboel: Ora o que aconteceu foi que eu me arrepiei assim que chegou o sobredito 4º Gr Comb, eram crianças desaustinadas, talvez de 14, 15 ou 16 anos, zangavam-se por causa do transporte de munições, pegavam nas armas como enxadas, falavam ruidosamente e teriam uma noção muito opaca da disciplina. O que diria o ex-Alf Rodrigues desta apreciação crítica, pouco abonatória, sobre os seus homens, se ele hoje fosse vivo ? (LG).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviado a 28 de Junho último (e reenviado a 23 de Julho). Por lapso, não foi publicada na semana anterior, devendo por isso corresponder ao episódio nº 55 e não ao 56, já publicado (1). As nossas desculpas ao autor e aos nossos visitantes:

Caro Luís, aqui vai o episódio da semana. Ainda pensei em escrever-te amanhã o episódio da outra semana, já que estarei ausente em férias, mas tenho compromissos inadiáveis até sexta feira ao fim da tarde. Garanto que na semana que começa a 9 enviarei dois textos, muito provavelmente os dois que concluirão o primeiro volume. Mas não haverá pausas, entrarei logo no segundo. Não te posso dar nenhuma sugestão para ilustração, o ideal era mostrarmos o Enxalé, ou o Geba ou até Madina Xaquili. Eu sei que operarás um milagre. Quero felicitar-vos pelo sucesso que tem sido a chegada de novos confrades. Isto ainda não é nada, acho que chegou a altura de se repensar o funcionamento do blogue, é um meio cada vez mais afectivo, todos somos responsáveis pela sua emissão e não percebo porque é que vocês os dois têm que ser os mártires do sistema. Um abraço do Mário.


55º episódio da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Título e subtítulos: autor e editor.

De Enxalé a Bambadinca, de Madina Xaquili a Salá
por Beja Santos


Uma memorável viagem ao Enxalé só para 'partir mantenha'


Pelas 6 da manhã de 19 de Julho de 1969, perguntei ao contigente que ia a Mato de Cão se me queriam acompanhar ao Enxalé. Os nossos motoristas foram o Setúbal e o Manuel Guerreiro Jorge. Tal como eu esperava, houve urras e manifestações de alegria, logo uma adesão espontânea.

Desta vez muni-me de uma garrafa de tinto do Dão Porta de Cavaleiros e alguns víveres que para nós era um luxo: carnes enlatadas, postas de bacalhau da Noruega, latas de pêssego, algumas galinhas vivas. E em clima de festa, sempre a picar de Canturé a Gambaná, aproveitando um cordial dia de sol, chegámos ao planalto de Mato de Cão ainda não eram 11 da manhã.

Felizmente que o comboio de batelões foi pontual, havia gente atónita a ver duas viaturas de combate numa estrada que era sabido estar fechado ao tráfego, e logo que o último batelão se perdeu da nossa vista avançámos a picar até Saliquinhé, avistando as bolanhas esplendorosas e ao abandono à volta de Samba Silate.

A recordar este passeio com Queta Baldé, ele fez questão de referir as casas em ruínas dos ponteiros de Saliquinhé até S. Belchior, com os seus ancoradouros, eram casas assentes em pilares de cimento, com balaustradas onde se enrendilhavam tijolos, agora as portas estavam arrancadas, os telhados esventrados, os utensílios em ferro das destilarias votados à ferrugem.

A picagem acelerou-se e da curva de S. Belchior inflectimos para o Enxalé, aí actuando com muito cuidado, a picada muito arenosa e cheia de sombras dos frondosos paus de conta e bissilões, o capim altíssimo, a propor uma imprevisível emboscada.

Tal como na viagem anterior, a Enxalé civil e militar vem-nos receber, interrogativa, à porta de armas. Escrevi para Lisboa no dia seguinte e referi o nome do alferes Taveira que nos acolheu de braços abertos e mais à vontade ficou quando lhe disse que vínhamos só "partir mantenha".

