Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 5 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)
Carlos, olha o que deu uma noite de insónia!
Agora vou dormir.
Até logo.
VJ
Estimado Carlos Vinhal,
Para ti, aquele abraço que não pude dar-te em Monte Real.
Vai fazendo tempo que me mantenho sossegadito no meu cantinho. Têm aparecido tantos camaradas, com tanto para contar, que as minhas cantigas para além de não adormecerem ninguém, ficam a milhas da profundidade e até da beleza de algumas reflexões expendidas ultimamente no Blog, que continuo a seguir com toda a atenção.
Além disso, o Luís Graça ao nomear-me “Senador”, criou-me uma tremenda responsabilidade. Por um lado, retirou-me a prerrogativa de dizer calinadas, para o que sinto uma natural propensão. Mas por outro, se quis apontar-me como modelo de pessoa assisada, então mostrou que não é assim tão bom psicólogo! Porém, meu caro Vinhal, contigo sinto-me a jogar em casa.
As nossas Companhias eram irmãs. Respirámos o mesmo ar, calcorreamos os mesmos trilhos, descansámos à mesma sombra. Porventura até bebemos água da mesma bolanha. Falar-te dos meus estados de alma, nem necessita de cogitação prévia, porque eu sei que tu sabes aquilo que eu sei.
Hoje, porém, sinto-me um homem novo, liberto. Depois de, já lá vão uns tempos, ter visto na televisão um deputado a mandar outro pr’ó caralho em plena AR, ao mesmo tempo que prometia ir-lhe aos cornos “lá fora”, ontem, numa espécie de remake de baixo custo, vi um ministro a fazer uns cornitos mefistofélicos a um senhor deputado. Isto depois de uma conversa em que se ilustraram as baixezas de uns e de outros, sendo também consensual entre os tribunos que pelo menos alguns eram mentirosos.
Assim sendo, como sou humano e tenho emoções, dos usos e os costumes deste Blog alegremente abusarei e, desde já, requeiro o direito de me arrepender como fez o tal ministro.
Por falar em Blog, o nosso está um must. Pelo número de visitas e de páginas consultadas, podemos aferir da sua popularidade. Aqui bebem mestrandos, Doutorandos, autodidactas, jornalistas e simples internautas. Ainda que o core se centre na guerra da Guiné, a vastidão dos temas vai do segredo do tempero do cabrito que serviu de repasto no convívio dos camaradas da CCaç tal (e preço, porque o carcanhol está curto!) até às elucubrações de cariz sociológico acerca do posicionamento das populações nativas sob o domínio colonial e sua adesão às teses da libertação.
Navegando, ficamos a conhecer tão bem a táctica, a estratégia e os meios do IN, como se nas reuniões do seu Estado-Maior tivéssemos participado. Sim, porque o IN parece que tinha uma táctica, uma estratégia e uma determinação que, segundo alguns, mingavam nas hostes portuguesas. E com esses requisitos obteve brilhantes vitórias sobre as forças de ocupação, exaustivamente explanadas em dezenas e dezenas de páginas deste Blog que, muito justamente glorificam a superior inteligência e bravura dos soldados do IN e seus chefes. Propaganda, dirão alguns.
Mas o Blog também fala de nós. Apresenta por exemplo listas imensas (e inúteis) com nome, número mecanográfico e posto de paletes maralhal que passou pelo CTI da Guiné, fala dos feridos, dos mortos e dos burakos (?) onde vivos viveram enterrados, da alimentação para porcos, dos levantamentos de rancho, da falta de lençóis, da incompetência dos comandantes, de actos de insubordinação dos comandados, da revolta, da angústia e do medo dos soldados portugueses, mobilizados para uma guerra injusta e que não compreendiam, do desespero das famílias e do arrojo daqueles que, em vésperas de embarque, davam ao slaide.
Ficamos a conhecer camaradas que juraram a si próprios nunca disparar um tiro e, galhardamente, se aventuravam pelo mato adentro deixando a canhota pendurada no ferro do beliche, enquanto outros mataram porque sim. Mais recentemente, (post 4634) ouvimos falar do estoicismo do pessoal escalado para operações que nunca passaram do papel, de pessoal desmotivado e psicologicamente destroçado (não confundir com bandos!) que nunca ou raramente saiu dos abrigos, de SITREP’s falsos em que se reportavam acções de patrulhamento e combate que nunca existiram, da suprema humilhação infligida por um reles inimigo que tem o desplante de vir cagar junto ao nosso arame farpado, da mortificação do ego quando palavras como retirar, recuar, abandonar, entram na rotina.
