terça-feira, 17 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4044: Resumo das actividades do Pel Mort 912 (OUT63/OUT65) (Santos Oliveira)

1. Mensagem de Santos Oliveira, ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com data de 14 de Março de 2009:

Camaradas Luís, Briote e Vinhal
Há algum tempo (26FEV) foi-vos remetido um Mail resultante da publicação do P3938: Brasões, guiões ou crachás (7): Pelotão Independente de Morteiros 912(*), o qual despoletou reparos, dúvidas e pedidos de informações e ou esclarecimentos por parte de Camaradas interessados e, simultaneamente, intervenientes.

Os reparos de ilegibilidade são legítimos. As digitalizações do Relatório Final do Pel Ind Mort 912 não podem ser melhoradas pelas condições dos originais, como se pode verificar. Por outro lado há erros de palmatória e omissões incompreensíveis no Documento, que careciam ser esclarecidos e anotados.
Foi um trabalho duro, que resultou dos testemunhos de inúmeros sobre vivos que se prestaram a colaborar, informando e procurando esclarecimentos entre outros intervenientes na Op. Tridente, sobretudos os visados de Armas Pesadas/Morteiros, que se sentem injustiçados pelas omissões e tentativa de desvio de factos reais, dos "Escribas" daquela acção tão marcante.

Agradeço, publicamente, ao Manuel Costa, do Pel Mort 916 e ao Alf Mil Sales dos Santos, do Pel Mort 917, a disponibilidade de buscar nas suas lembranças vividas ou do apurar as mesmas junto de outros Camaradas das suas Unidades. Por este facto, o resultado das anotações que faço ao Relatório Final do meu Pelotão, pode, agora, ser considerado fiel e fiável.

De modo a poder “tornar” perfeitamente “legível”, procedi à elaboração de uma transcrição do RELATÓRIO DO PELOTÃO DE MORTEIROS 912, utilizando, à letra, todo o tipo de linguagem utilizado e que no final adendarei.

Assim:

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
PELOTÃO DE MORTEIROS N.º 912


Resumo das actividades do Pelotão no período que decorre de Outubro de 1963 a Outubro de 1965.

Nos últimos dias de Agosto de 1963 chegaram a Abrantes os elementos que haviam sido designados para a formação do Pelotão de Morteiros n.º 912.
Receberam os primeiros ensinamentos militares no RI10 e em seguida foram transferidos para os RI7, onde lhe foram ministrados todos os conhecimentos necessários à sua especialidade. Por terem sido mobilizados pelo RI2, dali partiram para a Guiné a 12 de Outubro de 1963. Em 18 do mesmo mês desembarcaram e nesse próprio dia chegaram a Tite.

O Pelotão de Morteiros 912 ficou pertencendo ao BCaç 599 e rendeu o Pelotão de Morteiros 19 que se encontrava na província há 27 meses.
O aquartelamento em que o Pelotão de Morteiros 912 se instalou situa-se num local privilegiado e as instalações precárias e insuficientes para as necessidades a princípio logo foram aumentadas e melhoraram as condições. Todo o pessoal se acomodou perfeitamente aos costumes que vigoravam e facilmente se compenetrou dos deveres e obrigações que o assistiam.

Em 23 de Outubro iniciou-se a primeira saída para o mato, levou a missão de patrulha a zona de IUSSE e ao mesmo tempo exercer um trabalho que desse à população uma inteira confiança na presença das nossas tropas.

Na noite de 28 de Novembro de 1963 deu-se o primeiro encontro com o IN. O Pel Mort levava a missão específica de montar uma emboscada nocturna a cerca de 2km do quartel. Antes de atingir o local e apenas a umas escassas centenas de metros do quartel, estava o inimigo. Depois de alguns minutos de fogo o inimigo retirou apressadamente. Do nosso lado houve a morte de um furriel e o ferimento de um soldado num pé.

Em 7 de Dezembro de 1963 teve lugar a Operação JOTA na área de Jabadá e Jufá; mais uma vez este Pelotão tomou parte da Operação, usando os seus morteiros para apoio das nossas tropas.

No final de 1963, 27 de Dezembro, realizou-se uma outra Operação em que este Pelotão tomou parte, usando novamente as suas potentes armas, protegendo as tropas avançadas. Facilitou a penetração das nossas tropas e demonstrou ao inimigo um maior poder das nossas forças. Entretanto a acção do Pelotão ia-se desdobrando em saídas de reconhecimento, emboscadas nocturnas, limpeza de estradas e acção psico-social junto das populações das tabancas vizinhas. Com este contacto directo foi-se eliminando a desconfiança que os indígenas possuíam com a presença da tropa. Este estado de temor manifestava-se pela fuga precipitada para o mato logo que se apercebiam da aproximação da tropa.

Várias vezes o Pel Mort pode verificar o estado de insegurança em que vivia a população pois a mesma fugia logo que nos avistava. No entanto, foi fácil trazer toda essa gente para o nosso lado.

Em fins de Dezembro o Comandante de Pelotão baixou ao Hospital Militar, donde seguiu para a Metrópole.

Mais alguns elementos nativos (a) vieram pertencer a este Pelotão, oferecendo a sua colaboração principalmente no que respeita a dialectos. Conhecedores destes e sempre de acordo com a tropa, procuravam obter tudo o que pudesse dar indícios que levassem a uma pista certa.

No ano de 1964 desenvolveu-se a seguinte actividade.

Em 27 de Janeiro partiu uma esquadra (b) deste Pelotão para a Ilha do Cômo, levando a missão de apoio às nossas tropas, (c) com os seus morteiros. Na zona estava instalado o quartel-general do inimigo e dele espalhavam os seus elementos de subversão e distribuíam o armamento e munições para todo o sul da província. Apoiou sempre o avanço das nossas tropas e durante seis meses suportou privações de todo o género. Os ataques ao aquartelamento eram frequentes dando origem a que os nossos dois morteiros trabalhassem durante longo tempo. As comodidades não existiam e só nos últimos dias, já em local mais ou menos adequado, (d) puderam improvisar algo que lhes facilitassem melhores comodidades.

Uma segunda esquadra (b) foi ocupar a vaga da primeira em princípios de Outubro (e). Continuou exercendo a mesma actividade que a anterior.

Em 10 de Janeiro de 1963 (f) chegou um Furriel que veio ocupar a vaga do falecido, anteriormente citado.

A 7 de Março de 1963 (f) chegou o actual Comandante de Pelotão, tomando directamente contacto com o pessoal, assegurando todo o bom andamento deste Pelotão.

No dia 31 de Março realizou-se uma longa saída juntamente com um Pelotão da CCav 353. Quando regressava a Tite e depois de um dia inteiro de exaustiva caminhada, o inimigo tentou fazer explodir um fornilho que anteriormente tinha colocado num local de passagem quase obrigatória. Não houve nada de anormal e o inimigo iniciou uma fuga rápida e precipitada, abandonando o local.

Em 18 de Julho regressou a esquadra (b) que estava na Ilha do Como.

Na parte final de Agosto registou-se um aumento sensível na actividade operacional para privar o inimigo de deslocações que estava levando a efeito. Mais uma vez este pelotão prestou a sua ajuda em saídas e emboscadas constantes.

Em 11 de Agosto tentou-se fazer a ligação por estrada entre as Companhias deste sector usando para tal uma coluna auto e uma apeada para a limpeza e patrulhamento da estrada. A estrada foi patrulhada por este Pelotão, permitindo uma segurança quase total à coluna auto. Foram removidas árvores e construídos alguns pontões para que a referida coluna pudesse continuar o percurso previsto. Chegamos ao aquartelamento já de noite sem termos qualquer contacto com o inimigo.

Na primeira semana de Outubro (g) deu-se mais uma substituição neste Pelotão, motivada pela punição de um furriel deste, que acompanhou uma esquadra (b) na Ilha do Como. Mais um novo elemento veio juntar-se ao Pelotão de Morteiros.

Em 11 de Outubro morreu um soldado afogado no rio Geba, altura em que este Pelotão foi ocupar o destacamento do Enxudé.

Em 31 de Outubro fomos novamente incumbidos de levar a efeito a mesma missão que na Operação de 11 de Agosto. Mais uma vez a estrada Tite-Nova Sintra e daqui para Fulacunda, numa extensão de 8km foi patrulhada por este pessoal. Em Aldeia Nova, cerca de 8km do quartel foi detectada uma mina, previamente colocada pelo IN com a finalidade de rebentar à passagem de uma viatura. À frente cerca de 6km o inimigo esperava-nos emboscado atrás dos montes de baga-baga. Com a nossa rápida e violenta reacção, rapidamente empreendeu a fuga. A missão foi levada até final sem mais algum incidente. Chegamos ao quartel por volta das 19,00 horas. Decorrido cerca de uma hora o inimigo atacou o quartel, obrigando o pessoal que se encontrava cansado a empreender mais uma defesa ao mesmo.

Em meados de Dezembro este Pelotão deslocou-se novamente para o Enxudé, onde permaneceu mais um mês. Foi lá passado o Natal e Ano Novo e novas esperanças se criaram para o ano de 1965.

Novo Ano principia em 1965 e as actividades continuam sem parar.

Em 30 de Janeiro iniciou-se a Operação Braçal com forças da CCaç 423 uma Companhia de Milícia e 3 Pelotões de Tite. Enquanto uns trabalhavam na preparação de instalações para fixação de um quartel (h) outros batiam-se na frente tentando aniquilar e pôr em fuga o inimigo. Este resistiu intensamente e durante vários dias não deu descanso à nossa tropa. Todas as noites flagelava o destacamento com fogo de armas ligeiras e pesadas tentando que a tropa abandonasse o local. Em 10 dias foram enviadas para o destacamento, por parte do inimigo, 126 granadas de morteiro 8cm (i) não tendo alguma dele provocado qualquer acidente. Mais uma vez incutiu-se no espírito do inimigo que a tropa faz o que quer e não são eles que facilmente nos impedem de levar a efeito qualquer objectivo. Em 8 de Fevereiro este Pelotão regressou a Tite.