Como o mundo é pequeno, parentes de Braima Mané, de Abudu Cassamá, paizinhos, irmãozinhos e tiozinhos de soldados mandingas e fulas acorreram a saudar gente de Missirá com água fresca e papaia. O camarada Taveira falou vezes sem conta em solidão, isolamento, dificuldades tremendas para aquele pelotão defender a população com segurança. Respondi-lhe na mesma moeda, olhei para o sol por altura das 3 da tarde, pedi-lhe compreensão para os 25 km que iríamos percorrer a picar até Missirá e fizemos meia volta.

A seguir a S. Belchior ouvimos o troar de morteiros, a gente de Madina dava-nos a saber que não gostavam de ouvir viaturas naquela estrada onde carcaças de vários Unimogs e pneus estrilhaçados lembravam aos incautos que aquela terra estava interdita às nossas tropas.

Quando passámos por Gambaná, seriam 5 da tarde, ouvimos uma tempestade de fogo de reconhecimento, morteiros e rockets anunciavam o descontentamento. E ao findar da luz do dia entrámos em Missirá com o mesmo ar de festa com que partíramos.

Vale a pena aqui referir que na conversa havida com o camarada Taveira ele concordara na lógica de juntar o Enxalé ao Cuor, e daqui proteger melhor a navegação de Mato de Cão e até mais abaixo junto ao Xime. Mal houvesse oportunidade, tentaria sensibilizar os comandos para uma evidência que se perdera na criação do extenso e absurdo Sector L1, onde poucos se identificavam com o mesmo inimigo, com excepção óbvia de Xime/Mansambo.

Acima de tudo, guardava desta viagem os lindos panoramas do Geba, as intermináveis bolanhas que vão dos Nhabijões até Ponta Varela, um alucinante silêncio só cortado pelo pio das aves. Nessa noite, houve muita narrativa oral, Missirá estava a ser informada do que se passava no Enxalé, os militares-correio transmitiam lembranças, saudades, estados de saúde, esperanças e desesperanças.


A força de um tornado e uma conversa com o novo Comandante de Bambadinca


A 21 de Julho [de 1969], uma coluna de Finete informou-nos que o soldado milícia Sadjo Candé tinha falecido em Bambadinca e que antes de morrer pedira para ser acompanhado por nós até à sua última morada. Sabíamos que ele estava a sofrer de uma virose, pensávamos que era uma malária, foi uma surpresa para todos nós. Pedi a Bacari Soncó que levasse o corpo para a Capela de Bambadinca, pedisse ajuda do Cabo Costa, da CCS, que o vestissem com a sua farda, ao amanhecer metade de Missirá e de Finete iriam levá-lo a Madina Xaquili.

Assim foi. Saímos de madrugada, não havia meio de amanhecer, surgiu depois uma nesga de luz, era um fenómeno estranho, parecia que a abóbada celeste se transformara numa câmara escura. A manhã luminosa a que nos habituáramos com o fim da época das chuvas dava assim lugar a lusco-fusco, uma ventania que punha as copas das árvores a sibilar baixinho. Em Canturé, já passava das 7 horas, a ventania anunciava tempestade. E à entrada da rampa de Finete desabaram dois relâmpagos tão fulgurantes que enquanto a terra tremia o lusco-fusco criou a ilusão de uma câmara clara, um dia de tons eléctricos, um dia feito no estúdio de cinema. E depois voltou a semi-escuridão.

O burrinho dançava na picada, em direcção ao Geba, com o Setúbal a remoer palavrões com aquele tempo danado. É quando grito por Mufali Iafai, o nosso canoeiro, que o tornado se anunciou. Com ronco, ergueu-se um redemoinho sobre o cais de Bambadinca e saltaram as primeiras chapas dos telhados. Do céu escuro estalavam mais relâmpagos, víamos os animais a fugir, e depois as árvores, as de grande, médio e pequeno porte a querer saltar, a desprender-se pelas raízes. Os militares no cais gritavam a pedir a clemência de Deus ou, desorientados, fugiam para dentro dos armazéns. Os civis fugiam das árvores, certamente com medo dos raios. Do lado de cá do Geba, Bambadinca estava espectral: formavam-se e desapareciam os redemoinhos, as águas saltavam o cais, os arbustos voavam, as crianças fugiam, os adultos procuravam dar-lhes protecção.

