segunda-feira, 14 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2758: Blogoterapia (47): O tédio que às vezes nos invade (Torcato Mendonça / Carlos Vinhal / Virgínio Briote)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339, Os Viriatos (1968/69)> "Campo fortificado", chamava-lhe o PAIGC. "Colónia de férias", brincavam os tugas... E o tédio dos dias... que custavam a passar ?

"Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo (?), eis Mansambo. Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação.

“Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné” (Luís Graça, Setembro de 1969).

Na Foto, um jovem turco tentando, em vão, vender peles de animais à porta de um abrigo-caserna... O tédio ? Usava-se a palavra em tempo de guerra ? Não sei, não me lembro... (LG)

Foto: ©
Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados


1. Mensagem de 2 de Abril de 2008, do nosso amigo e camarada Torcato Mendonça:

Caros Editores:

Breve, muito breve, o suficiente para vos dizer que, o que venho sentindo alguma razão terá e não é mero fruto de alucinação.

Efectivamente ou este espaço caminha, de forma efectiva, para uma desejada pluralidade ou, pelo contrário, algo perturba alguns escritos (ou certas pessoas?)... Pensamos pela positiva, sempre pela positiva… mas!?... Para certos peditórios já dei… não é comigo e nisso não estou de modo algum interessado. Ou não tenho capacidade de entender… Que interessa isso? Nada, pode argumentar-se.

Sinto a memória a fechar-se, o tempo a regredir lentamente, o tédio a instalar-se. Problema meu, pois certamente há, felizmente, alguns ou muitos a pensar de forma diversa. Há ainda os de espírito mais esclarecido. Felizmente para eles, pois assim, melhor alcançarão o Reino dos Céus…

Bem hajam pela leitura e a todos um forte abraço do
Torcato Mendonça




2. Resposta do Carlos Vinhal, co-editor:

Caríssimo camarada e amigo Torcato:

A melhor maneira de combater o tédio é continuar interventivo, usando, como é teu timbre, ironia, sarcasmo e capacidade de crítica, sempre em doses correctamente servidas. Remédio indispensável para manter as massas activas.

Camarada, desistir nunca. Não podemos dar as costas ao inimigo.

Desculpa a brincadeira. É só para te animar, já que parece estamos todos carentes de algum ânimo. Não posso imaginar o Blogue sem determinadas participações. A tua é uma delas. Contamos contigo, não só com as tuas estórias, mas também com as tuas críticas sempre na hora.

Aquele abraço do
Carlos


OBS - Aprendi muito novo que aquilo que hoje parece importante, amanhã é nada, está esquecido. Por outro lado, em todos os lugares e em todas as funções, só faz falta quem está. Não me obrigues a particularizar.


3. Mensagem do Virgínio Briote, enviada ao Torcato, com conhecimento ao resto da equipa editorial, LG e CV.


Caro Camarada e Amigo (espero que não leves a mal por te tratar assim) Torcato:

Não sou do teu tempo, sou mais antigo na tropa e, como te habituaste a ouvir vezes sem conta (se calhar, vezes demais), a antiguidade naqueles tempos era um posto. Não quero com isto dizer que sou eu que tenho razão, já naqueles tempos nem sempre o era (como comprovámos vezes e vezes) quanto mais agora que nos fartamos de ouvir exactamente o contrário. Esta mistura de palavras é, ou quero com elas dizer, que o tédio não te pertence em exclusivo.

Depois de me ver obrigado a antecipar a reforma, por causa do aneurisma que me acompanha há meia dúzia de anos, vi-me pela primeira vez na minha vida sem objectivos. Aquela história que, com a idade que nos pertence, nos acontece.

E agora, que porra!, sem ter para onde olhar, a não ser para esta avenida com mais carros que gente, e agora? Papelada e livros arrumados e limpos dos pós, cinemas de Lisboa vistos, acompanhado do silêncio de uma pessoa só, PC à frente e sem grande vontade de o abrir, cansado por tantos dias e noites de o ver aberto no Excel, com os objectivos, as percentagens e o que faltava para os atingir, a cabeça às voltas, madrugadas, o PC na cama, acordar com ele ainda aberto, em rede com a sede em Lisboa e com a casa mãe em Basileia, nem vontade tinha de o abrir.

Público lido, anúncios classificados de casas para vender, alugar e trespassar, massagens e botões de rosa feitas por garotas sedentas, filmes, tudo lido, naquele dia abri-o mais por hábito e náusea do que por qualquer outra coisa. A olhar para o écrã, se calhar durante minutos (o tédio, o tal), lembrei-me da palavra Guiné.

Nem hoje sei porquê, escrevi-a no Google e, rápido como costuma ser, surgiram-me alguns locais para visitar. Pois que seja, não me lembro de o ter dito, mas deve ter sido assim que vim ter com o blogue do Luís Graça.

Guiné era uma palavra emprateleirada para mim, um caso arrumado há quase quarenta anos. À medida que fui lendo, o interesse foi aumentando, voltei a ver-me naqueles tempos e naquelas terras. Passei a ser um cliente diário, até que, vencida a relutância inicial, resolvi apresentar-me ao serviço outra vez.

Depois, é o que tens visto, continuo fiel à loja, embora nem sempre fique satisfeito com a qualidade do serviço. Estou, calculo como tu, numa fase de algum cansaço e saturação. Muitas vezes digo para mim que a Guiné foi chão que deu uvas, não há mais nada para dizer, toca mas é a fechar a porta e encerrar, o balanço já está feito por qualificados contabilistas. Por outro lado, dou também por mim a pensar que o que aconteceu comigo pode estar a tocar a outros Camaradas e isto tem-me obrigado a resistir e a ficar. E não falo agora do que se fala do blogue, que é comprometido com a esquerda, com a direita e com o centro, com os centros esquerdo e direito, com o rés do chão para já não falar de caves e sótãos. Como tu escreves, já dei para esse peditório.

O que me leva a abrir o blogue todos os dias é rebobinar os tempos que passei naquela terras e reviver a camaradagem que nunca mais a senti como naqueles anos. É isto que me leva a permanecer de sentinela no posto 4 em Cuntima, na companhia do s/r e de uma grade de bazookas, a contar as estrelas enquanto de muito longe, vindos dos lados do Senegal, toques de batuque soam ora muito nítidos ora esfumados.

Desabafei contigo, Caro Torcato, de rajada. Como se estivesse ao teu lado em Mansambo ou naquelas terras enlameadas que ninguém sabia se eram definitivamente do Corubal, como muitos dos que lá vivem hoje também não devem saber.
Um abraço,
vb

4. Novo comentário do Torcato, com data de 3 de Abril:

Citando António Lobo Antunes: Camarada, só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas…

Não fui correcto por não ter respondido ao Carlos Vinhal, ontem ou hoje. Escrevi ao Virgínio Briote e não vou reler, nem o meu nem o texto dele. Martela, martela ainda como, há horas atrás, quando o li. Foi um entrar de ideias de coisas de vidas. É bom ler assim ou o de ontem, de forma diferente, mas a sentir porque ambos são sentidos… só nós sabemos porquê…ou por isso;

Vá-se lá saber porquê ou todos sabemos o porquê, a razão deste meu enfado, deste meu tédio, desta dispensável leitura de certos escritos (posts) de redondilha (não de verso mas de rabo na boca) …diz tu, direi eu, mete tu, meto eu…e mais...

Camaradas e Amigos: não posso, com as minhas emoções despoletar algo a que não tenho direito. Menos ainda gerar inquietações. Não. Isso não. Tranquilidade.

Tinha uma reunião que se foi. Ainda bem.

Martela o texto e ainda o vou reler. Ontem dizia o C. Vinhal: O que parece ter muita importância hoje, amanhã não. Referia-se à razão do tédio. Talvez.

Mas parece-me que regressei lá – ou nunca de lá saí? – é no que dá.

O Luis Graça é homem gerador de consensos em saberes sobre mentes perturbadas…a minha, claro. Não é, Camarada?

Boa noite e bom descanso. Fico por aqui. Sossegado, só, não desgosto, até gosto, mas…um período sabático até faz bem... De quanto? Bhá... de... ? Faz bem á bomba que não gosta de muita excitação... mas descansa na escrita e em certas leituras.

Recebam um abraço do,

Torcato Mendonça


5. Mensagem do V.B., respondendo ao L.G., que sugeriu que se publicasse estes nossos pensamentos em voz alta, tanto ao estilo do (ainda felizmente activo e nunca desactivado) blogue Tantas Vidas... [O blogue Guiné, Ir e Voltar, do Gil [Duarte], ou melhor do V.B.]... Um blogue intimista sobre a arte da guerra e do amor em tempo de guerra, da amizade, da camaradagem, da solidariedade, da cumplicidade, da alegria de viver, da recusa da lógica estreita do matar para não morrer, da memória, do retorno, do ir e voltar...