Durante mais algum tempo o Pelotão cooperou em saídas de rotina, acção psico-social e emboscadas.

Em 15 de Abril o Pelotão foi novamente para Jabadá e ali permaneceu cerca de seis meses e meio. Durante este tempo limitou-se apenas a defender o aquartelamento, que diariamente era flagelado pelo inimigo.

Em 23 de Outubro regressou definitivamente a Tite a fim de se preparar para embarcar em fins do mesmo mês.

Durante esta comissão foram dados seis louvores colectivos e três individuais.

Quartel em TITE, 27 de Outubro de 1965

O COMANDANTE DE PELOTÃO

Ass: António Fernandes Oliveira Rodrigues
Alf Mil

ANOTAÇÕES AO RELATÓRIO DO PELOTÃO DE MORTEIROS 912:

(a) - É omissa a quantidade de elementos, serventes, integrados no Pelotão, como não são conhecidas as identidades dos mesmos;

(b) - Uma "Esquadra" corresponde a um Morteiro e tem o Comando de um 1º Cabo Apontador; obviamente que se trata de uma "Secção", Comandada por um Sargento (Furriel), reduzida, na sua composição Orgânica, em elementos humanos.

(c) - Esta Secção “Autónoma", do Pel Ind Mort 912 destinou-se a integrar e "formar" uma Espécie de Pelotão tripartido, que nunca o foi como tal, assim como, jamais, as três Secções (Pel Mort 912, uma Secção; Pel Mort 916, uma Secção e Pel 917, uma Secção), estiveram articuladas por um Comando unificado ou predeterminado, sendo que as actuações no terreno, eram dependentes das solicitações, directas, de Apoio de Fogo das forças em presença, e desencadeadas conforme as necessidades no decurso da Operação Tridente.

O Comando, se assim se pudesse designar, foi uma fugaz e única aparição pelo tempo que mediou uma Maré, do Alf. Leal Mendes, Comandante Titular do Pel Mort 916.

Este foi o único dispositivo de Armas Pesadas/Morteiros 81, que poderia constituir um Pelotão e, como tal é tomado, para operar em toda a Operação Tridente.

Não era (e jamais foi) o Pel. de Morteiros do BCaç 600 (Pel Mort 916) que operou na Operação Tridente; apenas uma Secção do mesmo.

A deslocação da Secção do Pel Mort 912, seria a que durasse toda a Operação. Tal não aconteceu. Terminada que foi, inexplicavelmente (nunca ninguém o fez), a mesma, continuou no Cachil (Ilha do Cômo), como que abandonada à sua sorte, enquanto as restantes Secções dos outros Pelotões de Morteiros, foram regressando às suas Unidades fixadas nos seus Quartéis Base.

Este abandono real e consciente (ou inconsciente mas consequente), acabou por dar origem á Insubordinação (calculada e consciente) do Furriel Comandante da Secção do 912 e que resultou na concretização do seu desejo pessoal de, por via disciplinar, beneficiar da respectiva transferência de Unidade, o que veio acontecer, conforme estava previsto no RDM, livrando-se, assim, do lugar e das sinistras condições de sobrevivência.

Deste modo, como consequência da falta de Comando, o restante Pessoal que compunha a Secção regressou a Tite, a 18 de Julho de 1964, doutro modo, a substituição provável (?) bem poderia considerar-se a data de Rotação da CCaç 557, a 27 de Novembro de 1964.

(d) - Tão-somente o desbaste da Mata (sem ferramentas apropriadas) e a construção da paliçada, qual forte do "farwest". De resto, as condições mantinham-se inadequadas e desumanas como antes, como se pode verificar nas fotos.

(e) - O Destacamento desta Secção do P.Mort 912 (de Comando tacitamente autónomo, tal como a anterior) teria a duração de 3 meses mas que ( por “continuado e deliberado esquecimento” do Comandante) se prolongaram até Julho de 1965, sem que ao longo de todo o longo período houvesse um único contacto do Comando ou sido dado provimento a qualquer dos inúmeros e legítimos anseios a solicitar rotação e substituição.

(f) - Evidente ser referido a 1964

(g) - 20 de Setembro, com precisão.

(h) - Omisso o nome, mas que se reporta a Jabadá.

(i) - Considere-se Morteiro 82mm.

Anexam-se a digitalização do Relatório e algumas fotos do Aquartelamento do Cachil, com as respectivas legendas.

Espero poder ter contribuído para esclarecer um pouco mais aquele período e lugar, que ainda está longe de ter, definitivos, todos os dados Históricos. Há, sabe-se, a cada dia que passa, bem mais que contar que o que já foi narrado.

Abraços, do
Santos Oliveira


OBS: - Em próximo poste serão exibidas fotos enviadas pelo nosso camarada Santos Oliveira, juntamente com este Relatório de Actividades
CV
__________

Comentário de CV

(*) Vd. poste de 25 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3938: Brasões, guiões ou crachás (7): Pelotão Independente de Morteiros 912 (Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P4043: Falando do General Carlos Azeredo (José Belo / Joaquim Queirós)

1. Mensagem do nosso camarada José Belo (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Reformado, a viver na Suécia, com data de 14 de Março de 2009:

Todo o já largo tempo em que tenho procurado acompanhar a Tabanca Grande me surpreendi com "a falta" da presença do "Major" Azeredo, respeitado, admirado e estimado, comandante do C.OP. de Aldeia Formosa em 1968.

Por inconveniente nas suas ideias e posições frontais, tão fora do vulgar no nosso Exército de então, fora continuamente perseguido, e punido, pela hierárquia. Com a chegada de Spínola e o arranque do programa "por uma Guíné melhor", justiça foi finalmente feita ao "Major" Azeredo com a nomeação pelo Comando Chefe para, então, tão importante cargo operacional. Com o conhecido entusiasmo e frontalidade, acompanhado sempre do seu exemplo pessoal, o Major Azeredo conseguiu, de imediato, motivar mesmo os "menos crentes", transformando desde o primeiro dia do seu comando todo o sector operacional.

Dizia conhecido general romano:
- O carácter não se inventa, o carácter forma-se!

Daí não resistir lembrar aos Camaradas um acontecimento passado com o Capitão Carlos de Azeredo aquando da queda da Índia portuguesa onde então prestava serviço.

Após tentativa de fuga de militares portugueses prisioneiros no campo de Pondá, efectuou-se uma formatura de emergência para contagem de prisioneiros no campo de Alparqueiros onde o Cap. Carlos de Azeredo se encontrava detido. Os prisioneiros foram obrigados pelos militares indianos a comparecer em acelerado. Foi então que o Cap. Azeredo, indiferente às ordens recebidas, se diriguiu calma e compassadamente para a formatura. Advertido por um militar indiano, este intimidou-o a correr. Como o Cap. Azeredo tivesse reagido verbalmente, o Cap. Nahir do 4.º Bat Sik da 17.ª Div. Inf., deu ordem a três soldados indianos para o agredirem à coronhada, o que fizeram. O Cap. Azeredo, violentamente agredido e arremessado ao solo, comportou-se com excepcional coragem e dignidade, perante a admiração dos militares portugueses que assistiram à cena.

(Do livro - Queda da India Portuguesa - Carlos A. de Morais)

Meu General, aqui da tão distante Suécia quero "gritar-lhe" que sentirei sempre orgulho em ter servido sob as suas ordens no humilde destacamento de Mampatá!

Estocolmo
14/Mar/09
José Belo

2. Artigo publicado na edição do dia 11 de Março de 2009, no Matosinhos Hoje Online, de autoria do jornalista senhor Joaquim Queirós, fundador e Director do mesmo Jornal em papel.



Convívio de mais de centena e meia de matosinhenses ex-combatentes na Guiné, com a presença do general Carlos Azeredo.(**)

“Sim, meu general”

No passado sábado, nas magníficas instalações do restaurante “Mauritânia”, na rua de Mousinho de Albuquerque, realizou-se o 3.º encontro de convívio entre os militares matosinhenses que combateram na Guiné-Bissau, então Guiné portuguesa.

Foi um momento de grande companheirismo, em que não faltaram as boas e más recordações, tendo estado presente, a presidir a tão significativo momento, no qual também esteve a deixar um abraço o presidente da Câmara de Matosinhos, dr. Guilherme Pinto, o general Carlos Azeredo, que para além do militar exemplar que ainda o é, na Reserva do Exército português, foi um chefe que se fez respeitar sem quebrar o sentimento de solidariedade e amizade com todos os seus subordinados.

O “Matosinhos Hoje”, convidado para o convívio, não podia deixar de aproveitar a oportunidade para conversar com tão elevada e histórica figura militar, agora com 78 anos, que esteve em comissão de serviço por duas vezes em Goa (Índia), tendo sido até feito prisioneiro quando da invasão daquele território pelos indianos; em Cabinda (Angola) e por duas vezes na Guiné. Foi assessor militar de Sá Carneiro e chefe da Casa Civil do Presidente da República Mário Soares. Ocupou, ainda, a chefia militar da Região do Porto.

Dada a actual conjuntura de tragédia na Guiné-Bissau com o assassínio do Presidente Nino Vieira e do chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, Tagmé Na Waié, o general Carlos Azeredo não teve dúvidas em afirmar:
- Há inúmeras etnias, mas é um povo extraordinário. Mas é um também um país que, noutros tempos tinha hipóteses de criar a sua subsistência e até exportar arroz, enquanto agora é a miséria que se sabe, tomando o Estado conta de todo o espaço e dando uns quintais aos balantas. Depois, há o facto importante de ser um pequeno país que, quando a maré sobe o mar cobre metade do território.

Quanto aos actuais e trágicos acontecimentos, é o resultado natural da luta étnica e dos caminhos negros do envolvimento do país no narcotráfico, tal como se pode depreender pelas notícias. O Presidente Nino, quanto a mim foi um grande guerrilheiro, embora um bárbaro, um Viriato daquelas paragens e estes homens terão de ter sempre morte violenta. As é horrível ter conhecimento destas desgraças e da desgraça destes povos.

