segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4858: Notas de leitura (16): Memórias do inferno de Abel Rei (Parte III) (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Enxalé > O famoso granadeiro, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439 (1965/67).

Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados


Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 o 1º Cabo Abel Rei, da CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68), de férias, na capital da província.


Foto: © Abel Rei (2002). Direitos reservados



Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira.

Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002)

Notas de leitura > III Parte (*) > Uma dramática operação a Madina/Belel e... férias em Bissau

por Luís Graça


Uma dramática operação a Madina

Depois de 73 dias em Bissá, o nosso 1º Cabo Abel Rei regressa a Porto Gole, exausto e adoentado. Visto pelo médico, que lhe receitou “três injecções e comprimidos” (sic), voltou a estar apto, ele e os demais “companheiros de Bissá”, ao fim de três dias.

A 27 e 28 vemo-lo a participar na Op Foguetão, para um golpe de mão uma acampamento da guerrilha na região de Madina. Tratou-se da repetição da Op Frango, envolvendo forças da CCAÇ 1646 (Fá Mandinga) e da CCAÇ 1749 (Mansoa), além da CCART 1661 (Porto Gole).

A CCAÇ 1646 (que passou por Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga e Bissau, entre Janeiro de 1967 e Outubro de 1968) pertencia ao BART 1904 (Bambadinca), tendo por comandante o Cap MiL Art Manuel José Meirinhos.

A CCAÇ 1749, por sua vez, passou por Mansoa, Mansabá e Quinhamel, entre Julho de 1967 e Junho de 1969. Era comandada pelo Cap Mil Art Germano da Silva Domingos.

Na Op Frango, que se realizara a 16 de Novembro de 1967, as NT não atingiram o objectivo, por se terem perdido e por haver falha nas ligações com o PCV. Diz a história da CCAÇ 1661, citada pelo Abel Rei (p. 120), que “o único guia que nos foi possível arranjar, informou não saber atingir o objectivo pelo itinerário determinado superiormente”.

Eis, em resumo, o filme dos acontecimentos da Op Foguetão, de acordo com o diário do Abel Rei (29/11/1967, Enxalé, pp. 120-122), e que me faz trazer à memória peripécias e trapalhadas semelhantes, ocorridas numa outra operação, ao mesmo objectivo, dois anos e meio depois, em Março de 1970 (Op Tigre Vadio) (**): erros de planeamento, guias que se perdem, itinerários mal escolhidos, PCV que denunciam a presença das NT, falhas no abastecimento de água, progressão para o objectivo a horas proibidas, casos de exaustão e desidratação, indisciplina de fogo, relatórios fantasiosos, debandada geral, regresso dramático ao Enxalé…

(i) “Partimos à meia noite do dia 27, com um ração de combate para cada dois homens, e a caminho dum acampamento dos ‘turras’, situado em Madina, onde eles tinham bastante armas pesadas, entre elas um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?)" (…).

(ii) As NT chegam ao objectivo “volta das dez e meia da manhã”, altura em que começam a ser sobrevoadas uma avioneta com um ‘major de operações’ (sic), leia-se, PCV…

(iii) Sob um “sol escandante”, depois de mais de uma hora parados e, obviamente, já localizados pelo IN, “fomos obrigados a avançar para o objectivo. Nessa ocasião fazia-se a entrada numa bolanha cheia de água” … (Recorde-se que estamos no fim da época das chuvas)…

(iv) Há quatro baixas por exaustão e desidratação. Esses são helievacuados. Ficam 20 homens a fazer segurança ao helicóptero. Os restantes continuam a avançar para o objectivo.

(v) A progressão faz-se no meio do capim alto (com “mais de três metros de altura”). A zona em que o helicóptero, começa a ser batida por tiro de morteiro. Avança-se para o objectivo…

(vi) “O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! (…) Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos ‘turras’ que batiam a zona. Perderam-se…”

(vii) Os “outros, são obrigados pelo capitão (de nome Figueiredo) [referência que me parece explícita, ao Cap Dias Sousa Figueiredo, da CART 1661], “a irmos contra as trincheiras do inimigo – apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparos, se não avançassem” (p. 122)…

(viii) As NT sofrem “dois mortos e três feridos”, não lhes sendo possível “trazer os mortos: um soldado nativo das milícias, e o próprio guia, pois o fogo era intenso”.