Mas só agora, porque alguém neste Blog ousou abrir-nos os olhos e os ouvidos é que ficámos a saber que situações destas existiram, porque enquanto lá estivemos nunca tal ouvíramos dizer, não é verdade!?
Também tivemos oportunidade de conhecer uma extensa, desapaixonada e ideologicamente isenta filmografia que veio esclarecer aquilo que para os não iniciados parece um quebra cabeças, ou seja, como conseguiu o IN, que pelos melhores números nunca terá ultrapassado os três mil operacionais, pôr em cheque – para não dizer que derrotou militarmente –, uma força armada com o triplo dos seus efectivos, implantada no terreno, com uma capacidade logística incomparavelmente superior já que dominava as principais vias de comunicação incluindo as fluviais, dispondo ainda de meios pesados como artilharia, auto-metralhadoras, aviação e força naval.
Tenho ainda que fazer uma breve referência a alguma bibliografia reproduzida ou publicitada no Blog: Vasta, profunda e sem quaisquer objectivos comerciais, evidentemente. Acho que já só falto eu a dar ao manifesto a minha produção literária. Não tenho palheta para tanto e como tenho dúvidas sobre a firmeza do meu carácter, correria o risco de me transformar a mim próprio em mais um herói ou relatar factos de acordo com alguma inconfessa conveniência. Nessa não caio eu! Porque se a História é sempre escrita pelos vencedores, também é certo que a verdade é como o azeite, mais tarde ou mais cedo, acaba por vir ao cimo.
Ah, quantas saudades do Blog dos primeiros tempos! Tudo se contava na primeira pessoa. Era tão simples, directo e autêntico.
Camaradas, desculpem lá qualquer coisinha.
Para toda a tertúlia, caso o bitate mereça publicação, segue um forte abraço deste que já não tem muito para dar.
Vitor Junqueira
Fotografia do aquartelamento do K3. Por aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira durante boa parte da sua comissão.
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.
Mansabá, local e quartel onde a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira substituiu a CART 2732 do Fur Mil Carlos Vinhal.
Foto: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.
2. Comentário de CV:
Caro Vítor, que bom ouvir-te de novo.
Tínha-me passado ao lado, desculpa a ignorância, a tua promoção a Senador. Se o Luís assim o entendeu, e sabemos como ele sabe avaliar as pessoas, estou inteiramente de acordo.
Dizes que a tua prosa, cantigas como chamas, não adormece ninguém. Pois não, como se pode ficar indiferente à qualidade da tua escrita? Pena que de vez em quando entres em hibernação e deixes de aparecer. Sabes que tens os teus fãs, entre os quais me incluo eu.
Voltando ao título de Senador, não há dúvida que exerces o cargo com alta competência, ou não vinhas junto de nós expôr as tuas oportunas críticas, daquelas que gostamos de ler, porque não ofendem, sendo antes o pensar de alguém com honestidade intelectual, como reconhecemos em ti.
Na verdade calcorreámos as mesmas picadas, refugiámo-nos atrás das mesmas árvores, emboscámos nos mesmos locais e sofremos igualmente pelas desventuras de cada uma das nossas Companhias e dos nossos camaradas. O que de mau acontecia numa Companhia era motivo de preocupação para a outra. Não eram ambas compostas, na sua maioria, por valentes ilhéus? Fomos vizinhos, primeiro, e locatários do mesmo aquartelamento, no fim. Não nos conhecemos então, mas temos a certeza de que faríamos, um pelo outro, na hora, o impossível.
Não comento os teus comentários, mas deixo-os aqui à consideração de quem nos lê.
Esperando que não nos voltes a privar de ti, tanto tempo como fizeste desta vez, deixo-te um abraço em nome dos editores em particular e da tertúlia, em geral.
O teu camarada e amigo desde as terras do Óio
Carlos Vinhal
__________
Notas de CV:
(*) vd. postes de:
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto
5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida
31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação
6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753
11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3438: Histórias de Vitor Junqueira: (9): O Líbio e o alferes gazeteiro
17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz
Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4624: Blogoterapia (112): Saudades de outra idade (Juvenal Amado)
Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > (*) Novos talentos musicais: o ribatejano Manuel Traquina, interpretando o Fado do Sobreiro, um fado tradicional, recriado pelo fadista João Brasa, de Évora (vd. álbum de 2006, Vida Fadista), com acompanhamento à viola por Álvaro Basto (à esqureda) e David Guimarães (à direita)...