Caro Luís:

Há tipos que se podem ofender. É protagonismo em excesso. Não tenho coragem, tenho vergonha e já não tenho cão. Mas não me oponho a que tu ou o Carlos publiquem. Tirar o botão de rosa, é capaz de ser mais conveniente para não ofender a moral de alguns.

Um abraço,
vb

PS - Tive críticas negativas ao Tantas Vidas, quando o acabei. Da Maria Irene e dos meus filhos. Que nunca pensaram ter em casa um escritor de novelas erótico-pornográficas. Ri-me com eles e nunca mais falámos do assunto.


6. Novo comentário do Torcato Mendonça, de 6 de Abril:

Cheguei a casa e, por esquecimento meu, isto estava aberto. Antes de fechar cliquei no blogue e li…passei ao Outlook e zás, e zás…li em solavancos, entre limpidez e névoas, parando e lendo… parando e pensando, relembrando, cogitando: mas que gaita… a que puta de raça pertencemos nós… E ainda por cima, como diz o Abrunhosa, quem me leva os meus fantasmas, quem me leva os meus fantasmas, quem me faz ir não indo ou voltar…um pouco atrás…

É de facto o tédio, o escrito a puxá-lo… Ontem fartei-me e teclei e o Carlos Vinhal respondeu… e hoje dizes tu em escrita com leitura de solavanco e névoa…. Meus Amigos e Camaradas: eu fico agora brevemente na penumbra, a noite está a descer a mulher certamente a chegar. Cansada, stressada…e eu na penumbra espero... Só teclar no enviar… Abraços

Torcato Mendonça

Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte



Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > Proximidades de Nhacobá > Dois guerrilheiros mortos no decurso de uma operação, em finais de 1973, que envolveu, pelo lado das NT, diversas forças (Batalhão de Comandos Africanos, a CCAV 8351, aquartelada em Cumbijã, a CART 6250, a unidade de quadrícula de Mampatá, a que pertencia o José Manuel Lopes, Fur Mil Op Esp)...

Na primeira foto vê-se o Fur Mil Gomes, madeirense (hoje a viver no Canadá), do Pel Caç Nat que estava sediado em Mampatá (o José Manuel não se lembra do nº desta sub-unidade)... Foram os soldados e as milícias africanos que despojaram os cadáveres dos seus pertences (armas, roupa e haveres pessoais), uma prática que dificilmente os graduados conseguiam evitar, prevenir e muito menos reprimir...

Este é um dos lados brutais da guerra: já não basta matar, é preciso profanar o cadáver do Inimigo, destruir-lhe o resto de humanidade, de dignidade, que deve ter um morto, mesmo que seja um combatente inimigo... O José Manuel andava sempre com a sua máquina a tiracolo... Foi ele o fotógrafo... Chegou já tarde, depois da morte e do saque... Mas o fotógrafo esteve lá. Imagens que são raras, e que ainda hoje nos chocam... Põe-se a questão (ética) de as publicar ou não.- O meu entendimento editorial, é que as devemos divulgar neste blogue: têm interesse documental, sócio-antropológico, historiográfico e didáctico... Somos decididamente contra a exploração (comercial, mediática, ideológica ou outra) da estética da violência e da morte, o voyeurismo, a morbidez, mas somos também contra o falso pudor, o cinismo e a hipocrasia.(LG)


Gente do 1º e 2º Gr Comb da CART 6250, envolvidos na oeração acima referida...Na altura já a estrada em construção (que vinha de Quebo) tinha chegado a Nhacobá... O PAIGC procurou opôr-se, com tenacidade, à sua construção, já que ela atravessava o estratégico corredor de Guileje (que, vindo da Guiné-Conacri, passava por Guileje, Mejo, Salancaur...) (1).

Com o 25 de Abril, a estrada parou em Salancaur (vd. Carta de Guileje). Hoje o alcatrão desapareceu, depois de Quebo... Há uma amostra, esburacada, entre Quebo e Mampatá (vd. Carta de Xitole)... Na foto, um dos camaradas do José Manuel está deitado, sobre o ombro esquerdo, junto a uma arvore, com um pano branco sobre a coxa direita... Foi atingido por um estilhaço de RPG e aguarda evacuação por helicóptero...

O Capitão da companhia era um miliciano, Luís Marcelino, "um amigo, antes de ser capitão" (leia-se: amigo, apesar do posto, do cargo, dos galões...), um homem por quem o José Manuel ainda hoje nutre um sentimento de respeito e de amizade... Nesta companhia, é de assinalar a deserção do Alf Mil Fragata, em circunstâncias que o José Manuel um dia poderá contar, se assim o desejar e entender.

A CART 6250, que vai apanhar o 25 de Abril em Mampatá, sofreu um único morto em combate, numa mina A/P ou A/C... É esse morto a que se refere o poema do dia que hoje publicamos, em homenagem a todos aos muitos mortos, de um lado e de outro, que esta guerra provocou.

Temos falado aqui dos "nossos mortos", espalhados por centenas de cemitérios improvisados nas muitas matas e povoações da Guiné... É justo também lembrar os mortos do PAIGC, combatentes e população que ficaram insepultos ou enterrados, sem dignidade nem honra... Haverá milhares de sítios na Guiné, onde repousam os restos mortais de homens e mulheres, mortos ao longo dos anos da guerra colonial / luta de libertação, e que nem sequer estão sinalizados...

Alguma das ideias que estão agora em discussão entre os organizadores do Simpósio Internacioanld e Guiledje (Guiné-Bissau, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008) passam também por levar a cabo um conjunto de iniciativas que melhorem "a auto-estima dos Combatentes da Independência", incluindo:

(i) divulgação da a exposição “Amílcar Cabral, a Frente Sul e Guiledje”, da Fundação Mário Soares, nas escolas e agremiações culturais de todas as regiões do país, explicada directamente por Combatentes, visando fundamentalmente os jovens que nasceram no pós-independência;

(ii) construção da sede regional dos Combatentes em Farim (Cantanhez);

(iii) recenseamento dos Combatentes de Cubucaré;

(iv) Reabilitação da Base Central na zona de Daresalam;

(v) Identificação e sinalização de todas as barracas da luta [acampamentos temporários], na mata de Cantanhez;

(vi) Continuação da recolha em DVD de testemunhos dos Combatentes;

(viii) E, por fim, e não menos importante, Dignificação das campas dos Combatentes enterrados em Cubucaré... (Ideias pós-Simpósio, que me foram transmitidas pelo Pepito, e que estão em debate) (LG).

Fotos: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Texto e fotos enviados a 12 de Abril último, pelo José Manuel Lopes (2):

Naquela picada havia a morte
havia a morte naquela picada
de vinte e quatro
foi tirada a sorte
para um foi a desgraça
o diabo o escolheu
ou foi Deus que o esqueceu
havia a morte naquele caminho
naquela picada havia a morte.

Estrada de Nhacobá, 1973
josema
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)

(2) Vd. postes anteriores:

27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

domingo, 13 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2756: Dia 14 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira)

Mensagem do Valentim Oliveira, Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490:

Caro amigo Virgínio


Hoje, dia 13 de Abril, e amanhã, dia 14, se a memória não me falha, vai fazer 43 anos que foi Domingo de Páscoa do ano 1965.

Foi um Domingo cheio de sol e também de rancho melhorado. Tenho a lembrança firme de que foi batata frita com BIFES EM LETRA GRANDE. Porque era muito raro aparecer uma coisa destas.
Estava nesta época em Farim, precisamente no local que servia de base à CCav 487 onde me instalei num canto da caserna juntamente com os meus colegas, Horácio, condutor 777, e o 783, o Pacheco.

Tudo correu na normalidade durante o dia. Claro que á noite não houve distribuição de rancho, mas como no rancho do meio-dia tudo foi avantajado, todos levaram um pouco mais para á noite continuar a festa. E a festa continuou.

Só de uma maneira diferente daquela que esperávamos. Precisamente já com o sol escondido a algumas horas, estávamos nós a saborear o resto dos bifes, quando fomos sobressaltados com explosões de granadas de morteiro 82, que neste caso o IN estava mais avançado, porque nós só tínhamos o 81.

O IN estava na outra margem do rio Cacheu. Felizmente as granadas começaram a cair uns 50 m à frente da caserna, mas houve duas que com a apontaria afinada rebentaram, uma em cima do posto de socorros e outra precisamente no canto esquerdo onde eu me encontrava, junto dos meus colegas Horácio e Pacheco.