(ix) Concluindo, “chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel [do Enxalé], tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados”…

(x) A história da unidade diz, seca, cínica e sucintamente, que “o objectivo de Madina foi atingido e destruído, tendo sido mortos 9 elementos IN; as NT tiveram um milícia morto e três feridos” (p. 122)… Não há qualquer referência ao pobre diabo do guia cujo cadáver lá ficou, também, para os jagudis…

Só quinze dias depois é que o Abel volta escrever, para nos dar conta da existência da ‘arma secreta’ da CART 1661, o famoso ‘granadeiro’, uma “viatura pesada blindada com chapas metálicas e areia”, que é utilizada numa coluna auto, de reabastecimento a Bissá… “Pela estrada, em que fomos sempre pé, picando a área em todo o percurso, ao longo da nossa deslocação foram encontrados jornais de propaganda subversiva terrorista” (14/12/1967, Enxalé) (***)…


As festas de Natal e Ano Novo

No final do ano de 1967, o comando da CART 1661 muda-se para Porto Gole, passando o Enxalé a ser apenas um simples destacamento, depois na primeira daquelas localidades se terem construído as necessárias instalações para o pessoal, bem como o depósito de material. Foi também construído uma pista de aterragem para aeronaves tipo D0 27…

Aproximam-se as festas do Natal e o Ano Novo, e o Abel é encarregue de ir a Bafatá fazer as compras (“bebidas, doces e frutas”). Sobre esta localidade (a segunda maior da Guiné, a seguir a capital, mas que ainda não é cidade, nesta época), diz o Abel:

“(…) Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné ! (…) Não vou deixar aqui as minhas impressões sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial, somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando o progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores”… (30/12/1967, Enxalé, pp. 14-125).

No Natal “houve uma ligeira ceia” e “até umas filhoses feitas por mim” (p. 125).

Três dias depois, a 28, houve visita dos ‘turras’ (sic), uma pequena flagelação, sem consequências… Mais grave seria o ataque de 4/1/1968, levado a cabo por um “Gr IN estimado em 150 elementos” (!)… Diz o autor que “os turras utilizaram o dobro das armas que nós temos”, mas mesmo assim retiraram com pesadas baixas (um morto confirmado e numerosos rastos de sangue) (p. 127)

O ano de 1968 é saudado como da “peluda” (p. 126). A partir de 11 de Janeiro, o Abel tem um novo comandante de pelotão. Antes tinha sido o capitão que tinha dado o “gosse”, bem como outro alferes (17/1/1968, Enxalé, p. 128).


Férias em Bissau, hospedado na Pensão Chantre

A partir de 2 de Fevereiro de 1968, o 1º Cabo Abel Rei está de férias em Bissau… “Vim juntamente com o ‘Conjunto João Paulo’, que fez nesse mesmo dia em actuação musical em Porto Gole, partindo de seguida numa lancha, pelo Rio Geba, para cá”… Ficou hospedado na Pensão Chantre (14/2/1968, Bissau, p. 130).

A cidade é descrita nestes termos: “É grande, não muito, já conta com algumas moradias modernas, e enormes bairros, embora para isso tivesse influência a visita do Presidente da República Portuguesa, feita no princípio deste mês (…) A minha opinião sobre Bissau é bastante boa, em que sobressai o comércio (…) ” (18/2/1968, Bissau, p. 132).

O Abel aproveita o tempo para passear e descansar. “Tenho percorrido praticamente toda a cidade incluindo o Pilão - onde abundam festas nocturnas com bailes, sobretudo nesta altura do Carnaval”… O Pilão é “a parte mais pobre da capital, composta por bairros de população nativa” (sic).

A Bissau chegam rapidamente as notícias da guerra: o ataque a Porto Gole (a 9), ao Enxalé (a 13), prenunciando um recrudescimento da pressão do PAIGC sobre o “chão balanta”… O Abel dá conta também de um ataque em Tite…

A própria cidade de Bissau sofre uma flagelação no mês de Fevereiro na sequência do ataque à BA 12, em Bissalanca: “parece ter havido três mortos e quinze feridos, todos nativos (?)” (3/3/1968, Bissau)… Foram dias “turbulentos” (sic), esses das férias do Abel, em Fevereiro.


Pressão sobre o chão balanta

A 9 de Março, está de regresso a Porto Gole, em LDM (Lancha de Desembarque Média), numa viagem de quatro horas. Três dias depois ainda permanece em Porto Gole, aguardando transporte para o Enxalé… (12/3/1968, Porto Gole, p. 135). Isto quer dizer também que a estrada de Bissau-Bafatá deixa de ser seguro, sobretudo no sector de Mansoa… (O Batalhão de Mansoa “não nos autoriza que façamos colunas em viaturas auto, devido ao número de mortos que temos nos percursos por estrada”… Para se ir do Enxalé para Bissau, vai-se por Bambadinca, via Xime, apanha-se a LDM e vai-se até Porto Gole e daí para Bissau…

“De Bambadinca até cá vim numa lancha de patrulhamento da nossa Marinha de Guerra. Com eles comi e dormi duas noites (e trabalhei, claro!) enquanto esperavam a saíde de um barco civil, com carregamento de produto produzidos no interior, para Bissau, e ao qual, duas vezes por semana, têm de manter segurança, via rio Geba” (27/1/1968, Porto Gole).