Eu sei que faltaram outros camaradas nossos, instrumentistas do fado, talentosos e versáteis, como o J. L. Vacas de Carvalho e o Jorge Félix... Mas a nossa Tabanca Grande tem sido uma caixinha de surpresas: este ano, no nosso encontro, houve, para além do Joaquim Mexias Alves e do Manuel Traquina, outros espontâneos que se ofereceram para cantar...
Infelizmente não tenho registo de todos, mas sei que, depois do Traquina, ainda acturam o José Martins, o José Pedro Neves e o Victor Barata (o nosso Zé Especial)... (Actuações que perdi por ter ido ao carro buscar pilhas para a máquina fotográfica e ter ficado depois a dar as despeddas ao Fernando Calado e ao Augusto Ismael, meus velhos companheiros de Bambadinca)...
Para o ano proponho, aos organizadores, que se promova um concurso de (novos e velhos) talentos musicais.
O Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, é também o autor de Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné. (**) . É autor, no nosso blogue, da série Venturas e Desventuras do Zé Olho Vivo (***)... Viveu em Angola, depois de ter cumprido o serviço militar
na Guiné. É natural do concelho de Abrantes, onde vive. Foi técnico de emprego, está hoje reformado.
Vídeo (2' 04''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados
2. IV Encontro Nacional do Nosso Blogue
Fado do Sobreiro
Mesmo ao cimo do montado,
No ponto mais elevado,
Havia um enorme sobreiro
Que a dar bolota e cortiça,
De todos era a cobiça,
No montado era o primeiro.
Certa noite a tempestade,
Fez-se ouvir lá na herdade
O rebumbar de um trovão.
E no céu uma faixa risca,
Quando uma enorme faísca
Fez o sobreiro em carvão.
Passaram-se anos e agora
No mesmo sítio lá mora
Um chaparro altaneiro,
Mas em noites de luar
Houve-se o montado a chorar
Com saudades do sobreiro.
É assim a nossa vida,
Constantemente vivida,
Sempre e sempre a trabalhar.
Mas quando a morte vem,
Nós deixamos sempre alguém
Com saudades a chorar.
Letra tradicional
Do álbum Vida Fadista (2006), de João Brasa
Música: Fado marcha Alfredo Marceneiro
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4609: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (17): Comentários para rescaldo (Carlos Vinhal)
22 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4559: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (5): Esse nobre sentimento..., na voz do fadista J. Mexia Alves... (Luís Graça)
(**) 30 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4441: Bibliografia de uma guerra (48) "Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné", de autoria de Manuel Batista Traquina
(...) "É um relato da minha vida militar, em especial a comissão na Guiné, acontecimentos dentro e fora dos aquartelamentos que de um modo geral são comuns a todos quantos passaram pela Guiné. Penso que muitos dos acontecimentos dizem muito aos milhares de militares que passaram pela região de Buba e Aldeia Formosa.
"Além de mais pretendi com este livro deixar um testemunho da realidade que foi a Guerra Colonial e homenagear todos quantos por lá passaram, em especial aqueles que lá perderam a vida.
"O livro está a ser vendido ao preço de 15,00 € mais portes, e poderei enviá-lo a quem o solicitar. Poderei também enviá-lo à cobrança ou a quem fizer a tranferncia bancária neste caso 16,00 €". (...)
Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. (?): Palha. 2009 (?). 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt]
(***)Vd. postes anteriores do Manuel Traquina:
2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida
19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane
17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios
15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite
8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3855: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (5): As colunas Buba-Aldeia Formosa
12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa
12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas
14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)
23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina).
13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)
2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)
Guiné 63/74 - P4641: Memória dos lugares (32): A ponte de S.Vicente ou Euro-Africana – Designação oficial (José Marques Ferreira)
A foto do missionário italiano (muito idêntica à do Engº Pedro Moço – Soares da Costa)
sábado, 4 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4640: Tabanca Grande (158): José Albino P. Sousa, ex-Fur Mil Inf do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Bula e Tite, 1969/71)
Caro Carlos Vinhal:
A vontade de entrar na Tabanca, já vem de algum tempo atrás, mas agora, e por insistência do António Maria, resolvi avançar.
Entretanto, já elaborei o texto que me parece relatar a minha história na Guiné.
Entretanto te direi que estive em Bula com o Pelotão de Morteiros 2117, Maio, Junho e Julho de 1969, tendo depois sido chamado a Bissau para tirar um curso de obuses, avançando depois para Tite com um Pelotão de guineenses onde passei o resto da comissão.