Claro, todas as telhas a caírem e um grande estilhaço a passar entre nós e a fazer um grande furo numa mala que se encontrava encostada à parede. A que caiu no posto de socorros feriu um Furriel que agora não me lembra o nome e foi evacuado no outro dia para Bissau.

Responderam ao ataque o pelotão de morteiros que estava sediado a alguns 100m da margem do rio, juntamente com uma fragata de guerra estacionada no mesmo local.



Farim, edifício do comando do BCaç 2879 e anteriormente, entre outros, do BArt 733 e do BCav 490.
Fotos: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.

Antes da reacção das nossas tropas diversos locais foram atingidos, um deles o local onde estava instalado o comando do Comandante Ten Cor Fernando Cavaleiro. Valeu-lhe uma grande mangueira, que estava na frente do edifício onde rebentaram as granadas.
Esta é uma das passagens tristes que vivi na Guiné, mas muitas outras tenho para escrever.

Também quero dizer ao nosso amigo e camarada Teixeira, que a parte romanesca como ele terminou com a Fanta Baldé é de louvar, porque só pessoas com civismo e respeito pelos Valores Humanos, assim o fazem. UM ABRAÇO, TEIXEIRA!

Virgínio, já me pronunciei, que não estive em Cuntima, mas passei por diversos lugares da região de Farim.

Eu era soldado condutor 784/63 da CCav 489/BCav 490 e passei para a CCS, para condutor do Oficial de transmissões, Alferes Pires. Se alguém souber o contacto deste camarada, agradecia que mo dessem.

Um abraço para o comandante Luís, para ti e para o Vinhal e todos os que fazem parte da TABANCA GRANDE.

Até breve,

Valentim Oliveira

__________

Nota de vb: artigo relacionado em
10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

Guiné 63/74 - P2755: O Acampamento Osvaldo Vieira, o meu GPS, o Google e a nossa excelente cartografia militar (Nuno Rubim)



A posição do Acampamento Osvaldo Vieira, perto de Iemberém, segundo as coordenadas obtidas pelo GPS do Nuno Rubim, assinaladas na imagem do Google Earth e na carta (militar) de Cacine (Escala: 1/50000).

Fotos: © Nuno Rubim (2008). Direitos reservados


1. Texto do Nuno Rubim:

Caro Luís

Eis o mapa do Acampamento do Osvaldo Vieira, baseado no Google e na Carta de Cacine (1:50000).

Realmente a saída para o Tarrafe vai ter ao Rio Bomane, afluente do Chaquebante, por sua vez afluente do Cacine (1).

Como se pode constatar, não só os nossos mapas eram excepcionais, como se vê que não houve praticamente mudanças nos leitos dos rios de há mais de quarenta anos para cá !

Se precisares de algo mais, apita ...

Um abraço

Nuno Rubim
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2731: Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira: Coordenadas GPS (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P2754: Fórum Guileje (15): Há ainda muita gente do PAIGC calada... Por medo? Por falta de domínio da língua de Camões? (Mário Fitas)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento Temporário (Baraca) Osvaldo Vieira (1) > Um grupo de mulheres, nalus, que tomaram parte no espectáculo que foi oferecido aos convidados, nacionais e estrangeiros...Trinta e cinco anos depois da independência não é em português, a língua de António Lobo Antunes, de Pepeta, de Amílcar Cabral, de Craveirinha, de Mia Couto... que nos entendendos, mas em crioulo... Nós e a generalidade dos guineenses. Em menos de década e meia, os militares portugueses fizeram mais pela promoção da língua portuguesa do que cinco séculos de fraca ou reduzida penetração dos portugueses no interior da Guiné (outrora parte integrante da Senegâmbia)... Em audiência dada a um grupo de cerca de duas dezenas de portugueses, antigos combatentes da guerra colonial, participantes do Simpósio Internacional de Guileje (a que se h«juntaram a cieneasta Diana Andrunga e o jornalista José Carlos Marques), em 6 de Março de 2008, o presidente da República da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira, insistiu muito na importância da língua portuguesa e no envio, para o seu país, de mais professores portugueses ("com tantos professores desempregados em Portugal")... Estava a ser sincero ou apenas politicamente correcto o antigo comandante do PAIGC na região sul, agora com responsabilidades de representação máxima do povo guineense, a nível do Estado ? (LG).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Texto do Mário Fitas (ex-Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 763 , Os Lassas, Cufar, 1965/66) (2):

Caro Luís,

Desculpa a minha inconveniente intromissão, neste interessante bate-papo de Guerrilheiros do PAIGC a quando da festa em Guiledje (1).

Admiro profundamente a paciência e a disponibilidade do nosso Homem Grande, o Pepito, para fazer de intérprete, naquela confusão toda.

Há que ter muita paciência, e ter gente no terreno, para como nós que aqui na Tabanca Grande nos expomos, contando aquilo que eu considero a 99,0% próximo da autenticidade, e aquilo que da outra face ou lado (o que quer que queiramos dizer), não ouvimos. É claro que não podemos comparar as nossas condições com as dos antigos guerrilheiros do PAIGC, sobre a narração da realidade dos acontecimentos.

É sintomático, e embora quarenta anos passados, os dados escritos que tenho - aliás que todos os Tertulianos possuem - venham eles a ser a História do próprio PAIGC.

Luís! Não podemos fugir, nem contar a vida dos outros. Há muita gente do PAIGC calada!... Por medo? Façam como nós! Contemos, rectifiquemos os erros, tenhamos pequenas questiúnculas, mas que olhos nos olhos rectifiquemos. É isso e que nos dá a honestidade de sermos nós próprios a contar a NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA.

Conheço alguma coisa sobre o PAIGC e sobre a GUINÉ, caso contrário não teria escrito Pami na Dondo a Guerrilheira. Mas também me custa sentir o trabalho extraordinário do Pepito, tradutor, duma realidade de há quarenta anos, e que se mantém.

Será que não somos dignos de CAMÕES? A Língua é o maior elo de comunhão entre povos irmãos! Saibamos sê-los!

Vivi em 1965/66 o Sul da Guiné, embora em Cufar. Percorri as margens do Cumbijam. Em Catió, a conversa de caserna funcionava. Por ser de caserna? Talvez! Abstenho-me de entrar em polémicas fúteis.

Mas quanto ao PAIGC?! Em termos de honra, exijo! Estive a duzentos metros do Sr. Presidente Nino Vieira, eu com 23 anos e ele com 25. Tive na mão uma foto dele, tirada em Pequim, na altura em comandava uma Secção do Exército Popular. Há portanto alguém da outra face, que deve ter a honestidade de também falar.

Se forem os que não fizeram a guerra a narrar e conjecturar sobre o que se passou, não vale, não vale a pena. Como se diz na minha linda Planície: "A conversa está coxa".

Falei em Camões! Que nenhum de nós esqueça que a Língua Portuguesa é hoje em dia a aglutinação de muitos povos, que serão grandes se souberem entender e conviver, como fala o Grande Craveirinha, filho de branco emigrante não colonialista.

Aquele abraço de sempre do tamanho do Cumbijam para toda a Tabanca.

Mário Fitas
__________

Notas dos editores:

(1) Vd. 12 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

(2) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

Guiné 63/74 - P2753: O Nosso Livro de Visitas (12): À procura do meu amigo Germano Santos (Eliseu dos Santos Gomes, Holanda)

1. Em 10 de Abril de 2008, recebemos esta mensagem de um nosso leitor residente na Holanda

Sr. Luis Graca

Desculpe de me dirigir desta forma perante o Sr.

À procura de meu amigo Germano Santos, entrei no seu Blog que me surpreendeu muito como antigo combatente em Angola, ainda vou retornar a ler esse bom blog.

Caro Sr. se por acaso for o meu amigo que tento contactar agradecia, se não fosse muita maçada o endereço electrónico dele.

Eu joguei com ele no Atllético Clube Moscavide, e tinhamos bom contacto de amizade, moravamos em Moscavide, e ele pelo que li no blog do Sr. António Gouveia enviou-me um abraco e mais, e por esta assim tento contactar com ele que já lá vão uns 36 anos que eu não o vejo.

Fico-lhe imenso agradecido e mais uma vez minha desculpa de assim contactar com o Sr.

Com saudações de grandes combatentes
Eliseu dos Santos Gomes

2. No dia 12, enviei esta mensagem ao nosso camarada Germano

Caro Germano Santos
Vê se conheces este camarada que procura alguém com o teu nome.
Um abraço
Carlos

3. Hoje mesmo, dia 13 de Abril, o Germano repondeu

Caro Luis Graça,

O nosso (teu) blogue é fantástico.

Só por ele o meu amigo Eliseu, que vive na Holanda há muitos anos, acaba de chegar a mim.

Agradeço-te reconhecidamente a ponte que serviu para o Eliseu me reencontrar.