Estávamos a ser recebidos por um desses tornados que tornam o dia, noite, que destroem casas, revolvem as florestas, despedaçam os bissilões, os poilões, o pau de cabaceira e o pau de mandjamdjan. E de repente, tudo se aquietou, como se a natureza tivesse cansada daquele grande grito de revolta, dos soluços e das imprecações dos sofredores. O temível espectáculo acabara, caminhámos para a Capela de Bambadinca. O morto não estava fardado, não foi fácil amortalhá-lo com o corpo em rigor mortis. Fardado e aprumado, fechámos a urna, revestimo-la com a bandeira, subimo-la para um Unimog 404. E fez-se a viagem para Madina Xaquili, não sem que antes o Comandante me dissesse que queria falar comigo antes de eu regressar a Missirá.


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do Edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971 (1). A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, nem menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... (LG)

Foto: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


Em Madina Xaquili [, a nordeste de Duas Fontes, vd. carta de Cansissé, ] entregámos com honras militares a urna à família, seguiu-se a cerimónia religiosa, regressámos emocionados. Era assim a dura guerra. Não sabíamos que dentro de dias, e por três vezes ainda nesse mês de Julho, esta tabanca iria ser duramente flagelada (4).

O novo Comandante, [do BCAÇ 2852, tenente-coronel Pamplona Corte Real,] pedia-me alguns comentários ao memorando que eu lhe enviara sobre o primeiro ano em Missirá. O que eu pensava da evolução do Cuor? Eu não tinha ilusões de que mesmo que tivesse mais disponibilidade para patrulhamentos ofensivos, o inimigo estava instalado no outro lado do rio Passa e do rio Gambiel, policiava os trabalhos da população civil, eu podia lá ir e atemorizá-los mas nada mais. No rio Gambiel, em 5Km a linha recta de Missirá, corria sempre o risco de ser recebido à morteirada, como acontecera em Janeiro. Os de Madina não atacavam Mato de Cão pela simples razão de que lá íamos diariamente, e sempre por itinerários diferentes, nos horários mais estrambólicos.

Acrescia que tínhamos indícios seguros que mesmo com patrulhamentos regulares as colunas de abastecimento aos Nhabijões, a Mero e a Santa Helena não só persistiam como se acentuavam. Sem actuar nos Nhabijões e na região de Fá, era tudo um jogo do gato e do rato, com algumas mortes de premeio. Voltei a insistir na questão do Enxalé, chamando a atenção para o redobrados ataques em Ponta Varela que podiam ser melhor dissuadidos na estrada entre Mato de Cão e Enxalé. Pensava que era indispensável rever-se todo o contigente do Enxalé a Finete e daqui para Missirá.

Relembrei que havia muita gente de Canturé a viver em Galomaro que aceitava voltar mas que o Comandante de Bafatá não considerava prioritário a criação desta tabanca em autodefesa.
- É assim, meu Comandante, estamos ali para aguentar, para que o rio Geba seja navegável até Bambadinca, para que o inimigo não se assenhoreie de toda a outra margem do Geba, é um aguentar sem população civil e com baixo nível de resposta. Aqui tem a verdade.

O Comandante Corte Real agradeceu, voltei para Missirá. À despedida, gentilmente, e como eu já me habituara a um ano de Guiné, ouvi a proverbial frase "Vou ver o que é possível fazer".


A Operação Gaúcho, com os putos do 4º Gr Comb da CCAÇ 12

Há sempre uma larga distância entre o que se escreve e o que se passou no terreno. O que se escreveu na história da CCAÇ 12 foi o seguinte:

A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 um patrulha de nomadização na região de Sancorlã/Salá até à margem esquerda do rio Passa (limite a partir do qual começa a zona de intervenção do comandante-chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandim por onde o inimigo fazia o seu reabastecimento de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas.