Ao fim de um ano fui baptisado com os famosos foguetões a que se seguiram mais três ataques.
Abraço do Zé Albino
APRESENTAÇÃO
Nome: José Albino Pereira de Sousa
Nascido em 23.1.1946
Natural do Porto (fui nascer à Maternidade) mas considero-me de Matosinhos.
Casado
Dois filhos e dois netos
Morada: Senhora da Hora
Curso Industrial de Montador Electricista (Matosinhos)
Ex-técnico da Portugal Telecom na Pré-reforma
Ex-Furriel Miliciano de Infantaria
A MINHA HISTÓRIA MILITAR
Assentei praça no RI5 (Caldas da Rainha) a 15 de Janeiro de 1968, onde fiz a recruta, tendo efectuado o juramento de bandeira a 5.4.1968.
Foi-me atribuida a especialidade de Armas Pesadas, (teria eu força para pegar nelas?) e segui para o CISMI (Tavira), onde conclui o curso de Sargentos.
Segui para o RI8 (Braga), onde colaborei em duas formações de recrutas.
Na véspera de Natal de 1968, sou particularmente informado que estou mobilizado para a Guiné.
No início de 1969 sou integrado no Pelotão de Morteiros 2117, que faz o IAO em Chaves, e em finais de Maio, lá vou eu no Niassa, rumo a África em defesa da Pátria (assim nos tinham convencido).
O Pelotão de Morteiros é enviado para Bula, e aí passo os meses de Junho e Julho de 1969, sem qualquer episódio de ataque ao aquartelamento.
Entretanto, sou informado que teria de ir a Bissau tirar um curso no BAC.(Sabia lá eu o que era aquilo).
Chegado ao tal BAC (Bataria de Artilharia de Campanha) é que percebi que éramos três dezenas de graduados (alferes, sargentos e furrieis, oriundos de Pelotões de Morteiros e de Canhões sem Recuo), e estávamos ali para receber formação de Obuses, como que emprestados à Arma de Artilharia, constituir Pelotões de Obuses 10,5; 11,4 e 14, com militares guineenses.
Confesso que com os morteiros em Bula, teria de adaptar os quase esquecidos conhecimentos adquiridos, ao terreno, mas com Obuses, as granadas iam mais longe, pelo que a responsabilidade aumentava, e daí o meu esforço em adquirir o máximo de conhecimentos para tentar safar a pele.
Quero dizer com isto que me esforçei para ter uma boa classificação, o que me permitiu escolher o Quartel de destino.
Lembro-me de o Comandante da BAC ler a lista de quartéis a serem reforçados com Obuses, e no fim eu lhe dizer que só conhecia Bula e mal.
Então eu vou ler de novo - disse ele.
...
TITE??!!!!!
...
Bem, talvez Tite disse eu, pensando, seja o que Deus quiser.
OK! Vai ver que não é tão mau como se diz. Como está do outro lado do rio, aqui em Bissau ouvem-se as saídas e rebentamentos, mas normalmente é a bater a zona.
E lá fui eu numa LDG, com dois Obuses 10.5, cunhetes de granadas, e talvez duas dezenas de guineenses de várias etnias, acompanhados das respectivas famílias.
Chegados ao destacamento do Enxudé, lá estavam os matadores para rebocarem os dois Obuses para o quartel de Tite.
Lá chegado, apresentei-me aos superiores e ao meu colega artilheiro, Fur Mil Figueiredo de Coimbra, responsável pelo 8.8 existente.
Por sorte não sofri alguns dos ataques por não estar presente no quartel.
Bula e Tite foram atacadas, mas eu estava no curso na BAC, outra vez tinha ido a Bissau levantar os vencimentos do pessoal, etc.
Até que chegou a minha vez a 19.5.70, ao fim de um ano de espectativa, e logo com os tais foguetões.
Lembro-me de os dois obuses terem disparado cerca de 140 tiros nessa noite. Foi medonho.
Entretanto o Fur Mil Figueiredo regressou à metrópole e algum tempo depois chegou o Alferes Rocha do Porto, que comigo apanhou um violento ataque a 3.8.70, com morteiros e canhões sem recuo, estava eu a chegar de férias e o Salazar a morrer.
Contrariando as ordens do Major Martins Ferreira (BCAV 2867), (fogo só á ordem), reagimos ao ataque do PAIGC e os valentes artilheiros responderam com cerca de duas dezenas de granadas. Assim acabámos com o ataque.