Vou escrever-lhe.

Recebe um grande abraço.
Germano Santos

4. Comentário de C.V.

Temos que ter muito orgulho no nosso Blogue, já que ele contribui, e muito, para o conhecimento da Guerra Colonial e em particular para a Guerra na Guiné.

Por outro lado, quem lê o nosso blogue procurando as nossas estórias, acaba por reconhecer entre os tertulianos mais activos, alguém que julga ser o seu amigo e companheiro.

Mais um caso aconteceu, desta vez com este nosso amigo, antigo combatente em Angola, que encontrou nas nossas páginas o Germano, seu companheiro de juventude.

Ao Germano e ao Eliseu, desejamos muitos anos de convívio após este reencontro.

sábado, 12 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento (Baraca) Osvaldo Vieira , outro dos momentos gratificantes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral (1) > Neste vídeo, um dos homens grandes da região conta como foram os primórdidos da luta... Infelizmente não consegui fixar o seu nome. Creio que é nalu. Entrou no mato, como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC. A designação deste acampamento não tem nada a ver a verdade fáctica, histórica: é apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis do PAIGC (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional) : Osvaldo Vieira actuou no Oio (Frente norte), não no Cantanhez (Frente sul).

"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"... Fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...

E a narrativa continua: Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto. Atenção, diz o Pepito, com confundir com o outro Capitão Curto, que andou a espelhar o terror no chão manjaco (Devia estar a referir-se ao Cap António Curto, comandante da CCAÇ 5, conhecida pela Companhia Manjaca de Bachil… Esse Cap Curto devia ser o mesmo que tinha fama de cortar cabeças. .. No filme-documentário As Duas Faces da Guerra, de Flora Gomes e Diana Andringa, um dos entrevistados, antigo combatente do PAIGC, também evoca esse famigerado Cap Curto... A crer no depoimento do antigo guerrilheiro, o Cap Curto cortava as cabeça dos seus prisioneiros e, depois ia apresentá-las às mães das vítimas, nas suas tabancas... O Cap Curto do Tombali também era dos duros.

Enfim, não tive, no Cantanhez, oportunidade de confirmar esta história (macabra) nem saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho sujo, resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos anos de chumbo que antecederam a guerra... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconcialição, para falar deste e de doutros homens que não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1963 e 1974....

Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Canhanez)…

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes




A memória de Cabral (que conheceu bem a região de Tombali, como engenheiro agrónomo, antes de se tornar o fundador e o líder histórico do PAIGC) bem como da luta de libertação nacional está ainda bem viva entre as mulheres e os homens da região de Tombali... Uma das mulheres, presentes na cerimónia, canta uma das canções revolucionárias da época, dando vivas à Guiné e ao Partido.

Vídeo (0' 55''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes





Cabral fala sábi...


Vídeo (20''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes

"A unidade foi a melhor arma nos momentos difíceis dos camaradas" - pode ler-se num pequeno monumento, tosco, de cimento, encimado pela estrela negra, erguido na antiga barraca da guerrilha... Testemunho do passado, recado para o presente, pensa a Alice que, como muitos portugueses e portuguesas, não fazia a mínima ideia das reais condições do terreno (e do clima) onde se operava a guerrilha e a contra-guerrilha na Guiné....

O que pensarão estes miúdos ? Quais são os seus sonhos ? Para onde estão a olhar ? O que serão daqui a 15/20 anos ? O que sabem da luta pela independência, levada a cabo pelos seus avós ? Quem serão hoje os seus ídolos, os seus heróis ?

Sabotagem ? Provocação ?... Não, é apenas uma camisola do craque do Manchester United e da Selecção Nacional de Futebol de Portugal, Cristiano Ronaldo, um herói do mundo global e mediatizado de hoje...

As mulheres do Cantanhez exemplificaram como cozinhavam no mato, sem fazer fumo, iludindo a observação aérea do IN... Os combatentes tinham apenas direito a uma refeição po dia... Ainda hoje será difícil comparar a sua à nossa fome... Nas unidades de quadrícula ou nas operações no mato, o tuga sonhava com comida e sobretudo com bebida... Muita, fresca!

Uma guerra de libertação (ou subversiva, como diziam as nossas chefias militares...) não se faz sem as mulheres, como a antiga enfermeira do PAIGC, Francisca Quessangue, que participou na batalha de Guileje....

Actores, figurantes, assistência... Nos bastidores ou no placo.... As mulheres são parte fundamental da luta do povo da Guiné, ontem como hoje: pela paz, pela liberdade, pela democarcia, pelo desenvolvimento, pelo direito à história....

À esquerda, o Luís Moita e o Paulo Santiago seguem com atenção, desvelo e carinho, o inédito espectáculo de representção teatral que nos deram, a todos, os antigos guerrilheiros e a população local ddo Cantanhez...

Um verdadeira lição, ao vivo, de história, de antropologia, de ciência política, de arte da guerra, de gestão, de humor, de humanidade, de sobrevivência, de dignidade, de amizade, de esperança no futuro...


De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (2), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Continua

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. os três últimos últimos postes desta série:

5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau

29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (I)

(2) Vd. poste de 7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2731: Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira: Coordenadas GPS (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P2751: Convite (3): Projecção de As Duas Faces da Guerra na Malaposta em 24 de Abril de 2008 (Diana Andringa)


Centro Cultural Malaposta – Municípália EM
Rua Angola, Olival Basto
2620-492 Odivelas
Tel: 21 938 31 00 – Fax: 21 938 31 09
http://www.blogger.com/www.malaposta.pt

1. Em 7 de Abril de 2008 recebemos uma pequena mensagem da nossa tertuliana Diana Andringa, dando notícia de mais uma projecção pública do seu co-documentário As Duas Faces da Guerra.

Caro Carlos Vinhal,
Como está?
Não sei se ainda vale a pena avisar da projecção de As Duas Faces da Guerra. Mas, caso achem que vale a pena, aqui fica a informação de que vai passar na Malaposta, a 24 de Abril, pelas 21H30.

Melhores saudações,
Diana Andringa

2. Transcrição do Convite acima publicado

O Núcleo de Administração da Municipália EM
Tem o prazer de convidar V.Exa para a projecção do filme
AS DUAS FACES DA GUERRA
DE DIANA ANDRINGA E FLORA GOMES
Produção: Lx-Filmes
[COM A PRESENÇA DE DIANA ANDRINGA]
que terá lugar dia 24 de Abril de 2008
pelas 21H30, no Auditório do Centro Cultural Malaposta
no âmbito das Comemorações do 25 de Abril de 1974
M/12 - Entrada Livre


A jornalista Diana Andringa e o realizador guineense Flora Gomes, autores do Documentário As Duas Faces da Guerra

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2750: Ói pessoal... ou o regresso do filho pródigo (Vitor Junqueira / Carlos Vinhal)

1. Confesso-me admirador de alguns dos nossos camaradas quanto ao seu modo de escrever. Seja pelo sentido de humor, pelo seu poder de memória que lhes permite, ao fim de tantos anos, ter presente as mais diversificadas situações, ao ponto de as contar com o mais ínfimo pormenor, pelo modo como viveram uma guerra, contornando o aspecto bélico, servindo-se dela para prestar serviço humanitário, quer pelo português correcto com que se exprimem, etc.

Claro que não vou falar em nomes, pois a alguns deles já expressei a minha maneira de pensar.

Hoje vou falar de um camarada, que eu considero neste grupo e que esteve ausente durante quase um ano, em parte incerta, em termos de blogue falando, entenda-se.

Telefonei-lhe no Natal para lhe desejar Boas Festas, já que por mail não obtive resposta, fazendo-lhe sentir o quanto era notada no Blogue a sua ausência.
Contou-me que estava com problemas técnicos na sua linha telefónica e que não tinha Net.
Fiz-lhe sentir que pessoas como ele não podem deixar de alimentar esta página com as suas estórias, ora de guerra, ora de humor e muito mais importante, com os seus conhecimentos técnicos na área da saúde.

Estou a falar do nosso Dr. Vitor Junqueira, que na Guiné foi Alf Mil At Inf da CCAÇ 2753, operacional dos quatro costados, e a quem foi atribuída uma medalha que ele teima em não dizer por que motivo.

Nunca é demais lembrar que a ele devemos a organização do último encontro nacional em Pombal, que eu quero que sirva de exemplo, em número de participantes, para este ano.

Foi com grande alegria que encontrei hoje na minha caixa de correio uma mensagem sua, que a seguir transcrevo.

C.V.



Vitor Junqueira,
ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2753 - Os Barões
Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,
1970/72


2. Mensagem de Vitor Junqueira

Data: 11 de Abril de 2008

Assunto: O gajo deu à costa

Ói, pessoal!

