quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2560: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (10) - Parte IX: A prisioneira é violada...

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Fotos: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
Autor: Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112

Advertência: Trata-se de uma obra de ficção, embora inspirada em factos reais, em especial na actuação da CCAÇ 726 que esteve em Cufar, no sul da Guiné, nos anos de 1965 e 1966.

Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726, Cufar, 1965/66). Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.

Parte IX > A Professora é violada pelo Furriel Gonçaves na véspera de este ser morto em combate (pp. 80-94)


(i) Cenas picarescas de Cufar



Os militares retiraram-se, e Pami ficou analisando os problemas da guerra, até lhe aparecer Meta, perguntando-lhe se teria visto por ali o soldado nativo Mamadu Baldé. Deu informação negativa, e a rapariga desapareceu, procurando problemas com o seu velho marido, concerteza. Sorriu, ao recordar duas cenas que Míriam lhe tinha contado: Uma tinha sido Rafael a saltar sobre o velho marido de Meta, para lhe retirar a G3 com que ele queria matar o soldado Baldé, e a outra que a mesma lhe relatou, da noite em que a Mariana, bajuda Fula, sem um olho, se foi meter na cama do alferes Telmo, para este lhe tirar o cabaço, e que pelo mesmo, foi corrida de sua cama com um pau.

Gente tonta, estas três Fulas. Ao anoitecer, quando Indrissa lhe trouxe a refeição - milícia Fula encarregado deste fim-, apareceu a lavadeira que informou estar muito triste porque ninguém lhe dizia nada do furriel, e que tinha de o levar no Homem Grande, para bala não entrar no corpo dele.

Pami confirmou que Míriam nada sabia sobre a vinda do mesmo. Mas deu-lhe uma esperança, fundamentada na conversa que ouvira entre o capitão e o médico.
-Meu cabeça diz que ele chega manhã!
- Verdade Sanhá?
- É, eu acredita!
- Se furiel bem, Mim faz festa, e mata galinha para ele! E tu, Sanhá? Ajuda nesse trabalho? Se tu fala verdade, a mim pede a furiel, para falar com capitão, para tu ires no teu tabanca.

Apercebeu-se a prisioneira , com esta conversa, de que Míriam lhe poderia ser bastante útil. Teria de fazer trabalho específico, para continuar a captar e consolidar a sua simpatia e amizade.



(ii) Pami passa informações sobre Cufar e os Lassas a um nova prisioneira, sua conhecida



No dia seguinte, Pami teve de repartir a sua palhota prisão, com mais quatro companheiras. Tinham vindo de Cabolol a Mato Farroba a um Choro, e os Lassas, sempre em cima do acontecimento, convidaram-nas para voluntariamente (obrigadas...) a uma sessão de perguntas e respostas no aquartelamento. Tudo o que se passava a Sul de Cufar até ao Cumbijã, estava controlado.

Neste grupo, vinha uma velha conhecida, da família de Pami, que ficou bastante surpreendida pela permanência da professora neste local. Mesmo com guarda da milícia, as duas mulheres conseguiram transmitir entre elas. Depois de dois dias de inquirições. Utilizando as regras de trabalho psicológico sobre a população, foram as mulheres mandadas embora. A professora não dormiu, conseguiu transmitir um bom rol de informações, sobre os Lassas e a sua vida fora e dentro do Aquartelamento, à mulher conhecida.

Na tarde da chegada das mulheres, a avioneta que trouxe o correio, deixou uma bela encomenda. Nada menos nada mais, que Rafael, o furriel tão desagradável mas tão esperado por Míriam. Pami viu-o entrar no Comando, e quase não o reconheceu. Muito magro, pálido e sem barbas, parecia antes adolescente chegando da Metrópole. A lavadeira, desapareceu durante dois dias.



(iii) Excitação de Miriam ao saber do regresso de Rafael



Só depois das mulheres de Cabolol se terem ido embora, a vida de Pami voltou à rotina. Apareceu-lhe Míriam, toda bem vestida e arranjada com uma alegria esfuziante, de miúda adolescente. A prisioneira, provocou a lavadeira do furriel, de forma que esta se sentisse lisonjeadae confiante nela. A lavadeira ficou embaraçada, e pediu desculpa à prisioneira, mas tinha muito que fazer, pois o furriel tinha trazido muita roupa para lavar, e vinha muito fraquinho.
- Mas naquele conversa giro?
- Vinha forte demais!

Pami tentou saber mais sobre Rafael, mas Miriam, não adiantou muito, prometendo só: Falar na questão da liberdade da prisioneira, e um dia que ele fosse no mato, ela a levaria novamente ao quarto dele, para ver fotografias.

A vida dentro do arame farpado continuava na mesma. Pami fazia praticamente já parte da comunidade Fula. Ajudava Míriam na preparação da roupa, e até chegou a cozinhar galinha, para o furriel Rafael. Ia ouvindo as conversas dos militares. Nestas conferências, após a sua chegada, Rafael também foi activo, mas falava de assuntos que Pami não sabia, ou não tinha conhecimento. Falava dos heróis do papel, que em Bissau – muito bem informados - contavam todas as aventuras por terras da Guiné sem terem ouvido, e nem saberem o que era um tiro.

Mas, entre das muitas outras intervenções que tivera, falara da primeira depuração dentro do PAIGC e que ele intitulou de “saneamento étnico Balanta”, efectuado em 1964. Isto deixou a prisioneira bastante preocupada, principalmente pelo desconhecimento total sobre o assunto. Falou também dos bailes na casa da cabo-verdiana loira e ainda da professora que andava no descapotável, e da bronca da Rádio Bissau. Difícil para chegar lá. Estava atenta às operações que se desenrolavam no Sul da Guiné, pois Cufar, derivado da sua bela pista, começou a ser o centro de comando de operações dos colonialistas, em todo o Sul. Viu marinheiros, fuzileiros, muito pessoal da aviação, e ainda mulheres enfermeiras, pára-quedistas conforme lhe confirmaram.

Cufar tinha um movimento extraordinário. Vinham companhias novas aprender com os Lassas, a quem estes davam instrução operacional no terreno.

Pami embora continuasse mentalmente a registar tudo, já se encontrava saturada, e começou a arquitectar uma maneira de se evadir, embora fosse bastante difícil. Estava numa tarde quente de Fevereiro [de 1966], a conjecturar a forma da evasão, quando lhe apareceu Míriam com um balaio de roupa, e lhe atirou:
- Tu quer ver casa de furiel outra vez?
-Sim, quero! - respondeu, sentindo dentro de si uma curiosidade inquietação anormal, realidade até ali não sentida.
- Gosse! A nós bai! Pessoal foi fazer segurança, a barco que passa na rio, e furiel já tá bom pa ir no mato, diz dotor.

(iv) Pami lê uma carta da mãe do Furriel Rafael...e lembra-se da sua, com saudade



Pami ergueu-se rapidamente, e com Miriam dirigiram-se para o quarto de adobos, dos furriéis, Taveira, Gama e Rafael. A messe de sargentos estava vazia, apenas o soldado Lopes, limpava o Bar. Quando viu entrar Miriam com a prisioneira, o soldado gritou gaguejando:
- É Mi...mi...ri...am! Que...Que...! meeerda éé... esta? Aa até aa...pri...prisioneira entra aqui? Vou... vou... fa... fa ... lar com furriel.
- Chi minino Lópi bó hoje tá mau! Furiel cá importa!

Foram entrando, mas Pami agora tremia toda, com medo das consequências. Míriam sossegou-a, e já no quarto, disse para a prisioneira:
- Gora vê torgafia e pode senta aí no cama de furiel eu arranja roupa primero!

Pami viu uma série de fotografias novas, e pegou numa carta, que estava fora do subscrito, e começou a ler, enquanto a lavadeira apenas tinha atenção para o esmero com que arrumava a roupa do furriel. Pami continuou.

........../Janeiro de 1966.

"Querido filho,

Faço votos que te encontres bem, e que nada de mau te tenha acontecido. Por favor, é esta a terceira carta que te escrevemos, sem termos qualquer contacto teu. Conta-nos tudo o que se está a passar para os nossos corações ficarem descansados. Graças a Deus, julgamos que o pior não terá acontecido, quando não já tínhamos tido alguma má noticia. Mas por favor escreve-nos, pois a última notícia que temos sobre ti, foi pelo Jorge, que escreveu às tias, e disse, que te tinha encontrado em Bissau, mas não disse mais nada. Ele foi para o Norte comandar uma companhia.

Filho, por favor escreve, o teu pai anda muito preocupado, e quase sempre calado. Pouco fala, e quando o faz, é só para dizer: "Se aquilo for como eu vi em Badajoz (2), é uma coisa muito triste; A guerra é a pior coisa que o homem inventou." Por vezes dá a impressão de querer dizer mais qualquer coisa, mas volta logo com os avisos, para termos cuidado com o que escrevemos, não te abram as cartas e sejas prejudicado.

O avô velhote, cá vai andando, é claro já são noventa anos. Mas todas as noites ao deitar, se lembra de todos, e reza sempre à Senhora da Conceição por ti, e acaba sempre as orações, perguntando: Por onde andará aquela alminha, o meu doce companheiro?

Tive notícias das tuas irmãs. Vão passando bem e teus cunhados também. O teu afilhado Pedrinho é que está um pouco constipado.

Este ano o Natal foi muito triste com a tua falta.

Filho, mais uma vez te peço, escreve sem demora, descansa os nossos corações. Não é preciso muito, basta o que escreves sempre, "Por aqui tudo bem”.

Termino, pedindo ao Senhor da Piedade e a Nossa Senhora da Conceição, que te protejam, e que te tragam são e salvo.

Muitos, beijos do teu pai, do avô velhote e da tua madrinha Inha. Desta tua mãe, recebe muitos beijinhos e um grande e saudoso abraço. Escreve!

Maria das Candeias "


A confusão entrou na cabeça de Pami de tal forma, que ficou estática, petrificada com a carta na mão, olhando o vazio.

Na sua azáfama, a lavadeira não dava por nada. Terminando, olhou para Pami, e viu-a como estátua com a carta na mão, e ralhou:
- Sanhá, qué qui bó faz? Vê só torgafia! Cá tira papel! Se furiel sabe, ele mata a mim!

Acordou! Colocou a carta de onde a tinha retirado, e levantou-se da cama onde se sentara. Prontamente Míriam ajeitou a cama do furriel. Regressaram, a lavadeira numa tagarelice infernal sobre o furriel, não sonhando sequer que a prisioneira tinha tido acesso à vida íntima de Rafael.

Pami em silêncio, entrou na sua casa prisão, e estendeu-se sobre a esteira que agora lhe servia de leito. Regrediu. Sua falecida mãe veio-lhe à mente, e vagueou em sonhos íntimos maternais. O guerrilheiro Pan Na Ufna, seu pai, apareceu-lhe de camuflado, arma aperrada, em lendária imagem de anjos e diabos guerreando. O padre Francelino, apareceu-lhe em imagem venerando, a transmitir-lhe uma mensagem:
-Acabaram-se os valores e a família Pami! O Homem está-se destruindo a ele próprio!

Mais uma vez a sua sensibilidade, fez-lhe sentir nos lábios o sabor a mar solto em pérolas de seus olhos. Pami teve pena da mãe do furriel Rafael. Mas... dele? Não!... não teria! Ele estava ali e fazia a guerra! Ele era dos que tinham queimado o seu dicionário, relicário do padre Francelino! Ele estava destruindo-se a ele próprio. O vento soprou, Pami estremeceu e sentiu um arrepio de frio. Seria que ele estava ali de vontade? Ou pertenceria também aos milhares de voluntários à força, que faziam a guerra, mas dela não eram senhores mandantes? Novamente a fragilidade voltou à sua cabeça. Deu pela chegada dos militares que tinham saído. Apesar da insistência de Meta, não quis jantar. A noite foi de sonhos pesadelos.

Passaram os dias, e a professora ia-se distraindo, com o movimento dos militares. Deixou de se aproximar da escola, porque isso a deprimia. E as conversas com Meta e Miriam foram alargadas a outro pessoal nativo, familiares dos milícias.

Tinha chegado um elemento novo ao aquartelamento. Um capitão gordinho, de óculos com ar assustado, tinha vindo para substituir o Leão - conforme conversa ouvida aos militares nas escutas da varanda- que iria para Bissau para outra missão. Naquele dia vinte e quatro de Fevereiro [de 1966], todos os alferes e sargentos foram chamados ao Comando. Como habitualmente saíram todos em silêncio. Pami junto de Meta, observara tudo, mas nada dissera. Os Lassas, mais uma vez, iriam sair. Já ao fim da tarde, Míriam veio da messe de sargentos e sentou-se junto de Pami e começou a chorar, desabafando:
-Eu não pode dizer a ti. Mas furriel não quer cume, está a beber aquele bebida visque. Tu não fala nada desse cumbersa! Mas ele vai na mato! Certeza!



(v) O Furriel Gonçalo força Pami a ter relações sexuais no seu quarto, na véspera de sair para o mato



Estava Míriam neste desabafo, quando vindo do lado da messe, apareceu o furriel Gonçalo. Passou na direcção do seu abrigo, e nada disse. Dez metros à frente, voltou atrás, e falou para Míriam:
- É, Míriam, diz a essa gaja aí - referindo-se à prisioneira- se ela quer partir catota?
- Chi furiel! Furiel quer mesmo?
- Sim! Ela que venha comigo para fazer conversa giro.

Pami estremeceu, e ficou em pânico. Que fazer? Começou a pensar numa forma de fugir a esta situação. Mas Míriam atacou traduzindo:
- Manga de ronco. Jube, furiel Gonçalo quer leva tu no cama dele.

Pami fez negação com a cabeça, mas Míriam voltou ao ataque:
- Tu tem d'ir! Com soldado não que tu és pisoneira, mas furiel manda!

Agora sentiu-se novamente prisioneira, e incapaz de resistir a quem manda. Informou Míriam para dizer ao furriel que tinha medo. A ideia que tinha tido nos interrogatórios, deitava por terra, toda a defesa possível no momento. Num último rasgo de inteligência, ainda pediu a Míriam para informar o furriel de que poderia ter doença. O furriel não ligou muito às desculpas, e começando a dirigir-se para o seu abrigo, disse:
- Traz esse saco de carvão ao meu abrigo!

