terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4331: Convívios (127): Comemoração do 39º Aniversário do Regresso do BCAÇ 3832, 9 de Maio p.p., em Monte Real (Belarmino Sardinha)


Caros Camaradas e Editores,

Conforme o anúncio divulgado no blogue, embora os organizadores se tivessem esforçado em enviar individualmente essa informação, ocorreu o reencontro de alguns camaradas, para comemorarem o 39º aniversário do regresso do BCAÇ 3832 da Guiné e do seu regresso a casa.

Os que puderam, souberam e/ou quiseram es tiveram presentes, o que proporcionou um almoço a 109 participantes, segundo informação dos organizadores.

Houve ainda lanche e quase ceia, cheia estava pelo menos a barriga, porque nada faltou, que eu desse por isso e a festa durou até às tantas. Pelas 21H30 ainda lá se encontravam mais de metade dos participantes, sendo certo que vários pernoitavam no local.

Aproveito para enviar algumas fotos, cujos nomes me escuso a indicar, não só por ser difícil conseguir lembrar-me dos nomes de todos, o que poderia ser discriminatório, mas porque além disso me parece ser mais significativo mostrar-lhes o aspecto após passados estes anos e registar para a posteridade os que estiveram presentes.

Certo de que ao reconhecerem-se na fotografia me desculparão, pois caso contrário só acertaremos contas para o ano, seguem as mesmas. O encontro ou concentração efectuou-se no Parque Olímpio Duarte Alves,em Monte Real e o Almoço no Restaurante da Pensão Cozinha Portuguesa a publicidade é apenas para registo do local).

Tendo sido eu militar de rendição individual sem vínculo a qualquer Batalhão ou Companhia, considero-me um penetra mas daqueles que são sempre convidados como se fizesse parte daquela família. Resta-me esta forma de colaboração para mostrar o meu reconhecimento.






Os Homens do BCAÇ 3832 Os Homens e as Famílias do BCAÇ 3832
















A concentraçãs das "tropas" masculinas & femininas







O Bolo de Aniversário - Intervenção do ex-Capitão Leal (Tenente Coronel na reforma) então comandante da Cia. 3304
Um abraço para todos
(Belarmino Sardinha)
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4330: Bibliografia de uma guerra (44): Memórias de um Prisioneiro de Guerra, de António Júlio Rosa (M. Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 27 de Abril de 2009:

Carlos e Luís,
Conforme o combinado, fiz a recensão do livro do António Júlio Rosa para a nossa bibliografia.

Com abraço,
Mário


Memórias de um prisioneiro de guerra

Beja Santos

As três guerras em que participámos em África, entre 1961 e 1974, não só definiram a identidade do país que hoje somos como deixaram marcas indeléveis nos que combateram, nos que se estropiaram, nos que vieram traumatizados pelas diferentes manifestações de horror que qualquer guerra comporta. Porque matamos, vemos e ouvimos morrer, porque fechámos os olhos ao nosso camarada que exalou o último suspiro ao nosso lado ou, mais remotamente, porque ficámos prisioneiros ou alguém desapareceu à nossa volta e veio a ficar refém do inimigo. Tivemos poucos prisioneiros de guerra e as suas histórias devem ser conhecidas.

António Júlio Rosa, nascido em Abrunhosa-a-Velha, povoação do conselho de Mangualde, parte com vinte anos para Mafra, tem o sétimo ano de liceu, vai frequentar o curso para oficiais milicianos. É um jovem tímido que regista a magnificência do Convento de Mafra, vai ao cinema da vila ver os filmes musicais de Giani Morandi, sentiu gosto na preparação física, no fim da recruta foi para Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, tirar a especialidade. Também não desgostou da atmosfera do quartel, da actividade física e das marchas finais. Em Vendas Novas fez 21 anos. Depois, é colocado em Leiria, no Regimento de Artilharia Ligeira n.º 4.

Em Outubro está mobilizado para servir na Guiné, embarcará no dia 10 de Dezembro de 1967 no “Alfredo da Silva”. Em 3 de Fevereiro, de 1968 cairá nas mãos de uma força atacante do PAIGC que viera flagelar Bissássema, perto de Tite. O relato deste calvário constitui as “Memórias de um Prisioneiro de Guerra”, por António Júlio Rosa, Campo das Letras, 2003.

É um depoimento que cativa pela sua singeleza e simplicidade, é um abrir do coração para relatar páginas de um tempo vivido entre a ignomínia e a expectativa de um regresso a Portugal. Trata-se de um relato comedido, de quem teve tempo suficiente para ajustar a contabilidade de um tempo paradoxalmente vazio, onde se montava a engrenagem de uma fuga e se esperava um quase milagre de um regresso, fosse qual fosse o pretexto.

António Júlio Rosa foi em rendição individual, foi bem acolhido pelo Batalhão de Tite, gostou do seu Comandante de Companhia, o Capitão Miliciano Costa, juiz de profissão. Começou a descobrir a guerra local, os riscos, os usos e costumes, fez os primeiros patrulhamentos, até que chegou a hora de ocupar Bissássema. Recebeu como missão ir com o seu pelotão e mais dois de milícias (um de Tite e outro de Empada) conquistar e ocupar Bissássema, então ocupada pelo inimigo.

Ocupar Bissássema não parecia ser muito difícil. Tratava-se de uma tabanca de onde as forças do PAIGC tinham desaparecido sem deixar rasto, os 70 homens entraram sem problemas e logo começaram a construir abrigos e planear um sistema defensivo, durante dias foi um enorme movimento de enxadas, pás e motosserras, já que era bastante grande a área para defender. Pela meia-noite começou um ataque do PAIGC, meia hora depois o tiroteio parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir começou um novo ataque, a força do PAIGC entrou dentro do quartel lançando granadas e semeando o pânico. Abalado com a explosão de uma granada, António Rosa e dois soldados foram apanhados à mão. Na madrugada do dia 3 de Janeiro de 1968 ele passou a prisioneiro de guerra e levado para a Guiné-Conacri.

Primeiro, o estupor da captura, a confusão de partir dentro do mato denso, o chegar a uma base inimiga e ser fechado numa pequena casa de mato. Depois, os primeiros interrogatórios, António Rosa ainda tenta ocultar o posto, será depois denunciado pela carteira com o bilhete de identidade militar que levava no seu saco de campanha. Em seguida, uma nova marcha passando por diferentes acabamentos, novos interrogatórios, em que o prisioneiro vai descobrindo que os guerrilheiros recebiam apoios dentro das povoações onde operavam as tropas portuguesas.