A toda a malta amiga que se inquietou com a minha sabática ausência, amigos do coração e do reviralho, quero dizer-vos que todos me fizeram falta; tive saudades de vós.

Devo-vos satisfações pelo ocorrido.

Há cerca de um ano, devido a uma encrenca com a instalação telefónica, tive uma zanga com a PT. Sob o impulso, pedi-lhes que retirassem os seus pertences da minha residência ...e lá se foi a linha e o meu acesso à rede!

Começou então um folhetim protagonizado por outra operadora que no seu sítio ia adiando de mês para mês a cobertura da minha zona. Até que foi comprada, ao que me dizem, pelo ti Belmiro.

E nunca mais se ouviu falar dela. Fiquei no mato sem cão! Pensei então na hipótese do serviço móvel, mas a velocidade de transmissão de dados era tão fraquinha que bastava um emílo trazer uma fotografia em anexo para me levar aos píncaros da irritação. Até que há cerca de duas semanas, constatei que um conhecido batráquio estava mais espertinho, espevitou, pelo que resolvi adoptá-lo.

Fui então a uma loja onde por setenta paus adquiri uma péne, apetrecho parecido com um isqueiro preto, cuja cabecinha introduzi num buraquito das traseiras do meu pêcê, e ... eis que vi a luz finalmente. Estou ligado à néte, feliz por estar de novo convosco.

De resto, está tudo bem, comigo. A família está OK e quanto à saúde ... vamos andando.

Iniciei o ano com um raide pela américa do sul (Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e Brasil) de onde regressei há pouco. Em Buenos Aires fui parar ao hospital por causa de um tréco que me deu no realejo. Vi jeitos de passar à caçarola, mas já está tudo bem.

Então meus caros, aqui vai um abração do Vitor Junqueira e até breve.
_______________

Nota de C.V.:

Vd. postes de:

7 de Novembro de 2006> Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1084: O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1581: O elogio dos pára-quedistas das 121ª e 122ª CCP (Nuno Mira Vaz / Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2749: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (27): Quando os mortos abrem os olhos aos vivos

"Fotografia do Carlos Sampaio, nas suas últimas férias. É nestas férias que este meu querido amigo destrói toda a sua obra. Regressará a Moçambique em Dezembro [de 1969], falecerá no Norte, perto de Mocímboa da Praia. Uma parte importante da minha juventude morreu com ele" (BS).

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 22 de Janeiro de 2008:


Operação Macaréu à vista - Parte II > Episódio n.º XXVII > OS MORTOS AOS VIVOS ABREM OS OLHOS (2)
por Beja Santos


(i) Ó vida feita uma detida morte


Ó vida feita uma detida morte.
Ó morte feita um inocente amor.
Amor que as asas sobre o corpo nu
fecha tranquilas no possuir da sorte.


Jorge de Sena


Os males não vêm rogados. Quando nos preparávamos para as obras da ponte de Udunduma, a ponte cedeu pela calada da noite, houve rebuliço, saímos todos dos abrigos quando as pilastras começaram a esfarelar, até se pensou ter havido uma carga de trotil posta à sorrelfa. Não, a ponte deu um gemido pela idade sem manutenção e pelos os excessos de colunas com GMC e Unimog, e até gruas, depois o início do alcatroamento do troço Xime-Amedalai precipitou a crise.

De madrugada, consternados pelos barulhos da ponte, e verificado que não havia terramoto, recorremos à pedra, ao cascalho e à cimentação. Assim se iniciaram com carácter de urgência os arranjos da ponte, com a supervisão do Queirós. Estávamos na ponte de Udunduma e não estávamos. Imprevistamente, fomos duas vezes ao Xitole, outra vez a Sansacuta. Uma ocasião houve em que mandaram gente da CCS de Bambadinca para a ponte e nós para a emboscada do Bambadincazinho.

Foi um tempo virulento de trabalho faxina. Mas com compensações. Por exemplo, chegou uma ordem do Quartel General para mandar uma praça gozar vinte dias de repouso em Bolama, com piscina, cinema e outras diversões. Chamei o Domingos, avisei que a escolha não teria influências de ninguém, seriam as praças entre si a nomear aquele que partia para férias. O Pel Caç Nat 52 provou as suas qualidades elegendo o bonzão do Doutor, um mortificado Quebá Sissé, agora a ser ouvido no auto instruído pelo o Ismael Augusto.

O Queirós mostrou-se infatigável nos arranjos da ponte, era vê-lo sem descansar a picareta, abnegado e disciplinador, de facto nunca tive uma equipa de cabos tão boa como agora. Albino Amadu Baldé, Príncipe Samba para os amigos, volta a visitar-me e dá a boa notícia: vai ficar a andar sem defeitos, as fracturas nas tíbias e fémures não o deixarão defeituoso. Motivo de preocupação é Cherno: desmaia com regularidade, derrama líquidos viscosos dos ouvidos, foi visto pelo Vidal Saraiva que considera que tudo isto são consequências do traumatismo craniano de 16 de Outubro de 1969. Missirá passou a estar na mira de Madina, a todo o tempo.

Com a preparação da 1ª Companhia de Comandos Africana, em Fá Mandinga, o PAIGC ameaça com a instabilidade, em escassos dias foram detectadas cinco minas perto de Missirá. Como se previa um ataque a Fá, Missirá foi temporariamente reforçada por outro pelotão. Uma morança dos Nhabijões foi pelos ares com grande recheio de explosivos, tudo parecia ir arder à volta e um bravo condutor atirou-se às chamas para salvar uma viatura em vias de explosão.

Na ponte de Udunduma, ou onde quer que me encontre, mando aerogramas à Cristina: “Escreve para eu saber que nem tudo endurece à minha volta”. Mando-lhe um corrupio de banalidades, como se ela tivesse que saber a agenda diária de Bambadinca e arredores: o capitão Neves saiu de Mansambo e foi para o Pelundo; o Emílio Rosa escreve do Beng 447 perguntando se eu não ia de férias e quando é que havia casamento, etc.

Ora, num sábado à tarde, consegui acordar com D. Leontina, a funcionária dos correios de Bambadinca, que iria telefonar para Lisboa no domingo de manhã. À hora aprazada, vindo da ponte de Udunduma, apresentei-me no correio, a ligação fez-se sem problemas. Eu estava eufórico, a Cristina cautelosa, perguntando-me vezes sem conta se eu já tinha recebido a sua última carta. Eu feliz em poder ouvi-la em condições mais do que aceitáveis, vendo da janela soldados meus a fazerem compras na feira, mas a ficar cada vez mais intrigado com cautelas tão insistentes. Como já se tornara um hábito, a agenda socio-militar de Bambadinca passa dos aerogramas para a chamada telefónica. De concreto, do outro lado do oceano, fiquei a saber que a Cristina visita os meus doentes, a que se juntou agora o major Cunha Ribeiro, e menos concreto apurei que a Cristina pondera vir até Bissau, em data a negociar.

Meditabundo com esta conversa telefónica, subo lentamente a rampa de Bambadinca. O que se passou a seguir nunca mais me saiu da mente nem do coração. O tenente Pinheiro está a fechar a porta da secretaria, é a hora do almoço, traz o correio dos oficiais, acena-me e entrega-me algumas cartas e aerogramas. Vou até o meu quarto para deslindar o enigma dessa última carta da Cristina que ainda não li. É uma carta um pouco volumosa, abro com o dedo e salta uma notícia necrológica que cai no chão. Apanho e vejo do fotografia do morto, incrédulo, aturdido: é o Carlos Sampaio, está lá o nome dele por extenso, fala-se de uma missa do 7º dia, aproximo a notícia e diz claramente que morreu em combate.

Como se um tiro me derrubasse, encosto-me à parede e soluço aos gritos, aos uivos, sou uma besta cercada por cães de caça que lança olhares em todas as direcções, à procura de uma nesga para se salvar. É nisto que se abre a porta e entra o Abel que passa rapidamente da estupefacção para a compreensão de que algo muito duro aconteceu. Aliás, na semana passada, o Machado, do pelotão Daimler, que parte em breve, recebeu a notícia da morte do cunhado num desastre aéreo em Angola, ficou silencioso, abúlico, só depois é que trovejou debaixo da emoção, foi passear de jeep durante horas, depois acalmou.

É o Abel quem me vai chamar à realidade, ele tinha uma voz ciciante, naturalmente apaziguadora, sentei-me, serenei e li a carta da Cristina. O que ali vem escrito esclarece a última carta do Carlos Sampaio (3). Tudo se passou na região de Cabo Delgado, uns dos locais mais assolados pela guerra. Rebentou uma mina durante uma coluna, ele desceu da viatura e pisou um sistema de minas anti-pessoais. Na agonia, perguntou se tinha sido o único ferido e balbuciou: “Deus foi misericordioso com os meus soldados”. Fez um largo sinal da Cruz sobre o peito e morreu.