Míriam tentou dar coragem a Pami, mas esta - embora o adultério, não fosse coisa significativa, entre a raça balanta - sentiu-se completamente destroçada. Um branco, e ainda por cima militar. Pami relembrou Malan Cassamá, e começou a doer-lhe muito o acto a que obrigatoriamente teria de se submeter. Míriam levantou-se e puxou pela prisioneira, dizendo:
- Cum soldado não! Mas cum furiel é coisa boa para tu! A mim toda gente tem inveja quando a mim vai pra cama de furiel Rafael.

Pami levantou-se, tremendo, sem forças nas pernas, foi andando e seguindo a jovem fula em direcção ao abrigo do furriel. Ao chegarem à porta do abrigo, Míriam moralizou a prisioneira:
- Entra, a mim fica aqui no porta! Bó cá tem medo! Furiel Gonçalo é bom home!

Entrou, e num relance verificou o abrigo todo. Era um abrigo em redondo, com vigias em toda a volta. Virada para a mata de Cufar Nalu, encontrava-se uma metralhadora pesada. O abrigo tinha três camas, duas em beliche por cima uma da outra, e a um canto mais espaçoso, estava uma cama com mosquiteiro. Junto, uma caixa de madeira, fazia de mesa. Sobre ela, estavam duas fotografias, uma de uma jovem a outra de mulher de meia-idade. O furriel, começou a despir-se e por gestos indicou à prisioneira para fazer o mesmo. Pami ficou parada. O militar puxou o mosquiteiro para cima, virou as fotografias para a parede do abrigo, e continuou despindo-se, até ficar completamente nu.

Pami, em plena confusão verificou que o corpo do furriel era todo coberto de pêlos negros, e pensou? Se aquilo seria homem ou macaco? A medo começou aos poucos a tirar os panos que lhe cobriam o corpo. O militar - macho faminto esperando pela fêmea - já se encontrava estirado sobre a cama. Após retirar o último pano, completamente inerte qual estatueta de pau-ferro. Assim ficou desnudada frente ao militar. Os pêlos curtos, negros e encaracolados da sua púbis, ficaram à vista. Pami inconscientemente olhou para o sexo do furriel, e ficou pasmada. Completamente erecto, seria metade do de Malan.

Impaciente, o furriel puxou a prisioneiram para a cama, pegando-lhe no braço sem mão. Sentiu um pouco de resistência, e forçou mais. Pami verificou que já não tinha hipótese nenhuma, e deixou-se cair na cama. O furriel virou-se, e ficou com o corpo sobre o dela. A mulher fechou os olhos, e tentou num último esforço muscular da vulva, tentar dificultar a penetração do membro, que embora de tamanho inferior ao de Malan como confirmara, apresentava muito mais rigidez.

Mas o furriel não forçou, começou por afagar os seus pequenos seios. Sentiu a mão do homem deslizar suavemente pelo seu corpo e começar a afagar a sua púbis, e depois os lábios da vulva, até começar a titilar o clitóris. Quase inconsciente, o esforço mental que fazia, aos poucos foi-se esvanecendo. O furriel começou a sentir um relaxamento muscular da prisioneira, e um leve humedecimento vaginal. Pôs-se de joelhos, abriu suavemente as pernas da prisioneira, afastou-lhe os grandes lábios, e lentamente começou a introduzir-lhe o pénis na vagina. A resistência de Pami esvaiu-se, e começou a sentir o vaivém dentro do seu corpo em suave deslize.

Passados poucos segundos, ouviu um ronco cavo sair da garganta do furriel, e sentiu o alagar das suas entranhas, por quente líquido. O macho tinha efectuado o orgasmo. Os dois corpos ficaram imóveis por momentos. O furriel levantou-se, vestiu-se rapidamente e saiu do abrigo. Míriam entrou, Pami vestia-se e pela sua cara rolavam lágrimas indefinidas, resultantes deste estádio deplorável de situações a que leva a guerra.


(vi) Gonçalo é morto em combate

As duas mulheres caminharam junto, em silêncio, rumo à improvisada prisão, morança de Pami. Amadu, impedido dos furriéis, procurava a lavadeira, e em tom mandante ordenou:
-Gosse! Gosse! Furiel quer roupa camurfada, ele vai na mato.

Míriam correu para casa, e pegou na roupa para o furriel. Passado que foi um pedaço, regressou e foi estar com a prisioneira. Sorridente, passando a mão pela barriga, exclamou:
-Um dia filho, fica aqui mesmo! Furriel não queria só roupa, ele queria fazer conversa giro.

Pami ouviu e a sua mente - confusa- começou a raciocinar, do porquê desta necessidade sexual se revelar tão activa, nestes homens, antes de fazerem a guerra. Havia qualquer coisa estranha... psíquica mesmo, ultrapassando a necessidade física do macho. Seria que atenuaria a excitação, e poderiam utilizar a mente mais racionalmente? Caso estranho este! Mas verídico. Até Malan, um dia lhe confessara sentir uma necessidade intensa de sexo, quando sabia antecipadamente que iria entrar em contacto com o inimigo. Míriam, apressada, saiu novamente, sem dizer mais nada, - reflexo do almejado filho - apenas o sorriso e o brilho nos olhos continuavam.

A seguir ao jantar, como habitualmente, nas noites de saídas, o aquartelamento tomou um movimento esquisito, mas silencioso. Os militares preparavam-se para a guerra. Para Pami confirmar, bastou esperar um pouco e verificar aos poucos os militares concentrarem-se em frente do comando. Uns passos pesados, e o bater de um capacete na coronha de uma espingarda, deram-lhe um arrepio. Era ele, de certeza! Olhou na direcção da audição efectuada, e viu a silhueta pesada do furriel Gonçalo. Sentiu o incómodo do pano ainda húmido, - que tinha colocado entre as pernas-, do esperma do militar. Sentiu dor, revolta, mas... já tinha dúvidas de quem seria a culpa de toda esta situação. Concentrou-se na movimentação dos soldados e esqueceu por momentos a violação.

Os militares como habitualmente em silêncio, saíram pela porta de armas. Para onde iriam? A professora prisioneira foi escorregando até ficar deitada sobre a esteira, na sua cela sem grades. O pensamento voou e percorreu terras do Sul da Guiné. Adormeceu.

Ainda o sol não rompia, foi acordada por correrias e falas em voz alta dos militares, que tinham ficado no Aquartelamento e que se dirigiam rapidamente na direcção do posto de transmissões. Noite escura ainda, ouviam-se lá longe, - para os lados de Cabolol - o som de rebentamentos e de forte tiroteio. Manteve-se acordada, mas não conseguia saber o que se estava a passar. Só quando o sol começou a romper, ouviu comentar as mulheres dos milícias fulas, que a Companhia tinha sido emboscada. Já dia claro se apercebeu que o problema continuava, pois para os lados de Cabolol, continuavam a ouvir-se os rebentamentos, e o matraquear das espingardas e metralhadoras. Em Cufar já tinham aterrado dois helicópteros. Os bombardeiros sobrevoavam Cabolol, e picavam sobre a mata. Pami perdeu o medo, e procurou Míriam para saber o que se passava.
-Não sabe muito, não! Bandido emboscou Companhia, e tem morto e ferido, quanto não sabe!

A enfermaria foi posta em estado de alerta, amanhecia e os helicópteros, começaram a levantar. Os rebentamentos e tiroteio continuavam. Os helicópteros voltaram, e os primeiros feridos chegaram. Foram observados pelo médico, e de imediato foram evacuados para Bissau por duas avionetas que entretanto tinham aterrado. Os helicópteros voltaram a voar, e quatro vezes, fizeram o mesmo percurso. No último regresso, a notícia deslizou por todo o quartel, como napalm sobre o capim. Vinham dois mortos, um deles era o furriel Gonçalo.

Ao ouvir esta notícia, Pami sentiu o corpo todo enregelar-se e, no ventre , sentiu de novo a ejaculação quente do furriel. Confusa, procurava mentalmente justificação para o indecifrável. Tentou aproximar-se, da capela - edifício em construção, promessa, constava-se feita a um padre pelo Leão de Cufar- onde tinham sido colocados os corpos dos dois militares mortos. Não conseguiu, os seus pés colaram-se ao chão, como árvore fortemente enraizada no solo. Mas também não o poderia fazer, só graduados, e pessoal de enfermagem, tinha acesso à inaugurada capela em construção.

Pami teve a oportunidade de ver, com os próprios olhos, alguns homens grandes da Guerra. O comandante de Sector, o Comandante de Batalhão, oficiais de operações, etc... etc... etc.... Pessoal que mandava e planeava a guerra, mas não a fazia. De certeza alguns nem uma bolanha conheciam, quanto mais a mata de Cufar ou Cabolol.

Pami ia nestas experiências, verificando que povos irmãos se matavam sem razão, e tomava consciência também que tudo isto só levava à destruição de tudo e do homem. A solução não seria esta.

Ao fim da manhã, junto ao tarrafe do rio Manterunga, começou a aparecer uma serpente humana. Desta vez os Lassas faziam a entrada pela estrada do cais de Cufar. À medida que iam chegando, dirigiam-se para os seus abrigos, apenas o olhar transmitia a dor do momento. O silêncio imperava em Cufar, apenas na enfermaria e no Comando o movimento era grande.

Pami sentiu alegria por esta lição dada aos Lassas. Mas pouco tempo o seu coração esteve alvoroçado. Aos poucos a mente foi-lhe chamando a realidade. E do outro lado? Como teria sido? Aos ouvidos, chegou-lhe o gemido dos feridos que vira de manhã, e o pensamento voou até aquele dia em Flaque Injã. Uma dúvida assaltou-a repentinamente, e pensou como seria, se a própria família daqueles soldados ali estivesse?

Ficou confusa, e mais uma vez procurou olhando para o céu, o Deus do padre Francelino. Mas a resposta foi a mesma:
-Os homens Pami, os homens! Por amor a eles me pregaram na Cruz!

Retirou-se para o seu refúgio prisão, e deitou-se na velha esteira. A meio da tarde, chorando, apareceu-lhe Míriam. Olharam-se sem dizer palavra. Míriam sentou-se num canto da palhota, e soluçando depois contou:
-Furiel Rafael mandou mim embora! Chamou escarrumba de merrda! E disse qui inda não era pa chorrar carralha! Mim tem medo, Sanhá! Furiel, grande amigo de Gonçalo! Mim tem muito medo! Ele não vai mais olhar direito pa mim! Nem pa preto.


(vii) Retalição dos Lassas, com bombardeamentos de artilharia sobre o Cantanhez



Pami entrou em pânico. Que seria dela agora, se fosse novamente interrogada? Incógnita! Nunca se sabe a reacção dos homens em determinados momentos. A medo ainda perguntou o que tinha acontecido. Soluçando, a lavadeira abriu o livro todo do seu conhecimento e contou:

Iam abrir a estrada de Cobumba. Uma companhia de Catió vinha com as viaturas, para ir abrindo o caminho. E a companhia de Cufar ia com outros, fazer a segurança, na mata de Cabolol, só que o bandido tinha informações sobre a operação. Alguém tinha passado todas as informações ao PAIGC. Que estavam emboscados à espera dos militares, precisamente nas posições que estes iam tomar. A companhia foi emboscada, com metralhadoras pesadas, lança granadas foguetes, morteiro oitenta e dois e armas ligeiras. A companhia tinha sofrido dois mortos, um desaparecido e dezassete feridos, alguns em estado grave. O capitão novo que vinha comandar a companhia, também tinha sido ferido e tinha sido evacuado para o hospital em Bissau.

Sim! Agora a prisioneira, sabia que o instinto do Leão mandaria Telmo e Rafael apertarem com ela. De certeza que chegara o momento, que a iriam espremer, até verter sangue. Sentia a dualidade do ódio, entre campos opostos. Alguém teria de pagar a morte e os feridos dos Lassas. Aqui no Sul desta linda terra, o homem tinha transformado tudo num braseiro, agora seria mais afirmativamente, "olho por olho, dente por dente". Era elevado a cinco o número de mortos que os militares de Cufar tinham sofrido, e isso tinha de ser pago, com juros muito altos. Esgotariam forças, esgotariam munições, transformar-se-iam em monstros, mas os amigos teriam de ser vingados. Sentiu que a hora mais difícil tinha chegado.

Naquele dia, não se atreveu a sair mais da sua palhota prisão. O sol a pique queimava, o silêncio era de facto de morte. A prisioneira, apenas conseguia ver gente, que passava pela inaugurada capela.

Ao fim da tarde, viu e ouviu, o alferes de artilharia pedir a um soldado, para chamar o furriel artilheiro, o qual não demorou a entrar no Comando. Passados poucos momentos, saíram os dois, o furriel dirigiu-se para a messe, da qual saiu pouco depois com o furriel das viaturas. O alferes com uns mapas na mão, dirigiu-se para as duas peças de artilharia que estavam colocadas, na parte que dividia o novo do velho aquartelamento. Pouco tempo depois, um Unimog chegou junto das peças. Os soldados que vinham na viatura - todos de origem negra- onde se encontrava um de alcunha Dakota, desceram e começaram a descarregar caixas de madeira, onde vinham acondicionadas as munições. As peças começaram a ser preparadas. Pensou tratar-se de homenagem aos mortos, mas logo verificou estar errada.

Aquela era a primeira confirmação que os Lassas faziam, a dizer à guerrilha que estavam ali, e que em breve haveria novo encontro. Pelas frestas da sua prisão, foi verificando as manobras das peças, e contando o número de disparos. Pela orientação, verificou: Boxe Bissã, Cabolol Lente, Cabolol Balanta, Cobumba, Caboxanque e Cadique, cada povoação tinha sido contemplada com cinco obuses. Algum acertaria de certeza, a experiência já o tinha demostrado, alguém morreria ou ficaria estropiado.

Em silêncio, os Lassas homenageavam os seus mortos. Míriam nem se aproximava da messe de sargentos, e Meta não procurava o soldado Mamadu Baldé. Havia como que um ritual silencioso, interior, dentro de cada militar.