Ele escreve: “O Vicente, um dos chefes da base, mostrou-nos, como muito orgulho, tabaco Marlboro e sabonetes Lux que a irmã lhe tinha enviado nos últimos dias da povoação de Tite. Aquela sua irmã era esposa do Jamilo, o proprietário do único café existente na povoação da sede do meu batalhão. Se enviavam encomendas, também era certo, mas não sabido, que forneciam todo o tipo de informações acerca da nossa tropa. Naquele teatro de guerra, como é que poderíamos saber quem nos apoiava verdadeiramente?”.

Novas marchas forçadas, os prisioneiros vêem à noite a iluminação de quartéis portugueses nesta região Sul, atravessam o corredor de Guilege, terão percorrido cerca de 200 km a pé em 6 dias, atravessaram a fronteira, subiram para uma camioneta e chegaram a Boké. É aqui que conversam com Nino, então comandante da zona Sul, e daqui partiram para Conacri onde foram recebidos por Amílcar Cabral. Mais tarde, partiram daqui para a prisão de Kindia onde o alferes Rosa vai encontrar Lobato, um piloto da Força Aérea que ali estava há 4 anos como prisioneiro.

Foi assim que começou a vida de cativeiro, com tempos mortos, algum ódio e muita hostilidade dos guardas. O alferes Rosa conhece o furriel Vaz. Será com Vaz e Lobato que Rosa vai começar a gizar um plano de evasão. Kindia era uma prisão para gente considerada perigosa. Os três começam a estudar as possibilidades de se evadirem, pensaram em fugir de avião, furtarem uma viatura, fugir a pé. Os dias passavam lentamente, havia tempo para ponderar todos os pormenores para ter sucesso em alcançar de novo a Guiné. E em 3 de Março de 1969 o plano de fuga é posto em prática. Inicialmente, tudo correu muito bem, internaram-se na floresta, passaram perto de aldeias, comeram fruta, viveram todas as privações possíveis. Ao fim de 6 dias, foram capturados. Desta vez não foram para Kindia mas para Conacri. Inicia-se agora um novo período (de vinte meses) de cativeiro.

Novos ódios, novos interrogatórios, chegam notícias da família, António Rosa vem a saber que já não é filho único, acabara de nascer um irmão. António Rosa regista no meio deste tratamento duríssimo a boa educação de Vasco Cabral que sempre os tratará com cortesia, em todas as circunstâncias. Na noite de 21 de Novembro de 1970, no decurso da operação “Mar Verde”, os prisioneiros portugueses na Guiné-Conacri irão ser libertados e transportados em navios de guerra até aos Bijagós e daqui para Bissau. Farão a viagem num avião militar DC6 até Lisboa.

Segue-se o regresso a Abrunhosa-a-Velha, mais tarde em Mangualde António Rosa irá leccionar Educação Física e depois tirará o curso de professor no Instituto Superior de Educação Física. Irá efectivar-se na Escola Secundária D. Dinis.

António Rosa exerceu o dever de memória. Ele e todos os outros prisioneiros que participaram em experiências de amargura e elevado conflito, merecem-nos esta narrativa de um sofrimento que não pode ser iludido ou ignorado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4269: Agenda Cultural (11): Ciclo de Encontros Guerra Colonial: Realidade e Ficção - Alverca do Ribatejo (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3936: Bibliografia de uma Guerra (43): 14.º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (V. Briote)

Guiné 63/74 - P4329: Tabanca Grande (139): Francisco Santos, ex-militar da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá - 1963/65)

1. Mensagem de Francisco dos Santos, ex-1.º Cabo da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 29 de Abril de 2009:

Novo tabanqueiro

Francisco dos Santos, nado a 15/12/42 e criado em Sarilhos Grandes, Montijo onde sempre fui fiel como residente, excepto aqueles vinte e três meses de residência forçada na Guiné. Sou casado com a minha sempre querida Emília [Mila para os amigos], tenho sessenta e seis anos de idade, duas filhas e três netos. Sou reformado, fui motorista, hoje dedico-me à família e à Academia Musical União e Trabalho de Sarilhos Grandes, da qual faço parte dos órgãos directivos e tenho como hobby a escrita, ou por outra, o bichinho da poesia popular.

Embarquei para a Guiné no navio mercante "Ana Mafalda" integrando a Companhia de Caçadores 557 em 27/11/1963, desembarquei em Bissau a 3/12/1963, onde a Companhia 557 substitui transitoriamente a CCaç 556 no dispositivo do BCaç 600, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área da Ilha de Bissau até à chegada da CArt 349.

Com vista a Operação Tridente em a CCaç 557 foi deslocada para Catió a fim de integrar as forças postas à disposição do BCav 490, o meu pelotão foi desanexado da 557 que esteve durante a operação na ocupação do Cachil e o meu pelotão em Cauane e Caiar integrado nas forças do BCAV 490.

Terminada a Operação Tridente fui despejado no isolamento do Cachil onde permaneci até 27/11/64 rendido pela companhia de CCaç 728.

A 557 regressou a Bissau tendo assumido a missão de segurança e protecção das instalações e das populações da área em substituição da CCaç 594, ficando então na dependência do BCaç 600.

Entre 7 e 10 de Maio de 1965 por rotações com a CCaç 412, assumiu a CCaç 557 a responsabilidade do subsector de Bafatá, com um pelotão destacado em Cantacunda outro em Camamude e um secção no Geba.

Em 27/09/65 embarquei no navio mercante "Niassa" de regresso a Portugal, desembarquei em Lisboa, Cais da Fundição em 03/10/65.

Com o pagamento da jóia e quotas se apresenta o novo tabanqueiro Francisco do Santos.

Para o blogue os meus segundos versos uma vez que o Colaço já fez com que fossem publicados os primeiros (*).

Desde o RAL3 em Évora, até ao cais da Fundição em Lisboa

Foi no RI16 formada
Sim, falo dela outra vez
Por 557 baptizada
Foi a partir do RAL3

De Évora até ao Barreiro
Se não me falha a memória
O combóio foi o primeiro
Transporte da nossa história

A viagem até foi boa
Onde a ansiedade escalda
Do Barreiro até Lisboa
Depois o Ana Mafalda

Pois foi este o navio
Que à Guiné nos levou
Depois de largar o rio
O oceano atravessou

Chegámos àquela terra
Para nós tudo diferente
para além da dita guerra
Outros hábitos outra gente

E a Bissau se chegou
Depois foi o dia a dia
O que mais nos impressionou
Foi a miséria que havia

Longe está a nossa partida
De regresso ao nosso lar
um por todos p´la vida
É a mensagem a passar

Nesta missão encontrámos
Obstáculos a contornar
Alguns meses ali passámos
Que pareciam não acabar

Depois fomos parar
Ao Como e ficamos sós
P´ra lutar e trabalhar
na defesa de todos nós

Com o moral nada em cima
Havia alguns requisitos
É que para além do clima
Era a luta dos mosquitos

Não havia água pura
Onde estava a Companhia
Só havia com fartura
Na época em que chovia

Não usávamos só a manha
Nas estratégias inimigas
Tínhamos a dura bolanha
Matacanhas e formigas

Era tiro e morteirada
Mas tudo isso se alterou
Quando uma bazucada
Na palissada esbarrou

Pouco depois para já
Diminuiu a pressão
Porque a norte em Bafatá
Iria terminar a missão

Tivemos como baluarte
Um excelente capitão
Connosco em qualquer parte
Nunca fugiu à razão

Chegámos ao fim da missão
Voltamos à terra natal
Desembarcámos na Fundição
Em Lisboa, Portugal !!!