Ora o que aconteceu foi que eu me arrepiei assim que chegou o sobredito 4º Gr Comb, eram crianças desaustinadas, talvez de 14, 15 ou 16 anos, zangavam-se por causa do transporte de munições, pegavam nas armas como enxadas, falavam ruidosamente e teriam uma noção muito opaca da disciplina. Pela primeira e última vez em 25 meses completos de comissão reinventei o programa da operação. De Missirá seguimos para Sancorlã, tudo na mesma, ninguém esperava novidades, a não ser a possibilidade de, em 15 de Julho passado, o inimigo ter vindo de Quebá Jilã até Sancorlã.

Havia capim alto, o mato tomara conta da velha picada, nenhum indício de presença humana. O dia estava festivo e começou um momento glorioso deste patrulhamento. É uma floresta-galeria que vai de Sancorlã até Salá, um cheiro a trópicos, o grasnar dos pássaros surpreendidos pelo avanço da coluna, as gazelas e os javalis em fuga quando os nossos passos desvendam a terra virgem.

O que guardo nos meus olhos são os raios de sol a infiltrar-se na floresta, ouvem-se tiros espaçados seguramente de caçadores furtivos para lá do rio Passa. O Sol cai a prumo, escaldante, inebriante, quando chegamos ao rio. Aqui Queta comenta:
- Nosso alfero não acreditava no que dizia Queba Soncó, o rio é mesmo fundo, quem não sabe nadar desaparece. Tinha aqui acontecido uma desgraça, em 1963, logo no início da luta armada, gente de Badora, Ganadu e Joladu viera com o régulo do Cuor tentar apanhar a gente do PAIGC que se refugiara em Sarauol. Não conseguiram passar, houve gente que morreu. Nosso alferes despiu a farda, nadou e confirmou, o rio estava cheio de água. Levávamos o morteiro 81, dispararam-se duas granadas em direcção a Mansoná. E descemos para o rio de Quebá Jilã. Não havia trilhos, não havia culturas, chegámos a Cossarandim e aqui descansámos.

E foi aqui que tomei uma decisão de não avançar sobre Quebá Jilã onde seria provável haver uma confrontação com uma patrulha que policiasse os cultivadores desta enorme bolanha entre Quebá Jilã e o rio Passa. Metemos a corta-mato e avançamos para o coração do Cuor, como se descêssemos para Sinchã Corubal. Os jovens mostravam cansaço, o dia caminhava para o seu termo, não havia vestígios de trilhos, Quebá, à sorrelfa, atraía-me para Mato de Cão. E foi entre Mato de Cão e Chicri que pernoitámos.

Por ironia, não havia nessa manhã embarcações para vigiar. Subimos então de Chicri sempre à volta do rio de Biassa, aqui encontrámos os sinais da passagem da gente de Madina que viera flagelar-nos a 15 de Junho: ligaduras, cartuchos, invólucros de RPG2. Ao princípio da tarde chegámos a Missirá, o alferes Rodrigues e os seus homens insistiram em partir prontamente para Finete. O Teixeira, com o seu ar sempre comprometido, trazia uma mensagem com a hora da nossa próxima presença em Mato de Cão... Amaldiçoei não dispor de um rádio para evitar mais 12,5 Km em escassas horas.


Uma semana dedicada ao papa João XXIII... e ao policial


Com o processo de Abudu Cassamá e sua mãe Fatumana a acelerar, com a vinda do David Payne a Missirá (ainda o vejo a caminhar entre os destroços da casa de Quebá, cuja mulher se sinistrara em 15 de Julho) escrevi pouco e mal. Estou consciente do desgaste físico, aguardo a qualquer momento a chegada de resposta ao meu recurso, recordo que do SNI (o órgão de propaganda do regime) recebi uma carta a dizer que vai chegar uma pequena biblioteca dedicada aos grandes cultos da História de Portugal.