Porque a iniciativa de reacção ao ataque foi da minha responsabilidade, (o Alferes Rocha também mandou umas ameixas, mas o Major não se apercebeu), fui ameaçado de ser despromovido, ser enviado para Pirada e pagar as cerca de duas dezenas de granadas. Calei-me e não deu em nada.
Depois disto, o Alferes foi não sei para onde e eu fiquei a comandar o pelotão até ao final da comissão, tendo vindo mais um Obus 10,5 com um novo camarada de Artilharia, Fur Mil Costa, dos Arcos de Valdevez, com a função de evitar que a partir de Bissássema, o PAIGC alcançasse Bissau, o que tentaram fazer no meu tempo, e mais tarde, penso que com êxito.
Lembrei-me agora que uma vez mandaram-me fazer cálculos de tiro para o mar (?) e apontar as peças quando recebesse as ordens. Era a operação Mar Verde.... em Conakri.
Refiro ainda outro ataque a Tite, já no final da comissão, com as granadas a cair fora do arame farpado.
Foram cerca de 17 meses em Tite, colaborando com o BCAV 2867 e BART 2924, até que recebi ordem para regressar a Bissau e juntar-me ao Pelotão de Morteiros 2117, de onde era originário, regressando à Metrópole no Angra do Heroismo, nos princípios de Fevereiro de 1971.
Obs:- Nunca disparei um Obus, apenas conferia os elementros de pontaria no limbo e no tambor que transmitia ao apontador, quando era para bater a zona, e por vezes ainda dava mais duas maniveladas.
Quero ainda deixar aqui o meu grande respeito aos guineenses, vítimas de políticas desumanas e políticos dementes, que lutaram heróicamente em nome de Portugal.
Zé Albino
Bula > Junho de 1969. Com dois meses de Guiné, claro que não era o pai.
Bula > Morteiro 81 > Pel Mort 2117
Tite > Pelotão de obuses 10,5 (190/71)
2. Comentário de CV:
Tenho o prazer de apresentar à Tertúlia mais um amigo, daqueles que, embora não se vendo com frequência, não se esquecem. Nos últimos três anos temo-nos encontrado no almoço dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos. O nosso novo camarada José Albino, Zé Albino para os amigos, é um companheiro dos velhos tempos da Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, frequentou o mesmo curso de Formação de Montador Electricista ao mesmo tempo que eu e o António Maria, camarada recentemente entrado para a Tabanca. Temos na Tertúlia ainda mais um ex-aluno da mesma Escola, o António Tavares e um professor, o ex-Cap Mil Ferreira Neto.
Se começasse a enumerar os tertulianos do nosso Blogue residentes no concelho de Matosinhos, arranjava uma longa lista.
Caro Zé Albino, estás apresentado à Tertúlia. A partir de agora tens a responsabilidade de contribuir para o espólio do nosso Blogue. Há sempre algo para contar, resquícios de uma vivência contidos nos confis da memória, que podem e devem ser patilhados por todos.
Deixo-te o habitual abraço de boas-vindas em nome de toda a tertúlia. A partir de hoje tens mais três centenas e meia de amigos que não conheces ainda, mas que tiveram a mesma experiência que tu, viveram e lutaram contra o clima, falta de condições, fome, estado de guerra e outras privações, naquela terra que ainda hoje temos no nosso coração, a Guiné-Bissau.
Para ti, um especial abraço do teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4625: Tabanca Grande (157): Constantino Costa (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/74)
Guiné 63/74 - P4639: Histórias de José Marques Ferreira (1): A minha relíquia da Guiné é um lindo punhal
sexta-feira, 3 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4638: Um comando africano na Guerra da Guiné. Amadu Bailo Djaló. (V. Briote)
Amadu Bailo Djaló
Caros Camaradas
Está na fase final o trabalho a que me propus. Passar para português legível todas as páginas que o Amadu foi escrevendo ao longo dos anos que durou a Guerra.
Não podemos estar à espera de uma obra-prima, nem de um trabalho exaustivo sobre os nossos anos na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não há ficção, não se trata de um romance.
A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado. Amadu escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos e apeamentos, de progressões na mata, de encontros com os nossos INs de então, de trocas de tiros, morteiros, roquetes, de feridos e mortos, de evacuações e abandonos.