Um alfa bravo para todos os tabanqueiros
Francisco dos Santos.

Francisco Santos, 1.º Cabo da CCAÇ 557

Francisco Santos na actualidade


2. Comentário de CV:

Caro Francisco Santos
Desculpa teres ficado um pouco de tempo à espera para entrares na oficialmente na Tabanca, mas tem havido alguma aglomeração de trabalho e só há pouco tivemos reforços na equipa editorial. Daqui a uns dias tudo voltará ao normal, esperamos.

Estás em casa, uma vez que já tens uns versos publicados no nosso Blogue, através do teu e nosso camarada José Colaço. Não terás endereço próprio, mas a alternativa do Colaço serve perfeitamente para que cheguem até nós os teus textos, provavelmente a tua especialidade, em verso. Podes anexar também fotos legendadas, pois serão sempre bem-vindas.

Caro Franciso, deixo-te o tradicional abraço da tertúlia e votos de muita saúde.
__________

Comentários de CV:

(*) Vd. poste de1 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974

Guiné 63/74 - P4328: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (7): Atolado no Mato Cão, com a CCAÇ 1439, a madeirense do Enxalé

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Outubro ou Setembro de 1966 > Uma coluna de 3 Unimogues, da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67), a caminho de Missirá, passando por Mato Cão... Um pesadelo, no tempo das chuvas. Temos de reconhecer que eram umas máquinas fantásticas, possantes, flexíveis... Nunca nos deixavam mal, a não ser debaixo de uma mina A/C...

Fotos do soldado Leiria, da CCAÇ 1439, gentilmente cedidas ao ex-Alf Mil Henrique Matos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68). Recorde-se que o Henrique Matos, depois de chegar à Guiné, em Agosto de 1966, foi fazer o IAO a Bolama, para depois ser embarcado numa LDM e despejado no Enxalé, ferebte ao Xime, "ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca".

Fotos: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados

1. Mensagem do Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68):

Caro Luís e co-editores (ainda a tempo de dar as boas-vindas ao novo co-editor, o Eduardo)

Estando Mato Cão na berra com a última estória do Jorge (sempre surpeendente) e do Mexia Alves sobre o Bu...rako onde esteve com os nharros do 52 que eu ensinei e da bolanha que havia ao lado (**), mando uma fotos da estrada (?) que atravessava a mesma bolanha e por onde tínhamos de passar (penso que era por quinzena ou à semana, já não me recordo...) para levar reabastecimentos ao destacamento de Missirá ou quando precisavamos de ir à sede do Batalhão em Bambadinca.

Estas fotos, de que já não me lembrava, foram-me cedidadas pelo Leiria que era Condutor, no passado dia 9 no encontro da CCaç 1439 que se realizou na Praia da Vieira. Trata-se de uma coluna que fiz a Missirá, em Setembro ou Outubro de 1966 (época das chuvas), constituida por 3 Unimogues, única viatura que passava naquelas condições.

Na 1ª estou no Unimogue da frente (sou o único de camuflado novo, ainda era periquito). Repare-se que este Unimogue tinha guincho, uma peça fundamental quando ficávamos atascados. Na 2ª estou ali na frente a ver não sei o quê, e a 3ª é para apreciar a navegação da viatura.

Aproveito para enviar uma foto do encontro que já referi, onde só apareceram 8 elementos e respectivas famílias. O nono sou eu que apenas fui para o Enxalé reforçar a companhia, já eles tinham mais de meia comissão. Embora sejam uns jarretas (foi mesmo o que lhes chamei) que não vão à Internet, os filhos prometeram mostrar a foto aos pais.

Praia da Vieira, Vieira de Leiria, Marinha Grande > 9 de Maio de 2009 > Convívio da malta da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67). O Henrique Matos é o segundo a contar da direita.

Foto: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados

Só uma nota final: Falava-se no meu tempo que a origem do nome Mato Cão ou Mato de Cão se devia à existência naquela zona de muitos babuínos, mais conhecidos por Macaco Cão. Confirmo, porque os vi às dezenas numas árvores frondosas que lá havia. E quando não havia macacos era mau sinal, havia gente por perto (**).

Agora façam disto o que entenderem.

Como sempre, aquele abraço e até à Ortigosa [, dia 20 de Junho de 2009].

Henrique Matos (***)

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Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)

11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

Vd. também poste de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)


(**) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3758: Fauna & flora (13): Macaco cão a ladrar, gente do PAIGC a chegar (Joaquim Mexia Alves)

Vd. também poste de 27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

(...) Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai (o Bubaque, antiga traineira algarvia, adquirida pela Marinha portuguesa e transformada, nos inícios da guerra, em Lancha Patrulha nº4, até ser comprada pelo meu Pai e transformada em navio de transporte, mais popularmente conhecido por Djanta Kú Cia).

A jornada começava com a enchente da maré, passando por Portogole, Ponta Varela, Xime e daqui para a frente quase sempre a rasar as margens, ora de um lado ora de outro, ver passar o Mato Cão e Nhabijões até chegar ao pequeno mas movimentado porto de Bambadinca, onde sempre havia lanchas e batelões.

Não raras vezes, no regresso, saíamos de noite de Bambadinca rezando, tripulantes e passageiros, para que nada acontecesse até passarmos o Mato Cão. Salvo raras ocasiões, as preces foram escutadas. O encanto era absorvente em noites de luar a descer o Geba a favor da maré, com o maquinista a ficar satisfeito, em termos de rotações do motor, só quando via faíscas e fumo espesso a sair da chaminé. Parecia que andávamos numa estrada cheia de curvas tal a velocidade com que descíamos o rio. As apreensões só desapareciam, na última curva, quando víamos as luzes do quartel do Xime. De noite Ponta Varela não constituía perigo. Passávamos a uma razoável distância.

Faço estas referências porque acabei por rever muitas imagens de Bambadinca e das suas gentes, onde passei férias com mais colegas estudantes e ia à caça, idas à boleia em viaturas militares ou civis, sem escoltas até ao Xime para ver o macaréu passar, cambanças para a outra margem do porto de Bambadinca de canoa, visita ao aquartelamento de Nhabijões que muito impressionou pela vetustez das instalações e más condições que facultava. (...)