Na mesma lancha, veio uma companhia operacional “que tem andado a recolher todos os habitantes das tabancas existentes para além de Porto Gle, assim como todos os seus haveres, sendo depois deitadas abaixo todas as suas habitações” (p. 135). Essa LDM, ao regressar, de Enxalé, na madrugada de 12/3/1968, “sofreu um ataque em pleno Rio Geba”, tendo sido atingida por rockets (p. 135).

A 20 de Março, prosseguem as operações de evacuação e reagrupamento de populações até então sob duplo controlo, e destruídas as suas aldeias. “Foram queimadas e destruídas perto de uma dúzia de moranças. Entretanto trouxemos tudo aquilo que foi possível agarrar: porcos, galinhas e cabritos . (Eu trouxe três galináceos). Voltámos era quase meio-dia” (20/3/1968, Porto Gole, po. 137-138). Uma parte dessa população (balanta) é redistribuída por Enxalé, Porto Gole e Bissá (p. 139).

Entra-se no mês de Abril de 1968, “sem comida nem bebida”… Vinho, café, batatas e bacalhau são quatro dos itens referidos pel Abel, como faltando já há vários dias no aquartelamento de Porto Gole (3/4/1968, p. 140)…

As colunas de e para Bissá continuam a fazer baixas… Logo no dia 2 de Abril, mais dois mortos, da CART 1661… O ambiente é de consternação e apreensão, a escassos seis ou meses do fim da comissão. “Hoje ainda se encontram cá as duas urnas chumbadas com os meus colegas, e ontem foi a enterrar o Soldado ‘Samba’ do Pel Caç Nat 54. Os feridos mais graves foram evacuados para Bissau” (12/4/1968, Enxalé / Porto Gole, pp. 140-142).

(Continua)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

10 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças) (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 2 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2148: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

(...) Para a história do famigerado granadero que se vê no Post 2001. Aqui vão duas fotografias do mesmo que tirei no Enxalé. É uma GMC que foi transformada por pessoal da CCAÇ 1439, uma unidade de Madeirenses, que ali esteve até Abril de 1967 e foi substituida pela CART 1661 que passou a sede para Porto Gole em Dezembro de 1967, ficando o Enxalé apenas como destacamento.

A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole .

Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento.Desde a abertura de Bissá (que eu conheci bem e considero um erro catastrófico) em Abril de 1967 e até esta última data tiveram três viaturas inutilizadas, mais de vinte mortos e uns cinquenta feridos evacuados. Penso por isso que não andariam propriamente a jogar uns com os outros. (....)

Guiné 63/74 - P4857: ”PAIGC – Análise dos tipos de resistência , 2 - Resistência económica” - Páginas 25 a 28 (Magalhães Ribeiro)


1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Mansoa 1974:

Camaradas,

Para os interessados no conhecimento da documentação, hoje histórica, que circulava entre as hostes do PAIGC, nos anos 70, e constituíam peças da sua escassa bibliografia aplicada na filosofia da acção psicológica sobre os seus seguidores, apoiantes e outros interessados dou, nesta mensagem, término à publicação de um caderno prático utilizado nessa finalidade.

A publicação foi iniciada no poste - P4721 (capa e páginas 1 a 4), continuada nos postes – P4753 (páginas 5 a 9), P4799 (páginas 10 a 14), P4810 (páginas 15 a 19) e P4837 (páginas 20 a 24).

Neste, seguem-se as páginas 25, 26, 27 e 28, dum total de 28 páginas.

A qualidade de uma ou outra página não é das melhores.

O documento tem inscrito na capa os seguintes dizeres: ”PAIGC - ANÁLISE DOS TIPOS DE RESISTÊNCIA, 2 - Resistência económica, Aos camaradas participantes no seminário de quadros, realizado de 19 a 24 de Novembro de 1969, (Este texto é escrito a partir de uma gravação das palavras do secretário geral)”.






Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro

Documentos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

19 de Agosto de 2009 >

Guiné 64/74 - P4837: ”PAIGC – Análise dos tipos de resistência , 2 - Resistência económica” - Páginas 20 a 24 (Magalhães Ribeiro)


domingo, 23 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4856: Blogues da Nossa Blogosfera (18): Carlos Silva abre uma página sobre a CCAÇ 2381 no seu Blogue



1. Mensagem de Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71, com data de 21 de Agosto de 2009:

Amigos e Camaradas

Acabo de abrir a página sobre a CCaç 2381 de Buba com fotos da minha viagem em 2007.

http://carlosilva-guine.com/

http://carlosilva-guine.i9tc.com/index.php?option=com_content&task=view&id=107&Itemid=1

É só clicar nos links e depois navegar

Vejam e divulguem. Promovam o turismo de Saudade daquela terra.