E de nomes de localidades, de Bafatá, Bissau, Bolama, Bambadinca, Fá Mandinga, Farim, Cuntima, Guidage, Guileje, Gandembel, Gadamael, Conakry, Gabu, Piche, Mansabá, Canquelifá e de tantas outras. Dos rios Corubal, do Cacheu, do Geba e de outros, de afluentes, margens, tarrafos, poilões, bissilões, mangueiros e cajueiros.
1. Infelizmente o Amadu Djaló trouxe poucas fotos, meia dúzia no máximo.
E é aqui que faço um pedido a todos os Camaradas que têm escrito e enviado imagens desses anos da Guiné para o nosso blogue, de Luís Graça e Camaradas da Guiné. Que disponibilizem fotos com a qualidade possível para, eventualmente, serem inseridas no livro.
Muitos livros que se têm publicado sobre a Guerra que travámos na Guiné trazem fotos, a maioria de fraca qualidade. Não me parece ser boa ideia inserir uma foto de dimensões reduzidas, de fraca resolução. Estou consciente que é um pedido difícil.
Lanço aqui lançado o pedido aos Camaradas que têm fotos, em condições indispensáveis para serem tratadas, para as disponibilizarem com a indicação do local, ano provável e do autor.
2. Para esclarecer dúvidas sobre factos relatados pelo Amadu Djaló continuo a recorrer a testemunhos de camaradas que assistiram ou participaram em alguns desses acontecimentos.
Nos últimos tempos contactei:
o Coronel Raul Folques que, como capitão participou em algumas das operações relatadas pelo Amadu, nomeadamente na "Ametista Real", a Kumbamory, agrupamento de que Amadu fez parte.
Nessa operação, já na retirada, o então Capitão Folques foi atingido por uma bala que lhe atravessou uma perna.
Disse-me que a retirada para Guidage foi penosa, embora com grande ajuda dos seus comandos africanos. Que via forças do PAIGC e de páras senegaleses com apreciável poder de fogo, a aproximarem-se do último grupo em retirada, grupo de que ele e o Amadu faziam parte.
Que pediu apoio aéreo e que, devido à proximidade das forças em combate, mandou lançar granadas de fumo para melhor referenciação.
Que no contacto rádio com o comandante da patrulha, insistiu que o apoio dos Fiats era indispensável para a retirada, e que, face à superioridade numérica e de fogo das forças INs, se o apoio aéreo não se concretizasse acabavam por ficar todos no local.
Relata que Amadu Djaló nunca o abandonou, que se manteve sempre ao seu lado até o ver estendido numa sala a abarrotar de feridos no aquartelamento de Guidage. Lembra-se do cheiro da sala e da assistência prestada por um médico (Trindade? Espírito Santo? Do nome não se lembra ao certo, ficou foi com a ideia que o nome do médico lhe soou a santidade).
Que, acabado de o socorrer, o médico lhe perguntou se queria alguma coisa. Um copo de uísque, respondeu. Era a última coisa que lhe podia dar, foi a resposta que ouviu.
Minutos mais tarde viu entrar na sala o Coronel Correia de Campos, Comandante do COP, com um copo de uísque na mão. E que o uísque não se sentiu bem, preferiu sair logo.
Mais tarde o então Capitão Folques foi promovido a major e nomeado Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné, em substituição do Major Almeida Bruno.
Voltou a encontrar-se, ainda em 1973, na zona de Canquelifá com os seus antigos comandos então destacados na CCaç 21, quando fez uma sortida a uma povoação fronteiriça, tentando aliviar a pressão a que as povoações da área estavam sujeitas.
E destaca o papel da referida Companhia, comandada pelo capitão Abdulai Queta Jamanca e da qual o então alferes Amadu Djaló, hoje cabo, fazia parte.
Depois foi a vez de procurar chegar à fala com o General Almeida Bruno, que ainda como capitão foi um dos criadores dos comandos africanos e, como major, o 1º Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné.
Interessado em dar todos os esclarecimentos necessários que possam contribuir para elaboração das memórias do Amadu, o General convidou-nos para um encontro.
Estive presente com o Coronel Raul Folques e o Amadu Djaló. Foram horas de uma tarde a ouvir os três antigos comandos, sobre a formação dos comandos africanos, Kumbamory, de episódios que um ou outro já tinham esquecido e que agora, ao recordarem, ainda acrescentam um ou outro pormenor.
- Ah, eras tu que vinhas ao meu lado no regresso a Binta? Eras tu, Amadu? Perguntava o General.