(***) Vd. postes anteriores da série:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

11 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2173: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (4): O capitão de 2ª linha Abna Na Onça, régulo de Porto Gole

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2191: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (5): O baptismo de um periquito no Enxalé

23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2376: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (6): Insularidade e solidariedade no Natal dos açorianos

Vd. também outros poestes do Henrique Matos:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)

30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3256: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (5): Lembrando o Ten Pil Av Bettencourt (Henrique Matos)

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas

1. Mensagem de Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, com data de 2 de Maio de 2009:

Para publicação no blog envio um texto e uma fotografia.

Abraço
Traquina



O Correio /Os Aerogramas


Em tempo de guerra o correio é sem dúvida uma das coisas mais importantes. Poderemos dizer que em situações difíceis é das poucas coisas que exerce grande efeito psicológico na mente de cada um. É o contacto com a família, com a namorada, com a madrinha de guerra, em suma, muitas vezes o único contacto com o mundo exterior.

Naqueles tempos eram utilizadas as cartas, chamadas tipo papel de avião, cujos envelopes tinham uma pequena orla descontinua a verde e vermelho. Porém, eram mais utilizados os aerogramas que ficavam inteiramente gratuitos, os militares chamavam-lhes os aeros ou bate estradas. Desempenhavam um papel importante, eram oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino e, transportados gratuitamente pela TAP.

Por graça, alguns militares tinham o hábito de enviar aerogramas para determinada localidade, dirigidos à menina mais bonita, à menina mais simpática, à jovem mais bela, ou outros do género, dependente da imaginação de cada um. Depois ficava o critério do carteiro, seleccionar ou, para se ver livre de mais um aero, entregar na rua, a quem muito bem entendesse.

Desta maneira a brincar, muitos tiveram a habitual madrinha de guerra, a namorada, ou nalguns casos até mesmo esposa! Quero aqui referir e ao mesmo tempo dirigir uma palavra de agradecimento a todas aquelas que foram as nossas Madrinhas de Guerra, umas que mais tarde vieram a ser namoradas e esposas, outras que se ficaram apenas por madrinhas. Naquele ambiente de guerra, é difícil calcular a alegria que se sentia, ao receber uma carta onde por certo vinham palavras acolhedoras e amigas.
Alguns militares endereçavam aeros uns aos outros, e no exterior escreviam contém um gravador. Os gravadores de som tinham feito a sua aparição à pouco tempo e eram uma novidade. Numa época que em Mampatá se trabalhava duramente na abertura de abrigos, alguém terá recebido um aerograma que no exterior dizia, contém uma picareta. Acho que foi mal recebido e rasgado de imediato, é que quem o recebeu estava já com as mãos bastante calejadas pelo uso dessa ferramenta…

A propósito recordo que um militar recebeu resposta a uma mensagem que enviara dentro de uma garrafa, arremessada ao mar quando viajava a bordo do “Niassa”. A resposta que curiosamente não se fez tardar, veio de uma jovem espanhola, (presume-se que de corpo bronzeado desfrutando dos calores mediterrâneos) encontrou a referida garrafa numa praia do sul de Espanha. Sei apenas que se iniciou uma troca de correspondência, que chegou mesmo a namoro!

Também com frequência se escrevia às senhoras do Movimento Nacional Feminino, e pedia-se de tudo. Por vezes lá chegava esta ou aquela oferta.

No Natal de 1968 creio que houve uma oferta a todos os militares, uma pequena embalagem de plástico, que continha um maço de cigarros e um isqueiro a gasolina. Tantos terão sido os pedidos, que um dia tivemos a visita da D.ª Cilinha Supico Pinto.
Esta animada visitante, bastante alegrou os militares reunidos à sua volta na pequena parada do aquartelamento de Buba. Começou por dizer que não fizessem pedidos difíceis de satisfazer. Parece que alguém teria pedido uma namorada, em que era indicada a cor dos cabelos, as medidas da anca, de peito e outras... Mas naquele dia, a ilustre visitante vinha fazer a entrega de um instrumento musical, um saxofone, que o corneteiro da Companhia, o Gentil lhe tinha pedido.

Bastante satisfeito ficou o militar mas, logo a seguir decepcionado. Ao instrumento, já bem usado, faltava aquilo a que se chamam sapatilhas. Mais difícil foi fazer compreender àquela senhora que as sapatilhas (pequenas válvulas do instrumento) faziam falta ao instrumento e não ao militar...
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa

Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, ex- Alf Mil Art, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

Amigos!
A propósito do Mato Cão (*) aí vai estória.
Luís, prepara o prefácio.

Abração,
Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas > Da Enfermeira Cubana aos Tubarões no Geba

Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.

Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.

Se a hora era propícia até lá batíamos uma boa sesta e certamente algum turra passeante se surpreendeu com os meus estridentes roncos, os quais numa estória que conto aos miúdos, assustavam os tubarões do Geba.

Tubarões no Geba? Claro que sim!

Pois não relatou o meu avô, militar em Moçambique na Guerra do Mouzinho, que marchou um dia inteiro por cima de uma jibóia?

Aí por Março de 71, chegou-me uma informação mais que duvidosa, mas que eu quis acreditar – em Madina existia uma enfermeira cubana. Ora na altura tinham-me mandado afixar nas árvores do Mato Cão, uns panfletos, convidando os turras à deserção.

Quais turras, quais quê? Eu só pensava na Cubana, que a minha imaginação transformara numa bela andaluza cheia de salero. Ela sim, seria bem-vinda a Missirá.

Assim em vez dos panfletos deixei uma mensagem:

“Se habla español. Mui cerca de ti, Cabral, el último alférez romántico”...

Que terão pensado os guerrilheiros?

Não sei. Mas hoje acredito que foi por esta e por outras que o Missirá do Cabral nunca foi atacado.


Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Não resisto, embora quebrando o meu dever de isenção, a fazer um comentário a mais esta estória cabraliana. O Jorge, que na vida real é professor universitário, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, onde coordena a pós-graduação de Criminologia e onde lecciona matérias como Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito de Menores, não é dos tabanqueiros mais assíduos. Sei que nos lê religiosamente todos os dias, mas é mais parco na colaboração escrita. Não sendo prolixo, é contudo um dos autores mais queridos do nosso blogue, tendo inclusive um clube de fãs...

Fico feliz por ele, expressamente, me convidar para prefaciar o seu futuro livro, que ainda não tem título nem editor. Claro que aceito, logo de caras. E vamos fazer tudo para que se tranforme no sucesso editorial do ano. Ele, Cabral, bem o merece. E, com ele, o nosso blogue, a nossa Tabanca Grande, os seus leitores, os/as seus/suas admiradores/as, incluindo muitos dos seus alunos/as da pátria de Cabral (do outro, o Amílcar).