É esta descrição tão serena que me faz voltar à vida e me aplaca o grito de revolta. Depois, lavei a cara e fui almoçar. À tarde escrevi à Cristina, agradecendo a delicadeza que ela pusera nos documentos enviados, as lembranças doces de uma amizade que também a envolvera tanto. Sabe-se lá com que sofrimento, ponho no aerograma:

“Estou inconsolável, acabo de perder a mais pesada das âncoras da minha juventude. Só me recordo de um abalo destes que teve paralelo quando vi o Fodé estropiado e na discussão lancinante que tive com um capitão junto de uma fossa onde um soldado agonizava e o Fodé gemia. Há momentos em que não consigo reprimir as lágrimas, o Carlos Sampaio está associado aos meus últimos dez anos. Como te disse já, recebera uma extensa e linda carta, há poucos dias. Ele falava-me de viaturas despedaçadas, êxitos operacionais, continuava a acalentar o projecto em comum para a livraria Sampedro, sonhava ser nosso compadre, padrinho do nosso primeiro filho. Da adolescência até agora, foi uma amizade plena, com longos serões, vejo-o na sua bata de pintor, oiço-lhe a sede do infinito. Sabes muito bem que nunca foi uma amizade fácil. Pouco antes de eu partir para a Guiné, fez-me comentários aos esboço da peça de teatro infantil “O soldadinho de fogo”. Trocávamos manuscritos, eu saía de madrugada de casa para ir à Praça Pasteur ouvir os seus últimos escritos. A sua fotografia mais recente tenho-a eu, é a que vem na pagela necrológica que me enviaste. É um olhar de penumbra e recatada tristeza, o mesmo olhar que o pintor Fausto Sampaio fixou na tela, retrato dele com sete anos, que está na sala de jantar da Praça Pasteur. Sim, estou inconsolável. Vem-me à recordação a sua continência tímida quando o fui visitar a Mafra, em Maio de 1968. O que me abranda a dor é saber que ele não precisa das nossas orações, ele já está sentado à direita de Deus Pai. Vou agora escrever à Sr.ª D. Maria José a quem porei à disposição os escritos do Carlos e o quadro a óleo que ele me deu, salvo erro o único que subsistiu à destruição que fez de todas as suas obras. Por favor, quando procurares a Sr.ª D. Maria José e as irmãs do Carlos diz-lhes que eu perdi o anjo pascalino, o companheiro mais querido de toda a minha juventude”.

(ii) Uma conversa com o major Sampaio

No dia seguinte, sou chamado de urgência a Bambadinca, o major Sampaio quer uma reunião. Recebe-me com um ar grave e vai direito ao assunto:
- Consigo não faço rodeios, preciso de si a dar o seu melhor e no Xime. Tenho aquela companhia muito em baixo. No princípio do mês, foram flagelados durante uma operação, houve um morto, feridos graves e ligeiros; a seguir, ardeu a tabanca do Enxalé e logo depois um ataque a Ponta Varela fez a destruição de uma embarcação civil; em meados do mês, depois de destruírem grande quantidade de arroz numa batida, foram novamente flagelados e o capitão Maltez ficou sinistrado, embora ligeiramente. Temos de lamber as feridas e passar ao ataque. Falei com o nosso comandante e as coisas vão-se passar da seguinte maneira: V. vai planear inteiramente uma operação e logo a seguir outra; vai para o Xime e levanta o moral das tropas; não peça mais efectivos daqueles que eu posso dar, quanto muito, leva algumas secções de milícias de Finete e de Amedalai; é fundamental afastar o inimigo das proximidades do Xime e de Ponta Varela; levantar o moral das tropas tem de significar o fim desse medo em emboscadas a escassos quilómetros do quartel; limpe tudo à volta e faça com que o Poidom e Ponta Varela deixem de ser considerados invulneráveis; findo este objectivo, quero que V. percorra tudo até à Ponta do Inglês e mostre aos soldados do Xime que nós podemos ir a qualquer sítio; vem aqui para a sala, olha para o mapa o tempo que precisar, defina o que quer, escreva os efectivos que vai levar, logo a seguir dar-lhe-ei pormenores sobre as datas das operações. A primeira, a ter lugar no início de Março, é a “Rinoceronte Temível”. E nem uma palavra sobre este assunto com ninguém, nem aqui com os oficiais nem com os seus soldados.

Discretamente, passei as tardes seguintes na sala de operações e fazia inúmeras perguntas ao furriel Pinto dos Santos: onde, exactamente, os guerrilheiros atacam os barcos em Ponta Varela? quem escolhe os guias no Xime? há fotografias aéreas do Poidom? qual é o alcance das peças de artilharia? é possível ver os relatórios para perceber qual a cobertura que tem o inimigo quando flagela entre Madina Colhido e Gundaguê Beafada? onde é que pernoita a população civil no Poidom? O Pinto dos Santos respondia como podia e sabia.

A 3 de Março [de 1970], o documento preparatório estava pronto, a 4, discutimos o documento com Jovelino Corte Real, que aprova, a 5, ao amanhecer, o major Sampaio e eu partimos para um RVIS para percorrer toda a região do Xime. É a primeira vez que sobrevoo milimetricamente um dos nossos mais conturbados teatros de operações. A DO passa pelo Xime e seguimos por toda a estrada até à Ponta do Inglês.

É impressionante o número de trilhos que saem do mato denso de Gundaguê Beafada até Ponta Varela, é um inimigo afoito e combativo que soube impor-se e dominar o território. A bolanha do Poidom está igualmente sulcada por caminhos que vêm da foz do Corubal e que atravessam a estrada da Ponta do Inglês até à direcção do Buruntoni. À volta do Buruntoni, como já aprendi, é tudo inextricável, a floresta-galeria tudo dissimula do ar.

O major Sampaio pede ao piloto para se sobrevoar o devastado aquartelamento do Enxalé, que perdeu a sua tabanca. Pois é precisamente quando entramos no Cuor que se nos depara um cenário fantástico: lá em baixo os pára-quedistas estarão a atacar Madina, vêm-se grandes rolos de fumo, os T6 largam bombas, o heli-canhão anda às voltas, parece um cão de caça, o Cuor está revolto, tudo tem a dimensão de uma resposta implacável a quem queimou a tabanca do Enxalé.

É nisto que surge outra avioneta que nos dá ordem de retirada, não podemos estar a interferir na operação. Guardo a imagem dos pára-quedistas a correr em meia lua, uma das barracas de Madina a arder, sobre a protecção do heli-canhão. E regressámos à região do Xime, passámos sobre o Buruntoni, é espantoso como este quartel é completamente invisível do ar. Se dúvidas houvesse, estou esclarecido: as dificuldades serão imensas, duas tremendas operações estão à nossa espera. Dentro de dias, e durante um mês vou terminar muitos dos meus aerogramas à Cristina da seguinte maneira: “Logo que regresse, escrevo-te”.


(iii) O anjo pascalino

Na ponte de Udunduma, olhando ao fundo a floresta e os palmeirais de Demba Taco, escrevo o último aerograma ao Carlos Sampaio:

Sei da tua morte e ponho o teu nome a rodopiar
até uma ilha de coral.
Aviso-te: neste local vicejante, de lodos e águas fecundas para o arroz,
o vento incendeia os palmeirais. Trazes trigo nos cabelos,
és o meu sonho morto dos trópicos
Aqui o choro não me dá consolo,
é como se uma febre de falcão te trouxesse no meu lamento,
tu apareces pregado num lenho da savana.
Sei irremediavelmente da tua morte e soletro a palavra paz:
paz das entranhas, paz inquestionável, paz circum-navegante,
paz para fecundar este sílex que arremesso para o fim da terra.
É o último aerograma que te escrevo.
No entanto, tu és enzima de semeadura,
tu falas-me da rapsódia dos adolescentes, o meu mito da juventude.
Com os meus mortos, com este chão adubado de sangue,
no teu largo sinal da cruz e no teu tálamo de poeira,
eu choro o meu maior amigo,
e temo todo o imprevisto da vida que se vai seguir.

Termino este aerograma esmagando o aparo, depois de ter escrito:

morreu o meu fula, o meu mandinga branco.

Levei um gira-discos a pilhas para a ponte de Udunduma e oiço música. Primeiro, o retemperador Dido e Eneias, de Purcell. É uma ópera cénica exemplar, cativa-me a frescura e a dimensão dramática, todo o lamento de Dido é uma despedida sublime. A seguir, mergulho na sinfonia Ressurreição, de Mahler. É uma versão espantosa pela orquestra Philarmonia, dirigida por Otto Klemperer. Oiço e volto a ouvir o quarto andamento, em que surge a voz do contralto louvando: “Deus que é bom vai dar-me a sua luz e vai iluminar-me até à vida eterna”.