Dois dias passados, sol mal despontando, o aquartelamento, começou a movimentar-se. As viaturas, em coluna, esperavam por alguém. Os alferes Palmeiro e Telmo desceram completamente equipados, as escadas que davam acesso à varanda do Comando. Saindo da messe os furriéis Taveira, Tambinha, Rafael, de boina preta, e o sargento Miguel, dirigindo-se para os alferes. Os soldados foram chegando. E Pami viu as urnas que tinham vindo numa avioneta, serem carregadas nas viaturas. Iam a caminho de Catió. A prisioneira, dormindo, não tinha dado pela saída ainda manhã escura, pelo grupo de combate do alferes Soeiro, que tinha saído para segurança da estrada para Catió.

Pami viu partir os soldados, e no seu pensamento ficou a imagem, peluda e nua, do furriel Gonçalo. Como seria o resto da viagem até à sua terra Natal? E a chegada? A família! Mais uma vez a prisioneira pensava no problema da guerra. Todo o desenvolvimento desta situação deve trazer grandes questões à humanidade, é impossível que não haja problemas psíquicos, na forma como estes homens vivem e actuam.

(viii) Os Lassas estão cansados da guerra e exibem comportamentos estranhos


No seu âmago sentiu! Tinha a noção perfeita! A sua mente transmitiu aos ouvidos, as palavras trocadas entre Rafael e o seu guarda-costas, cabo Cigarra, junto ao abrigo numa deslocação ao poço. O cabo, braços cruzados, cabeça baixa, voz trémula dissera:
-Porra , meu furriel, tem de falar com o alferes ou com o capitão, nós não podemos mais!

Rafael ripostara:
- Estamos aqui , para quê? Cumprir! Não importa como, mas teremos todos de ser firmes!

Pateticamente, de forma dura e expontânea o cabo ripostou:
-Furriel, eu não aguento mais, passo os dias e as noites a ver correr, pelo meu braço abaixo, os miolos do furriel Gonçalo!
- Que isso seja para ti um motivo de força, e de vontade para venceres tudo isto. Alguém teria de tirar o nosso camarada do inferno em que nos meteram. Isso só te passará quando algum camarada te fizer o mesmo que fizeste ao Gonçalo. Ou... na melhor das hipóteses, quando regressado à tua Paxis Julia [Beja], te atirarem umas pás de terra para o teu sobretudo de madeira. Meu bom amigo, quem pensas que eu sou? Deus!?... Não!

Sorrindo o furriel continuou:
-Sou a mesma merda que tu! Espero aquilo que tu esperas! E também como tu, não quero morrer aqui, mas na nossa Planície. Por isso! Tens de ser mais forte que o teu pensamento, e varreêlo de toda a lama que nos envolve! Força, rapaz, chegaremos lá!

Nem todo o sentido das palavras trocadas entre os militares, Pami compreendeu, mas tinha sido uma conversa dura, e complicada. Isso de certeza.

Continuaram os soldados a sair, voltando uns, outros não. Era sempre certa a saída, incerta seria sempre a chegada. Idêntica era sempre a partida, indefinida forma seria sempre a do regresso.

Pami assistiu à transformação dos homens. Não há causa que não provoque efeito. A saída do Leão marcou aqueles homens. Apesar dos alferes e sargentos, se manterem unidos e firmes, as coisas começam a degradar-se, e a prestação em termos de antiguerrilha, não era a mesma. Que bom seria transmitir, se possível, aquela mensagem aos seus companheiros! Mas impossível mesmo, a sua prisão sem grades, tornara-se cada vez mais expugnável. Perante as situações e a incerteza, era preferível esta situação momentaneamente.

Começou a verificar que os militares bebiam e consumiam cada vez mais álcool. Tomavam-se mais agressivos, por vezes entre eles próprios. Assistiu àquela luta em que dois soldados se socaram, pontapearam e morderam, como os cães raivosos, espumando pela boca e, depois de completamente esgotados, abraçarem-se chorando.

Viu, em dia de imensa chuva, o próprio Bolinhas, completamente molhado, correndo atrás do soldado Lopes, com uma grande faca na mão, e o Lopes com fobia de tudo o que era lâmina, fugindo por todo o aquartelamento, e os soldados todos a aplaudir. Viu o corneteiro rufar tambor, e o furriel Rafael a fazer Circo com uma cabra, sobre o muro da varanda, levantando a pata para fazer continência ao povo. Viu o soldado Nazaré, tronco nu peludo como macaco cão, envergando apenas uns calções, cinturão de lona preso a uma corrente, a fazer momices, ser passeado por outro soldado como se de chimpanzé se tratasse. O sargento Tavares a fazer o pino, para o Punch - cão pastor alemão - saltar por entre as pernas. Parecia este aquartelamento uma casa de pessoas enlouquecidas.

Ao certo, a prisioneira confirmava que as coisas não funcionavam como deviam. A partida do Leão veio agravar a situação de todos aqueles militares, colocando-os como que órfãos, numa casa onde começaram a derrocar as paredes.

A continuação da saída dos soldados era rotina, o regresso indefinido. Alguns iam directamente de helicóptero para o hospital em Bissau. Outros, já sem concerto, esperavam na capela o encaixotamento. Soldados novos apareciam agora com uma farda esverdeada, para fazer as substituições. E assim continuava a guerra, enquanto Pami permanecia na sua casa prisão, agora sem mais inquilinos, pois deixou de haver prisioneiros na generalidade. Segundo o auscultado aos soldados e milícias, os prisioneiros agora, antes de chegar ao aquartelamento, resolviam fugir e pelas matas, bolanhas ou pântanos, se desprendiam os seus espíritos vagueando, procurando o etéreo.


(Continua: Final no próximo episódio)
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta série >


21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)


23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)



28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)



10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)



18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)



30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)



16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)


5 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2506: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (9): Parte VIII: Os demónios étnicos (Mário Fitas)


(2) Resumos dos postes anteriores:

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como. Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.

(vi) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu). Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Sente que tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer ao seu marido Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista, interroga-se ela?

Entretanto Malan é denunciado como guerrilheiro do Exército Popular e é entregue à PIDE de Catió. A professora apercebe-se que os seus companheiros, homens, estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Entre as mulheres prisioneiras, já teria havido confissões. Uma, pelo menos, foi alvo de abusos sexuais. As que colaboram com os Lassas são soltas.

Entretanto, a balanta Pami torna-se confidente de fula Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu, segundo o seu nome de guerra). Os Lassas, por sua vez, voltaram a ir ao outro lado do Rio Cumbijã. Meta, casada com um milícia e amiga da Miriam, contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos.

Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar, o chefe dos Lassas.

(viii) Em novo interrogatório, o Furriel Rafael ameaça matar a professora de Flaque Injã, quando esta, já esquecida dos interrogatórios, é levada de novo, em princípios de Setembro de 1965, à presença do temível triunvirato: Queba, o intérprete, o alferes Telmo (com o seu caderno), e o furriel Rafael (com a sua pistola).

Embora aterrorizado com as ameaças do Furriel Rafael (que parece fazer bluff...). Pami teme sobretudo que os Lassas faça de novo uma operação do outro lado do Rio Cumbijã, utilizando o seu marido, Malan, como guia...

Voltando de novo à sua morança-prisão, Pami apercebe-se de que nem todos os Lassas estão ali, na guerra, de livre vontade... Os seus piores receios, entretanto, materializam-se, ao reconhecer o seu Malan na silhueta do negro, de corda atada ao pescoço de um negro, conduzido por um Lassa, a caminho da porta de armas, possivelmente para srevir como guia numa operação... Pelo burburinho que perpassa pelo aquartelamento, Pami toma conhecimento de que os Lassas estão em operações lá para os lados de Caboxanque... Um avião T-6 é atingido, mas o seu o piloto consegue fazer uma aterragem de emergência em Cufar...

No regresso dos Lassas ao quartel, Pami sabe, pelas conversas que ouve junto dos milícias, eles ter-se-iam esquivado a uma emboscada, junto ao cais de Caboxanque. Detectando a segurança à retaguarda, os Lassas mataram esses elementos e, saindo do caminho que vai dar ao cais, divergiram para a bolanha para não entrarem na emboscada, que deveria ter muita gente do PAIGC. Mas sobre Malan não consegue saber mais nada de concerto.

Uns dias mais tarde, Míriam contou a Pami tudo o que tinha acontecido, conforme lhe descrevera o furriel Mamadu. O pessoal do PAIGC mais uma vez tinha sido humilhado, pelos Lassas. Tinha sofrido grandes baixas, vários mortos e muitos feridos. A professora de Flaque Injã chorou e pela primeira vez o desânimo entrou no seu pensamento. Seria que o sonho de uma Pátria era irrealista?


(viii) Caminhamos para os finais de 1965. Pami têm agora duas novas amigas, com quem conversa mais amiuadamente, as lavadeiras Miriam e Meta, esta última mulher de um velho milícia. Os Lassas já se habituaram à presença de Pami que continua a observar e registar mentalmente tudo o que se passa à sua volta. Dá conta da existência de um furriel de nome Gonçalo, que passa a vida a falar com o seu cão cufar. No final do ano, aparecem aviões a lançar toneladas de bombas sobre o Cantanhez. Os Lassas saem para uma operação em Darsalame. O Furriel Rafael é ferido e evacuado para o Hospital de Bissau. Miriam está chorosa e apreensiva. Leva Pami ao quarto do Furriel a quem lava a roupa e a quem faz favores sexuais. Pami fica intrigada com as fotografias que vasculha. As duas mulheres falam sobre as bajudas brancas do Furriel.

Agora já ninguém liga à prisioneira nem a importuna. Mas Pami fica triste certo dia, quando ouviu um soldado a ler, a outro, uma carta dos pais... A professora interroga-se sobre a condição humana e a estupidez da guerra. Com mais liberdade de movimentos e beneficiando da amizade de Miriam, Pami vai conhecendo melhor o quotidiano dos Lassas, as suas misérias e grandezas. Mas o que mais espicaçou a sua curiosidade intelectual foi uma longa conversa sobre os povos da Guiné, travada num círculo à volta do Leão de Cufar e dos seus colaboradores mais próximos. No final, fica a saber que Rafael tinha voltado do hospital…

Guiné 63/74 - P2559: Bibliografia (18): Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

Lançamento: Lisboa, 6 de Março de 2008, 18.30h, na Sociedade Portuguesa de Geografia.

R. das Portas de Santo Antão, 100, Lisboa
Telef.: 351+21 342 54 01 - 21 342 50 68http://socgeografia-lisboa.planetaclix.pt/




Capa do livro do Mário Beja Santos, Diário da Guiné 1968-1969: Na Terra dos Soncó.Foto:
Círculo de Leitores (2008).
I. Almoço: Presenças confirmadas
1. Henrique Matos
2. A. Marques Lopes
3. António Graça de Abreu
4/5. António Santos e Esposa
6. Delfim Rodrigues
7. Mário Fitas
8. Rui A. Ferreira
9. Raul Albino
10/11. Carlos Vinhal e Esposa
12/13. Albano Costa e Esposa
14/15. Carlos Marques dos Santos e Mulher Teresa M. Santos
16. Cor (ref) Hélder Pereira
17. Júlio Pinto
18. Dr. José Monteiro
19. José Manuel Bastos
20/21. Reis Martins e Esposa
22. Filipe Ribeiro
23. Mário Beja Santos
24. Fernando Chapouto
25. Torcato Mendonça
26. Manuel Chamusca
27. José Aurélio Martins
28. Carlos Murta
29. Manuel Paes (?) e Sousa
30. Cor Carronda Rodrigues (AHM)
31. Cor Marinho
32. Ten Cor Heitor Gouveia
33. V. Briote
34. Helder Sousa
35. Custódio Castro, (Alf Mil da 816)
36. Humberto Reis
37. Carlos Santos
38. João Parreira
39. Cor Diamantino Gertrudes da Silva
40. Alfredo Carvalho Rodrigues
41. Fernando Franco
II. Programa
13H00 : Almoço na Casa do Alentejo (R. das Portas de Sto. Antão, 58)
14H30 : Sociedade de Geografia : visita cultural guiada, onde poderemos apreciar as Artes Balanta, Bijagó e Nalú.
15H30 : Reunião da Tertúlia presente em sala posta à nossa disposição pela Sociedade de Geografia de Lisboa.
18H30 : Apresentação do livro Diário da Guiné 1968-1969 : Na terra dos Soncó.
III. Custo da refeição completa : 15€
__________

Notas de vb: Alguns dos nomes foram transmitidos por telefone. É possível que faltam dados ou que alguns dos nomes referidos não estejam completamente correctos.

vd artigos de:

14 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2537: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2521: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

4 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2505: Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó. O livro do Mário Beja Santos, o nosso livro (Virgínio Briote)

11 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2429: Lançamento do meu/nosso livro: 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia, com Lemos Pires e Mário Carvalho (Beja Santos)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2558: Pensar em voz alta (Torcato Mendonça) (8): Correio do Torcato Mendonça


Pensar em Voz Alta


1. Correio do Torcato Mendonça.
Deixemo-lo discorrer, pensar em voz alta, sem comentários, limitando-nos apenas a sublinhar uma ou outra passagem.


Meus Caros Editores,

Escrevi uma mensagem com um "esqueleto". Deixou de o ser e segue devidamente coberto. Se presta ou não é outro assunto. É uma terapia, blogoterapia…as madrinhas de guerra não seriam uma aeroterapia?

Neste dia de chuva e mais chuva tratei de vários atrasos…acabei por passar pelo blogue e lembrei-me de mandar este escrito. Foi antes junto a outro – O Livro – em esqueleto coitado. Se está vestido, vai…

Li o Texto do ex- paraquedista Rebocho e, se me é permitido, faço (...) breves considerações:

1- O acesso à correspondência de alguém, só deve ser invocada se antes o " dono dela " deu autorização. Ou não ficou esclarecido ou eu não percebi. Há uma autorização a outra pessoa.

2- Um furriel e um alferes milicianos eram praticamente iguais. Um tinha 3 vês, virados para baixo a que chamavam divisas (salvo erro), o outro tinha um traço chamado galão. Iam para a tropa para o CSM ou COM por terem habilitações literárias diferentes. A instrução era igual ou pouco diferia. Estou certo ou errado?