Enviem fotos e textos

Um abraço
Carlos Silva

CCAÇ 2381 - Divisa: Os Maiorais - Pela Lei Pela Grei

Região de Quinara>Sector Buba, 13-03-2007 > Aldeamento Turístico "Gabi"> Bangalwos com 2 quartos propriedade de uma Senhora romena radicada na Guiné há 20 anos muito simpática tem arte de bem receber

© Foto ex-Fur Carlos Silva>CCaç 2548/Bat Caç 2879

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Vd. último poste da série de 24 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4574: Blogues da Nossa Blogosfera (17): Um raio de luz e fez-se luz (António Santos)

Guiné 63/74 - P4855: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (13): "Fábrica de heróis"


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 13ª estória:

Camaradas,

Este é mais um texto, ou ensaio, como queiram designá-lo, que eu fui buscar ao infindável “caixote do lixo” das minhas memórias.

"FÁBRICA DE HERÓIS"

Foram inúmeros os feitos de coragem protagonizados pelos nossos valentes militares, voluntariamente, de modo consciente ou instintivo, muito além do que o dever com a Pátria obriga, nos teatros de guerra em África, entre 1962 e 1975.

Muitos desses incríveis actos fazem arrepiar de espanto e amdiração, mesmo os mais inssensíveis a estas questões, já que, em muitos casos, a estes nossos Camaradas, tais "ousadias" lhes acarretou custos elevadíssimos às suas integridades físicas e psíquicas, quando não a privação da própria vida.

São muitos os Heróis constituídos da melhor cepa de Homens desta Lusa Pátria, que muito honraram e dignificaram, juntando mais um punhado de magníficas e impressionantes páginas na nossa já longa e eterna História de Portugal.

Nomeá-los a todos, aqui, seria de toda a justiça, mas como o rol é demasiado vasto, corria o risco de não os contemplar a todos.

Muitos desses Heróis foram, devida e merecidamente, referenciados, exaltados e premiados, com clareza e honestidade.

A estes que estão dignificados e perpetuados na minha memória e na dos portugueses que se dignam de o ser, nada mais tenho a acrescentar.

Outros Heróis houveram, no entanto, que se evidenciaram em feitos e actos exemplares de ousadia e valentia idênticos aos dos primeiros, que por várias razões e motivos, foram completamente omissos e, ou, ostracizados. A estes só acrescento que é triste e lamentável!

Mas além destes Heróis, houve ainda uma “classe” de “heróis” inventados em gabinetes, que devido a pequenos e, ou, insignificantes actos, devido a lamentáveis, estranhas e maquiavélicas estratégias políticas, e, ou, militares, viram essas acções serem empoladas ao mais alto grau, desonesta, inadmissível e vergonhosamente.

Esta abordagem não teria qualquer justificação de existência e sustento, se eu não fosse testemunha viva por, infelizmente, ter observado e vivido alguns desses casos de “fabricação de heróis”, alguns à força, sem qualquer culpa formada.

Camaradas que fique desde já assente e óbvio, que não pretendo com estas alegações beliscar ou desonrar as virtudes dos nossos camaradas falecidos em combate. Pretendo sim denunciar, desmontar e desmistificar a falsa e tenebrosa teoria da "Ideologia, Propaganda e Construção de Heróis Fabricados em Gabinetes", muito em voga então, em alguns sectores específicos do nosso Exército.

No meu tempo, em Aldeia Formosa, havia um oficial muito conhecido na nossa “praça”, que gostava de ser “patrão” de tão repugnante fabrico.

Não havia relatório de operação, patrulha, ou outra qualquer acção militar digna de registo no papel, que lhe chegasse às mãos, onde o mesmo não tentasse descobrir (inventar), um relevo desmedido nos actos descritos nos mesmos.

Este oficial, de patente elevada com basta formação académica e militar, deveria saber, em primeiro lugar, que um Herói quer ocasionalmente (por reacção espontânea em condições adversas), quer por instinto natural, é guiado por ideais nobres e altruístas, em nome de qualidades e valores como justiça, coragem, lealdade, valor, valentia, fraternidade, sacrifício e moral.

A maioria de nós, procurava apenas a sobrevivência, o importante era sair da guerra com vida, sem mazelas físicas (já nos bastavam para toda a vida as psíquicas) e com a comissão cumprida, por isso e para maximizar essas possibilidades, não podíamos ser dados a grandes feitos de heroísmo.

Para heroísmo já bastava andarmos lá, a correr sérios riscos de vida.

Para mim todos fomos Heróis de uma forma ou de outra.

Infelizmente houve camaradas nossos que pereceram no campo de batalha, aos quais foram prestadas escassas honras, por feitos distintos, valentia e heroísmo, tendo-se o seu desempenho reduzido ao simples facto de terem sido atingidos por acção de armadilhas e fogo IN.

Portugal na altura seguia uma política em relação ao Ultramar, que era contestada por todo o mundo civilizado, até pelos nossos tradicionais países aliados. Por isso, e para sossegar as hostes nacionais, foi criada esse estratagema da “Fábrica de Heróis”, que assentava nos seguintes princípios básicos:

"OS HERÓIS NACIONAIS SÃO USADOS COMO SÍMBOLOS PARA FORTALECER SEU POVO; TORNAR O PAÍS SOBERANO, EDIFICAR E SOLIDIFICAR A CULTURA E POR ÚLTIMO ELEVAR A AUTO ESTIMA DAS PESSOAS".