Quanto à história de hoje, não podia ser mais apropriada. 12 de Maio é o Dia Internacional do/a Enfermeiro/a. Faz anos que nasceu a mulher que fundou a moderna profissão de enfermagem, a inglesa Florence Nightingale (1820-1910).

Por outro lado, a enfermeira internacionalista cubana fazia parte do imaginário (ou das miragens) do Zé tuga, na Guiné ... Por todo lado, víamos hospitais no mato e, à nossa espera, uma enfermeira cubana, imaculada, vestida de bata branca (***)...

Que dizer destas pequenas jóias literárias do nosso Cabral (o único, o autêntico, o nosso) ? Falo com ele ao telefone, de vez em quando, e ele deixa-me sempre bem disposto, mesmo quando não me trás boas notícias da nossa Guiné (que lhe chegam em primeira mão, através dos seus alunos, incluindo os filhos da nomenclatura)... Ontem, dizia-me que continua a querer voltar a Fá Mandinga para ir buscar uns papéis, seguramente imnoportantes, que deixou escondidos, em 1971, no alto do depósito de água, num buraco bem calefatado... Ele diz-me isto sem se desconcertar, com a maior naturalidade do mundo... É por isso que o seu humor é tão sui generis... Talento que lhe vêm no ADN, ou não tivera ele um avô, militar, que lhe contava histórias do realismo fantástico, como essa de andar a marchar toda a noite, em Moçambique, por cima de uma jibóia tão comprimida como a picada...

Jorge, mãos à obra, vamos ultimar livrinho!

PS - Jorge, no exército cubano, não me parece que eles tenham esse tal posto de alferes... Pelo sim, pelo não, promovo-te, no título, a subteniente
, não acontecer que a carta não chegue a Garcia, por erro no remetente.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. o postes de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)


(**) Vd. os últimos postes desta série:

8 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4155: Estórias cabralianas (48): A Bandolândia ou uma aula de história em... 2092 (Jorge Cabral)

(...) O Cidadão – Aluno XI7 frequenta a décima semana do Curso Unificado – Primário, Secundário, Universitário, o qual segundo as normas da Declaração de Cacilhas, lher irá conferir o Diploma da Sabedoria.

Claro que, quando entrou na escola, já dominava muitas das matérias que antigamente demoravam anos a aprender, pois logo em criança lhe implantaram um chip com todos os conhecimentos básicos. Porém XI7, hoje chegou à aula cheio de dúvidas. É que encontrou uma fotografia do seu trisavô, vestido com uma farda e empunhando um instrumento, talvez uma arma.(...)



2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

(...) Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.

Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama. (...)


31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).


13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...).

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

(***) Sobre os serviços de saúde do PAIGC e a ajuda cubana, vd. por exemplo:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli (Luís Graça)

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingos Diaz, 1966/67)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967

14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

18 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)

15 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2762: PAIGC: Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XI Parte): A máquina logística (A. Marques Lopes)

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2955: PAIGC: Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XII Parte): Saúde (A. Marques Lopes)

24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada

Guiné 63/74 - P4325: Convívios (126): Almoço/Convívio da CCAÇ 2701 e PELCAÇNAT 53, no dia 6 de Junho, em Seia (Paulo Santiago)




CCAÇ 2701 e PELCAÇNAT 53
O nosso camarada Paulo Santiago solicita a divulgação da"sua" confraternização.
Camaradas Editores,
Agradecia a publicação do anúncio do Almoço Convívio da CCAÇ 2701 e PELCAÇNAT 53.
Abraço,
P. Santiago
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Programa
Dia 6 de Junho de 2009 – Sábado
Local - Museu do Pão - Seia ( Serra da Estrela )
11H00 - Início da concentração no Largo da Feira de Seia ( junto ao Pav. Gimnodesportivo )
11H30 - Viagem para o Museu em comboio turístico
12H00 - Visita ao Museu do Pão
13H30 – ALMOÇO
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Ementa
Entradas com produtos regionais (bufett )
Bacalhau com broa e migas
Borrego assado no forno à moda serrana, com castanhas e esparregado
Café e digestivos
Bolo comemorativo
Preço - 25,00 € por pessoa adulta. Crianças dos 5 aos 11 anos - 10,00 €
No preço está incluido a viagem pela cidade,em comboio turístico, com chegada ao museu, regresso ao Lr. da Feira, visita ao museu e almoço.
As marcações deverão ser efectuadas até ao dia 1 de Junho, através dos seguintes contactos :
Albuquerque ( condutor) Tlm 968555713 ou 238481112
Ex-FurMil Alves Tlm 963050463
Ex-FurMil Santos Tlm 919257909
Ex-FurMil Duarte (Pel 53) Tlm 965110449 ou 232088065
(Paulo Santiago)
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4324: Convívios (125): Almoço/Convívio da CCAÇ 816 – 1965/67, em Esposende (Rui Silva)



O nosso Camarada Rui Silva enviou-nos notícias da festa anual da sua Companhia:
Caríssimos Luís Graça, Vinhal, Briote e M. Ribeiro,
Como sempre, as minhas primeiras palavras expressam o envio de um grande abraço e votos de muita saúde, extensivos a todos os ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
A Companhia de Caçadores n.º 816 (Guiné 65-67) levou a efeito mais um alegre, vivido e salutar Convívio anual.
O evento teve lugar na Estalagem Zende em Esposende no passado sábado dia 9 de Maio, começando com a habitual missa em homenagem, muito sentida, aos nossos 2 colegas mortos em combate (Furriel Silva e Soldado Manso) e também para aqueles que depois, por cá, foram falecendo.
O programa teve de tudo um pouco (estes sessentões da 816!) como é habitual: Cantigas individuais e em conjunto, baile, a habitual alocução do nosso Capitão Riquito e a solene cerimónia do dividir do Bolo, com o emblema da Companhia, rematando assim o evento.
Este ano tivemos uma grata novidade, que foi a presença do açoriano Manuel Brandão, Alferes comandante da guarnição de Artilharia no Olossato, aquando da nossa estada naquela povoação. 44 anos depois… aquele abraço! Ele veio expressamente dos Açores para deixar uma lágrima junto da família 816.
Este Convívio teve como promotor o nosso querido camarada da Companhia, Carlos Salsa, que se saiu com preceito e é justo aqui realçar.