Conheci furriéis que deviam ser eles a comandar os que o comandavam a eles… No CIOE os cabos milicianos mandavam os aspirantes fazer uma completa de x… Meu aspirante uma… olha toma.

Porque não podia o Casimiro saber…. Bem se fosse dissertar política internacional com o Professor Adriano Moreira – por quem tenho o maior respeito – certamente era diferente…pois…presunção e água benta…

3- Isto é que vai aqui uma moenga…é do tempo. MAS: OS MILICIANOS SÃO MILICIANOS E OS DO QP SÃO DO QP. E AQUI HÁ UM PROBLEMA DO QP!

O 1º Sargento da minha Companhia tinha um trauma por nunca poder ter galões… O Parreira Fur Comando conheceu-o noutra comissão em Bigene, creio eu! Ora eu gosto e respeito muita gente que é ou foi do Quadro Permanente ou do QP.

Malhas que o Império teceu… e ainda hoje faz eco…
Um abraço,
Torcato Mendonça
torcatomendonca@gmail.com

PENSAR EM VOZ ALTA

A - (História; Guileje; a Verdade necessária Sempre)

1 – Bissau; - hoje, 23 de Janeiro 08. Já é passado. Estamos a 27, na rápida voragem dos dias.

Dizia eu nesse dia 23, em mensagem desabafo, ao Virgínio Briote:

Virgínio Briote,

hoje, pela manhã, como é meu hábito, abri o blogue. Li o Post sobre a diáspora. Àquela hora tinha intenção de o fazer a correr. Mas não, voltei atrás e reli. No dia anterior, se não me engano, aconteceu-me ler, parar e voltar atrás, reler e ler até ao fim um escrito de um ex-combatente de Mondim de Basto. Agora, embora por razões diferentes voltei a fazê-lo.
Nos últimos dias, comecei, perante o que leio, o teor dos assuntos abordados e por outras razões ou motivos a questionar-me sobre o blogue. Fiz aquele comentário ao P 2456 – finito.

Ontem li no JN, pag. 60, Olhares cruzados…uma visão de Diana Andringa sobre a guerra colonial. O M. Lopes mandou e-mail com o que o jornalista escreveu. Diz ela ao jornalista: … lá não há nenhum ódio aos portugueses…há uma espécie de turismo sentimental…!
Concordo com o turismo, desconheço os ódios. Não os tenho pessoalmente a ninguém, mas isso não interessa.
Leio o Post da diáspora; a troca de mensagens, a ausência de quadros guineenses, a Crónica de um Descrente e o poema relatando o Bissau de hoje, os comentários que depois aparecem – quer sobre estas questões, quer sobre o Simpósio – concordo, não ignoro o que naquela terra se passa e penso: de facto isto fortalece as minhas dúvidas dos últimos tempos.

Havendo, para mim, situações dissonantes “fiz” um escrito. Chamar-lhe-ia – Heróis Obscenos ou Geração do Hummer ou Da Mata ao Dancing. Perdeu o titulo o interesse, fiz delete e tudo se esfumou… é melhor assim.
O escrito ficou na cabeça. A idade vai diluir e escrever não se faz quando queremos… Acho o meio milhão de visitas uma vitória, vista de vários prismas, de um homem – o Luis Graça. Mesmo que ele queira partilhar com outros; o livro do Beja Santos um acontecimento bonito; o Simpósio será o que os homens de boa vontade quiserem e oxalá sirva o desenvolvimento de uma terra de que gosto, mas não é minha e, a palavra principal é dos guineenses… um país com uma mortalidade infantil de 200 em cada 1000 nados-vivos, um país que lutou de armas na mão… Bem, não continuo.

É certamente ilegítimo questionar assim. Mas vejo um pastor católico (sou anticlerical) ir fazer, com outros, uma viagem para entregar um Jeep, medicamentos e etc. Oxalá tudo corra bem para eles. Incongruência minha? Talvez! Mas porque não ficam com um Hummer? Gasta muita gasolina? Ou podem dizer: pois é mas tu (eu) nunca mais voltas á Guiné.
Certo. Eu sei que não posso voltar. Nada me inibe, contudo, de criticar ou lutar pela ajuda de um povo que merece uma vida melhor e desmerece certos compatriotas…páro mesmo… concordo com o teu comentário e a resposta; com o Descrente e o Poeta esperando que se tornem crentes e não tenham, no futuro, razão para escrever assim.
Espero sair uns dias, talvez ainda esta semana. Não sei ainda ao certo, como não sei a minha relação bloguista. Depois de meados de Fevereiro se verá. Escrevo, sobre vários assuntos e acrescento a Guiné. Tenciono, recomeçar as Estórias de José II e fazer uma análise, em abordagem diferente, à minha participação, como Militar e graduado do Exército Português.
Estive no lado errado da História? Nada disso! Causa injusta? Bem, vamos fazer a abordagem por aí…
Não faço cc, como é meu hábito, ao Luis Graça e por isso o endereço é diferente. Talvez guarde e reencaminhe depois. Não o chateio agora. Eram só duas palavras. Assumo-as todas Camarada. Sempre.
Um abraço,

Depois destas palavras, podia e devia estar mudo e quedo deixando fluir os acontecimentos. Não vou, com qualquer escrito travar ou desviar minimamente algo do seu normal percurso. Posso até parecer um sujeito sem prática solidária. Mas:

Continuo, neste pensar em voz alta, correndo o risco ou tendo a certeza de estar a mensagem fora de contexto do que, a seguir abordo.
Talvez não tenha sido explícito. O que a seguir escrevo não ser a continuidade do atrás escrito. Prefiro contudo continuar a pensar em voz alta.

2 - Hoje, 27 de Janeiro, no Suplemento P2 do jornal O Público, a páginas 3, vem uma frase de Konrad Adenauer – “A História é a soma das coisas que poderiam ser evitadas”. Concordemos ou não com ele, politicamente ou nesta frase, se a adaptarmos á Guerra – Colonial ou do Ultramar – sentimos haver, nesta definição, algo de verdade e correlacionada ela.

Efectivamente, a história poderia ter sido escrita de outra forma se a soma das coisas tivessem sido evitadas. Foi uma guerra que, se não fosse o autismo da classe dirigente, mesmo depois de iniciada, poder-se-ia ter evitado. A generalização a toda a classe dirigente pode ser injusta. Houve quem pensasse, nesse tempo, de forma diferente.

Não cabe aqui e agora fazer história. Deve-se, isso sim, relatar as memórias, os factos vividos, da forma mais fiel e real que nos for possível.
O somatório desses relatos levará, quem de direito a fazer uma análise historiográfica correcta. No caso concreto, serão pois os historiadores a juntar essas coisas. Contudo, aqui interessa focar mais a Guiné, sabendo antecipadamente a impossibilidade de dissociar uma parte do todo. Conscientes disso, sabendo as limitações para uma análise de uma guerra na qual participamos, pretensioso seria ir mais além do que comentá-la de forma ligeira. Vejamos então:

Na Série Televisiva – RTP1 – A Guerra, do jornalista Joaquim Furtado, existem depoimentos importantíssimos para se compreender a Guerra nos vários cenários.

Pode ser um trabalho valioso e um contributo importante para o estudo futuro desse período da nossa história. É um trabalho jornalístico, parece-me não pretender ir mais além, tendo, nesta I Série, valiosa pesquisa documental e importantes depoimentos.

São relatos, com opiniões divergentes de participantes de um e do outro lado. Essa riqueza de informação será determinante, no futuro, que se quer breve, juntamente com outros trabalhos, para compreender e escrever, essa parte da nossa história e dos outros povos intervenientes.

Esperamos pela II Série, pois, certamente, no seguimento da primeira mais esclarecedora e rica se tornará, propiciando os tais importantes elementos de estudo.

O filme de Diana Andringa e do guineense Flora Gomes – As Duas Faces da Guerra – tem abordagem diferente e dá-nos, da guerra na Guiné, uma visão mais profunda.

É um documentário que mostra a guerra, como o título indica em, pelo menos, duas visões diferentes. Há analogia no título com uma moeda, o verso e o reverso. Não é moeda de “Eixo Vertical”. Ou seja, ao passarmos do verso para o reverso temos a visão diferente e livre a abrir-nos caminhos para, no futuro ou porque não já agora, serem exploradas as vivências de quem esteve dos dois lados do conflito e tem dele, logicamente, opinião ou visão diversa.

É um Documentário importante. Sentido fortemente por quem assiste ao filme. Principalmente pelos que viveram aqueles acontecimentos. Sem nos apercebermos somos para lá transportados.
Os relatos são feitos de forma pausada, clara, objectiva. Fala-se da ausência de ódios, entre os antigos intervenientes – não sejamos ingénuos, entre a maioria deles – ou ainda do sonho de Amílcar Cabral. Como seria a Guiné sem o seu desaparecimento?
Temos outro relato importante sobre a internacionalização da guerra e a participação de Cubanos, Jugoslavos, Russos e outros.
Pena não termos uma mais forte amostragem ou depoimentos sobre a chacina de muitos Guineenses que ao nosso lado lutaram.
É um documentário a merecer reflexão e debate. É imprescindível para a análise da nossa memória colectiva futura.

No Blogue, Luis Graça e Camaradas da Guiné, existem já inúmeros depoimentos, comentários e relatos de vários acontecimentos importantes do conflito. Felizmente nem sempre convergentes. Alguns, a que foram chamadas questões fracturantes, essas divergências são mais fortes. Noutros, sobre questões diversas, a crítica, se correctamente feita, é sempre salutar, repõe ou aproxima-se, assim mais da verdade.

Curioso, foi ler a chamada de atenção a um tertuliano (creio eu) menos atento, de Diana Andringa sobre a I Série de A Guerra, esclarecendo a interrupção e a vinda de uma II Série. Desse modo, defende o seu colega Joaquim Furtado. Não com o intuito de defesa mas, quanto a mim, com o objectivo de esclarecer.

De forma diferente temos o esclarecimento, correcto e oportuno, do nosso Camarada de Artilharia e dos Comandos a um Camarada Paraquedista. Entre militares parece mais agreste a resposta. Nada disso, quanto a mim claro.
Efectivamente não há peças de artilharia 10,6. Havia, isso sim, obuses 10,5. Quanto a quem era ou não o Comandante do CAOP 5 foi, pelo Coronel Nuno Rubim, novamente e documentalmente esclarecido.

Talvez seja o acontecimento mais dramático da guerra na Guiné. Por isso, o cuidado no relato dos factos do que efectivamente aconteceu. Em debate sereno, certamente com opiniões diversas dos acontecimentos vividos pelos intervenientes, procurando consensos pois, só assim, se poderá descrever, em verdade, esse período.

É difícil relatar tão dramáticos acontecimentos. Mesmo feito por quem os viveu. Até a semântica pode adulterar o relato. Abandonar versus fugir.

A decisão de abandonar, de sair de um aquartelamento militar deve ser terrível, dificílima para ser tomada. Mas esse acontecimento tem que ser relatado. Analisado com os depoimentos das duas partes. Não só aquele, outros daquela guerra devido á sua importância, merecem tratamento profundo porque alguns são determinantes no desfecho da mesma.

Temos os exemplos do Como, de ficar e mais tarde abandonar Cachil, Balana, Madina do Boé e do desastre do Cheche. Ou acontecimentos passados em Gadamael e, no Norte, em Gudaje, ou o assassinato de quatro oficiais e outros militares – mais conhecido pelo caso dos 3 majores – ou certas tomadas de posição militar e política; por uma Guiné melhor, não bombardear ou não emboscar em certas ocasiões.
Por isso a necessidade de serem os intervenientes, se possível de ambos os lados, a relatar o outrora acontecido, sem receios de criticas, de divergências, de fracturas. A guerra, contada por quem a fez será certamente, para o futuro histórico mais fiel.

Devemos aceitar com humildade as vivências diferentes, a critica, sempre salutar se objectiva – repito –, para contribuir no esclarecimento do período 1961/74, na Guiné 36/74, aqui mais focado.

Não o podemos dissociar de toda a Guerra Colonial, do Ultramar ou de Libertação e incluir o estudo da história da colonização daqueles territórios, das suas gentes e, se feita agora, mais de trinta anos depois da independência, tentar entender o que se tem passado, sem análise tida com ingerência, ou que se passou nos anos de pós independência.

Daí a importância que dou, de forma subjectiva claro, ao Simpósio de Guilije. Pode abrir-se uma porta de futuro. Pode a nossa geração – a que fez a guerra – ou, porque não todos os que o desejarem, contribuir par um desenvolvimento conjunto, partilhado em liberdade, em desenvolvimento sustentado, pois disso estão, ainda hoje, carentes os nossos Povos.

Não queria, por razões óbvias – apesar da minha ínfima participação – falar da importância do Blogue Luis Graça e Camaradas da Guiné. Parece-me contudo ser, para o relato histórico desse período – 63/74 – de enorme importância.

É difícil ou utópico mesmo pensar que a verdade plena vai ficar plasmada no relato histórico. Será o relato mais fiel e verdadeiro possível. Era óptimo conseguir isso.

Vou fazer uma citação: - de quantas mentiras se faz uma verdade – de J. Eduardo Águalusa.
Aproveitamento meu, em parte desconstextualizada do que ele quis dizer. Serve-me no entanto para a minha visão histórica de muitos acontecimentos e isso não o queria para estes.
__________
Revisão / Fixação de texto / Sublinhados: vb

Guiné 63/74 - P2557: Cancioneiro de Bissau (1): Uma estância de turismo (Florêncio Oliveira da Silva / Abreu dos Santos)

Mensagem do Abreu dos Santos, a quem agradecemos os valiosos contributos que nos vem dando.

O Abreu dos Santos dá-nos mais um achega ao artigo que publicámos do Rui Fernandes (um Amigo da Guiné, como ele quer ser referenciado) respeitante à iniciativa da Liga dos Antigos Combatentes, e naturalmente com o indispensável acordo do Governo da Guiné-Bissau, sobre o lançamento da primeira pedra do Monumento de Homenagem aos Combatentes

Caro Virgínio Briote,

1. A propósito do recente http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/02/guin-6374-p255-guin-bissau-e-portugal.html, permita que lhe chame a atenção para o endereço http://www.angolapress-angop.ao/noticia.asp?ID=595973, onde se fala de " viagens turísticas à Guiné-Bissau".