O jornalista via na face do grande chefe militar uma nota de inconformismo sobre a situação actual guineense:
- Um grande povo, trabalhador, mas infelizmente envolvido numa situação que não se sabe como irá acabar.

O bacalhau já havia sido digerido e todos procuravam que o “nosso general” também provasse o porco preto, mas ele não acedeu à “ordem de serviço”:
- Já tenho bacalhau quase até sair da boca!

E continuou a curta conversa com o jornalista, não deixando de lhe dar uma ordem”: coma, homem, aqui tem o prato”.

Mas o jornalista antes queria beber a solicitude do general e a sua amabilidade, a força que ainda o velho militar demonstra. Recordamos quando Carlos Azeredo, perante a admiração da população da cidade do Porto, via o então brigadeiro transitar, quando no comando da Região Militar, montado na sua “vespa”. O general deu uma gargalhada:
- Você lembra-se disso? Era uma “Vespa”. Mas também tive uma motorizada igual à dos pedreiros. Era para fugir ao trânsito e chegar ao quartel general a tempo e a horas. Olhe (e dá uma gargalhada bem sonora) um dia descia a Rua da Boavista, montado na tal bicicleta a motor, e na Carvalhosa, o sinaleiro quando me viu passar, fez-me a continência e rodou, de boca aberta, porque não queria acreditar. Eu era e sou assim.
- Mas há mais situações?...
- Sim, por exemplo, quando fui nomeado Chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares estava com uma perna partida e engessada. Parti o gesso, calcei as botas e apresentei-me, correndo o risco de ficar com uma mazela. Mas tinha de estar presente. Se tinha!

E sem nos deixar continuar:
- Fui Governador Militar e representante da República na Ilha da Madeira, tive as minhas discussões bravas com o dr. Alberto João Jardim, algumas que até não quero recordar porque se sabe como é o meu feitio, mas hoje somos grandes amigos e ele fez da Madeira um exemplo de governação. Aqui no Continente bem precisávamos de dois ou três.

A conversa continuou, com parte dela a não ser conveniente reproduzi-la pois falava da “porrada” que houve na guerra colonial e pelas “porradas” que constavam das relações do general com as suas tropas, muito embora estas admirassem o seu comandante, aliás como aquele momento bem o demonstrava.

Carlos Azeredo, nascido, por acaso, em Marco de Canaveses, ainda antes dos nove meses de gestação, situação que, segundo se lê e ouve é sinal do nascimento de alguém que vai fazer história de relevo, hoje, com 78 anos rijos como o “pinguelim” dos oficiais de Cavalaria. Hoje vive na sua propriedade do Douro (“se quiser ir a minha casa, vai à Régua, encosta-se no edifício da estação dos caminhos de ferro, olha para o lado de lá do rio e a minha casa é ali. E tem boa pinga…”) quando lhe apetece, como ele diz no seu ar bem disposto “escrevo umas coisas para O Diabo”.

Foram uns momentos bem passados, de óptima recordação. O nosso obrigado a inúmeros amigos que ali vimos e que soubemos que, alguns, já visitaram as terras onde viveram momentos de sofrimento.

Por: Joaquim Queirós

Com a devida vénia ao Matosinhos Hoje
__________

Notas de CV.

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3998: Tabanca Grande (124): José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70), actualmente Cap Inf Reformado a viver na Suécia

(**) Vd. poste de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4030: Convívios (100): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, ocorido no dia 7 de Março de 2008 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P4042: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (4): Ajudas de memória (Abreu dos Santos)

1. Texto do nosso leitor e frequente comentador Abreu dos Santos, veterano de guerra, antigo comando em Angola ["CIOE-Out71, CIC-Luanda Nov71, regresso Mar74"] - como "poderia ter sido Guiné (estava no CIOE a ser formada, sensivelmente ao mesmo tempo, a 38)"...

O Abreu dos Santos é, além disso, um estudioso da guerra da Guiné (1963/74)... Na única foto que teve a gentileza de me mandar, para meu conhecimento pessoal, tirada em Angola, tinha a seguinte legenda: "equipa 'comando' em formação, na qual estão (não 'estavam', estão...!) em maioria rapazes, portugueses como este vosso leitor, mas nascidos naquele território [, Angola,], um dos quais cuanhama e que viria a morrer em combate" (...).. Acabei por retirar essa foto, respeitando a vontade do nosso leitor de não querer ver as suas fotos copiadas "e, principalmente, utilizada(s) por outros e para 'outros' fins".

2. Comentário ao poste P3955 (*)

Aos estimados veteranos que andaram por matos e bolanhas da Guiné, e a quem mais interessar possa, aqui ficam algumas "ajudas de memória", relacionadas com o tema «Madina do Boé 1969-1973» (**)

[...]

1969 – Fevereiro.9

No sudeste desertificado da Guiné, os guerrilheiros da Frente Sul do PAIGC entram em Madina-do-Boé e instalam-se no recém-abandonado campo fortificado onde - até à manhã do anterior dia 6 - estavam aquarteladas tropas portuguesas.

– «Havia certa relutância em retirar a companhia da sua posição insustentável e dispersa, uma vez que, se assim fosse, o PAIGC declararia a região como ‘livre’. Já anteriormente acontecera uma situação idêntica na zona oriental de Beli e com a retirada das tropas portuguesas o PAIGC declarara a área como ‘zona libertada’. O mesmo acabou por acontecer com a retirada da companhia de Madina em 1969 e o PAIGC passou a receber os jornalistas estrangeiros em território português, com a consequente e indesejada publicidade. A área não tinha qualquer valor económico, a escassa população não era estrategicamente importante para qualquer dos lados e as tropas portuguesas poderiam ser melhor utilizadas noutras tarefas.»¹

– «[O caboverdeano Silvino da Luz] guarda especialmente viva na memória [em Fev94], ‘a luta em torno do quartel de Madina do Boé’, no final dos anos 60. “Antes de o abandonarem, os portugueses armadilharam-no, com minas. Três companheiros meus ficaram sem pernas”.»²

¹ (cf Hélio Felgas, em 22Nov94 a John Cann);
² (Castanheira, op.cit pp.297)

[...]

1970 – Março.14 (sábado)

De Bissalanca seguem por via aérea para o chão Gabu dos futa-fulas e futa-forros no leste da Guiné, o ministro do Ultramar, o comandante-chefe general Spínola e o comandante da ZACVG coronel Diogo Neto, que em Nova Lamego inauguram o novo aeródromo com uma pista asfaltada de 2100mts por 50mts de largo, construído em 10 meses e que, com os do Quebo (Aldeia Formosa) no sul e Cufar (perto de Catió) no sudoeste, integra o programa anual de desenvolvimento das comunicações aéreas provinciais.

– «Só em 1970 foram construídas mais três pistas asfaltadas: Nova Lamego, Cufar e Aldeia Formosa [Quebo], para cobertura operacional do sul e leste, Gabu e Boé. Nova Lamego tinha sido preparada para aviões FIAT e passou a contar com um destacamento permanente de aviões ligeiros.»¹

Seguidamente a comitiva percorre em automóvel o concelho do Gabu, viajando a seguir de helicóptero para sul, aterrando primeiro em Béli e depois sem escolta em Madina-Boé que, segundo Amílcar Cabral, é uma «região libertada» pelo PAIGC. No regresso a Bissau, sobrevoam a baixa altitude as tabancas do Cheche e Canjadude, e ao fim da tarde no QG do forte da Amura o ministro assiste ao briefing de rotina diária.


¹ (Diogo Neto, em 19Jul94 a Freire Antunes)

[...]

1973 – Outubro.24


No sudeste da Guiné, o novo governador e comandante-chefe general Bettencourt Rodrigues – após ter tomado o pulso à situação da província –, desloca-se com 2 jornalistas alemães a Madina-do-Boé e percorre sem escolta a designada «capital da República», proclamada pelo PAIGC exactamente há 1 mês.

[...]
– «O novo comandante-chefe estudou a situação e, quando se considerou de posse de todos os elementos para fazer o seu diagnóstico, voltou a Lisboa onde expôs a sua opinião ao Governo, indicando os meios que considerava necessários para actuar com segurança. Pouco antes, haviam-se verificado ataques esporádicos a povoações da zona leste próximo de Nova Lamego (Gabu) e da zona sul.

A opinião do comandante-chefe era a de estes últimos tinham o carácter de manobra de diversão. O objectivo real do inimigo era isolar uma zona na faixa leste da província, que incluia Madina do Boé, para poder instalar-se no nosso território e assim pôr termo à situação ridícula de afirmar que o dominava, ter proclamado a sua independência e continuar com a sede dos seus orgãos dirigentes em Conackry, onde era forçado a receber os representantes dos organismos internacionais e dos Estados que haviam reconhecido a pseudo-República da Guiné-Bissau... Bethencourt Rodrigues compreendeu a manobra e preparou-se para a inutilizar.

Foram-lhe dados mais meios e outros em breve lhe seriam enviados, que anulariam ou pelo menos atenuariam substancialmente o desnível que se dizia existir entre os nossos meios e os do inimigo.»¹

– «A propósito é de recordar uma crónica publicada por um jornal da Alemanha Federal, de um seu enviado especial e oriunda de Medina [sic] do Boé. Começava por afirmar o seguinte: “Não existe uma República da Guiné-Bissau. Embora 70 Estados tenham reconhecido esta República, a partir do momento da proclamação da independência da Guiné Portuguesa efectuada pelo movimento terrorista PAIGC, o certo é que isto se traduz no reconhecimento de uma fantasia. Nem sequer a povoação de Medina, na zona do Boé, no sul do território e na qual 120 deputados reunidos em assembleia nacional dos rebeldes do PAIGC, teriam proclamado a República, se encontra nas mãos dos rebeldes.”»²

Enquanto isso no QG da NATO em Bruxelas, o secretário-geral Joseph Luns solicita aos delegados da Holanda, Noruega e Dinamarca que os seus governos não reconheçam³ a "independência da Guiné-Bissau".