A família 816 (só os ex-militares, pois havia esposas, filhos, netos etc.) numa das entradas da Estalagem







A alocução do então capitão Riquito com palavras elogiosas e regeneradoras para o seu pessoal
O açoreano Manuel Brandão, ex-Alferes dos Obuses no Olossato, convidado a partir o Bolo







A esposa do Manuel “das Taipas” sempre nos brinda com o seu belo cantar
O Salsa (pullover vermelho) também fez parte dos músicos, ele que nos deliciava nas festas da Companhia na Guiné com a sua bela voz (“Os dois ao luar…”)


Panorama geral da sala aonde foi servido o almoço
(Rui Silva)
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

1. Segunda história de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74.


INCÊNDIO NO RIO

Desconheço estatísticas referentes a acidentes ocorridos na Guiné, durante a guerra, nem mesmo o número de mortes que terá tido essa origem. Não sei mesmo se existe esse tipo de estatísticas.

Porém, quem por lá passou, está seguro que o número de acidentes foi significativo.

Se um militar limpa a G3 em posição de fogo e coloca a ponta do cano no sovaco é provável que, na melhor das hipóteses, nos meses seguintes, apenas consiga transportar a arma no ombro do sovaco oposto…

Se um operacional está de sentinela à porta de armas, dispõe de uma mesa para jogar sueca com os amigos, encosta ao pé da mesa a FBP (Fábrica Braço de Prata – extraordinária pistola metralhadora portuguesa que mesmo em posição de tiro a tiro constitui uma verdadeira surpresa, pois nunca se sabe se de lá vem uma rajada…) e vem um cão que a deita ao chão… aí está a referida rajada, que tem, na melhor das hipóteses, o efeito de fazer saltar das cadeiras os quatro parceiros de sueca para que possam dançar uma versão improvisada do kuduro

Se um atirador de infantaria está na praia a fazer treino de tiro, dispara um dilagrama (adaptação que permite lançar longe uma granada defensiva através da espingarda G3) a uma distância de três metros, é provável que todos os camaradas mergulhem para trás das três canoas gentílicas que estão por perto… a granada, na melhor das hipóteses, não rebenta… e não rebentou mesmo!... (às vezes os defeitos de fabrico até dão jeito!).

Negligência, distracção, inconsciência da juventude, factores incontroláveis, são, entre outras, razões justificativas.

Pesca artesanal no Rio Cacine


01 JANEIRO 1973

Dia de Ano Novo! Seria um dia igual a tantos outros passados no mato! Mas não o foi!

A tarde estava quente e húmida, como era habitual nesta altura do ano, a pele mantinha-se permanentemente pegajosa e a melhor solução era estar na água ou muito perto dela!

Cacine era frequentemente visitada pela Marinha, que patrulhava o rio, permanecendo vários dias e ancorando ao largo, mesmo em frente do aquartelamento!

Eram dias que permitiam também algum convívio Exército - Marinha, com jogos de futebol em que a discussão e rivalidade Sporting - Benfica pouco tinham de comparável, tal era o entusiasmo gerado!

Os almoços, ora no exército, ora nos barcos da Marinha, ocorriam, pelo menos uma vez em cada visita!

Uma amizade forte caracterizava esta relação!

Neste 1.º de Janeiro de 1973, uma LFG (Lancha de Fiscalização Grande) - não querem que seja capaz de dizer o nome, 36 anos depois, pois não? Ainda bem!... - Ou seria uma LDG (Lancha de Desembarque Grande)? Talvez a “Montante”!... Talvez a “Bombarda”!... Seja, portanto, a LFG que terminava a missão em Cacine e voltava a Bissau!

Uma boa oportunidade para uma despedida adequada!

Coincidência das coincidências!... Nesse mesmo dia estava planeada uma patrulha fluvial, pelo que alguns voluntários prepararam o respectivo sintex.

Importa dizer que a Companhia de Caçadores 3520 estava equipada com dois sintex, barcos em fibra de vidro, com motor fora de bordo, que dispunham de dois bancos longitudinais com capacidade para não mais de 10 pessoas.

Barco preparado, entraram a bordo, para além do necessário operador de sintex, três operacionais, devidamente fardados de calção e T-shirt e óculos escuros!

Transportavam, naturalmente, material de guerra diverso, nomeadamente, duas espingardas G3 (chegava e sobrava!), um depósito de combustível de reserva (não fosse a operação prolongar-se!), uma máquina fotográfica (imprescindível numa perigosa operação de patrulhamento!), cigarros SG Filtro e um isqueiro Ronson!

O material foi distribuído, depósito de combustível no chão, restante nos bancos, já que a lotação estava longe de esgotada!

Importa, contudo, e antes de mais, dizer que o território da Guiné é bastante plano, pelo que, na maré cheia, o mar entra pelos rios, provocando a inundação das margens pantanosas, submergindo uma significativa parcela do território – cerca de 8000 Km2 dos 36.000 Km2 que constituem a superfície da Guiné.

O Rio Cacine, bastante extenso e largo, obedece a esta realidade, com fortes correntes e margens pantanosas repletas de árvores anfíbias – o tarrafo.

O rio proporciona às populações ribeirinhas o enriquecimento da sua dieta com peixe (desconheço os correspondentes em português para as denominações em dialecto local, mas destaco uma espécie de tubarão, inofensivo, que, qual golfinho, costuma acompanhar os barcos!) e marisco (ostras e camarão).

Constitui ainda uma óptima via de comunicação, num território em que as estradas, no interior, eram, praticamente inexistentes.

Foi nesta importante via de comunicação que iniciámos o nosso patrulhamento, que deveria levar-nos a um dos seus inúmeros afluentes!

Mas antes disso, havia que acompanhar, por algum tempo, a LFG, rumo a jusante, o que constituía a nossa despedida!

Com quase todo o pessoal da Marinha no convés, e depois de algumas acelerações, abandonámos a LFG, que continuou a ser acompanhada pelos tubarões, e tomámos o caminho de montante, para procurarmos o afluente, objectivo da nossa patrulha.

Na confluência dos rios, e porque os preliminares haviam consumido bastante combustível, decidiu-se transferir alguma gasolina do depósito de reserva para o depósito do motor.

Operação complicada que provocou o transbordo de combustível para o fundo do barco!

Nem todos, porém, estavam atentos ao transvase, preocupando-se mais com as fotografias!

E se ao passatempo da fotografia associarmos o vício de fumar, que nem sempre mata, mas pode provocar prejuízos colaterais, temos os ingredientes suficientes para uma grande confusão!

Foi o que aconteceu!... O fotógrafo retira um SG, dispensa a utilização do Ronson, acende o cigarro com os seus fósforos - típico do crava – e atira o fósforo aceso para o fundo do barco. O calor e a ausência de qualquer aragem, provoca o imediato incêndio da gasolina que tinha transbordado para o fundo do barco!

Homens ao mar, melhor, ao rio, verifica-se então que o operador de sintex… não sabe nadar – como é possível! – um outro, nada apenas o suficiente para não se afogar e – haja Deus! – há dois bons nadadores!