2. Para s/conhecimento, e eventual publicação no "foranada", anexo digitalização de uns versinhos-de-pé-quebrado escritos, em tempos, por um militar que prestou serviço na Guiné.

Saudações 'comando',

Abreu dos Santos
___________

Turismo na Guiné

de Florêncio Oliveira da Silva
Furriel Mil no QG
em Bissau,
Guiné 1972


Vamos todos para a Guiné
Desenvolver o turismo,
Não deixe de utilizar
Os seus parques de Campismo.

Dêem tiros, atirem bombas,
Corram tudo à foguetada,
Mas não há perigo nenhum
Quando se dorme em Pirada.

Há terras maravilhosas,
De certeza que não minto;
Se duvidam, vão visitar
Copá e Teixeira Pinto.

Tenho um carro muito bom,
Veloz e de grande brècage,
Muito útil, quando caem
Os bombons em Guidage.

Eu queria ver bom teatro,
Columbina e Arlequim,
Comprem-me um bilhete barato
Para o ataque a Farim.

A situação na Guiné
É melhor do que se pinta,
Tente ir de bicicleta
De Ganturé até Binta.

Progresso social existe,
Há condições de higiene,
Hotel de 1ª classe
Na região de Bigene.

Faça turismo na Guiné,
Traga o seu colchão de espuma,
Acampe com segurança
Na zona de Buruntuma.

LSD, Marijuana,
Heroína e Haxixe,
A excitação é maior
Nas cercanias de Piche.

Não te gramo e estás belo,
São frases do apogeu,
Faça regatas de remo
Nas margens do rio Cacheu.

Sempre disse que eras louco,
Palerma, idiota, labrego,
Passei a ter a certeza
Depois de ir a Nova Lamego.

No rio procurei trabalho
E fui para a outra banda;
Então apanhei ameixas
Na região de Bedanda.

Para Xime não consigo
Arranjar rima jeitosa,
Mandaram-me aos gambozinhos
Junto a Aldeia Formosa.

Para eu me desintoxicar
Lá dizia a minha avó,
Meu neto, "vai veranear
Para as bandas de Catió" .

Qualquer dia não resisto,
Às Galinhas vou parar,
Já disse: "Estou farto disto,
E quero pôr-me a cavar".

Se não conhecia utopia,
Nunca visitou Bolama,
Liberdade, berros, gritos
E foguetada na cama.

A Guiné é coisa excelsa,
Tudo bom, nada de mau;
Faça uma visita nocturna
Ao Pilão de Bissau.

Ir para a Guiné é dever,
Mas é preciso ser pato
Para fazer de cow-boy
Na zona do Olossato.

O nharro é civilizado,
Não é canibal nem trinca,
Contudo é conveniente
Não dormir em Bambadinca.

Toda a vida é alegre,
Como eu gramo este mundo;
Mudei logo de opinião
Desde que fui ao Pelundo.

Mulheres belas, praias boas,
Bubaque e Quinhamel;
Faça ski aquático
de Cacine a Gadamael.

Pulseiras de prata bonita
Adquirem-se em Bafatá,
Uma bojarda nos cornos
Apanha-se em Canquelifá.

Terra próspera atraente,
Gente simpática e boa,
Experimente ir de coluna
De Mansabá a Mansoa.

Vila farta e progressiva,
Portuguesa é que ela ,
Não há opinião diferente:
É Madina do Boé.

Se gostas de te divertir,
Não hesites, vai também,
Goza um carnaval alegre
Com as bombas de Jemberém.

És gordo e comilão,
Sempre tiveste apetite,
Como tu emagreceste
Depois de uns dias em Tite.

És saudável, vives bem,
Mas não vás a Bissorã,
Arriscas-te a perder tudo
E a acabar em Palhavã.

Neste calor da Guiné
Passo os dias a bufar,
Mas passos os dias pior
depois da ida a Cufar.

É simpático, bom rapaz,
Os seus amigos adula,
Passou a estar apanhado
Depois da estadia em Bula.

Meu filho, come a sopinha,
Mastiga depressa, engole,
Senão eu chamo o papão
Que te leva para o Xitole.

A vida é fácil e boa
Mas quem se lixa é o Zé:
A situação é pior
para os fuzos do Chugué.

Há convívio social,
Uma vida mesmo chique,
Há passagens de modelos
Nos casinos de Cadique.

Neste paraíso terrestre,
Neste cantinho tão belo,
Como eu gostava de ver
O nosso amigo Marcelo.

__________

Vd artigos de Abreu dos Santos, de:

25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2214: Historiografia de uma guerra (1): A questão (polémica) do início da luta armada (Abreu dos Santos)


18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)


17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2185: Álbum das Glórias (31): 13 brancos maduros do Puto em almoço de homenagem a Marcelino da Mata (Abreu dos Santos)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2160: Militares mortos em campanha, no sul, entre Fevereiro de 1968 e Janeiro de 1969 (J. C. Abreu dos Santos)

30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2144: PAIGC: O misterioso helicóptero interceptado pela FAP em meados dos anos 60 (J. C. Abreu dos Santos / Diamantino P. Monteiro

Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)


Helder Sousa
ex-Fur Mil de Transmissões TSF
Bissau e Piche
1970/72


1. Mensagem do camarada Helder Sousa

Caros Amigos

Vou procurar continuar a relembrar a minha passagem pela Guiné (*), depois de vos ter relatado como foi a partida e como foi a chegada.

Como vos disse cheguei a 9 de Novembro [de 1970], quase na véspera do S. Martinho, e o desembarque deu-se um dia antes de todos aqueles que foram no Carvalho Araújo.

Fiquei alojado num quarto das instalações de Sargentos em Santa Luzia, em Bissau, num espaço cedido para colocar uma cama articulada facultada pelos meus amigos, colegas e conterrâneos vilafranquenses, Furriéis José Augusto Gonçalves (o Bate-Orelhas, como carinhosamente lhe chamávamos na Escola Industrial de Vila Franca de Xira por causa da sua (dele) habilidade de movimentar as orelhas como um abano com um simples esticar de queixo) e Vitor Ferreira, os quais compartilhavam o quarto também com o Furriel Pechincha (só me lembro do apelido), que estava em comissão no QG e tinha estado durante meses numa Companhia nativa, também não me lembro o nome (naqueles dias iniciais os nomes não assumiam personalidade, como já vos disse antes) mas que creio que me pareceu que alguns camaradas presentes durante a apresentação do filme As duas faces da guerra se referiram a ele como tendo estado na zona de Bambadinca.

Pois este amigo Pechincha, que era, salvo erro, de Moscavide e trabalhava como desenhador na Câmara Municipal de Lisboa, tinha fama de estar um bocado apanhado e com uma pancada enorme, mas acho que aquilo era mais para ganhar fama e beneficío dela.

Digo isto porque tive com ele algumas conversas, muito interessante e educativas, que me elucidaram bastante sobre a situação que se vivia e como ele pensava que se iria desenvolver, o que, no essencial, não divergiam muito do que eu pensava.

Mas também não deixava a sua fama por mãos alheias e logo na noite de 11 para 12 de Dezembro fui testemunha privilegiada duma dessas situações.

Nessa noita comemorava-se o S. Martinho. Eu fui portador para os amigos vilafranquenses de alguns quilos de castanhas e de um garrafão de água-pé (por sinal, bem forte!), além de outros mimos. Com um bidão, em frente às camaratas onde os quartos se encontravam, fez-se o assador e então vá de comer chouriços assados, salsichas e castanhas, tudo bem regado com a dita água-pé e outras bebidas estranhas, em grandes misturadas (cerveja, uísque, coca-cola, etc.), tudo a animar uma simulação de uma emissão de rádio protagonizada pelos camaradas das Transmissões com jeito para a coisa, como por exemplo o Furriel Roque.

Com o avançar das horas era tempo de serenar, descansar os corpos e retomar forças para o dia seguinte. Acontece é que, como sempre sucede em situações semelhantes, nem todos estavam pelos ajustes e com a previsão para breve da viagem de regresso do Carvalho Araújo havia alguns, cujos nomes não ficaram registados na minha memória, que integrariam essa viagem final para a peluda, como diziam, e estavam dispostos a prolongar a sua festa, até com atitudes menos próprias e profundamente negativas, principalmente para quem tinha fortes experiências no mato, como seja arremessar as garrafas vazias para cima dos telhados de zinco dos quartos o que, como calculam, a mim ainda não produzia efeito mas para quem já tinha reflexos condicionados era bastante aborrecido.

Ora o nosso bom Pechincha avisou solenemente os meninos que ou paravam imediatamente a graçola ou tinham que se haver com ele à sua maneira. Dada a fama que tinha, que não regulava lá muito bem e que era bem capaz de usar arma, os ânimos serenaram quase de imediato e na generalidade mas, também como sempre sucede, há sempre alguém que procura forçar a sorte e um deles, que também me disseram que estava apanhado (afinal, quem é que não estava?, acho que dependia do grau) resolveu irromper no nosso quarto com uma panela na cabeça e a bater com duas tampas como se fossem pratos duma banda de música.

Entrou, com ar de quem estava muito contente da vida e satisfeito por desafiar as ordens, mas o que eu vi de imediato foi o nosso amigo Pechincha, que estava estendido sobre a sua cama e que era logo a primeira à entrada, estender o braço sobre a cabeceira da cama, agarrar numa espécie de um dos dois machados nativos que estavam lá a enfeitar e sem mais explicações nem argumentos arremessou-o para o intruso, acertando-o na panela que estava na cabeça, deixando-o com o ar mais aparvalhado de perplexidade que vi até hoje, deixar o quarto a tremer e a balbuciar "este gajo está de facto mais apanhado do que eu!".

Uma outra vez, estava com o Pechincha na zona da baixa de Bissau, passámos junto ao Taufik Saad que, naquela ocasião, tinha tido a boa iniciativa de efectuar uma promoção de um artigo qualquer que já não me lembro, mas a infeliz ideia de dizer que era "uma autêntica pechincha"....Estão a ver a cena? O Pechincha resolve entrar de rompante na loja, cartão de identificação na mão, onde se podia confirmar que Pechincha autêntico era ele, portanto a "falsificação" teria que ser imediatamente retirada da montra!

E não é que foi mesmo!?

Era assim o Pechincha! Para muitos foi mais uma demonstração do seu apanhanço mas eu, que estava com ele, e éramos só nós os dois naquela ocasião, percebi muito bem que foi tudo encenado.... Ah, ganda Pechincha! se por acaso nos visitares e leres isto, junta-te a nós!

Uma outra recordação dos meus contactos com ele tem a ver com o que se chamou Operação Mar Verde. Cheguei à Guiné cerca de duas semanas antes da sua ocorrência mas bem em tempo da sua preparação em fase avançada. Nas longas conversas que tinha com o Pechincha, fosse pela minha habilidade em saber coisas, fosse pela habilidade dele em me transmitir coisas, pela necessidade de desabafar e aliviar a pressão a que estava submetido ou por ter percebido algum do meu posicionamento em relação à guerra e à participação nela, a verdade é que fiquei a saber algumas coisas (que pude confirmar depois quando li o livro que relata aquela operação) as quais, com alguma prudência e alguma imaginação, relatei em inocente aerograma para uma amiga vilafranquense, do género fazendo todas as afirmações que queria fazer mas dizendo para não acreditarem nelas, pois certamente as iriam ouvir dos inimigos da nação mas tudo não passariam de atoardas....

E foi tudo com o Pechincha. No início de Dezembro fui para o mato, para Piche, voltando em Junho de 1971 para Bissau para integrar o Centro de Escuta mas nessa altura já o Pechincha tinha voltado e nunca mais soube nada dele.

Cumprimentos e até breve

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
1970/72
____________________

Nota dos editores:

(*) Vd. último poste desta série de 6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P2555: Bibliografia (17): Lançamento, dia 21, na Sociedade de Geografia de Lisboa, do livro de Felícia Cabrita, Massacres em África


Título: MASSACRES EM ÁFRICA
Autor: FELÍCIA CABRITA
Editora: A Esfera dos Livros
Colecção: História Divulgativa
P.V.P: 19 €
ISBN: 978-989-626-089-7
Páginas: C. 280
Formato: 16 X 23,5
Encadernação: Brochado
Data de Distribuição: Janeiro DE 2008

Texto da responsabilidade da editora (a quem agradecemos o convite):

Em 1991, Felícia Cabrita foi pela primeira vez a África. Aterrou em Angola e estava longe de imaginar que grande parte da sua carreira como jornalista iria ser dedicada a desbravar o manto de silêncio que escondia os massacres cometidos nas antigas colónias portuguesas durante o Estado Novo.

O seu relato inicia-se na década de 50, com uma página negra da nossa história: os massacres de Batepá, em São Tomé, onde a realidade ultrapassou em muito a ficção. A jornalista segue o rumo da história para relatar os massacres da UPA, em 1961, sobre os colonos portugueses; passa pela luta na Guiné; descobre os sobreviventes do massacre de Wiriyamu, que rouba a vida a centenas de moçambicanos. [Bold da responsabilidade dos editores do blogue].

Com a saída dos portugueses, a guerra civil continua a fazer as suas vítimas, Sita Valles é uma delas. Eduardo, de catorze anos, outra, morrendo em 2001, no mato, às mãos dos guerrilheiros da UNITA que se sente cada vez mais encurralada. Porque não há guerras santas, a jornalista traz-nos o lado mais sombrio dos homens. «Tentei perceber as minhas personagens individualmente e, uma vez lançadas no mundo, neste caso a guerra, interpretar o seu desempenho no comportamento colectivo. A história tem ciclos, repete-se sem novidades e o homem, seja qual for o continente, é sempre igual nos vários palcos onde o inferno assenta.»


FELÍCIA CABRITA: Foto: A Esfera dos Livros (com a devida vénia...)