Para complementar “isto” foram criadas as nossas bem conhecidas cerimónias do 10 de Junho, datas em que se condecoravam os Heróis Nacionais.

Quase todos nós conhecemos casos de Camaradas nossos, que recusaram medalhas (por exemploCruzes de Guerra), por acharem honrosa e honestamente que o desempenho e os factos que lhes eram atribuídos não eram merecedores de tais honras.

Conheço um caso que pela sua originalidade e postura aqui vos apresento:

Num dos muitos confrontos com o IN, o militar em questão foi ferido e, em consequência, foi louvado pelo seu comandante.

Mais tarde, seguindo os habituais trâmites, esse louvor foi transmitido ao comandante do Batalhão do Sector, de onde transitou para o Chefe do Estado Maior do Exército da Região de Évora, que lhe conferiu uma “Cruz de Guerra de 2.ª Classe”.

Interessante é que o dito militar já nem se encontrava nas fileiras do exército. Por isso, e por não concordar com atribuição da mesma, não compareceu nas cerimónias do 10 de Junho, em Évora, no ano de 1972, alegando, para justificar a sua não comparência, a sua ausência do País (para quem não sabe, se ele não tivesse justificado, e muito bem essa falta, teria a PIDE a questioná-lo sobre a verdadeira razão da sua falta).

Esta é uma prova indiscutível de que nem todos nós concordávamos com a “Fábrica de Heróis”.
Felizmente e a favor dos verdadeiros Heróis, digo eu!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P4854: Estórias do Juvenal Amado (21): O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, dia 20 de Agosto

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 22 de Agosto de 2009:

Caros Carlos, Luís, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande.

A coisas têm o valor que lhes damos em certa altura das nossas vidas.
A feira de S. Bernardo era aguardada por mim ansiosamente todos os anos. Numa vila pequena sem grandes divertimentos, era esse evento aproveitado para nos divertirmos e gozarmos de alguma liberdade junto do sexo oposto. Os pais fechavam os olhos às voltinhas de carrossel, ou mesmo nos carrinhos de choque a dois.

Enfim coisas que fariam rir às gargalhadas os miúdos e miúdas de hoje, que até nesse ponto não fazem ideia o que a sua liberdade custou a conquistar.

A feira começa a 20 de Agosto e dura uma semana.

Quem estiver interessado, é naturalmente bem-vindo.

Um abraço
Juvenal Amado


O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, 20 Agosto

No posto acabei de render o Pinto, que se deitou de imediato na cama improvisada do mesmo, adormecendo de seguida. Não sei se ele já não estava meio adormecido quando o rendi.

São 2 horas e 15 minutos, olho a mata sombria para além do campo de futebol. O gerador envia aquela luz que dá para ver pouco mais de meio do campo.

O Lourenço é o outro camarada de serviço, render-me-á às 4, somos obrigados a permanecer todos no posto. O lion-brand arde junto a eles para afugentar os mosquitos.

Levantei-me todo encharcado de suor, mas agora tenho frio, saio do posto para desentorpecer as pernas.
Penso na notícia dada pela a rádio e a saudação do locutor de seviço (PIFAS) a todos os combatentes de Alcobaça, espalhados pela Guiné. As suas palavras sobre a alegria a rodos na abertura da feira anual de S. Bernardo, tiveram o efeito de acirrar as saudades.
A guerra era tão longe, só quem lá tinha os seus, se distanciava dos festejos.

“Mais uma corriiiiiiiiiida mais uma viaaaaagem”

“ Esta é para a menina do casaco amaaareelo”

“Tomem os seus lugares e não descer nem subir do carrossel em movimento”

Gritavam os feirantes pelo som distorcido dos altifalantes de corneta.

Os garotos faziam birra para andar em tudo.

O barulho de ensurdecer dos geradores dos carrosséis, pistas de carros, das motas no poço da morte.

As barracas de tiro. “ Oh simpático não vai um tirinho?” As espingardas de pressão de ar com as miras completamente desalinhadas, não se acertava no alvos a dois metros. Mas o que a malta lá ia fazer, era meter-se com as funcionárias de ar duvidoso das ditas, queríamos lá saber dos “tirinhos”

As farturas e os namoricos.

Com os olhos em brasa procurava o olhar de uma em especial não importava que tivesse a família toda a acompanhá-la. Se ela retribuisse o olhar, eu não dormiria nessa noite.

Faço concha com a mão e tapando com o casaco camuflado, acendo um cigarro. Tento espantar o sono.

Por volta das 10 horas tinha sido atacado Cancolim ou outro destacamento na mesma direcção.

Há uns meses Cancolim foi atacado perto da hora de jantar. A Maria Turra tinha dito na rádio do PAIGC que os seus combatentes tinham esperado que a malta acabasse de jogar à bola para depois atacar. Era a acção psicológica deles a actuar.