"Capa do disco Dido And Eneias, de Purcell. Gosto muito de The Fairy Queen, King Arthur e do Hino a Santa Cecília, mas Dido e Eneias é a sua obra-prima absoluta. Tem brilho, frescura, é retumbante e sofredora. O lamento de Dido acompanhou o meu sofrimento, quando perdi o mais querido dos amigos" (BS).


"Capa de Pietr, o Letão, de Georges Simenon, nº 145 da Colecção Vampiro, tradução de Mascarenhas Barreto, capa primorosa de Lima de Freitas. Um Simenon cheio de emoção e forte comoção. Um colaborador de Maigret , Torrence, será assassinado durante as investigações, Maigret faz uma longa e alucinante directa até ouvir uma pungente confissão,assistindo ao suicídio do criminoso, ferido e exausto. Dois irmãos canalhas, a história de um grande amor, uma delirante expiação" (BS).

Com o ânimo mais serenado, pego então nos livros. Num ápice, devoro Pietr, o Letão, mais uma pedra preciosa de Georges Simenon. As polícias de toda a Europa avisam a Polícia Judiciária de Paris que está a chegar de combóio um escroque de alta-roda, Pietr, o Letão. Maigret va para a Estação do Norte, Pietr apresenta-se e vais para um dos hotéis mais luxuosos de Paris, o Majestic. No comboio aparece um cadáver. Assim se inicia uma trepidante investigação, Maigret é baleado mas está imparável. Virá a descobrir-se que existem dois irmãos, há uma história de vingança, é um texto literário fabuloso, cheio de emoção e comoção. O que mais aprecio é a obstinação de Maigret que desafia todas as suas energias até derrubar a resistência psicológica do criminoso.

"Capa de Porta de Minerva, de Branquinho da Fonseca, nº25 da Colecção Contemporânea, Portugália Editora. É um livro desencantado sobre a vida estudantil, em Coimbra.Faz apreciações duríssimas às praxes e à vida dentro das repúblicas,desmonta o fascínio da sabedoria académica e o nível cultural na Academia.Tem capa de Tóssan" (BS).


Porta de Minerva, de Branquinho da Fonseca, inicia-me nas praxes e rituais da vida académica coimbrã: a perseguição ao caloiro, a vida nas repúblicas, a boémia, os estudos insípidos, a verborreia declamatória, as lutas entre os estudantes e a polícia. Admito que literariamente o livro não traga nada de novo, mas o personagem Bernardo Cabral leva-nos a um pequeno mundo dominado pelas praxes donde ele sai licenciado e liberto do pesadelo. Aprovado no último exame é rodeado de colegas que o despojam de toda a roupa, foge somente com a sua capa, nu como num regresso simbólico à pureza primitiva.

Concentro-me nos planos da Rinoceronte Temível. Será a única operação que comandarei. Terei razões para me orgulhar dela. Como passo a escrever.

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Notas de L.G.:
(1) Autor de Diário da Guiné: 1968-1969: Na terra dos Soncó. Lisboa: Temas & Debates. 2008. Uma obra de que o nosso blogue se orgulha de apoiar e de ter visto nascer. Começou por ser uma série, publicada semanalmente no nosso blogue, ao longo do ano de 2007. Está prevista a saída de um 2º volume, no próximo verão. Título provisório: Diário da Guiné: 1969-1970: Tigre Vadio. Sisponível também no Círculo de Leitores.

(3) Sobre o amigo do autor, Carlos Sampaio (Anadia, 19 de Novembro de 1946 / Moçambique, Nambude, 2 de Fevereiro de 1970), vd. os seguintes postes, além do já citado em (2):

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2748: Para o estimado Jorge Picado (Afonso Sousa)


1. Mensagem do nosso camarada Afonso M. F. Sousa (ex-Fur Mil TRMS da CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) enviada ao ex-Cap Mil Jorge Picado, com conhecimento ao nosso Blogue:

Para o estimado Jorge Picado, em Ílhavo.

...e nós que andámos muitos meses na procura de testemunhos para fundamentar as crónicas de dois momentos de saliente infortúnio para as nossas hostes!

Um que ocorreu na zona do Pelundo, em Abril de 1970, e outro na região de Mansoa (Infandre), em Outubro do mesmo ano.

Quem havia de dizer que aqui tão perto, na região aveirense, estava alguém que, pela sua responsabilidade e experiência alicerçada nos muitos locais de tensão que suportou, entre os quais os acima referidos, poderia, provavelmente, ter dado qualificadas e objectivas achegas para a redacção da memória desses acontecimentos.

Que seja bem-vindo à Tabanca Grande, o ilustre ilhavense Jorge Picado.

Peço-lhe que quando estiver no interior desta tabanca não deixe, também, de dar uma olhadela a esse espaço memorial e fazer, caso queira, alguma objecção, aprofundamento ou complemento de narração, pois pressuponho avalizado o seu testemunho.

Um abraço
Afonso Sousa
(um ex-militar na Guiné - 1968/1970)

Nota:
Para visualizar as crónicas em referência, poderá o Jorge, no espaço em branco (campo superior esquerdo), escrever, um a um, como termos de pesquisa, os seguintes: P2162 - P1641 - P1642 - P1643 - P2004 - 1436 - P1445 - P1446 - P1500 - P1549 - P1566 - P1603.


2. Comentário de Carlos Vinhal

Caro Jorge Picado, para lhe facilitar a vida, deixo em rodapé os endereços das postagens a que se refere o Afonso. Basta que clic em cima de cada endereço.

Vale o esforço de ler toda esta informação, analisar e, se achar conveniente, dar alguma achega para aumentar o conhecimento colectivo. São muitas as pessoas que nos lêem, nem todas ex-militares, o que muito nos orgulha.

Aproveito para reforçar o desafio do nosso camarada Afonso, para que nos conte as suas estórias que serão imensas face ao número de aquartelamentos por onde passou.
CV
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Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

25 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

3 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P1641: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (1): Onde e em que circunstâncias ? (Afonso M. F. Sousa)

na mesma data > Guiné 63/74 - P1642: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (2) : Em Infandre, a 13 km de Mansoa (Afonso M. F. Sousa)

e ainda > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

7 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

Guiné 63/74 - P2747: Convívios (51): CART 6250/72, Unidos, Mampatá (1972/74): Maia, 28 de Junho de 2008 (José Manuel Lopes)

1. Em 8 de Abril de 2008, o nosso camarada José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Op Esp da CART 6250, mandou-nos esta mensagem:

Bom dia camaradas.

Tenho duas boas notícias.

O encontro da minha Companhia, em que até 1986 nunca participei, mas de depois de uma lavagem do amigo Carvalho, Furriel Enfermeiro ou melhor Furrié Dótó nunca mais perdi até hoje.

É um encontro muito original, sempre em casa de um dos Unidos se tiver condições para tal ou na sede da Freguesia da sua terra.

Cada um leva o seu merendeiro com as especialidades da sua região. O País gastronómico está lá. Quem nada levar basta levar o apetite e vai visitando os vários farnéis. Todos são bem-vindos, pois todos vão por bem e por vezes o Gastão, o nosso Zeca Afonso leva o violão.

Depois de bem comer e melhor beber, cantamos o nosso hino Mampapa pata pata pata.

Eu levo o meu vinho que é o motivo da segunda boa notícia. Ganhou uma medalha de prata no WINE MASTERS CHALLENGE, este ano realizado em Portugal no Estoril, entre cerca de 4000 vinhos de todo o mundo.

Até breve camaradas

Nota: 2 inscrições no convívio da Tertúlia, eu e a Luisa, minha mulher.


2. Programa do Encontro


CART 6250
Caros Camaradas e Amigos

Passou mais um ano e aproxima-se uma data muito importante para todos nós, o Encontro Anual dos Amigos de Mampatá.

Este ano e como combinado no ano passado, realizar-se-á a 28 de Junho de 2008 na bela Cidade da Maia, sendo um enorme prazer receber-vos a todos vós amigos e respectivas famílias.

Como manda a tradição todos trazem o farnel e a alegria, para que este dia não seja apenas mais um nas nossas vidas.

Por fim espero que o dia chegue depressa para vos poder rever.

Desejo-vos a todos boa viagem. Um enorme abraço dos vossos camaradas Raúl Jorge Aroso Alves Moreira e José Carlos Ferreira Ribeiro.

P.S. - Segue em anexo todas as indicações para chegarem ao destino.