¹ (Silva Cunha, op.cit pp.56-57);
² (Thomaz, op.cit pp.328);
³ (mas só no início de Abr74 o MNE dinamarquês vai distribuir, em nome dos países nórdicos, um comunicado conjunto nesse sentido)
__________

Notas de L.G.:

(*) 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix) Vd. postes anteriores desta série:

Vd. postes anteriores desta série:

18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)

(**) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3909: (Ex)citações (16): Por que é que a FAP não bombardeou Madina do Boé em 24/9/1973 ? (Luís Graça / A. Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado)

1. Mensagem do Jorge Picado, Engenheiro Agrónomo, na vida civil, reformado, residente em Aveiro; na vida militar, ex-Cap Mil (CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72):


Caros Amigos, Luís, Briote e Vinhal

Neste dia quente e soalheiro, que mais parece ser no pino de verão e não ainda de inverno, ao consultar os apontamentos verifiquei, que comemorava anos em que tinha conhecido pessoalmente o então General Spínola.

Aí vai a nota descritiva do facto, que julgo possa ter algum interesse, não por o ter conhecido, mas pelo que dele ouvi e me deixou meio "apalermado" então.
Como sempre deixo ao vosso critério o que fazer da notícia.
Abraços para todos os camaradas.
Jorge Picado


2. O Spínola que eu conheci (*) > Terça-feira, 17 de Março de 1970

Passam hoje 39 anos desde aquela longínqua terça-feira em que conheci finalmente o tão famoso, naquele tempo, Governador-Geral e Comandante-Chefe do CTI da Guiné.

Durante aqueles primeiros 22 dias de Mansoa já tinha ouvido falar, por diversas vezes, nesta personalidade, por aqueles que contavam quer boas quer menos boas histórias dele, tratando-o pelos mais diversos nomes. General Spínola, Com-Chefe, Governador, Caco Baldé ou simplesmente Caco e até Cavalo Branco, que era o indicativo, creio, de quando se deslocava de helicóptero.

Pois nesse dia, da semana e mês, realizou-se a visita a Mansoa de Suas Excelências, o Ministro do Ultramar, Dr. Silva Cunha (**) e o GG, Gen António de Spínola. Aquele, de visita ao CTIG, para observar e conhecer in loco os êxitos da aplicação das medidas militares e políticas determinadas nas Directivas do Com-Chefe, traduzidas no consagrado slogan “UMA GUINÉ MELHOR” deslocou-se a vários locais, incluindo também a sede do BCaç 2885, Mansoa, onde lhe foi preparado um “Banho de multidão” condigno.

Toda a “sociedade civil nativa”, daquelas redondezas (reordenamentos) foi mobilizada para vir receber e saudar o Homem Grande do Puto, mostrando ao mesmo tempo como “adoravam” o que o famoso Caco Baldé fazia para bem daquele Povo.

Dada a minha situação privilegiada, forças da CCaç dispersas, não tive que alinhar nas medidas de segurança adoptadas, como outros camaradas tiveram de fazer, no mato em patrulhamento ou emboscados para salvaguardar alguma desagradável surpresa do IN. As Altas Individualidades estavam ali para receber cumprimentos e manifestações de regozijo, mas não daquelas que o IN costumava fazer.

Consta da HU – História da Unidade, CAP II:

“Em 17MAR70, recebido o reforço de 2 GComb do Batalhão de BISSAU, são adoptadas mediadas especiais de segurança durante a visita de Sua Ex.ª o Ministro do Ultramar ao Concelho de MANSOA”.

É curiosa esta simples menção, pois nem se dignam indicar a companhia do GG e Com-Chefe. Seria usual?

Portanto fui apenas um digno observador, que devo ter feito parte dos que estiveram perfilados ao lado, enquanto se prestavam as honras militares devidas e, talvez, os cumprimentos da praxe. Pude assistir e ouvir os discursos respectivos, especialmente o do Com-Chefe e é por isso que redijo esta pequena nota.

Eis a razão desta minha evocação.

A certa altura do discurso, ouço, com espanto meu, o General dizer algo que, face a não ter presente a esta distância as palavras exactas, resumo em “se estar a viver um momento especial e já não faltar muito para o fim da guerra”!!!

Estava há 22 dias, como disse, em Mansoa, rodeado dos meus medos sobre o que me iria acontecer e eis que me apontam a perspectiva da guerra estar prestes a terminar?

Sinceramente, não percebi onde queria chegar com tais palavras. Para mim tudo aquilo não passava de mera propaganda. Pensei com os meus botões, afinal seria normal que estando a falar, não só para as POPs, mas também para os militares e na presença dum Ministro, tentasse exercer a sua APSICO, afim de levantar a moral dos soldados e convencer os gentios.

Mas não foram precisos muitos dias, para compreender tais afirmações. Trinta e quatro dias depois o sonho desmoronou-se. A 20 de Abril a noticia correu célere. Tinham sido mortos os 3 Majores e o Alferes Miliciano, na estrada para Jolmete. Era no seu trabalho que se alicerçava a crença do General.

Nota: A páginas 590 da publicação Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique , de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, editada pelo Diário de Noticias, escreve-se:

“1970.04 Referência, num discurso em Mansoa, feito por Spínola diante do Ministro do Ultramar, Silva Cunha, ao facto de a Guiné estar a viver um grande momento, por se aproximar o fim da guerra.”

Esta citação está incorrectamente datada, pois foi no dia que agora indico e não num dia indeterminado de Abril.

E já agora, antes de terminar e por mera coincidência: No mesmo dia e mês, 17MAR, mas do ano seguinte tenho a seguinte inscrição no mesmo intervalo da agenda: “Mansoa-Mansabá, 0700. Visita SEXA GG à estrada." (***)

Trocando por miúdos: Estava em 1971 na CART 2732 e tinha ido a Bissau em DO no dia 15. A 16 segui de Bissau para Mansoa de camioneta (?!) e a 17 apanhei uma coluna de Mansoa para Mansabá que saiu às 7 da manhã. Nesse dia o General Spínola visitou as obras na estrada Mansabá-Farim. Sobre este acontecimento talvez os amigos Carlos Vinhal ou Vítor Junqueiro possam esclarecer melhor.

Um abraço do Mansoa ao Cacheu do
Jorge Picado
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série (O Spínola que eu conheci):

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: O Spínola que eu conheci (1): Antes que me chamem spinolista... (Vasco da Gama)


(**) Joaquim Moreira da Silva Cunha nasceu em 1920. Começou como por secretário do Ministro das Colónias em 1944, num dos governos de Salazar, iniciando assim uma carreira que o levaria a subsecretário de Estado do Ultramar, em 1962, e depois a ministro, em Março de 1965 (cargo que ocupará até finais de 193).

(...) "Sempre ligado às questões coloniais, foi professor da antiga Escola Superior Colonial, dirigente da Mocidade Portuguesa para o Ultramar, vogal do Conselho Ultramarino, procurador à Câmara Corporativa e subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (Dezembro de 1962)".

Como ministro do Ultramar durante oito anos (1965-1973), é destacar a sua fidelidade e entusiasmona na defesa da política ultramarina do então Governo de Salazar e depoia de Marcelo Caetani. Participou na revisão constitucional de 1971, foi o impulsionador do mega-projecto de construção de Cahora Bassa, em Moçambique, apoiou a tentativa de Costa Gomes de aliciar Jonas Savimbi para fazer face ao avanço do MPLA no Leste de Angola, tal como apoiou a política de Spínola ("Por uma Guiné Melhor").

Já em plena crise desencadeada pelo Movimento dos Capitães, substituiu o general Sá Viana Rebelo na pasta da Defesa, em finais de 1973.

Fonte: Adapt de Guerra Colonial, dir. Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.


Natural de Santo Tirso, licenciou-se em Direito, em 1943, pela Faculdade de Direito da Universidade Lisboa. Doutorou-se tembém em Dierito, pela mesma Universidade, com uma tese sobre "O Sistema Português de Política Indígena. Subsídios para o seu estudo", hoje considerada uma obra de referência para quem quiser conhecer as perspectivas de reestruturação e evolução do sistema colonial no pós-Segunda Guerra Mundial.

(...) "Até à tomada de cargos de direcção no Ministério do Ultramar - -, realiza um percurso académico e político que tem como principais coordenadas: a actividade docente no ensino superior (cadeiras de Direito e Administração Colonial na Faculdade de Direito de Lisboa, no Instituto do Serviço Colonial e na Escola Superior Colonial - escola que se encontra na origem do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina) e o desempenho de funções no Centro Universitário da Mocidade Portuguesa de Lisboa, no Conselho Ultramarino e em várias comissões e associações científicas de índole colonialista.

"No que respeita à actividade governativa, integra o grupo de condutores da última fase da política colonial portuguesa, cabendo-lhe maior protagonismo no período de agudização da guerra de África e de execução dos últimos planos de fomento ultramarino.

"Atendendo à produção legislativa, às iniciativas do Ministério e à sua produção discursiva da época [vd Memória de África > Publicações de Silva Cunha] , podemos sugerir que a sua actuação é coordenada: em primeiro lugar, pela intensificação progressiva do 'esforço de guerra' nos planos militar, propagandístico, orçamental e de fomento das vias de comunicação, mas também no que toca à maior eficácia do sistema de repressão policial (que se inicia com o encerramento da Casa dos Estudantes do Império, em 1965, prossegue, por exemplo, com o Plano Geral de Contra-Subversão e termina com as remodelações dos Conselhos Provinciais de Segurança, em Setembro de 1973); em segundo lugar, pelas medidas tendentes a regulamentar e a dar execução às reformas de 1961-64, designadamente nos sectores do desenvolvimento económico e das infra-estruturas produtivas, da educação, da saúde e da assistência social" (...).

Fonte: Dicionário de História do Estado Novo, 2 vols, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996.

[Em linha] [Consult. 17 de Março de 2009] Guerra Colonial: 1961-1974.