Capa do livro Papa João XXIII, de Erneto Balducci Lisboa: Portgália Editora, 1969 (Colecção Documentos Humanos, 24)(tr. do italino, Papa Giovanni, 1964).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


A minha mãe mandou-me A Torre de Barbela , do Ruben A. e o Carlos Sampaio O imoralista, de André Gide. Não sei por anda a minha fé, mas leio com alegria o Papa João XXIII, de Ernesto Balducci, um dos livros que vieram na lembrança do meu padrinho. Este é o papa que mudou o meu pensamento sobre a sinceridade, a serenidade, a espontaneidade. Balducci organizou com tacto e afecto extractos do diário do Papa, procurando extrair ensinamentos desse homem simples, "O bom Papa João", como ele visionou o concílio Vaticano II, como ele sonhou o diálogo universal, a reinterpretação dos evangelhos, a aceitação da modernidade e se investiu de alma e coração na Paz na Terra aos homens de boa vontade.

Leio devagar, regresso amanhã ao lido anteontem, tiro notas, rezo enquanto leio. Estão ali frases que me mudaram a oração. Por exemplo, continuo hoje a dizer antes de adormecer: "Aguardo com simplicidade e alegria a chegada da irmã morte e recebê-la-ei seja qual for o momento em que aprouver ao Senhor enviar-ma". O seu sorriso ilumina-me a existência , quando ele escrevia "queridos irmãos" e dizia que se dirigia a todos sem excepção, eu penso nos povos de Missirá e Finete, no optimismo que instalaram na minha vida, a despeito de todas estas contrariedades, escassez de recursos, promessas que ninguém cumpre, a minha exaustão física que já não sei controlar.

E, claro está, leio policiais, tudo quanto me cai à mão e serena o espírito. Ofício de Matar de Frank Gruber é uma grande diversão e tem uma grande capa de Lima de Freitas. Desta vez a dupla Johnny Fletcher e Sam Cragg estão sem um tostão em Chicago e vão trabalhar num fábrica de coiros onde se dá um assassínio. Claro que os miolos deslumbrantes de Fletcher irão resolver tudo num final feliz, depois dele ter conseguido vender contrafortes a um cliente que até agora recusara negócios com a firma Towner. Mal sabia eu que essas páginas hilariantes iriam, muitos anos mais tarde, ser comentadas por meus alunos.


Capa do romance policial Ofício de Matar, de Frank Gruber. Lisboa: livros do Brasil, s/d. (Colecção Vamprio, 159). Capa de Lima de Freitas.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados

Li também Knock-out de Sapper, pseudónimo de Herman Cyril McNeile, um escritor britânico muito popular nos anos 20 e 30 que se consagrou em policiais de acção à volta do detective Ronald Standish, exímio jogador de criquete e golfe. Desta feita, Standish recebe um telefonema alarmante, o seu interlocutor grita, ele vai lá a casa e ele está morto com um olho brutalmente desfiado. É tudo pura acção, viagens trepidantes até se conseguir matar o horrível Demonico, um chefe de quadrilha que recorre ao terrorismo para angariar fortunas. Mas sente-se que os escritos de Sapper estão ultrapassados, estão hoje nos umbrais da literatura moderna, serão clássicos de estudo e nada mais. A literatura que triunfa tem a ver com problemas, desvendar soluções incríveis à volta de montagens perfeitamente tenebrosas ou engenhosas. Esta literatura do policial problema vai ajudar-me imenso em todo o ano que vem por aí.

Agosto está à porta. O [Fur Mil] Casanova voltou, mas sinto que sofre imenso. Ele vai ficar aqui com o [ Fur Mil] Pires, vou cumprir os meus deveres em Finete. É aqui que vai acontecer em 3 de Agosto uma história que me abalará da cabeça aos pés. Mas tenho que a contar com todo o sofrimento disponível (1). E até o indisponível.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!

(2) Vd. posts:


6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé

13 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa


(3) Vd. post de 15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1595: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (3): minas, tornados, emboscadas, flagelações e acção... psicossocial

(4) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).

"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.

"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.


Sori Jau, a primeira vítima em combate


"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].

"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.

"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.

"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).