A cena imediata é trágica e caricata, com o operador de sintex a agarrar-se a quem pouco sabia nadar até que, finalmente, os bons nadadores colocam alguma ordem na questão, fazendo agarrar os maus, ao próprio barco e à corda de atracagem!

O plano seguinte passava por fazer chegar o barco ao tarrafo, onde nos agarraríamos às árvores e esperaríamos que alguém fosse em nosso socorro!

Não estava fácil! Por muito que nadássemos, a corrente não permitia a mínima deslocação!

As chamas eram cada vez maiores! A gasolina dos depósitos, deixados abertos, começara já a arder! As munições da G3, por acção do fogo, rebentavam por todo o lado!

O receio de explosão dos depósitos – provavelmente, abertos não poderiam explodir – começou a pairar!

As chamas dificultavam já mantermo-nos agarrados ao barco!

Que iria acontecer?

De repente, vindos do nada, surgem dois zebros dos fuzileiros, que nos içam em peso, lá para dentro, que as forças já não davam para entrar de outro modo!

Salvos!

As chamas tinham sido vistas do quartel e, rapidamente, os fuzileiros, que tinham, nessa altura, aquartelamento em Cacine, colocaram os barcos no rio, e foram em nosso socorro!

Desta estávamos safos! Mas como iríamos justificar tanto material danificado ao Exército? O tio Jaime – amigo com influência em Bissau – resolveria mais essa situação!

Não houve apoio psicológico! O trauma foi grande e persistiu! Ainda hoje há quem não aprecie um calmo passeio à beira-rio.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde (1972/74)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974

1. Mensagem de José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974, com data de 8 de Maio de 2009:

Boa tarde Vinhal!

Tenho visto o vosso Blog vezes sem conta. Não tenho tido a coragem necessária para me considerar um combatente, porque quando fui já se tinha dado o 25 de Abril. Fui em rendição individual, era Radiotelegrafista do STM e calhou-me a sorte de ir bater com as costelas a CUFAR. Nunca embrulhei embora ainda tivesse ouvido alguns foguetes ao longe. Regressei no dia 5 de Outubro de 74. E quem sou eu? Teu colega da APDL, José Carlos Neves. Fui muitas coisas na APDL, e acabei como Operador de Radar. Gostava de um dia falar contigo, sobre o assunto pois não sei se fui combatente ou não só sei que o que vi não me agradou, que a fome que passei também não, que o paludismo também não e os mosquitos nem falar. Um refeitório onde os caixões estavam amontoados à espera de alguém foi uma imagem marcante entre outras. Se um dia tiveres disponibilidade de falar comigo dá-me um toque.

José Carlos Neves


2. No mesmo dia enviei esta resposta ao Carlos Neves:

Caro Carlos Neves
Foi bom que me (nos) tenhas contactado.
Primeiro. Não tens que ter complexos por não teres passado pela guerra. Sorte tua. Se tens ideia, espero que sim, de te juntares a nós, serás tão bem recebido como aquele que só conta histórias a cheirar a pólvora. Temos um défice de histórias do pós 25 de Abril na Guiné. Parece que a malta viu coisas que não quer contar. A vida também não vos foi fácil, concerteza, e as privações não devem ter sido menores. Tinham a incerteza da segurança ou a certeza da insegurança, que vai dar ao mesmo.
A tua experiência, assim como a de outros camaradas na tua condição, são necessárias no nosso Blogue.

Lê atentamente o lado esquerdo da nossa página onde poderás ver o que somos e não somos, assim como os nossos objectivos. Já deves ter reparado que queremos manter um certo nível quer ao nível das relações, quer da linguagem e do respeito pela diferença.

Já temos muitos camaradas do concelho de Matosinhos entre a tertúlia e tu serás mais um. Aparece.

Se quiseres fazer parte da nossa tabanca, manda uma foto do teu tempo de Guiné, uma actual, em formato JPEG, conta um pouco do teu percurso na Guiné, como Posto, Especialidade, locais por onde andaste, datas de ida e volta, etc.

Podes podes um pouco de ti enquanto civil, como por exemplo teres sido funcionário da APDL, da tua actividade como fotógrafo, etc.

Espero notícias tuas.

Deixo-te um abraço
Carlos Vinhal


3. Ainda no mesmo dia recebi, do Carlos, esta mensagem de volta

Olá boa tarde!

Fui mobilizado para o Ultramar em Abril de 1974 (logo a seguir ao 25 de Abril), não sei ao certo o dia, mas ainda em Abril. Estava então com 14 meses de tropa, colocado no RI6 a tomar conta do Posto Emissor do STM que servia o Quartel General do Porto e a pensar que me ia safar. Puro engano.

Uma bela noite recebo um telefonema do meu camarada Laranjeira (Perafita), pelo telefone interno a dar-me a notícia que tinha recebido a mensagem com a minha mobilização para o Ultramar, é que eu era Radiotelegrafiata do STM e esta coisas passavam-nos pela mãos.

Lá fui com guia de Marcha até Lisboa. Chegado à Escola Prática de Transmissóes, então na freguesia da Graça, fui informado que iria para a Guiné.

Fiz o que todos fazem, pelo menos os de Rendição Individual, fui até aos Adidos onde recebi as Vacinas da Febre Amarela, Cólera e mais outra qualquer que já não sei. Fiquei que nem um passador todo furado.

E assim se passou. Dias depois embarquei para a Guné no Boeing dos TAM onde fui colocado no Agrupamento de Transmissões à espera do mato.

E o que era o mato? Ingénuo e puto não fazia ideia concreta, embora já alguns colegas que por lá passaram me tivessem dito que não era bom. Tive a sorte de ter um primo que era advogado e que estava lá no Departamento de Justiça em Bissau e que me acompanhou e com quem passei a conviver, ou seja sempre à civil, na Messe dos Oficiais. É que eu era Soldado (por questões que uma dia posso contar de outra guerra em que já tinha estado).

Assim e com o convívio com vários oficiais foi-me proposto que procurasse um lugar onde ser colocado em Bissau, que as coisas se arranjariam. Mas o palerma do valentão disse não senhor! Já que estou aqui quero conhecer o que é o mato. E assim foi.

Uma bela noite fui informado para estar pronto às tantas da manhã para embarcar no avião que me iria levar para Cufar.

Bom lá vou eu para a cidade de Cufar. Qual o meu espanto quando aterrei e vi a dita cidade, ou seja um amontuado de palhotas dentro de círculo de 500 metros de diâmetro de arame farpado. Estou feito! Logo aí me arrependi de me ter armado em esperto.