(***) O Jorge Picado só chegou à fala com Spínola numa outra visita, já no destacamento de Cuti, no Natal desse ano (1970):

Vd. poste de 31 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3687: O meu Natal no mato (20): Visita de Natal do COMCHEFE a Cutia (Jorge Picado)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4040: Quando o apreço se transforma em apresso, por causa das pressas (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria(*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 11 de Março de 2009:

Amigo Vinhal

Mais um pouco de trabalho para que te mantenhas em forma!

Era para ser um comentário a um comentário, mas resolvi mandar-to para publicação, se assim o achares.

Um abraço
Luis Faria

PS: - Se puder ser publicado hoje, fica em sintonia com o Poste comentado. Obrigado


CONSIDERAÇõES
Relendo agora, o meu comentário ao Poste 4007(**), reparo que escrevi APRESSO e não APREÇO, como devia no caso.

“Se entra lixo... sai lixo”, diz o Luís Graça e bem, no comentário a esse mesmo Poste.

Também acho que devemos ter um pouco mais de cuidado com os pequenos grandes "lixos" que possamos enviar (os "lixos" de que fala), contribuindo um pouco para a poupança de tempo e de cabeça dos nossos incansáveis Timoneiros a quem não damos descanso.

Um abraço e um obrigado ao LUIS, VINHAL e BRIOTE

A grande parte de "lixo maior" também é reciclável, mas como já constatámos, a Tabanca encarrega-se de o reciclar, “rapidamente e em força”.

Também há o não reciclável e esse tem de ser, a meu ver incinerado à nascença (antes de contaminar), pelos Timoneiros desta BARCA-TABANCA se por eles detectados, como também já tem acontecido.

Caso consigam passar o crivo, cada vez e ainda bem, há mais remadores e “Olheiros” atentos que se encarregam de à pazada e à gadanhada o meter no incinerador, como também já aconteceu.

Não quero acabar sem deixar também um abraço de apreço aos vários e assíduos COMENTADORES - J. Picado, Mexia, M. Fitas - e o seu grande Cumbijã -, J.Dinis, A. Pinto, A.H. Matos, António G. Matos, T. Mendonça , M. Ribeiro, H. Sousa e tantos outros que com a sua atitude interventiva contribuem e em muito para a vivacidade do nosso Blogue, para além de incentivarem também as participações no mesmo, em especial àqueles que possam pensar que, por não receberem comentários, os seus dizeres têm pouco ou nenhum interesse para os restantes Tertulianos e daí se coibirem de expressar as suas estórias, que a meu ver têm sempre interesse, já que são vivências pessoais/colectivas que ajudam a compor o “puzzle” intrincado desses anos de guerra na Guiné.

Não me levem a mal os Editores o apelar também ao Pessoal da Marinha, F. Aérea que alarguem e aumentem os vôos e milhas náuticas, recrutem mais pessoal, trazendo-nos mais e novos contributos que fazem falta à consolidação do dito “puzzle”.

Já vai longo o texto, era para ser um comentário ao segundo comentário do Luís Graça no dito Poste 4007 (já 4007 postes!!). Não sei porquê, mando-o para o Vinhal para publicar, se achar.

A todos, um outro Abraço e desculpem a intromissão.
Luís Faria


2. Comentário de CV

Peço-te desculpa Luís Faria por só hoje publicar este teu comentário, mas só agora reparei que pretendias que isto fosse para o ar no próprio dia 11.

Na verdade atravessei duas semanas em que a minha vida particular me afastou do Blogue. Já pedi desculpa ao Luís Graça. Agora estendo o mesmo pedido ao resto da tertúlia, principalmente aos meus clientes, que viram os seus trabalhos publicados com algum atraso.

Como disse em outras ocasiões, uma das nossas funções, ao editar, é filtrar uma ou outra gralha, quando as detectamos, pois nós próprios também damos os nossos pontapés na gramática. Não se diz que a língua portuguesa é muito traiçoeira?

Claro que os comentários ficam à responsabilidade de quem os faz, tanto na ortografia como no sentido que dão ao texto.

Luís, tens razão quanto à necessidade de pluridade dos interventores no Blogue. Temos muita tropa macaca, mas precisamos de muita Força Aérea e muita Marinha. Esta última Arma não estará muito representada, neste momento, mas da FA temos já uns quantos tertulianos activos e, cereja no bolo, tivemos há pouco tempo a adesão da nossa querida camarada Giselda, representante daquela classe tão pequenina, mas tão importante, que é a das nossas Enfermeiras Pára-quedistas.

Portanto, camaradas da Marinha, Força Aérea e do Exército, apareçam e venham conversar connosco para ajudarem a construír o puzzle da guerra da Guiné.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4031: As abelhinhas nossas amigas (4): Desculpem qualquer coisinha (Luís Faria)

(**) Vd. poste de 10 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4007: Blogoterapia (95): Há mais vida no alfabeto da guerra, para lá dos G: Guileje, Gadamael, Gandembel, Guidaje... (António Matos)

Guiné 63/74 - P4039: O Prémio: Sirvam , em nome da Pátria, uma bica quente a estes rapazes!, dizia o Gen Spínola... (Joaquim Peixoto)

Guiné > Zona Leste > Sare Bacar > CCAÇ 3414 (1971/73) > O Fernando Ribeiro, de pé, ao lado do seu amigo Joaquim Peixoto (hoje professor do ensino básico, em Penafiel). Morreu em Julho de 1973, na estrad de Binta-Faria, já no final da sua comissão.

"Algum tempo depois de regressarmos da Guiné, fizemos um almoço em Coimbra e fomos depositar um ramo de flores no cemitério em Condeixa. Haveria muito a dizer deste amigo que nos deixou tão cedo. Envio também uma fotografia em que estou com ele. (O Fernando está de pé.) Chamo-me Joaquim Carlos Peixoto, vivo em Penafiel, sou Professor do 1º Ciclo do ensino básico" (JP).

Foto: © Joaquim Peixoto (2007). Direitos reservados

1.Mensagem do Joaquim Carlos Peixoto, de Penafiel:


Amigo Luis:

Se vires que há algum interesse neste artigo, gostava que o publicasses.
Já escrevi para aí, mas o endereço era outro.
Agora tenho um novo mail.
Um grande abraço para todos
Joaquim Carlos Peixoto



2. O prémio que nunca me deram...
por Joaquim Peixoto

Amigo Luís Graça:

Há [dois] anos escrevi um artigo para este blogue (*), e em boa hora o fiz, porque através dele já fui contactado por vários camaradas da Guiné, dos quais já pensava ter perdido o contacto.

Frequentemente leio os assuntos publicados e tenho uma grande vontade de também escrever.Mas, ou por falta de tempo ou por preguiça vou adiando…

Agora resolvi escrever. Se achares oportuno, publica-o.

Identifico-me:

Joaquim Carlos Peixoto (59 anos ); Professor do 1º Ciclo, a exercer funções em Penafiel.

Já deixei de utilizar o mail antigo:
joaquim.peixotomegamail.pt

[Revisão / fixação do texto: L.G.]


O PRÉMIO

1970 - De um jovem, quase adolescente, com um nome próprio...

... vivendo no seio de uma família, um ser humano, (como tinha aprendido o que era um ser humano desde os bancos da escola primária) passei de uma hora para a outra (sem que tivesse consciência de todo do que me estava a acontecer) a fazer parte de um número, um número frio e sem identidade.

Autómato... Maria vai com as outras... o caminho é este que te mandam seguir. Não perguntes, não reajas, não penses, segue em frente… o teu caminho é defender a Pátria. Mas, no escuro do subconsciente perguntava:
- Como vou defendê-la?O que me irá acontecer? Porque tenho de abandonar a minha família.. e fazê-la sofrer? O que vou fazer? Onde guardo os meus sonhos de menino?Quando voltarei ? …Ou não voltarei?

Perguntas e mais perguntas e sempre perguntas que não tinham e não havia resposta .
- Carne para canhão - ouvia-se, de longe a longe, esta frase.

O quê ? Eu ? Eu, era um ser humano que tinha ilusões, sonhos, desejos, sentimentos, gostos… Eu era aquilo ?

Não havia tempo para pensar. O tempo era de agir, obedecer e seguir o caminho indicado.

A roupa escolhida por mim ou pela minha mãe, passou a ser igual à de todos os outros, tratada e arranjada por mim.

As botas, essas - pesadas e desconfortáveis - tinham de andar sempre um brinquinho .

Fazer a recruta. Tirar a especialidade (atirador de infantaria). Tirar curso de minas e armadilhas. Ida para os Açores formar Companhia.


1971 – Chega o dia do embarque.

Para um sítio desconhecido, uma terra com usos e costumes totalmente diferentes. Uma terra que nos embriagava com tanto calor e humidade. ERA A GUINÉ. Uma terra onde havia guerra. Guerra a sério, não um simples jogo de cow boys. Era a doer,… era desesperante. Eu, como todos os outros, confrontado com um ataque, reagia, atacando.

Sofri muito... Vi morrer amigos (**). Saudades. Pergunto:
- Combatíamos por instinto? Porque nos haviam ensinado? Porque queríamos defender a Pátria? Porque nos queríamos defender a nós? Porquê ?

HOJE, passados trinta e seis anos, pergunto:
- PORQUÊ ?

Alguém lúcido e com as ideias bem ordenadas poderá responder-me?

A minha juventude, como a de tantos milhares de camaradas, foi passada entre tiros, medo, mato, vivências terríveis, desilusões, sonhos desfeitos…

Alguém, de vez em quando, dava-nos uma esperança, dizendo que ao regressarmos teríamos a recompensa, o tempo de tropa contaria a dobrar para efeitos de reforma, seríamos reconhecidos pelo contributo que estávamos a dar à Pátria, teríamos orgulho de ser portugueses, a consciência confortada com o dever cumprido.