Jornalista do semanário Sol, trabalhou em vários órgãos de comunicação social, como o jornal Expresso, a revista Grande Reportagem ou a estação de televisão SIC. Pela sua mão foram denunciados grandes casos nacionais, como o escândalo do Ballet Rose ou o caso Casa Pia. É autora da obra Amores de Salazar e co-autora da biografia Pinto da Costa – Luzes e Sombras de um Dragão, ambas editadas por A Esfera dos Livros.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2554: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (21): Chegou o Nuno Rubim, em Mejo o Capitão Fula (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > 15 de Fevereiro de 2008 > Foto nº 3 > O Nuno Rubim posando junto célebre poilão do Corredor de Guileje...


1. Mensagem que nos chega do Pepito,no fim de semana:

Chegou o Primeiro Participante!

No dia 8 de Fevereiro chegou a Bissau o Coronel de Artilharia, na reforma, Nuno Rubim, primeiro participante a marcar presença no Simpósio Internacional sobre Guiledje.

Depois de ter metido mãos à obra para concluir o diorama do quartel de Guiledje, aproveitou o fim-de-semana de 15 para se deslocar ao terreno para fazer alguns levantamentos e reencontrar velhos amigos e amigas...

A primeira paragem foi no posto de Balana que, na altura, servia para guardar a ponte sobre o rio Balana. Poucos, para não dizer quase nenhuns, vestígios resistiram ao tempo.

Foto nº 1 >Nas proximidades de Gandembel > O Nuno utilizando o GPS

Poucos quilómetros mais à frente foi a vez de visitar e recolher as coordenadas do Quartel de Gandembel, lembrando a falta que nos vai fazer o Idálio Reis como cicerone da visita do Simpósio.

A paragem seguinte foi no corredor de Guiledje, onde confraternizou e trocou informações com antigos guerrilheiros do PAIGC, aproveitando para posar junto ao velho e famoso poilão, testemunha de tanta história (vd. foto nº 3, acima).



Foto nº 2 > NO corredor de Guileje > O Nuno Rubim trocando impressões com Dauda, um antigo guerrilheiro do PAIGC


No entroncamento de Guiledje dá-se o primeiro reencontro com antigos milícias do Quartel. Camisa Mara, que viveu toda a história do quartel desde a sua criação até ao seu abandono, foi o interlocutor privilegiado.




Foto nº 4 > O Nuno Rubim reencontra o Camisa Mara, um milícia que foi uma testemunha privilegiada da ascensão e queda do aquartelamento de Guileje.


Finalmente o momento alto do dia. A chegada a Medjo e o reencontro com velhos amigos e amigas...

Nuno Rubim foi imediatamente reconhecido pelas mulheres, presentes em grande número e que não se cansavam de o apelidar de Capitão Fula, como há 41 anos atrás era conhecido.


Foto nº 6 > Mejo > O NUnio Rubim, o Capitão Fula de há 40 anos, reencontra a mulher do régulao Suleimane.

Foto nº 7 > Mejo > Um grupo de reconhece o Capitão Fula...

Foto nº 8 > Mejo > O Nuno com o filho do régulo Suleimane, à direita.

Foi a ocasião de rever a mulher do Régulo Suleimane, entretanto falecido, que aparece com ele numa célebre fotografia em que as mulheres do quartel lhe prestam uma merecida homenagem. Só à força o conseguimos tirar de Medjo. Guiné > Redgião de Tombali > Guileje > O noso capitão fula Nuno Rubim ... "A minha esquerda o Alf Moura, da CCAC 1424, que viria a morrer em combate, ao meu lado, em Salancaur" (1)....

Foto: © Nuno Rubim (2006). Direitos reservados




Foto nº 9 > Antigo acampamento do PAIGC na mata do Cantanhez.
No dia seguinte foi o fraternal encontro com os antigos combatentes do PAIGC no Acampamento da guerrilha Osvaldo Vieira, em Cantanhez, onde foram recordadas operações militares vividas pelos dois lados.

Fotos (de 1 a 9): © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.
__________
Nota dos editores:
(1) Vd. poste de 10 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P862: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim
(...) Caro Luís Graça:
Este email já leva algumas respostas para o Pepito. Folgo muito com o estabelecimento destes nossos contactos.Comandei em Guiledge, sucessivamente (de castigo !..., eu qualquer dia conto esta estória) as CCAÇ 726 e 1424, depois de ter também comandado a CART 644 em Mansabá e a CCmds em Brá.
O que foi a minha vivência em Guileje fazem os amigos ideia... Foram de facto perto de 10 meses infernais, com mortos, feridos, estropiados, de ambos os lados, enfim o triste rosário de uma guerra que Portugal nunca devia ter travado.
Tinha também um Grupo de Combate em Mejo, de que pouco tenho ouvido falar. Quando terá sido desactivado esse pequeno aquartelamento ?
E ainda voltei à Guiné em 1972-74, mas isso é outra história..., que meteu o início da conspiração que levou ao 25 de Abril, entre outras coisas...
Vamos então por partes (...).

Guiné 63/74 - P2553: Guiné-Bissau e Portugal juntos na Memória (Virgínio Briote)

Mensagem de Rui Fernandes (1)

Caro Virgínio Briote

Seguem em anexo os artigos publicados no dia 16 de Fevereiro na Página UM.


http://pagina-um.blogspot.com/

Um abraço,
Rui Fernandes


1. Liga de Combatentes identificará cadáveres de Portugueses



A Liga dos Combatentes portuguesa vai começar a identificar e concentrar os restos mortais de soldados portugueses mortos durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, disse hoje o vice-presidente da associação, General Carlos Camilo.

Os trabalhos, que deverão começar em Março, serão realizados no âmbito do programa da Liga dos Combatentes denominado Conservação de Memórias, que pretende dignificar os ex-combatentes.

No quadro deste programa da Conservação das Memórias uma das tarefas é a de localizar corpos de ex-combatentes e dignificá-los em quatro locais da Guiné-Bissau, afirmou o general Carlos Camilo.
Na Guiné-Bissau temos referenciados - quer combatentes nascidos em território guineense, quer em Portugal - cerca de 750 espalhados por vários locais do país, disse o general português.
O objectivo da Liga do Combatentes é localizar os corpos e concentrá-los em quatro locais distintos do país: Bissau, Bambadinca, Bafatá e Gabú.
Vamos iniciar brevemente a tarefa de identificação e concentração de corpos numa área onde estão referenciados 31 antigos combatentes, avançou o general Carlos Camilo.
O general Carlos Camilo (ver adenda) explicou também que como a identificação de restos mortais implica uma técnica que a Liga dos Combatentes não domina foram estabelecidos acordos com o Instituto de Medicina Legal e a Universidade de Coimbra. São técnicos forenses que têm todas as condições para identificar, através do ADN, nomeadamente, restos mortais, disse.

Questionado sobre a eventual trasladação dos corpos identificados, o general explicou que a responsabilidade da Liga dos Combatentes é dignificar os ex-combatentes e não proceder à sua trasladação. Se depois de claramente identificados os restos mortais, os familiares estiverem interessados na trasladação essa será feita com base nas leis vigentes em Portugal e na Guiné-Bissau, explicou o General.

A Liga dos Combatentes já referenciou cerca de 4.000 antigos combatentes das forças armadas portuguesas espalhados pela Europa e África, faltando apenas o levantamento no continente asiático.
No âmbito do programa Conservação de Memórias, a Liga dos Combatentes procedeu hoje na Guiné-Bissau ao lançamento de duas pedras simbólicas para a construção de um monumento ao soldado desconhecido português e guineense e da Casa da Amizade entre os dois países.

LUSA
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2. Guiné-Bissau constrói Monumento de Homenagem aos Combatentes
O Presidente do Instituto de Defesa Nacional da Guiné-Bissau, Baciro Djá, destacou hoje a grandeza do povo guineense no lançamento da construção de um monumento ao soldado desconhecido e da Casa da Amizade pela Liga dos Combatentes de Portugal.

Com este acto estamos a assistir a um marco histórico entre o povo de Portugal e da Guiné-Bissau, afirmou Baciro Djá.

Mais uma vez o povo da Guiné-Bissau mostra a grandeza de um povo que sabe perdoar, que quer desprender-se dos preconceitos da colonização e manter as fortes relações com Portugal, sublinhou.
Na cerimónia, que decorreu no Ministério da Defesa Guineense, estiveram presentes o Ministro da Defesa da Guiné-Bissau e o embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, José Manuel Paes Moreira, bem como outras personalidades ligadas às forças armadas guineense.
Queremos aqui reafirmar a nossa amizade com Portugal, acrescentou Baciro Djá.
O vice-presidente da Liga dos Combatente de Portugal, General Carlos Camilo, destacou por seu lado, que o monumento ao soldado desconhecido pretende homenagear os combatentes do passado, do presente e do futuro.
Este memorial está relacionado com a nossa história passada, recente e futura, sublinhou.
A construção do monumento ao soldado desconhecido e da Casa da Amizade, que disponibilizará aos ex-combatentes e militares várias valências, nomeadamente do sector da saúde, são financiadas pela Liga dos Combatentes portuguesa no âmbito do programa Conservação de Memórias.
O programa prevê igualmente iniciar no próximo mês a identificação e concentração dos restos mortais de antigos combatentes das forças armadas portuguesas que morreram durante a guerra colonial.
A cerimónia acabou entre vivas a Portugal, à Guiné-Bissau e aos combatentes de ambas as facções da guerra colonial.
MSE/Lusa
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Adendas:

1. do Rui Fernandes: Repórter África do dia 15/02, RTP. Pode ser visto em
http://ww1.rtp.pt/multimedia/?tvprog=10184&idpod=11835

a partir dos minutos- 23.55 sobre Liga de Combatentes

2. do Abreu dos Santos
ver http://www.angolapress-angop.ao/noticia.asp?ID=595973, onde se fala de «viagens turísticas à Guiné-Bissau»
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Fixação do texto : vb

(1) vd também artigos de:

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2486: Memória dos lugares (5): Bambadinca, 2006 (Rui Fernandes / Virgínio Briote)

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2475: Memória dos lugares (4): Bambadinca, 2006 (Rui Fernandes / Virgínio Briote)

25 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 – P2213: Dando a mão à palmatória (2): Rui Fernandes, o fotógrafo do pintor Augusto Trigo (Virgínio Briote)

14 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cachambas Balantas, próximo de Jamberém > CCP 123 / BCP 12 (1972/74) >12 de Fevereiro de 1973 > "Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias (...) e que é hoje um empresário de táxi em Loures) (...) e o Solinho" (MR).

O 1º Cabo pára-quedista Álvaro, o militar à esquerda na fotografia, pouco depois da captura, no Cantanhez, do famoso Comandante Malan Camará, ferido por um disparo de Sneb [rocket de 3,7 cm], "que eu próprio mandei disparar" (Manuel Rebocho) (1).

Foto: © Costa Ferreira (gentilmente cedida pelo Manuel Rebocho) (2007). Direitos reservados.


1. A propósito de Guileje e do Malan Camará, no mês de Janeiro último, troquei alguns emails com o Manuel Rebocho que, além de ter sido um grande operacional, como sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, 1972/74), é também meu confrade da(s) sociologia(s), sendo doutorado pela Universidade de Évora. Sobretudo a partir dos escritos do nosso camarada Victor Tavares, sabemos hoje melhor – pelo menos aqui no blogue - o papel decisivo que tiveram os homens do BCP 12, na contenção da ofensiva do PAIGC e na defesa das vidas de muitos camaradas nossos (tanto no sul, Guileje e Gadamael, como no norte, Guidaje) (2).

Na sequência dessa troca de correspondência, pedi-lhe para publicar autonomamente o relato da captura do Malan Camará, comandante de um bigrupo do PAIGC, o bigrupo de Simbeli. Além de ter comandado o Grupo de Combate que esteve na origem do aprisionamento desse guerrilheiro, o Rebocho possui cópia do relatório da operação:

Este relatório está classificado de 'secreto'. Não o roubei, nem o obtive pela 'porta do cavalo'. Tenho-o por despachos do Ex.mo General CEME e do Ex.mo Major-General Comandante das Tropas Aerotransportadas. Tenho este relatório e centos de outros, obtidos todos, de igual forma.

O Rebocho, que neste blogue tem cultivado um low profile, fez questão inclusive de me dar os números de telemóvel ou de telefone de todos os camaradas que ele menciona aqui, e que podem comprovar a sua estória/história. Naturalmente que não vamos divulgar no blogue esses contactos. Mas o gesto é revelador da honestidade intelectual do autor. De resto, já lho tinha dito:
Caro colega de academia e camarada de armas: Admiro a tua frontalidade e a paixão pelo rigor, filhos da carreira de armas, da guerra, da camaradagem e da... ciência.

A captura do Malan Camará (que por lapso chegou a ser imputada à CCP 121) não é apenas mais um episódio da guerra, dura e cruel, que se travou na Guiné, e em especial no sul, nos últimos anos (1972/74)...Tem também o seu lado de nobreza e de grandeza humanas, que eu quero aqui sublinhar, ao publicar mais esta Estória de Guileje (3). O teatro de operações não foi exactamente o da zona de acção de Guileje, mas foi nas suas proximidades, a sudoeste, na actual Região de Tombali, na mítica mata do Cantanhez, perto de Jemberém (Carta de Cacine).

E a propósito onde estava o Rebocho mais os seus homens em 22 de Maio de 1973 ? Escreveu ele:

"A minha Companhia [a CCP 123] estava, no dia 21 de Maio de 1973, com dois Pelotões em
Cadique e os outros dois em Jemberém, no Cantanhez. Durante a noite de 21 para 22 de Maio a Companhia recebeu ordens para reagrupar, como reagrupou. As ordens são para cumprir - na guerra ou nas guerras - se cada um faz o que quer, convencido de que possui toda a razão, o resultado acaba por ser sempre o mesmo - morrem todos. Durante a madrugada desse maldito dia 22 de Maio, a minha Companhia embarcou numa LDG, ancorada no rio Cumbijã, para seguir para Gadamael, e daqui, em marcha apeada, para atacar as bases do PAICG, que estavam a bombardear Guiledje".



Estórias de Guileje > A captura do Malan Camará
por Manuel Rebocho

Revisão e fixação de texto: L.G.