- E a minha conversa com o major pára senegalês! Ele puxou de um cigarro de uma marca que eu apreciava, os Gauloises. Ofereceu-me um, sentámo-nos a fumar e a conversar. Era um tipo simpático. Uma chatice o que lhe aconteceu a seguir. E Morés, Amadu, Morés que tanto sarilho nos deu!
Coronel Raul Folques, General Almeida Bruno e Amadu Bailo Djaló, em 28/06/09. Foto de V. Briote.
Em 2 de Julho o General Almeida Bruno telefonou-me. Tinha precisado apenas de meia dúzia de dias para ler o rascunho das Memórias do Amadu Djaló.
Que o achava um documento único e importante por ter sido escrito por um antigo Camarada Africano.
Nas passagens em que o seu nome aparece mencionado, que se lembrava de algumas, de outras não. E que era importante proceder a uma nota de rodapé: a designação oficial, correspondente à ideia com que foi formado, era Batalhão de Comandos da Guiné e que a designação de Batalhão de Comandos Africanos se popularizou depois e foi com esta última que passou a ser conhecido.
E fotos são precisas, acrescentou. Que não tinha nenhuma, que as que trouxe da Guiné arderam num incêndio que vitimou a sua mãe.
O Comandante Alpoim Calvão é várias vezes citado pelo Amadu e o objectivo do meu contacto pessoal era solicitar-lhe alguns esclarecimentos nomeadamente sobre incursões da 1ª CCmds Africanos a aldeias senegalesas na zona de Pirada e sobre a operação a Conackry.
Em 29 de Junho de 2009, levei o Amadu ao encontro com o Comandante.
Conheci o então 2º Tenente Calvão na Guiné, ainda no início da minha comissão, talvez entre Abril e Junho de 1965. Recordo-me de o ver a conversar com um camarada, penso que era o tenente Saraiva, que estava connosco na esplanada do Hotel Portugal.
Nessa altura, eu fazia parte de uma tetúlia que incluía gente que tinha participado com os fuzileiros do então 2º Tenente em várias operações, particularmente na “Tridente”, em que o DFZ se tinha particularmente feito notar.
Depois das apresentações, o Comandante sentou-se connosco numa grande mesa oval.
- Já sei, Amadu, que tens várias coisas escritas sobre aqueles tempos. Fazes bem, relatar os acontecimentos pelos teus olhos, independentemente dos relatórios oficiais.
Mostrei-lhe duas ou três fotos de 1965, inéditas para ele. Olha o general Schulz, o Maurício Saraiva, ia dizendo enquanto folheava o rascunho das partes em que o seu nome aparece.
O Amadu relembrou-lhe as incursões na zona de Pirada, de que o Comandante mostrou ter ainda bem presente e que ainda acrescentou um ou outro pormenor.
Depois falou-se de Conackry e do muito que já se escreveu sobre o assunto.
Diz ter conhecimento que John McCain publicou em inglês, ainda não traduzida para a nossa língua, uma obra sobre a nossa Marinha na Guerra da Guiné. E que teve recentemente conhecimento de que a op. “Mar Verde” é tratado como um “case-study” numa escola naval norte-americana.
E mais, que, muito recentemente, foi publicada uma brochura sobre as operações navais da nossa Marinha de Guerra, em que a “Mar Verde” é descrita com algum pormenor. E finalmente que, de todas as obras publicadas até à data, a do Luís Marinho lhe parece aproximar-se mais do que pensa ter sido a ida a Conackry.
Relatou factos sobre a retirada, sobre a incrível história do Nanque, que andou de país em país até aparecer em Lisboa. Na altura, Alpoim Calvão era, se ouvi bem, o Comandante da Defesa Marítima quando foi alertado que um tal Nanque, que afirmava ter participado na ida a Conackry, se encontrava em Lisboa.
Não tenho palavras para descrever a colaboração que o Coronel Matos Gomes tem dado. A formação dos cmds em Mansabá (julgo que no tempo do então Capitão Pereira da Costa), nomes de operações, datas, pormenores, e sobretudo, o enquadramento das acções, quais os motivos porque certas ops foram executadas em determinadas áreas, aspectos que faltam nos escritos do Amadu Djaló.
Falou da mata da Coboiana, do local do Irã que encontrou, das acções de fogo em que a 1ª CCmds se envolveu, do momento em que a zona em que um heli se aprestava para uma evacuação foi varrida pelo fogo IN atingindo todos os oficiais da 1ª CCmds.
Nem o heli escapou mas, aos abanões lá conseguiu levantar com os feridos rumo ao HM 241.