Um General, muito conhecido, fiel aos seus compromissos, honrando a farda que usava, dizia-nos muitas vezes e passo a citar:
- Quando chegarem à metrópole e vos servirem uma bica fria, reclamem e digam: 'Quero uma bica quente, porque estive a servir a Pátria, na GUINÉ'!

Que ilusão !!! Que desespero !!!

Quem se lembra de nós ? Quem nos estende uma mão de reconhecimento? Que falta de memória !!!

Ao regressar da guerra, ao confrontar-me com a realidade, dura e crua, o que vi, o que senti? O que recebi?

Quando pedia uma bica, não a recebia, nem quente, nem fria. Simplesmente não ma serviam.

Verifiquei que ninguém me reconhecia, nem queriam saber o que tinha feito pela Pátria. Recebi incompreensão, falta de emprego (Os empregos eram para outros) no pós-25 de Abril.

Senti uma tremenda desilusão, um vazio que doía, doía e se transformava, aos poucos, numa frieza que eu não queria.

Queria constituir família. Onde estava a recompensa do dever cumprido? Que era feito das promessas?

Como a minha namorada era Professora Primária (como ainda hoje gosta de ser chamada), incentivou-me a tirar o curso de Professor. Em boa hora o fiz, porque foi sempre muito gratificante trabalhar com crianças. Profissão que abracei com gosto e profissionalismo. Ao longo destes 30 anos de trabalho, raras foram as faltas e sempre por motivos justificados.

A vida foi mudando, o regime político alterou-se, o nível de vida subiu, mas as marcas, o pesadelo, os traumas, o estigma de guerra, esse continua implacável dentro das mais profundas entranhas.

A vida foi pouco a pouco tomando o seu rumo e com este ou aquele projecto de vida, com este ou aquele sonho em melhorar cada vez mais as condições, essas marcas de guerra foram-se camuflando e cada vez mais ténuas foram quase passadas ao esquecimento.

Eis se não quando, por magia ou brincadeira do destino, tudo desaba sobre os ombros e tudo que parecia adormecido vivo e em chamas, prostrando-nos a uma apatia tal que a força para lutar escapa-se-nos pelos dedos, qual água gélida de um glacial a derreter…

Não há mais força, não há mais sonhos…

As leis mudaram, o tempo de tropa já não conta para o regime especial a que os Professores Primários tinham direito. Esse tempo conta só para o regime geral.

E então, tudo o que passei, tudo o que dei à Pátria, todo o meu contributo que prestei com o meu serviço militar só serviu para ser injustiçado ?

Mas que erro cometi em ser Professor Primário só depois de ter cumprido o serviço militar? Que culpa tenho eu em ter ido cumprir esse serviço? Onde se encontra a justiça deste país?

Porque tantos Professores, por não terem cumprido o serviço militar e não irem para o Ultramar, muito mais novos do que eu, já estão aposentados?

Eu, que defendi a Pátria na zona mais perigosa das nossas colónias- a Guiné; que não tive logo emprego quando cheguei porque eram todos ocupados pelos retornados (o que não tenho nada contra eles); que tirei um curso para poder viver e trabalhei sempre com o maior profissionalismo, não me posso aposentar se não aos 65 anos?!...

Que justiça é esta que em iguais condições de trabalho dão a aposentação aos mais novos que tiveram a possibilidade de tirarem o curso mais cedo, que não sabem o que é deixar família, que não sabem o que é uma guerra, que não defenderam a Pátria em detrimento daqueles que, pelo menos 5 anos , como eu, me desfiz de sonhos, que vivi horrores e por esses horrores tirei o curso mais tarde, tenho o PRÉMIO de trabalhar ainda mais !!!...

Vejo muitos dos meus amigos professores a aposentarem-se aos 52 ou 55 anos.Não chegou o que já fiz pelo meu país?

Senhor General Spínola, onde quer que esteja, ilumine os nossos governantes dizendo-lhes:
- Sirvam um café quente a estes ex-combatentes pois estiveram na Guiné...

Joaquim Peixoto

3. Comentário de L.G.:

Pois é, camarada Peixoto, dois anos (tu dizias 'alguns', mas são só dois, o que não deixa de ser muito tempo, era uma comissão em África, dias e dias, noites e noites, semanas e semanas, meses e meses, que nunca esqueceremos, uns pior passados do que outros, com sangue, suor e lágrimas, com muita camaradagem e amaizade, também...).
Mas a verdade é que, desde Maio de 2007, passaste a fazer parte da nossa Tabanca Grande, pudeste reencontrar velhos camaradas da tua CCAÇ 3414, tiveste oportunidade de ler os nossos escritos - já lá vão cerca de 2300 a mais, desde esse dia em que nos contaste a história do teu malogrado amigo e camarada Fernando Ribeiro...

Pois é, a tua/nossa Pátria não foi Mátria, foi Madrasta, para ti, para todos nós, para toda uam geração de portugueses quye combateu em África... Como eu percebo a tua amargura, quando te referes ironicamente ao Prémio que os valorosos e generosos combatentes de África era pressuposto virem a receber, no regresso, depois de cumprido galhardamente o seu dever... No mínimo, o reconhecimento do sacrifício da sua juventude (e em muitos casos da sua vida), por parte dos seus compatriotas, da sociedade e do Estado, do regime democrático instaurado a seguir ao 25 de Abril...
Mas, não, esqueceram-te, arquivaram-te, arrumaram-te a um canto, ao canto das velharias e dos anacronismos da História... Os ex-combatentes são sempre uma pedra no sapato para as novas elites dirigentes, as que assinam a paz antiga e preparam os cenários das novas guerras...

Como entendo a tua ironia, ao citares o General Spínola, uma das suas frases que o tornaram tão popular entre as nossas tropas da Guiné:

"Quando chegarem à metrópole e vos servirem uma bica fria, reclamem e digam: 'Quero uma bica quente, porque estive a servir a Pátria, na GUINÉ'"

Não sei se a frase é apócrifa, mas tu deves tê-la ouvido... Podia ser tão sincera como demagógica, mas a verdade é que tinha o seu efeito emocional: no mínimo, fazia bem ao ego, à auto-estima, de milhares de homens que regressavam das bolanhas, das picadas e das matas da Guiné, amargurados, uns, 'apanhados do clima', outros...

Automaticamente fez-me lembar esse grande poema do Álvaro de Campos / Fernando Pessoa, que tu, como professor, e homem nortenho, deves conhecer, e bem. Permite-me que o reproduza aqui, socorrendo-me, com a devida vénia, do Arquivo Pessoa, disponível em linha:

Álvaro de Campos
DOBRADA À MODA DO PORTO


Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.


(s.d. In: Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 310).

Pois é, Peixoto, serviram-nos o amor da Pátria frio, como dobrada fria, quando a dobrada é sempre quente, à moda do Porto, da Cidade Invicta... E nem direito tiveste/tivemos a um cimbalino, quente... Em Lisboa, diz-se uma bica, e eu peço-a sempre... escaldada.

Olha, o único consolo que te posso dar é que gostei do teu 'regresso' e do tom intimista da tua mensagem... Daqui para a frente não tens desculpas, sejam as da perguiça ou da timidez: o nosso blogue, em Penafiel, está à distância de um clique...Um Alfa Bravo. Luís
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 22 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1774: A morte do Fernando Ribeiro: eu ia nessa fatídica coluna e era seu amigo (Joaquim Peixoto, CCAÇ 3414)

(**) Sobre o Fernando Ribeiro, vd. postes de:

24 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1544: Quem conheceu o Furriel Mil Art Fernando J. G. Ribeiro, morto na picada de Binta-Farim em Julho de 1973 ? (Luís Graça)

25 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1547: O Furriel Mil Atirador Fernando Ribeiro pertencia à açoriana CCAÇ 3414 e morreu entre Mansabá e Mansoa (A. Marques Lopes)

28 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1554: As mulheres que ficaram na rectaguarda (Luís Graça /Paulo Raposo / Paulo Salgado / Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P4038: Fauna & flora (19): Também os babuínos dizem Nós na pidi paz, ka misti guerra (Joana Silva)

1. Mensagem, de 5 de Março, da Maria Joana Ferreira Silva (*), membro da nossa Tabanca Grande, amiga da Guiné-Bissau, aluna de doutoramento da Universidade de Cardiff (Reino Unido).... [ Está a desenvolver um projecto de doutoramento no campo da genética do babuíno da Guiné, mais conhecido pelos bissau-guineenses por macaco Kom]:


Caro Sr. Doutor Luís Graça,

Envio a compilação dos testemunhos postados no blogue. Sei que talvez a altura não será a melhor (a Guiné está em observação por outros motivos) e entendo se a publicação deste meu contributo for demorada.

Queria agradecer-lhe toda a ajuda dispensada e mais uma vez desculpar-me pelo desaparecimento momentâneo. A avaliação por aqui ainda não terminou, mas pude respirar nas ultimas semanas!

Em anexo envio uma fotografia da manifestação de paz que assisti em Novembro de 2008.

Os meus melhores cumprimentos,

Joana Silva



2. Fauna & flora (19) > Também os babuínos dizem Nós na pidi paz, ka misti guerra
por Joana Silva


Caros bloguistas,

Nesta semana fatídica da história recente da Guiné-Bissau, em que este país apareceu nos noticiários das principais agencias noticiosas mundiais (foi um dos principais assuntos da Skynews aqui no Reino Unido), escrevo para vos agradecer toda a ajuda e empenho dos vossos testemunhos.

Devo dizer que me senti imensamente triste ver a Guiné-Bissau nas televisões pelos piores motivos possíveis (aqui foi descrito como um narco-estado, em que num fim de semana, dois principais líderes do país foram assassinados...). Com enorme angústia tentei explicar aos meus colegas ingleses e galeses a simpatia e gosto pela vida do povo guineense mas é complicado entender, quando nunca se visitou a Guiné e quando as poucas notícias que vêm são deste teor de violência.

Voltando ao assunto que me traz aqui. A vossa participação foi entusiasmante e, apesar alguns de vocês contribuírem com pequenas histórias que julgaram não ter relevância cientifica, todos os contributos foram úteis para a reconstrução da história dos babuínos da Guiné na Guiné-Bissau. Fico-vos imensamente grata!