Raúl Moreira - 229 489 630 / 919 477 095

José Ribeiro - 229 604 117 / 934 670 699

Unidos
Moreira e Ribeiro

Guiné 63/74 - P2746: Guileje, colónia penal (2): Terra ingrata, de mau signo, terra de bandidos, terra da fome (Nuno Rubim)

Guiné > Região de Tombali > Guileje >Outubro de 1968 > "Guileje, Colónia Penal, Terra Ingrata, de Mau Signo, Terra de Bandidos, Terra da Fome"... Nesta altura, a unidade de quadrícula de Guileje era a CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos).

Foto : © Gabriel Chasse /
Nuno Rubim (2008). Direitos reservados.



1. Texto do Nuno Rubim, Coronel de Artilharia na situação de Reforma, especialista em história militar e especialmente em história da artilharia, e sobretudo nosso querido amigo e camarada:

Caro Luís:

Continuando com a saga de Guileje, Colónia Penal (1)...

Pois parece-me que nos tempos modernos fui eu quem deu continuidade a essa triste fama..

De facto, no final de 1965, enquanto Cmdt da Companhia de Comandos da Guiné e em virtude de um contencioso que se abriu com o Cmdt do CTIG ( relacionado, a meu ver, com a indevida utilização que estava a ser dada aos Grupos de Comandos da Companhia ), tive um dia uma acesa discussão com o referido senhor.

O resultado não se fez esperar ! Mandou-me sair imediatamente do seu gabinete e disse-me que no dia seguinte receberia guia de marcha para seguir imediatamente para Guileje !

Lá fui ,pois ... substituir o Cmdt da CCAÇ 726, Companhia que na altura já tinha cerca de 16 meses de comissão, em finais de Janeiro de 1966 (2).

Mas isto não ficou por aqui ! Ainda durante a permanência desta companhia em Guileje, chegou a CCAÇ 1424, que a ia render. Pois retiraram-na do comando do seu Capitão, que a tinha formado em Portugal e que o pessoal muito estimava e puseram-na sob as minhas ordens ! Incrível, mas assim aconteceu !

Depois há um vácuo temporal ... ou possívelmente não, mas não me foi dado saber se até 1973 houve mais casos de corrécios despachados para lá ... O que é certo é que me deparei, no AHM [ Arquivo Histórico Militar,] com mais dois casos, já em 1973.

Segundo notas da 1ª Rep / CTIG, a 22 de Janeiro é transferido do GA 7 para o COP 5, o Alf Mil Art José A. C. Branco da Costa, por motivo disciplinar. E logo a seguir, a 9 de Fevereiro, o Fur Mil Op Esp Delfim J. Marques dos Santos, é transferido da CCAÇ 3373 para a CCAV 8350 (2), pelo mesmo motivo !

Realmente a inscrição que amavelmente o nosso camarada Gabriel Chasse, que esteve em Guileje, me enviou (ver foto acima ), sintetiza melhor do que quaisquer palavras o que foi o inferno naquele local.

Um abraço

Nuno Rubim
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Notas de L.G.:


(1) Vd. poste de 8 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2734: Guileje, colónia penal (1): Em 1897 havia um posto militar fronteiriço, português, em Sare Morsô (Nuno Rubim)

(2) Vd. postes de:

14 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726) ...

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

28 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2487: Guileje, 22 de Maio de 1973 (2): Por mor da verdade dos factos (Nuno Rubim)

26 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2584: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (23): O diorama está pronto e é uma obra-prima (Pepito / Luís Graça)

25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2681: CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje (Guileje, Mar 1970 / Fev 1971) (José Crisóstomo Lucas / Abílio Pimentel)

Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

1. Mensagem do Valentim Oliveira, de 8 de Abril de 2008


Camarada Luís Graça:

É com muita admiração que leio todas as Histórias escritas por ti e por todos os outros camaradas que participaram na GUERRA DA GUINÉ.

Também sou veterano da mesma Odisseia: era da CCAV 489 do BCAV 490. Participei na grande Operação Tridente, na Ilha do Como.

Segui para Farim, onde por toda aquela zona muitas coisas boas e más se passaram. Também passei no inferno de Guidaje. Como tal também tenho muitas Histórias boas e más para escrever.

Peço permissão para entrar como membro da equipa dos Camaradas da Guiné.

Um grande abraço,
Valentim Flor Oliveira

PS - Por favor coloca esta minha mensagem no blogue.


2. Comentário do co-editor Virgínio Briote:

Caro Valentim,

Chamo-me Briote e fui Alf Mil da CCAV 489. Fui substituir um Camarada (do 3º Pel?) que foi evacuado para Lisboa.

O Cmdt da CCAV 489 era o Cap Pato Anselmo até ser substituído pelo Cap Mil Tavares Martins, que esteve convosco até ao fim da vossa comissão.

Estive poucos meses em Cuntima. Cheguei lá em finais de Janeiro de 1965 e saí em Maio.

Infelizmente muitas das minhas fotos de Cuntima extraviaram-se, restam-me pouco mais de meia dúzia. Envio-te uma dos alferes da Companhia. O único que não está na foto é o Ferreira (o que tinha aspecto de indiano), que talvez estivesse de férias.



Na estrada que vinha do Senegal e atravessava a povoação de Cuntima (mais tarde conhecida pela Avenida do Senegal), a fotografia dos oficiais da CCAV 489. Da esq para a dir, o Adilson, o médico Dr. Lourenço (açoreano da Terceira), o Cap Pato Anselmo (mais tarde tornado famoso por se ter rendido em 25/4 ao Cap Salgueiro Maia, com os carros na Baixa lisboeta), eu e o outro alferes maçarico (que era assim que se chamavam na altura os recém-chegados), chamado Carvalho.
Foto: © Tantas Vidas, Blogue de Virgínio Briote, Lisboa (2008). Direitos reservados.


Há distância de 43 anos, alguma destas figuras não te devem dizer muito. Eu e o meu pelotão dormíamos no celeiro, em frente à casa do capitão, do rádio e do posto de socorros.

Ficamos à espera das tuas histórias, das boas e más e das fotos que talvez ainda guardes. Sê bem vindo a à nossa tertúlia, em meu nome e dos restantes editores, Luís Graça e Carlos Vinhal, e dos demais amigos e camaradas da Guiné que formam este blogue.

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Notas de vb:

1. Estive há duas semanas com o Cor Cavaleiro, está com 91 ou 92 anos e com a cabeça em muito bom estado.

2. Batalhão de Cavalaria nº 490:

Sob o comando do Ten Cor Fernando Cavaleiro, o Batalhão integrava a CCS e as CCAV 487, 488 e 489. Arrancou de Estremoz, do RC 3, com a divisa "Sempre em Frente".

A estadia na Guiné iniciou-se em Julho de 1963 e a comissão foi dada como finda em Agosto de 1965.

Da actividade operacional, destaca-se a participação na Op Tridente (Ilha do Como/Komo), uma das maiores operações militares efectuadas pelas tropas portuguesas em territórios então designados como ultramarinos.

Mas a acção do Batalhão não se resumiu a essa operação. Após o desembarque, com base em Bissau, desenvolveu várias acções na zona do Oio. Partiu para as Ilhas do Como, Caiar e Catunco em 14 de Janeiro de 1964 e só de lá saiu quando a acção foi dada por terminada, em 24 de Março de 1964.

Passou então à quadrícula. Em 31 de Maio do mesmo ano assumiu a responsabilidade do sector de Farim, que compreendia os subsectores de Cuntima, Jumbembem, Bigene e Farim e a partir de 29 de Junho o de Binta.

Em 25 de Março de 1965 preparou-se para ocupar Canjambari (que estava dentro do sector à sua responsabilidade e que na altura estava totalmente nas mãos da guerrilha). Foi uma acção violenta, com flagelações contínuas e a ocupação, apesar da vasta experiência das tropas do Batalhão, só se deu por concluída em 31 de Maio de 1964.

Entre outras, nas operações Jocoso, Vouga e Invento foram capturados não só guerrilheiros e subtraída população ao IN, como também apreendidas significativas (na altura) quantidades de material de guerra (1 ML, 19 PMs, 36 Espingardas Simonov e outras, 10 minas e cerca de 10.000 munições), numa época em que o PAIGC estava a fazer todos os esforços para o introduzir na zona Norte, em particular o Oio, utilizando para isso todo o chamado corredor de Sitató, que partia do Senegal, atravessava Canjambari e ia até Morés, donde irradiava para toda a zona limítrofe.

Em 15 de Junho foi substituído no sector pelo BART 733 (Cmdt Ten Cor Glória Alves), tendo recolhido a Brá, onde ficou alojado até à data de regresso à metrópole.

Fonte: Extracto da História do Batalhão de Cavalaria 490