Os pensamentos baralham-se, não vejo hora de ser rendido pelo Lourenço pira.

Finalmente chamo:

- Lourenço, oh Lourenço está na tua hora. Acorda lá porra.

Deito-me e parece que nem adormeci o Lourenço chama-me, já é dia ainda fosco.

- Oh Amado, não queres ver uma puta de uma perdiz, que está poisada no arame farpado mesmo à minha frente. Só pode estar a gozar comigo -acrescenta.

Caçador inveterado, agarra numa pedra e sem qualquer convicção, atira-a na direcção do pássaro.

Para surpresa dele e minha, acerta no papo da ave que cai para trás. Ficámos incrédulos, não acreditando no que tinha acontecido, a ave aproveitou para meio cambaleante fugir dali para fora.

O Lourenço só dizia:

- E deixei-a fugir e deixei-a fugir f………..

Foi a rir que acabámos a noite de reforço.

Voltando à feira, já lá não vou há mais de dez anos.
Em memória daquela noite, tenho que lá fazer uma visita.

Juvenal Amado

Vinho de palma bem fresco de manhã. O pior era umas horas depois.

A ferrugem antes da partida para o Xime

Juvenal Amado na Parada de Galomaro

Fotos: Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

sábado, 22 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4853: Dando a mão à palmatória (23): Verdadeira causa da morte de três camaradas açorianos da CCAÇ 2444 (Carlos Cordeiro/Carlos Vinhal)

1. Mensagem de Carlos Cordeiro (*) com data de 21 de Agosto de 2009, enviada ao nosso Blogue:

Exmo. Senhor
Carlos Vinhal
Editor do mês do blogue

Por poder ser do vosso interesse, envio o link do jornal "Correio dos Açores" num artigo de homenagem à memória de três militares açorianos mortos em combate em 6 de de Fevereiro de 1969 (que contradiz o post 2819 sobre as circunstâncias da morte daqueles militares): http://www.correiodosacores.net/view.php?id=18945&poll=11&resposta=2.

A companhia era a 2444, mobilizada pelo BII18.

Como assíduo leitor do vosso blogue, saúdo-vos pelo vosso excelente trabalho.

Com os meus cordiais cumprimentos,
Carlos Cordeiro


2. No mesmo dia foi enviada resposta a este nosso leitor

Caro senhor Carlos Cordeiro
Desculpe não retribuir o Exmo. Senhor que julgo ser dispensável.

Agradeço o link que teve a amabilidade de me enviar.

Consultando a pág. 423 referente ao camarada José Bento Veiro; pág. 427 referente ao camarada Manuel Carreiro e pag. 429 referente ao camarada Manuel Costa Almeida do Livro I - Guiné - Tomo II - 8.º Volume - Mortos em Campanha, confirma-se a morte deles em combate na estrada Cacheu-Bachile, em emboscada do dia 6 de Fevereiro de 1969.

Pedi já a devida autorização ao meu camarada Coronel Marques Lopes, responsável pelo post 2819, para se proceder à devida correcção.

Julgo ser açoriano, pelo que peço que aceite na sua pessoa a minha homenagem a todos os açorianos, valente povo ilhéu que eu admiro muito mais desde que vos visitei há relativamente pouco tempo.

Permita que lhe deixe um abraço,

Carlos Vinhal
Ex-Fur-Mil
CART 2732 (madeirense)
Guiné 1970/72


3. No poste > Guiné 63/74 - P2819: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (4): 1968-1973 (Fim) (A. Marques Lopes), pode ler-se:

Aqueles que nem no caixão regressaram - Parte IV (Final)

(Organização por ordem cronológica da data de morte: A. Marques Lopes, Cor DFA, Ref) (Continuação) (2)

[...]
José Bento Pacheco Aveiro, Soldado / CCaç 2444 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / Nordeste, São Miguel, Açores / Corpo não recuperado.
[...]
Manuel Amaral Carreiro, Furriel / CCaç 2444 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / São José, Ponta delgada, Açores / Corpo não recuperado.
[...]
Manuel dos Santos Costa Almeida, Soldado / CCaç 2444 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / Arrifes, Ponta Delgada, Açores /Corpo não recuperado.
[...]