Resumindo a minha compilação dos vossos testemunhos:

(a) Os babuínos eram vistos como “sentinelas” da presença de pessoas no mato. As suas vocalizações advertiam a presença de tropas inimigas e a presença dos babuínos chegaram a dar algum conforto a alguns combatentes.

(b) A carne de babuíno não era consumida com regularidade pelas tropas portuguesas. Todavia alguns bloguistas confessaram que consumiram babuíno: i) por escassez de recursos; ii) para experimentar; iii) por não saberem do que se tratava.

(c) As crias de babuíno, juntamente com outras espécies de primatas, foram mantidas como “mascotes” dos regimentos. O que não cheguei a perceber era se essas crias eram “encomendadas” ou órfãs, resultantes de caçadas a animais adultos. De qualquer forma, eram tratadas com estimação pelos combatentes (assim demonstram as fotografias que enviaram).

(d) As tropas do PAIGC consumiam a carne de babuíno com frequência.

(e) O consumo de carne de babuíno aumentou na capital , [Bissau,] depois dos anos 80.

Os vossos testemunhos coincidem com os testemunhos dos meus entrevistados na Guiné, o que torna a história ainda mais interessante. Segundo eles:

(f) Os babuínos estiveram sempre presentes na península de Cantanhez;

(g) Os grupos sociais começaram a diminuir depois dos anos 80;

(h) As tropas portuguesas não comiam carne de babuíno (muitos deles até referiram que as tropas portuguesas gostavam muito de porco do mato);

(i) O decréscimo (a partir dos anos 80) do número de babuínos deu-se devido à guerra (minas), caça intensiva pelas tropas do PAIGC, comercialização da carne em Bissau, armas mais baratas e fome generalizada;

(j) Durante o período de guerra, as tropas portuguesas compravam crias de babuínos mas não a sua carne. Ao contrário, as tropas do PAIGC caçavam e consumiam babuínos. (Sendo que os babuínos estiveram sempre presente no mato, os seus grupos eram grandes e as suas vocalizações advertiam a presença dos seus grupos sociais, faz sentido que as tropas do PAIGC utilizassem os babuínos como “ração de combate”.)

Houve ainda uma explicação alternativa para a presença ininterrupta dos babuínos: que utilizavam zonas de cultivo deixadas pelas populações obrigadas a deixar as suas aldeias. Do ponto de vista de um babuíno faz todo o sentido, já que eles são considerados oportunistas. A fome generalizada referida terá a ver com 3 anos de seca na década de 80, que provavelmente terá afectado a produção de arroz.

Devo acrescentar que achei particularmente interessante os contributos fotográficos que enviaram:

- Fiquei curiosa com os machos com pelo branco observados e fotografados pelo bloguista Joaquim Mexia Alves. Nunca vi babuínos com esse aspecto antes e estou ansiosa por amostrar no leste (e ver as diferenças físicas reflectidas em diferenças genéticas).

- Os "chapéus" feitos com peles de babuínos fazem parte de um ritual Balanta chamado "o Fanado". Não sei ainda a relevância de se usar peles de babuínos neste ritual (ou se se podem ser usados outros animais) mas este ritual simboliza a passagem à fase de adulto nesta etnia.

- As fotografias do leopardo (do bloguista José Brás) e do "irã cego" (do bloguista Mário Fitas) são fenomenais.

- As fotografias dos babuínos e dos seus curadores são espectaculares!

Devo deslocar-me à Guiné em breve (se a situação política assim o permitir). Caso desejem mandar mantenha (ou alguma encomenda) para algum amigo, tenho todo o gosto em poder ajudar.

Fico ainda a dever a cartografia das presenças dos babuínos indicadas pelos bloguistas. Será concluída em breve.

Em anexo envio uma fotografia da manifestação de paz que assisti em Novembro do ano passado, no dia seguinte ao atentado a Nino Vieira. A multidão gritava “Nós na pidi paz, ka misti guerra”. Mais actual que nunca.

Texto e fotos: © Joana Silva (2009). Direitos reservados
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

Vd. último poste desta série > 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3883: Fauna & flora (18): Um macaquinho principiante na arte do furto (José Brás)

domingo, 15 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4037: Blogpoesia (31): Quando eu era menino e moço... (Manuel Maia)

1. O Manuel Maia, em Cafal Balanta, no Cantanhez, em princípios de 1973 (à esquerda) (*)... Num raide, feito essa altura a uma aldeia controlada pelo PAIGC, ele trouxe cartas e uma manual escolar (à direita)...

A poesia que hoje dele publicamos não tem, aparentemente, qualquer relação com a Guiné, o Cantanhez, a guerra. Mas na guerra que fizémos, na Guiné do nosso tempo, também havia meninos, de um lado e de outro, e muitos deles conheceram a guerra e os seus horrores.

Também andámos na escola, em finais dos anos cinquenta... E todos temos, dessa época, boas e más recordações: o bibe, a ardósia, o pião, as caricas, a fisga, os berlindes, a menina dos cinco olhinhos, Deus, Pátria e a Família, as poesias do Afonso Lopes Vieira, o Cavaleiro Andante, as histórias aos quadradinhos, as primeiras emissões da RTP, o leite em pó e o queijo da Caritas Americana, as primeiras vacinas em massa...

Em 1961 começava a guerra em África... Muitos vivemos a adolescência com maus pressentimentos: começávamos a ver os nossos irmãos e vizinhos, mais velhos a seguir para África: Angola, depois Guiné, depois Moçambique... E antes de isso, a Índia... A guerra aí estava, muito longe e muito perto... Insidiosa... Será que tivemos tempo para brincar, para jogar ao pião, para lutar aos índíos e cobóis, em suma, para sermos meninos ? (LG)

Fotos e poema: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados


MENINICE (**)
por Manuel Maia

Vivência era de Outono,
o calendário o dizia,
mas... o sol raiava
como se fôra Verão...
Na cama deixara o sono,
na pressa de ver o dia
sorriso aberto espelhava
enorme satisfação...

Às costas, pasta coçada
dum castanho cabedal,
levava o conhecimento
que lhe faltava aprender.
Trazia a alça rasgada,
vergada ao peso brutal,
e o couro, com puimento,
carecia de coser...

Derreado logo a pousa
e...parte a lousa
onde devia escrever.
E agora, vão-lhe bater?

Tantos anos já lá vão
(mais de cinquenta passaram...)
recordo com emoção
as imagens que ficaram.
Primeiro dia de escola
calça curta, camisola...
os bolsos com dois piões
co´a faniqueira enrolada,
e um saquinho de botões,
dúzia e meia, bem contada...
Junto aos livros, a merenda
era um pão com goiabada.
Do Brasil viera a prenda,
goiaba já enlatada...
Éramos trinta talvez,
ou será que um quarteirão?
Da minha rua só três
eu, o Manel e o João...

Há anos, sem ter certeza,
sentei-os à mesma mesa
quase todos ... e falaram...
o pedreiro e o lavrador
o engenheiro e o doutor,
estou certo todos gostaram...



__________

Notas de L. G.:

(*) Vd. postes de:

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, o Camões do Cantanhez

14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

9 de Março de 2009> Guiné 63/74 - P4004: Memória dos lugares (18): Cafine, no Cantanhez, ocupada pela 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (Manuel Maia)


(**) Vd. último poste esta série > 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3858: Blogpoesia (30): Em Cutima, tabanca fula... (José Brás / Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P4036: Documentos (7): PAIGC: Cartas (1): Meu querido pai, Ansumane Camará... (Umaru Camará / Manuel Maia)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia, um turista no seu exótico bungalow... do Cantanhez

Foto: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados



Imagens digitalizadas: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados

1. Reproduzimos acima duas cartas que foram apreendidas, aquando de uma "operação para lá da bolanha de Cafal/Balanta", no Cantanhez, já em 1973.

Foi o Manuel Maia, ex-Fur Mil, membro da Tabanca de Matosinhos que as fez chegar até nós, em 24 de Fevereiro último. Diz ele que uma está "escrita em árabe enquanto a outra está em crioulo". Na realidade, não se trata do idioma árabe (que poucos guineenses sabiam, na época da luta armada), mas sim de um idioma local (provavelmente mandinga ou beafada), arabizado...

Em relação à segunda carta, não se pode dizer que seja redigida em crioulo, será mais justo dizer que é em português. É uma carta (terna) de um jovem militante do PAIGC, Umaru Camará, que está a trabalhar na base de Kandiafara (ou Candjafara), na Guiné-Conacri, aparentemente em tarefas de apoio (administrativo ou logístico), antes de seguir para a região do Gabu, frente leste...

O destinatário é seu pai, Ansumane Camará, um apelido tipicamente mandinga. É seguramente gente escolarizada. Há um outro irmão, mais velho, no PAIGC, Laminá Camará. Não se sabe onde vive a família: Bafatá ? Gabú ? Conacri ? Cantanhez ? Provavelmente, Cantanhez, onde a carta foi encontrada pelas NT, três anos e meio depois de ter sida redigida...

A carta (uma página) está escrita em papel quadriculado, e o seu autor revela uma boa caligrafia. Pormenor que me chamou a atenção: o nosso jovem, que trata o pai com muita deferência (estamos numa sociedade patriarcal), não se esquece de mandar cumprimentos para a Mãe, Djassi, de seu apelido...

Em resumo: os homens que os portugueses combatiam, os famigerados turras, também tinham pai, mãe e irmãos, como eles... E também tinham saudades de casa, como os tugas...

Tentativa de fixação e revisão do texto: L.G.

27-9-69, PAIGC, Candjafara

Querido meu pai , Ansumane Camará, apresento-lhe, a seguir, os máximos cumprimentos, fraternais e combativos.

Meu pai, antes de começar a falar-lhe, vou pedir ao Senhor Deus (?), para que aumenta em sete vezes mais a saúde para a família da minha casa.