O Malan Camará foi capturado no dia 12 de Fevereiro de 1973, nas Cachambas Balantas, próximo de Jemberém, depois de ter sido ferido por um disparo de Sneb, que eu próprio mandei disparar. Era ele, ou eu e os meus homens: foi assim a guerra, que só a conheceu quem a fez.

Malan Camará, ou os homens sob o seu comando, mataram-me um soldado, o Azinheirinha, e feriram gravemente o Alferes, razão pela qual assumi o comando do pelotão.

O Malan Camará recebeu os primeiros socorros no terreno, antes de ser evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau, onde foi bem tratado. E não foi evacuado por engano, eu pedi uma quarta aterragem de helicóptero, dizendo expressamente que era para evacuar um elemento IN ferido.

O General Spínola, que estivera no local falando connosco, ouviu as comunicações rádio e não se opôs, o que permite que eu afirme que este género de humanidade era assumido pela mais alta hierarquia. De facto, o General Spínola não teve só conhecimento, via rádio, de que eu pedira a avacuação de Malan Camará, como tendo acompanhado via rádio as nossas comunicaçãoes, foi lá, esteve no terreno connosco, falou connosco e inteirou-se do que se estava a passar.

Como eu esperava o helicóptero para evacuar o Malan, quando o helicóptero se aproximava mandei, como era natural, quatro soldados avançarem com o preso. Spínola desceu e viu claramente que o elemento a evacuar era um inimigo.

Hoje, os que fugiram da guerra, para o ar condicionado, dizem de Spínola cobras e lagartos, mas têm mais defeitos do que ele, enquanto o não assemelham nas virtudes.

A guerra em que eu participei, foi uma guerra violenta, mas humana, dentro do possível, claro. Não a do ar condicionado nem a da violência gratuita.

A vinda de Spínola acabou por nos trazer mais um embaraço: Malan Camará não seguiu naquele helicóptero e tivemos que esperar por outro. Mas, como um mal nunca vem só, os Pilotos consideraram, e bem, que aterrarem uma quarta vez no mesmo sítio era já muito perigoso, pelo que acertámos que a evacuação de Malan se faria, como se fez, numa outra bolanha, para onde partimos e a evacuação se processou.

É de referir que, naquele momento, eu não sabia quem era o guerrilheiro, pelo que no campo da estrita decisão militar, eu evacuei um guerrilheiro, sem nome nem função.

A operação era comandada pelo Tenente Sousa Bernardes. Porém, como o seu Comandante estava aprisionado, os guerrilheiros lutaram prolongada e desesperadamente, o que levou à exaustão dos meus homens e de mim próprio.

Então, Sousa Bernardes, que eu considero o melhor Oficial com quem trabalhei, decidiu perseguir os guerrilheiros, com o pelotão dele, arrastando os combates para o interior da mata e facilitando assim as evacuações. Por este motivo o comando das evacuações ficou a meu cargo, pois os nossos dois pelotões separaram-se, o que bloqueou a capacidade táctica da guerrilha.

Como, e muito bem, se tem acentuado no nosso blogue, os combatentes não lutam para matar, mas para sobreviver, e neste sentido e por esta razão, aqueles combates sucessivos foram dramáticos, porque os guerrilheiros queriam desesperadamente recuperar o seu comandante e nós queríamos sobreviver, o que estava a ser difícil.

Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias, que por mais que estranhas são verdadeiras), que é hoje um empresário de táxi em Loures; o outro é o Solinho.

Os outros dois Cabos Pára-Quedistas, que comigo ficaram debaixo de fogo, pois tratou-se de uma emboscada montada pelo PAIGC, com abelhas e tudo, são o Gonçalves e o Ferreira (o Salvaterra para os amigos, por ser de Salvaterra de Magos, onde é hoje, um respeitável industrial da construção civil).

O Alferes que comandava o Pelotão e que foi ferido e evacuado, é hoje Coronel na reserva, chama-se Fernando Pires Saraiva.

O comandante da operação era o então Tenente Pára-Quedista Norberto Crisante de Sousa Bernardes, o melhor Oficial do Quadro que eu conheci, comandava a partir da frente, onde não ia naquele momento, por que seguia na frente um sargento chamado Rebocho e, como estávamos nas proximidades da base do PAIGC, todas as regras desaconselhavam que fossemos os dois perto um do outro. A operação foi conduzida a dois pelotões. Sousa Bernardes é hoje Major-General, na reserva, vive em Abrantes.

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Notas de L.G.:

(1) Sobre o Malan Camará, vd. postes de:

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

25 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2490: Em busca de... (18) : Malan Camará, comandante do PAIGC, capturado pela CCP 123, no Cantanhez, em 1973 (Manuel Rebocho / Pepito)


(2) Vd. postes do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista

29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

31 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2014: O Idálio Reis, a CCAÇ 2317, Gandembel e os pára-quedistas do BCP 12 (Victor Tavares)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2051: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (II parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)


(3) Vd. último poste desta série > 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

Guiné 63/74 - P2551: Estórias do Juvenal Amado (3): Como hóspede do Xime (Juvenal Amado)

Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74


1. Em 9 de Fevereiro recebemos esta mensagem de Juvenal Amado:

Caros camaradas da Tabanca Grande,

Cá estou com mais uma recordação, ou pelo menos parte dela, pois datas nomes diluiram-se no tempo. Embora não seja difícil saber em que data foi o domingo de Pácoa de 1972, acho que não é importante para a narração (1).

Um abraço
Juvenal Amado


2. Como hóspede do Xime

Quando desembarquei da LDG pela primeira vez, junto com o meu Batalhão, debaixo de todo um aparato defensivo, com carros blindados e apoio aéreo, quase não dei pelo destacamento do Xime, tal era a minha atrapalhação.

Agora, uns meses passados, estou no mesmo cais a colocar as viaturas que vou entregar em Bissau, para o respectivo abate.

Olho para o destacamento que fica numa pequena elevação. É um monte de casernas de telhado de zinco, já algo ferrugento, e há também um edifício com telha de barro.

O arame farpado cerca o destacamento. O arame farpado no jardim usa-se muito por toda a Guiné. Está na moda.

Quando aceitei fazer a entrega do equipamento para abate em Bissau, nunca me passou pela cabeça que ia ficar à espera mais de um mês no Xime, até que conseguisse embarcar numa LDG, ou noutra embarcação, que subia e descia o Geba.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1997 > Restos do famoso cais do Xime, no Rio Geba...

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Todos os camaradas que por cá andam sabem que, por mau que seja o nosso próprio destacamento, é sempre melhor do que estar noutro, onde nada temos.

No caso, o Xime é muito pior que Galomaro.

Entrego as minhas Guias de Marcha, para que me seja facultado alimentação e alojamento.
Não estou sozinho nesta empreitada. Vários camaradas, de vários pontos do Leste, ali amargam juntamente comigo. Uns tinham chegado antes, outros comigo e outros chegaram posteriormente.

Dormíamos todos no edifício com telha. É um armazém, temos uns colchões e chega. As refeições são tomadas por grupos, pois por razões de segurança não comemos todos ao mesmo tempo.

Lá em baixo no cais, as duas Berliet cada uma com um Unimog em cima, mais a GMC, que tenho de entregar, aguardam indiferentes ao encher e vazar do rio.

Numa dessas viaturas estão também minas, granadas de RPG e duas ou três armas, coisa que eu só venho a tomar conhecimento em Bissau.

Uma das minhas preocupações é como vou meter as viaturas dentro da embarcação, uma vez que elas não trabalhavam e por isso, nem travões têm. Os dias vão passando, os barcos atracam duas vezes por semana, mas eu não consigo embarcar.

Ontem sofremos um ataque. Uma granada de morteiro ou canhão sem recuo acertou perto da cozinha, mas sem causar danos de maior.


Como outros motivos de interesse, ouvíamos os ataques a outros destacamentos da área, o que acontece várias vezes:

- Olh, estão a embrulhar.

Pomo-nos de sobreaviso, pois por vezes o IN ataca o Xime para que o destacamento não possa prestar ajuda.

É Domingo de Páscoa, nisto chega uma coluna. Vem de Pirada.

Traz quatro caixões, e segundo se veio a saber, pelo soldado que também ficou connosco, a tragédia passou-se da seguinte forma:
- Um soldado tresloucado entrou no gabinete do capitão, com duas granadas descavilhadas e enquanto falava, abriu as mãos, morrendo ele, o capitão, um alferes e um furriel.

A guerra tinha feito mais vítimas, embora de forma inesperada.

O soldado que acompanhava as urnas, apanhou um enorme susto já em Bissau, pois a LDG ficou ao largo e nós fomos transportados para terra em pequenos barcos. Esta situação manteve-se durante dois dias e, quando finalmente atracou, as urnas já lá não estavam. Era um assunto de muita responsabilidade e, para mais, não foi fácil encontrá-las.

Mas voltando ao Xime. Esta situação tende a eternizar-se. Hoje é dia de vir a LDG e já combinei previamente, com um condutor, para me empurrar pela rampa abaixo, uma viatura de cada vez, preparo-me para sair dali.

Entraram as primeiras. Acho que é a minha oportunidade, faço sinal e engreno a marcha atrás, pois é a única forma de as parar, naquela louca descida. E lá vou eu.


Escusado será dizer que parto aquilo tudo e ainda esborracho os carros que já estão a bordo.
Uma manobra perigosa, mesmo sem saber, porque levo explosivos numa das viaturas.

O major 2.º Comandante do BCAÇ 3873 de Bambadinca, que assiste a toda a manobra, só me diz: - Já te safaste, não é?

Eu esbocei um sorriso, pois dificilmente me obrigariam a tirar o monte de destroços, que eu tinha acabado de lá pôr dentro.

Em Bissau, o representante do Batalhão trata do necessário para a entrega do material no enorme cemitério auto que se situa para os lados dos Adidos.

Estou ansioso para regressar a Galomaro. Uma coisa aprendi. Ir a Bissau não vale tamanho sacrifício.

Juvenal Amado
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Nota de CV:

(1) Vd. último poste desta série, de 7 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2510: Estórias do Juvenal Amado (2): O boato: nós, o Sardeira e a Maria Turra (J. Amado, CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

Guiné 63/74 - P2550: Blogoterapia (43): O que os Jornais dizem (Virgínio Briote)


Capa do DN, de hoje, 17 de Fevereiro de 2008. Com a devida vénia.

1. Hoje na revista do Diário de Notícias

Fidelidade, honra, lealdade. Em 1961, o regime salazarista começou a recrutar soldados nativos para combaterem contra os movimentos independentistas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

Durante os 13 anos seguintes, milhares de africanos juraram pela bandeira portuguesa e lutaram aos lado dos colonos. Quando o conflito terminou, a maioria ficou entregue à sua sorte. Estas são as histórias dos que foram mortos, dos que ainda vivem escondidos no mato e dos que conseguiram fugir para a metrópole. Homens que Portugal abandonou e tentou esquecer. Aqui estão eles. (...)

Em meia dúzia de páginas, Ricardo Rodrigues do DN (fotos de Constantino Leite) fala das histórias de algumas daquelas vidas.
E chama colonos aos que daqui para lá foram, muitos deles que com aquelas idades nem o mar ainda tinham visto. Eu, o mais longe que tinha ido tinha sido à Madeira e a S. Miguel e à Terceira, nos Açores.

Não temos que estranhar, nem as histórias que contam nem os temas que abordam. Continua a ser um assunto que vende. É e vai continuar a ser, uma das feridas que a nossa História recente ainda não fechou.
E muitas outras páginas ainda se vão escrever sobre os Camaradas, originários daquelas terras, que nos acompanharam de G3 na mão.

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2. Os nossos Camaradas presentes-ausentes: breve nota

Não faço ideia do que levou o Luís Graça a abrir esta página sobre a Guerra da Guiné. Mas, que tem méritos, tem.
E não só por, todos os dias, acrescentar novas páginas de acontecimentos, uma boa parte deles esquecidos ou oficializados pela história oficial. Relatar estes factos esquecidos é importante, especialmente se estão a ser contados por intervenientes ainda vivos.

E muito importante também é dar-nos a oportunidade de lavar a crosta que nestes quarenta e tal anos decorridos se foi acumulando.

Para mim, espero que permitam que o facto de ser co-editor não me limite, o principal mérito do nosso blogue foi e continua a sê-lo todos os dias, permitir que nós, ex-combatentes da Guerra da Guiné, se encontrem e, que em conjunto, se esforcem por arrumar prateleiras fechadas em sótãos, anos e anos.

Muitos de nós, mais de 200, têm dado a cara. Fotos, mapas, nomes, relatos pessoais, relatórios oficiais, de tudo isto se vai fazendo a história do nosso blogue. E falar do nosso blogue é contar a história da Guerra da Guiné.

Somos uma minoria. Quantos combatentes passaram pela Guiné, desde 1963, o início oficial da Guerra até ao fim em Abril de 1974?
Que é feito de tantos e tantos outros, muitos deles ainda bem vivos, e alguns dos quais sabemos serem nossos acompanhantes diários, ainda que silenciosos?

Caros Camaradas, que silenciosamente nos acompanham, o que esperam para se juntarem a nós, acrescentando mais factos, mais imagens, mais depoimentos?

É possível que alguns pensem que há coisas a separar-nos (a informática, a escrita?).

Mas naqueles tempos, entre o início da década de 60 e os meados da de 70, estávamos todos juntos, dentro dos mesmos aquartelamentos, os arames farpados eram os mesmos, as picadas e os trilhos que pisávamos eram também os mesmos e as balas das PPSHs, e as granadas dos morteiros e dos RPGs atingiam-nos indiscriminadamente.

vb

Guiné 63/74 - P2549: Blogoterapia (42): 34 anos depois (Henrique Cerqueira)


Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
BCAÇ 4610/72/3.ª Companhia no Biambe
4.º Grupo de Combate da CCAÇ 13
1972/74


1. Em 29 de Janeiro de 2008, o Henrique Cerqueira mandou esta mensagem para o nosso Blogue

Camarada Luís:
Envio um pequeno trabalho... No entanto agradeço que verifiques bem se deve ser publicado ou não. A decisão que tomares eu estarei de acordo.