Dali para a frente a acção prosseguiu com o sargento mais antigo a comandar e com o então Capitão Matos Gomes, o menos ferido, a supervisionar.
Fico por aqui, não me alargo mais se não acabo de contar o livro todo.
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Notas de vb:
artigo relacionado em 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4359: Tabanca Grande (143): Amadu Bailo Djaló, Alferes Comando Graduado, incorporado no Exército Português em 1962 (Virgínio Briote)
Guiné 63/74 - P4637: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (8): À carga no Esquadrão de Cavalaria de Bafatá
Caro Carlos:
Ver para crer. Pensava que não era possível melhorar as fotos a preto e branco do último poste mas conseguiste. És o maior.
Saída a última estória, conforme o combinado, aí vai em anexo a n.º 8 para série: A Guerra Vista de Bafatá.
Um abraço.
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
8 - À carga no Esquadrão de Cavalaria de Bafatá
Pescador no rio Geba ao entardecer, em Bafatá, 1968.
Hoje em dia, nos escritórios, quer do Estado, quer privados, é comum ver aquelas etiquetas autocolantes com código de barras, colocadas em todo o mobiliário e objectos de trabalho, a querer dizer que têm dono, que estão à carga.
Não vou aqui contar aquela estória em que a um colega meu de trabalho e na sua ausência, os almoxarifes, lhe colocaram uma dessas etiquetas num seu objecto pessoal que tinha em cima da secretária e que toda a gente via que de facto era pessoal, menos os fieis zeladores da entidade patronal.
Há quarenta anos ainda não era assim nas empresas ou nas repartições públicas, mas na tropa já se processava esse zelo, como todos muito bem sabem. Tudo estava à carga.
Também não vou contar aqui aquele caso que se passou, com um camarada nosso, no Norte de Moçambique, na zona de Moeda em que na passagem do testemunho entre duas Companhias se verificou que havia um Jeep a mais à carga. Como forma de resolver o problema e para a Companhia que ia embora o poder fazer sem demoras, que a zona de Moeda não era brinquedo, o Jeep foi enterrado.
Vou contar, sim, o que aconteceu, de forma mais simples, mas de certo modo idêntico, com o material à carga no Esquadrão de Rec Fox 2350 instalado ao lado do Comando de Agrupamento de Bafatá, em 1969.
Os três Alferes (às vezes 4 ou 5) do Agrupamento iam comer ao Esquadrão, daí que assisti a todas as fases desta estória caricata.
Em determinada altura um condutor duma auto metralhadora Fox veio de férias à Metrópole e não voltou, desertou. (Não me lembro se já tinha acontecido aquela emboscada em que um rocket IN perfurou a blindagem duma Fox e carbonizou os seus dois ocupantes).
Correu o respectivo auto de deserção. Já depois do auto concluído alguém se lembrou que esse condutor tinha uma pistola distribuída. Todos os responsáveis directos entraram em pânico. Havia que resolver a situação.
Os Alferes do Esquadrão, Rodrigues, Sena, Grosso e Amaral depois de discutirem vários dias como resolver esse berbicacho decidiram que se daria baixa da pistola no próximo ataque IN a Piche (Dien Bien Piche como também era conhecido dada a quantidade de ataques lá verificada, e por similitude com Dien Bien Phu no Vietname), onde tinham um destacamento.
Ao fim de pouco tempo o ataque deu-se e para os nossos cavaleiros o assunto parecia ter sido resolvido em beleza.
Puro engano, alguém descobriu que o desertor possuía um armário fechado e lá dentro, entre outros pertences, que aliás também deveriam ter sido descriminados no auto, estava, a agora, famigerada pistola.
Muito nos divertimos, os Alferes do Agrupamento, com esta última situação criada. Era ver os Aferes do Esquadrão a não quererem, cada um, nas suas mãos a dita pistola. Parecia que queimava.
Passados quarenta anos não recordo como resolveram este último problema, mas das duas uma, ou alguém se presenteou com uma pistola que já não estava à carga ou então tiveram que esperar por um novo ataque a Piche e fazer um novo auto do achamento de uma pistola.
Bajuda da tabanca da Ponte Nova em Bafatá, Possivelmente Saracolé, 1968
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.
A próxima estória será sobre vários factos, divertidos uns, outros pelo contrário, ligados às minhas três férias que gozei na Metrópole, onde entram dois Majores, um militar (o Seidi) preso por espancar a mulher e um comandante da TAP a quem com um atraso de quarenta anos irei agradecer uma atitude que teve para comigo.
Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:
Vd. poste de 26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)