Meu pai, hoje é pena, eu que estava debaixo das tuas ordens, que nunca, nunca pensava que ia estar longe de ti, durante dois, três ou mais anos (…), mas se virmos bem, tudo isso é por causa da luta pelo progresso do nosso povo de Guiné e Cabo Verde.

Meu pai, vou-lhe pedindo sempre crescimento (?) na nossa vida. Eu não sei falar muito mas tu sabes (?) que estamos aqui, eu com o meu irmão grande Laminá Camará. É pena dois irmãos estarmos o mesmo trabalho. Eu agora trabalho como civil. É um trabalho de louco (?), não é coisa separada as em conjunto (?) [Parte rasurada].

Meu pai deve arranjar jeito sobre a nossa causa (…) Eu durmo todas as noites. Sobre a nossa vida, pai, eu fico aqui em Candjafara. (…) Ainda estamos sempre bem mas a direcção do Partido diz-me o que vou fazer. Só três meses depois é que vou regressar ao Gabu, frente leste.

Mas antes de isso, queria ver-te, pai (?), só isso, não tenho mais oportunidade de falar muito.

Abraço para a família de casa, cumprimentos para a Mãe Lisca (?) Djassi. Sou eu, Umaru Camará (?).

Guiné 63/74 - P4035: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (8): Amigo Paiva, confirmas que fomos vítimas de ameaças e pressões (Manuel Reis)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 3 de Março de 2008 > Fotos tiradas em Guileje, no meu regresso a Bissau. Visita a Guileje e ao Cantanhez (1, 2 e 3 de Março de 2008), no âmbito do Seminário Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008). Restos arqueológicos da antiga tabanca e aquartelamento de Guileje, local destinado a um futuro museu. (LG)

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73), Piratas de Guileje > O Alf Mil Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf Lourenço, dos Piratas de Guileje, morto em 5 de Abril de 1973, na explosão de uma armadilha. Segundo nos conta o J. Casimiro Carvalho, "um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava" (*)

Foto: © Manuel Reis (2009). Direitos reservados

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Fotografama de "As Duas Faces da Guerra", de Diana Andringa e Flora Gomes (Portugal, 2007).

Foto: Cortesia de DocLisboa 2007

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Finais de 1995 > Foto tirada pelo Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, cujo Fiat G-91 foi abatido em 25 de Março de 1973 por um míssil Strela sob os céus de Guileje) . O Miguel integrou a comitiva da SIC que fez filmagens en Guileje, em finais de 1995. Nessa comitiva, chefiada pelo jornalista José Manuel Saraiva, iam os seguintes antigos militares portugueses, para além do Miguel Pessoa: o Coutinho e Lima, ex-major, comandante do COP 5, a antiga enfermeira pára-quedista Giselda Antunes (actual esposa do Cor Pil Av Miguel Pessoa), o Ten Cor Pára-quedista João Bessa (na altura, em Novembro de 1969 comandava, como capitão, uma subunidade de pára-quedistas, do BCP 12, que emboscou e capturou o Cap Cubano Pedro Peralta) e ainda o Dr. Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, a unidade de quadrícula que retirou de Guileje em 22 de Maio de 1973).

Foto: © Miguel Pessoa (2009). Diretos reservados

1. Mensagem de Manuel Reis (Ex-Alf Mil, CCAV 8350, Guileje, 1972/73) para o Artur Paiva (Ex-Fur Mil Art, Pel Art 15, Guileje, 1972/73) (**):

Caro Amigo Paiva :

Há bastante tempo que tencionava comunicar contigo, pois senti da tua parte a necessidade de encontrar alguém que tivesse partilhado contigo momentos vividos em Guileje e Gadamael.

Não o fiz há mais tempo, porque verifiquei que os nossos camaradas do blogue estavam a ficar saturados da abordagem do tema Guileje/Gadamael (***).

Para mim é um tema gasto, gostaria mais de ler as estórias relatadas por outros camaradas e que eu desconhecia completamente. Torna-se, no entanto, difícil lê-las sem que apareça uma piada, uma insinuação e até alguma discriminação para os que estiveram em Guileje (Há os de Guileje e os outros que começam por G…). (****)

Gostei imenso da tua mensagem, pela clareza, rigor e coragem. É um retrato fiel do que sucedeu e confirma os relatos dos outros camaradas. Tiveste a coragem de falar nas ameaças de que fostes alvo durante o trajecto para Cacine e as pressões a que lá foram submetidos. Até agora ninguém falara nisso.

A CCAV 8350 reúne, todos os anos, em convívio, nos princípios de Junho (*****). Será esse o melhor momento para reveres os teus camaradas. O Alf Mil Art de que falas é o Pinto dos Santos, já falecido.

De mim talvez te recordes dos encontros que tivemos em Lamego. Naquela altura estavas de regresso de Moçambique e eu era professor de Matemática no antigo Liceu. A tua tia era, aliás, minha colega. Lembras-te?

Mantém o contacto.

Um abraço amigo.

Manuel Reis

2. Comentário de L.G.:

Manuel, querido camarada: Gostaria que te sentisses sempre confortável na nossa Tabanca Grande. Nem tu, nem ninguém da CCAV 8350 e de outras sub-unidades, que passou pelo inferno de Guileje e/ou Gadamael, se deve sentir desconfortável, no seio dos restantes camaradas que andaram por outras paragens... Todos nós somos solidários uns com os outros, quer tenhamos estado na ilha do Como em 1964, em na retirada de Madina do Boé em 1969 ou na reocupação do Cantanhez em 1973... Ninguém deve ter tratamento de privilégio. Aos editores compete gerir, com sentido de equidade e de equilíbrio, este afluxo (enorme) de histórias e de memórias dos nossos anos de brasa na Guiné (1963/74).

Estou contigo, no sentido em que também eu gostaria de ter mais notícias do Paiva (que nunca mais apareceu) e de outros camaradas que passaram as duras provas de Guileje e/ou Gadamael em Maio, Junho e Julho de 1973... Não tenhas dúvidas que todos serão bem vindos e bem recebidos na nossa Tabanca Grande.

Um Alfa Bravo. Luís
____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

(**) 27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

(***) Vd. postes da série Dossiê Guieje / Gadamael 1973:

24 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3790: Dossiê Guileje / Gadamael (3): "Um precedente grave" (Diário, Mansoa, 28 de Maio de 1973) ... (António Graça de Abreu)

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

1 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3982: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (7): Ferreira da Silva, ex-Capitão Comando, novo comandante do COP 5 a partir de 31/5/1973

(****) Vd. poste de 10 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4007: Blogoterapia (95): Há mais vida no alfabeto da guerra, para lá dos G: Guileje, Gadamael, Gandembel, Guidaje... (António Matos)

(*****) Vd.- poste de 16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P4034: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (2): Do Trópico de Câncer à Mauritânia



Imagens do Saará Ocidental, a caminho da Guiné-Bissau, depois de passar o Cabo Bojador e o Trópico de Câncer...

Fotos: © José Manuel Lopes (2009). Direitos reservados.


1. Continuação da publicação do diário de bordo do nosso camarada e amigo José Manuel Lopes, ex- Fur Mil, CART 6250, > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (Mampatá 1972/74) (*)


23 de Fevereiro de 2009, domingo:

Partida pela manhã, após visita ao Cabo Bojador, pois quem o quiser passar terá de o fazer para além da dor. Não foi o caso e a viagem prosseguia com agrado de todos. E lá seguimos numa estrada paralela ao Atlântico, do outro lado o deserto, aqui e ali com muitos camelos. Uma vegetação muito pobre, que comem as cabras e bois que vimos pelo caminho? Um aspecto muito negativo, a quantidade de lixo que se encontra nas bermas da estrada.

Passamos Dakla e em seguida cruzamos o Trópico de Câncer, justamente quando passavamos ao lado de Elargoub. Por aí o almoço, atum, enchidos e queijo.

Às 17,51 horas o tormento de passar mais uma fronteira, estávamos a chegar à Mauritânia. Do lado de Marrocos carimbo aqui, carimbo ali, carimbo acolá. Torna a carimbar e esperar, que tempo e paciência têm de sobra estes Marroquinos. E que levas ai? Vinho não pode ser!!! É proibido tem que ficar tudo cá.

Porra! é para nosso consumo, a nossa religião permite e eu até nem sou religioso, caraças. Pode , não pode, fica, não fica, bem podem passar, mas não podes deixar uma garrafa, alguns de nós também gostam. Bem, fica lá com duas.

Eis a terra de ninguém, o espaço que separa as fronteiras de Marrocos e Mauritânia. Indescritível pedra, buraco, pedra, buraco vão conseguir passar a Toyota e o Mercedes? E não é que passam. Diz o Carvalho, vem para aqui estes vaidosos, como se viessem para o Dakar de jipes artilhados e o Leça e o Pires dão-lhes uma lição com carros normalíssimos.

Na parte da Mauritânia repete-se o ritual anterior, carimbo mais carimbo, tempo de espera sem fim, olho em frente e vejo um forte antigo, tiro uma foto e sou detido, confiscam-me a máquina. Mais conversa fiada, depois de muito argumento e paciência, acabam por apagar as fotos e devolver a máquina, era uma instalação militar, dizem eles, de muito interesse estratégico. Mas eu não sou nem gosto da CIA nem KGB. Tudo bem, mas nada de fotos. Seguimos para Nouadhibou onde vamos jantar e dormir.

Percorridos 781 Kms

Mauritânia > Imagens já do dia 24 de Fevereiro... Os inevitáveis (e exóticos) camelos, a autenticar a veracidade (e o exotismo) das fotos, tiradas pelo Zé Manel... (que, como ele próprio nos confessou, é um fotógrafo de ocasião, levou uma máquina digital, com pouca memória, não tendo tirado mais do que centena e meia de chapas; o que vale, diz ele, é o nosso Silvério Lobo, mecânico reformado, que fez uma boa reportagem fotográfica desta aventura).

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4033: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (1): Da Tabanca de Matosinhos ao Cabo Bojador