4. Dando a mão à palmatória e depois de consultado o Livro 1 - Guiné - Tomo II do 8.º Volume - Mortos em Camapanha da Resenha Historico-Militar das Campanhas de África - Edição do Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), aqui fica a verdade acerca da morte destes três malogrados camaradas:

Nome: José Bento Pacheco Aveiro
Posto: Soldado Atirador
Unidade: CCAÇ 2444
Unid Mobilizadora: BII18 - Ponta Delgada
Estado civil: Casado
Freguesia: Achadinha
Concelho: Nordeste - S. Miguel - Açores
Local de Operações: Na estrada Cacheu-Bachile
Local da sepultura: Cemitério Municipal de Nossa Senhora da Estrela - Ribeira Grande

Nome: Manuel Amaral Carreiro
Posto: Furriel Miliciano
Unidade: CCAÇ 2444
Unid Mobilizadora: BII18 - Ponta Delgada
Estado civil: Solteiro
Freguesia: S. José
Concelho: Ponta Delgada - Açores
Local de Operações: Na estrada Cacheu-Bachile
Local da sepultura: Cemitério Municipal de S. Joaquim - Ponta Delgada

Nome: Manuel dos Santos Costa Almeida
Posto: Soldado Atirador
Unidade: CCAÇ 2444
Unid Mobilizadora: BII18 - Ponta Delgada
Estado civil: Solteiro
Freguesia: Arrifes
Concelho: Ponta Delgada - Açores
Local de Operações: Na estrada Cacheu-Bachile
Local da sepultura: Cemitério de Arrifes
__________

Notas de CV:

(*) Carlos Carneiro, ex-combatente em Angola, é professor de História Contemporânea em Ponta Delgada e é irmão do malogrado Cap Pára-quedista João Manuel da Costa Cordeiro da CCP 123 (**). É um leitor atento do nosso Blogue.

(**) Sobre o Cap Pára João Cordeiro, Vd. postes de:

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4216: Comentários que merecem ser postes (4): Homenagem à memória do Capitão Pára-quedista João Costa Cordeiro (João Seabra)

16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)

17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4700: Meu pai, meu velho, meu camarada (7): Cap Pára João Costa Cordeiro: Um homem de carácter (António Santos / Carlos Matos Gomes)

17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4703: Meu pai, meu velho, meu camarada (8): Sobre o Capitão-Pára João Costa Cordeiro (Manuel Peredo)

18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4705: Meu pai, meu velho, meu camarada (9): Testemunho do Coronel Pára Sílvio Araújo sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (João Seabra)

18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4706: Meu pai, meu velho, meu camarada (10): Depoimento e fotos sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (Miguel Pessoa)

24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4731: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): Mensagem do filho do Cap-Pára João Costa Cordeiro (Pedro Miguel Pereira Cordeiro)

Vd. último poste da série Dando a mão à palmatória de 23 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4728: Dando a mão à palmatória (22): Nota Prévia em defesa do bom nome de Luís Rainha (Rui A. Ferreira)

Guiné 63/74 - P4852: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (10): “Em sentido não mexe!”



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 10ª estória, que faz parte do seu livro "Golpes de Mao's - Memórias de Guerra", que mais uma vez muito agradecemos, com data de 18 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:

Em sentido não mexe!

Esta é uma estória de sacanagem que há distância no tempo é recordada com um sorriso mas que podia ter acabado em tragédia!

Mas deixemos as considerações e vamos aos factos…


“Intimidades” entre militares e nativas obviamente que as houve.

Ignorá-las seria... ”tapar o sol com uma peneira”...

Com o Capitão Tomé Pinto presente «elas» teriam que ser muito bem feitas porque... senão... não!

Com o nosso Capitão no «quartel» não havia «baldas».

Com o «patrão fora» a situação mudava um pouco de figura.

Houve militares que rapidamente se «africanizaram», aprenderam umas palavras de dialectos nativos e conseguiram «comunicação» mais fácil.

Outros ainda tornaram-se exímios dançarinos e nos batuques «estreitaram» mais facilmente relações.

Malta de vinte e poucos anos, nativas pouco vestidas e... o calor dos trópicos... dá (dava) uma mistura explosiva...

Houve intimidades de que não são conhecidos problemas ou efeitos secundários.


Até que um dia se registou a excepção… e a bronca… que, por mérito e sangue frio do protagonista desnudo , só deu bronquite!

A situação – complicada - terá acontecida com um militar de primeiro nome Artur... que foi surpreendido em trajes (muito) menores pelo marido de uma nativa numa fase de
adiantada intimidade...

Para aumentar a delicadeza do momento haverá que referir que o marido “enganado”era soldado das milícias e chegou à tabanca mais cedo do que o esperado.

A patrulha fora rápida e sem problemas.

Desceu do Unimog e caminhou para a sua morança com a espingarda «Mauser» ao ombro! E entrou sem bater à porta…

O militar de nome Artur – perante a delicadeza do momento – puxou dos «galões» – da farda que então não vestia – e gritou para o soldado das milícias: «Sentido».

E... a ordem foi cumprida.

De imediato.

E... em «sentido» não mexe!

O militar de nome Artur pegou nas suas roupas e... ala que se faz tarde.

Foi um susto de morte.

A estória obviamente só veio a ser conhecido muito mais tarde.

E… após o regresso de Maio de 1966, nos primeiros convívios da malta da “675”… deu uns valentes gozos.

Se o militar de nome Artur não tem puxado das “divisas”, digo, dos “galões” as intimidades dessa tarde africana podiam ter acabado mal...