E lá fui levado até à minha tabanca onde permaneci cerca de 4 ou 5 meses a trabalhar no Rádio em Morse e a fazer 24 horas por dia divididas por 3 Operadores. Estive lá com a CCAÇ 4740 (quase todos açorianos) que regressaram, salvo o erro, em Agosto, e depois com o pessoal que tinha retirado de Gadamael e que foi recuando até Cufar para depois virmos todos embora, entregando a cidade de Cufar ao PAIGC.

Regressei então em Setembro a Bissau com o resto do pessoal, numa LDG, trazendo tudo que era possível e deixando para trás aquilo que não se conseguia carregar.

Em Bissau esperei que me enviassem para a Metrópole.

De regresso à vida civil fui para onde já estava colocado ou seja para a APDL, onde fiz várias funções desde electricista (que é a minha formação académica - Curso Industrial) até Operador de Radar, passando por fotógrafo, Administrativo, etc.

Estou Aposentado, desde o ano 2000, e desenvolvo a profissão de fotógrafo (velha paixão que infelizmente só bateu depois da tropa).

Talvez um dia possa contar mais alguma coisa, mas isto às vezes não é facil de relembrar. E se não o é para mim como será para aqueles que viram os seus companheiros a tombar ao seu lado! Não passei directamente pela guerra, mas o que vi bastou-me.

Um grande abraço para todos especialmente para ti Carlos Vinhal.
José Carlos Neves


4. Comentário de CV:

É sempre agradável dar as boas-vindas a um camarada, mas quando esse novo camarada é alguém que conhecemos há tantos anos, é um prazer redobrado.

Na verdade andámos lado a lado (como na cantiga) na APDL e ainda por cima somos vizinhos, sem eu imaginar que tivesses estado também na Guiné. E como soldado. Batoteiro. Não sabias que era perigoso não declarar as verdadeiras habilitações literárias?

Como te disse na mensagem que te enviei, as histórias daqueles que não conheceram a guerra como os seus antecessores, são também muito importantes. Vai escrevendo e mandando as tuas fotos que nós as publicaremos com o mesmo pundonor.

Já agora, apanha para a nossa tertúlia, o teu homónimo de profissão e nome, o Operador de Radar Delfim Neves, conterrâneo do nosso camarada Albano Costa, porque também ele é um ex-combatente da Guiné, e sei, é também um acompanhante diário do nosso Blogue.

Renovo o convite que já te fiz, de participares no nosso próximo Encontro do dia 30 de Junho próximo, caso possas e queiras, claro.

Esperando a tua colaboração, deixo-te o tradicional abraço de boas-vindas em nome da Tertúlia.

Teu colega, amigo, vizinho e camarada
Carlos Vinhal

Ano de 1974 > A bordo do navio Uige, aquando do feliz regresso a casa

Apanhado pelo clima? Será este o parafuso em falta? Efeitos da Guiné concerteza

Ano 2000 > José Carlos Neves no seu último ano como Operador da Radar do Porto de Leixões

Ano 2008 > José Carlos Neves e a sua bajuda para a vida

Fotos: © José Carlos Neves (2009). Direitos reservados
Edição das fotos e legendas do Editor CV

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4308: Tabanca Grande (137): Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1.ª CCAV/BCAV 8323, Bajocunda, 1973/74

Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > O Ten Cor Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917, o Alf Médico Vilar e o Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba...

Foto tirada em Novembro ou Dezembro de 1971 no Mato Cão, após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento, encarregue de proteger a navegação no Geba Estreito e impedir as infiltrações na guerrilha no reordenamento de Nhabijões, um enorme conjunto de tabancas de população balanta e mandinga tradicionalmente "sob duplo controlo".

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados




1. Comentário do Paulo Santiago, ex-Comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, ao poste do J. Mexia Alves (*):


Não conheci o Mato Cão com as óptimas instalações de que fala o Mexia Alves. Fui lá um dia de Sintex com motor, para lá com a descida da maré,para cá com a subida.Foi para aí em Dezembro de 1971,tinha sido aquela estância de férias ocupada pouco tempo antes, e no barco de recreio ía, além do soldado barqueiro,o Ten-Cor Polidoro Monteiro, comandante do BART [2917], de Bambadinca, o Alf Mil de Armas Pesadas e o Alf Mil Médico Vilar.

As instalações na altura estavam bem implantadas,com todo o respeito pelo ambiente,nada de agressões ambientais. Dispondo-se em semi-circulo,havia uns 40 bu...rakos com as dimensões de um colchão,em cada canto um pau (de 1 metro) ao alto para suster a rede mosquiteira. Depois havia a cozinha, a céu aberto, que consistia num estrado de ferro, sob o qual se acendia a fogueira. Era um camping funcional e barato.

Fogachal?... Muito. No Domingo a seguir à visita brincaram à guerra durante 1 hora... Ouvia-se bem em Bambadinca, e um dos atacantes ficou lá com a pistola à cinta.

Acrescento,o Ten-Cor Polidoro ficou lá naquele campo de férias, não regressou,ao fim da tarde, connosco à sede do batalhão. Tinha tomates. (***).

O Ten-Cor que foi lá, em 72,de heli, deverá ter sido o Tiago Martins, comandante do Mexia.

Era o Pel Caç Nat 63, comandado pelo Alf Mil Manuel Coelho, que lá se encontrava quando visitei tão parasídiaco local.

Paulo Santiago

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)

(**) Vd. poste de 6 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1049: O destacamento de Mato Cão (Paulo Santiago)

(...) "Quando lá fui de visita, em Novembro ou Dezembro de 71, as condições eram do pior. Não havia qualquer construção, por mais rudimentar que fosse, não havia valas nem arame farpado. Tinham desmatado uma zona junto ao rio, onde tinham aberto uns buracos para caberem os colchões, protegidos pelos mosquiteiros" (...).

(***) Vd. poste de 9 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3189: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (17): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971).

Vd. também I Série do nosso blogue > Poste de 26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6) (David Guimarães / Luís Graça)

(...)A CART 3492 (Xitole, Janeiro de 1972 / Março de 1974) foi exactamente a Companhia que rendeu a CART 2716 a que eu pertenci e fomos nós que fizemos a sobreposição (...).

Muito gostaria de ter narrações do que se passou no Xitole, mais concretas, por que eu sei que houve para lá muita porrada com eles, segundo me soou aos ouvidos....

Um dia o Comandante do BART 2917, já na sobreposição, apareceu no Xitole. O Luís Graça e o Humberto Reis conheciam-no. Era o Tenente Coronel Polidoro Monteiro... Conto-vos uma peripécia passada com ele.

Perguntava eu, bem perfilado, ao Polidoro Monteiro:
- Meu comandante, a nossa missão é ir ensinar o caminho a esta gente...Proponho que ensinemos o início dos caminhos por onde passamos tantas vezes....

Resposta:
- Vai-te foder, seu caralho, quero que lhes ensinem a toca! (...)