Aproveito para te desejar a ti e restantes camaradas que irão estar em Guileje, no Simpósio, muitas felicidades para o mesmo. Tenho imensa pena de não poder ir, mas há valores mais baixos que se levantam. Desculpa lá isto foi um trocadilho mal conseguido.

O que se passa, é que para mim é economicamente inviável fazer uma viajem dessas neste momento, mas penso a médio prazo ir à Guiné, mais propriamente a Bissorã, pois estive lá com a minha mulher e filho e pensamos voltar lá um dia. Nessa altura poderei vir a precisar dos vossos conhecimentos em termos de contactos.

Um abraço
Henrique Cerqueira

2. As Precisões e Imprecisões, 34 anos Depois

Olá camaradas tertulianos.

Cá estou eu, o Ex-Fur Mil Henrique Cerqueira, para escrever alguma coisa sobre o assunto em título.

Se calhar vou arranjar alguma polémica, espero que não. É que sou mesmo leitor assíduo do nosso Blogue e de outros idênticos e venho a ficar um pouco pasmado com tanta precisão em certas narrativas referentes às nossas vidas passadas na famigerada guerra da Guiné.

É espectacular a quantidade de conhecimentos que tenho adquirido nestes últimos tempos. Nunca soube tanto sobre a nossa guerra de estimação como sei hoje em dia e depois que me tornei membro desta maravilhosa tertúlia.

Atenção que na minha singela opinião acho que é mesmo bom que antigos camaradas tenham uma memória tão fresca que chegam a ponto de narrarem horas, dia, mês, etc.

Eu, das duas uma, ou estou mesmo xéxé ou então andei na Guiné só como carne para canhão RPG, Minas, e outros artefactos já que canhão pelo vistos só os nossos, os tais de 10,5 ou 10,6 e 14 cm, afinal que interessa, nenhum deles valia mais do que o seu valor em ferro, aço, chapa, eu sei lá.

O que sei, isso sim, era que a maioria da malta andava lá e não tinha nem uma ínfima parte da informação que hoje em dia vejo aqui descrita no nosso Blogue e, como tal, é mais que natural que passados todos estes anos, muitos de nós só somos precisos nos momentos que mais nos marcaram, daí eu pensar que é mesmo muito necessário que haja alguma condescendência nos juízos que fazemos em relação a certas narrativas.

Pelo menos para mim e desde que descobri este Blogue, o mais importante tem sido a oportunidade de expulsar alguns fantasmas e até ser um pouco mais realista em relação a essa época, pois que aqui estamos a falar com gente que bateu lá com os costados e não estamos a contar balelas, que às vezes até se compreendem.

Lembro, por exemplo, que alguma malta até ostenta com algum orgulho as marcas físicas conseguidas na guerra, a outros até lhes faz algum jeito em termos de reformas e sei lá mais algumas benesses após 25 de Abril, mas tudo bem, cada qual é como cada qual.

Agora eu pergunto. Quantos de nós não ficamos aliviados quando a bala ou estilhaço acertava no camarada do lado e não em nós???

E agora vocês perguntam, mas o que é que o cu tem a ver com as calças?
Tem e muito. É que tenho lido ultimamente uma simples palavra que é fugiu e reporto-me em especial ao que aconteceu em Guileje.

Eu não estava lá, mas íamos tendo algumas notícias, pelo jornal da caserna, claro está, pois que os nossos altíssimos superiores nada nos diziam ou explicavam, tanto nesse assunto como noutros, porque quer queiramos ou não reconhecer, os furriéis e até parte dos alferes, serviam simplesmente para fazer o trabalho desagradável junto dos soldados e pouco mais e, quando o trabalho era bem feito ou alguém se destacava por este ou aquele acto, os louros eram quase sempre para o Comando do Batalhão.

Já se sabe que haverá gente que está em total desacordo comigo, no entanto foi isto que senti na pele.

Por exemplo, sempre que participei em operações ou patrulhamentos, nunca assisti a uma reunião de planeamento das mesmas (se calhar também não as faziam por falta de conhecimentos).

É mais ao menos por isto que me baseio na falta que havia de funcionamento nos meios militares e, já agora, se calhar foi por isso que eu e outros nunca fomos incentivados a ter o tal espírito militar e de soldado que um ex-capitão meu me acusa num certo artigo de direito de resposta.

Voltando às supostas fugas. Eu penso que até para se fugir é preciso ter muita coragem e até muita responsabilidade. Como sabemos, o Sr. Comandante de Guileje bem sentiu as consequências e desgraçadamente está ainda a sentir. Eu penso que a palavra fugir, neste caso, devia ser banida, senão veja-se o exemplo que nos foi dado com a descolonização, que foi a fuga mais desastrosa de que há memória, com todas as implicações que ainda hoje sentimos.

Eu não tive a coragem suficiente para fugir à guerra, pois já nesse tempo e na Metrópole, a PIDE ao constatar que eu fazia parte de um grupo de amigos mais ao menos revolucionários, dos quais alguns fugiram para França, se encarregou através da Câmara Municipal do Porto, avisar que os Pais dos que fugissem seriam despejados das casas camarárias. Além disso eu era casado e já tinha um filho, como tal foi-me assim proporcionado ser um valente militar em defesa da Pátria.

Se a maioria de nós meter o dedinho na carola verá que andou a tentar tudo por tudo para não ir à Guerra do Ultramar, só que não conseguiu.

Camaradas, que estão em desacordo comigo, quero que saibam que respeito em pleno o vosso desacordo, não somos todos iguais (felizmente).

Não estou aqui armado em inteligente, só estou a expressar a minha opinião neste nosso famoso Blogue, já que na altura nós não tínhamos opinião, não é ?

Bom, eu acho mesmo que esta escrita já está longa demais, mas as imagens fervilham no meu cérebro e francamente é muito difícil expor tudo que se pensa por escrito até porque há as pontuações, as vírgulas e outras que tais, que na falta ou em excesso desvirtuam a ideia.

É por essas e por outras que tenho receio da escrita e da má interpretação que possa suscitar em mentes menos abertas a certos temas.

No entanto esse é mais um dos medos que tenho de enfrentar e como tal faço aqui o pedido do costume:
- Luís Graça, se achares que esta escrita não tem interesse ou é susceptível de criar excesso de polémica para os Bloguistas, não te inibas de o não transcrever. Aceito de pleno acordo que o blogue não deve ser local de desavenças, mas sim o sítio certo para expormos parte das nossas vidas passadas em comum, que foi na guerra.

Aproveito ainda para reafirmar uma vez mais que, apesar dos pesares, sinto-me orgulhoso de ter feito parte de todas as companhias em que cumpri com a minha obrigação e que não tenho absolutamente nenhum rancor ou recalcamento de qualquer camarada de armas tanto na Guiné como cá em Portugal.

Espero ainda que estes 34 anos vividos após o final dessas guerras estpidas nos tenham amadurecido o suficiente para podermos ensinar melhor os nossos filhos, mais agora, os nossos netos.

Ah, já me esquecia. Aprendi na época, com os Comandos e Rangers, a seguinte frase: Um Comando Nunca Foge, Recua é para Tomar Balanço.

Um grande abraço para toda a tertúlia e não sejam mauzinhos comigo depois de lerem este escrito.

Henrique Cerqueira
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Notas dos editores:

(1) Vd. último post da série Blogoterapia de 17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2545: Blogoteria (41): Guileje, Gadamael, Mata do Cantanhez... e a memória das gentes (José Teixeira)

(2) Vd. último post de Henrique Cerqueira de 22 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2471: Glória às nossas enfermeiras pára-quedistas e aos malucos das máquinas voadoras (Henrique Cerqueira, Bissorã e Biambe, 1972/74)

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2548: Ser Solidário (5): Ainda a Expedição à Guiné-Bissau (Carlos M. Santos)

1. Mensagem de Carlos Marques Santos de 17 de Fevereiro de 2008 com notícias da expedição que parte no próximo dia 21 para a Guiné-Bissau

Vinhal:

Um abraço.
Mais uma achega à expedição à Guiné do próximo dia 21 retirada do Diário de Notícias do dia 16 de Fevereiro de 2008 (uma página inteira).

CMSantos







O maior contentor de apoio humanitário chega dia 28 de Fevereiro à Guiné-Bissau.
37 anos depois de ter saído da Guiné-Bissau , José Moreira voltou a Jumbembem, onde estivera entre 1966 e 67 como furriel de companhia de caçadores.
De regresso a Coimbra carregava uma vontade de ser útil.
Criou então a Associação Memórias e Gentes.
Dia 21 de Fevereiro 26 expedicionários (12 de Coimbra e 14 do Porto) fazem-se à estrada para receber em Bissau o maior contentor (cedido pela Portline) de apoio humanitário entretanto embarcado no navio panamiano CRISTINA 1, que zarpará de Setúbal.

(Fotos e texto extraídos do DN de 16 de Fevereiro de 2008, com a devida vénia)
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Nota dos editores:

Vd. último post da série de 13 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P2547: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (2): O aerograma em que o Casimiro Carvalho prêve o ataque ... (Manuel Rebocho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Rebocho, ex-sargento paraquedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975")

Camaradas Luís Graça e Casimiro, e demais camaradas

Acabo de ler no nosso Blogue, que o Luís tem os aerogramas do Casimiro (1).

Li também, e concordo, que estes aerogramas (2) podem constituir peças do Museu de Guileje.

Não sendo o assunto meu, mas também não deixando de o ser, gostaria de alertar para um aerograma, que eu considero histórico, que hoje não tem valor, porque os donos de Abril o não permitem, mas virá a tê-lo, muito seguramente, um dia.

Neste aerograma, que eu já li, e tenho uma fotocópia, o HERÓI DE GADAMAEL prevê o ataque a Guileje. Não me enganei, Camaradas, o camarada Casimiro, num aerograma que dirigiu aos pais, prevê o ataque a Guileje. Previsão que extrai a partir de determinadas atitudes do Estado-Maior, que considera erros tácticos (3).

Na minha tese de doutoramento, em que conclui ser muito fraca a formação ministrada na Academia Militar, transcrevo, deste aerograma, a parte em que o Casimiro prevê o ataque a Guileje.

Na sequência da transcrição, eu questiono: como é possível que um aparentemente simples [militar], um Furriel Miliciano, tenha previsto o que nenhum dos Oficiais do Estado-Maior previu???

É certo que alguns Oficiais odeiam a minha tese, por esta e por outras. Mas factos são factos. Factos estes que levaram o ilustre Professor Doutor Adriano Moreira, durante a arguição da minha tese de doutoramento, a comparar-me, quanto ao que afirmo relativamente à formação ministrada na Academia Militar, a Lutero, quanto ao que afirmava relativamente à Igreja, para concluir: Podem descordar mas ele é que sabe. Foi-me atribuída a classificação máxima.

Vemos, assim, que este aerograma é histórico e revelador da estratégia de uma Nação, que é a nossa e à qual muito me prezo pertencer, mas, se é tempo de se elevarem as virtudes, também o é para se referirem os defeitos.

Penso, camaradas, que embora apoie, e muito, o Museu de Guileje, este aerograma merece mais. Se fosse eu a decidir, enviava uma fotocópia.

Mas os camaradas, e meus ilustres amigos, são soberanos. Nunca vos criticarei, seja qual for a atitude que tomarem.

Um grande abraço

Manuel Rebocho

2. Comentário de L.G.:

Como investigadores que somos, temos a consciência da importância que tem (ou pode ter) os testemunhos pessoais, escritos ou orais, dos actores sociais, e nomeadamente dos intervenientes nos acontecimentos históricos. Obrigado, Manuel, pelo teu contributo, o teu alerta... Manda-me, se possível, cópia do excerto desse aerograma a que te referes... Não sei como está o arquivo pessoal do J. Casimiro Carvalho, mas deve estar como o de muitos outros camaradas: por inventariar, organizar, classificar... Não tenho ideia de ter visto esse tal aerograma (ou carta). Vou ver melhor. E, naturalmente, vou decidir, de acordo com a vontade do Carvalho em doar alguma da sua documentação ao futuro Museu de Guiledje, e a própria margem de liberdade que ele me concedeu ("Ofereço os aerogramas que escolheres, [e que] estão na tua posse")...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2544: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (1): Gesto de ternura e simbolismo do herói de Gadamael, J.C.Carvalho


(2) Há uma série, já publicada, com excertos da correspondência do J. Casimiro Carvalho, do período que vai de Fevereiro a Junho de 1973, em que ele esteve em Guileje:

Vd. postes de:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)


(3) Não sei exactamente a que aerograma ou carta se refere o Manuel Rebocho. Não tenho aqui, em casa, a colecção de aerogramas e cartas de Guileje, Cacine, Gadamael e Paunca que o J. Casimiro Carvalho me confiou (além de dois álbuns de fotografias), mas numas das cartas, já parcialmente transcritas, ele dava conta do agravamento da situação militar na fonteira sul... Três dias antes do ataque a Guileje, ele escrevia o seguinte ao seu pai (ou paizinho, como ele afectuosamente o tratava):

Carros de combate russos na fronteira

Cacine, 15/5/73

Paizinho: (…) A guerra aqui está cada vez pior. O Hospital de Bissau está repleto (infelizmente). Só em Guidaje ,[ no norte], 40 feridos, alguns dos quais com membros amputados (já a cheirar mal devido a terem esperado 2 ou 3 dias por coluna para serem evacuados). Aviões já não vão lá.

No Cantanhez (todos estes locais que menciono são no sul, onde estou), 13 feridos numa emboscada. Guileje foi atacada outra vez e passados dois dias os melhores homens que tínhamos lá (dois furriéis milicianos) morreram, em consequência de uma mina anticarro que iam levantar. Andamos todos transtornados.

A 18 km de Guileje fica Gadamael e foram para lá 4 canhões sem recuo e 35 homens para os guarnecer. Levaram também granadas antitanque, pois foram vistos carros de combate na fronteira da República [da Guiné-Conacri].

O meu serviço aqui [ em Cacine,] é receber os géneros e artigos de cantina que vão para Guileje, para o isolamento, pois com as chuvas ficamos como que numa ilha e não podemos sair de lá, só de avião ou barcos de borracha. Aviões não há. Portanto só de barco (o que é muito perigoso)…