Efeitos secundários do «cagaço» não são conhecidos... sendo certo que a medicina ao longo dos tempos evoluiu muito…

A disfunção sexual tem nos dias de hoje muitas panaceias.

O ex-militar Artur diz que desses tempos tem muitas saudades.

Havia coisas que se punham facilmente em “sentido”!

Do cagaço de então ficou-lhe uma tosse seca - tipo bronquite - que, apesar de tantos anos passados, faz todo o “sentido”!

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4851: Parabéns a você (21): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Os Editores)

No dia 22 de Agosto do ano da graça de 2009, faz anos o nosso camarada José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav que comandou o Pel Rec Daimler 2206 que andou por Bambadinca e arredores nos anos de 1970/71/72. Boa parte da Tertúlia conhece o camarada Vacas de Carvalho desde o I Encontro da Tertúlia em Montemor-o-Novo, mais propriamente na Ameira. Daí para cá só faltou este ano, por uma boa causa familiar, felizmente. Granjeou grande simpatia pelo que se notou a sua ausência e a da sua viola. Onde estiver e se acompanhado de outros intrumentistas, que os temos e bons, há sempre bom fado. De acordo com os registos no blogue, pode-se ouvir várias letras adaptadas (atapetadas, como diria um amigo meu) à nossa experiência de vida na Guiné, acompanhadas pela música de conhecidos fados de Lisboa. Bonito de se ver. E então se forem cantados pelo vozeirão do nosso camarada Mexia Alves... Tem, Vacas de Carvalho, um sentido de humor apurado, prova provada a mensagem que se segue: Mensagem do J. L. Vacas de Carvalho, com data de 22 de Outubro de 2006: O que se passou na Ameira faz-me lembrar um ditado árabe que passo a escrever: ??????? ??????? ?? ?????? ?????? ??????. ???????? ???????? ? ??? ??? ?????? ???? ??????? ( ???? ????? ??? ??? ? ???? ?????? ? ??? ????? ?????????? ???? . ????? ?????????? ?????? ?????? ?? ????? ??????????? ????? ?? ?????? ????? ???? ?????????? ?? ???? ??????? ? ????? ??????? ?? ????? ?????. ???? ??????? ? ??????? ??? ??????? ?? ??? ???????? ???????? ??? ????? ?????????? ???????? . ??? ??????? ???? ?????? ??? ?????? ???? ??????? ( ???? ????? ?????????? ??? ????? ? ?????????????? Creio que isto nos assenta que nem uma luva. Pensem nisso... Um abraço Zé Luis Ao nosso aniversariante de hoje, deixamos os mais sinceros votos de que este dia se repita mais umas vezitas, poucas, talvez umas 40, para não pedir muito, cheios de boa disposição, para tirar da viola aqueles sons tão portugueses do Fado de Lisboa. Que pela vida fora esteja sempre acompanhado por quem mais o ame, seja familia ou amigos, entre os quais nos consideramos. Fotos ao acaso: O Alf Mil Cav J. L. Vacas de Carvalho, comandante do Pel Daimler 2206 (Bambadinca, 1970/72). Era (é), além de um companheirão, um exímio cantor de fado e tocador de viola... (LG)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > Coluna logística ao Xitole... Pessoal em cima de um Daimler, do Pel Rec Daimler 2206 (Bambadinca, 1970/71). Da esquerda para a direita: O Fur Mil Op Esp Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o Alf Mil Cav Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206, o Fur Mil Enf Godinho (CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72) e, por fim, o Fur Mil At Inf T. Roda (CCAÇ 12)

Fão, Esposende > 1994 > Encontro da malta de Bambadinca (1968/71): CCS do BCAÇ 2852 (1969/71), CCAÇ 12 (1969/71), Pel Daimler 2206 (1970/71) e outras unidades adidas. Na foto, da esquerda para a direita, o Reis, o Sousa, o Carlão e o Vacas de Carvalho. Fotos: © Humberto Reis (2006) Direitos Reservados

Guiné-Bissau > Zona Leste > Estrada Xime - Bambadinca > Carreira de tiro > 1971 > O Alf Mil Cav José Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Daimler 2206, foi também instrutor de tiro de "duas ou três companhias de milícias", numa altura em que aumentava a escalada da guerra e se intensificava o esforço de africanização das NT. "Eu estou atrás do General Spínola. Ao meu lado direito está (parece-me) o Fabião e logo a seguir o Polidoro Monteiro. E atrás, de óculos escuros, parece-me ser o Tomé". Foto: © J.L. Vacas de Carvalho (2006) Direitos reservados

10 de JUNHO de 2009, DIA DE PORTUGAL > Encontro Nacional de Combatentes, em Belém, junto ao Forte de Bom Sucesso > Vacas de Carvalho à direita da foto. O Jorge Cabral cercado pela PE. Foto: © Mário Fotas (2009). Direitos reservados

Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande > O Mário Fitas e o J. L. Vacas de Carvalho (uma família que mandou, pelo menos, três dos seus homens para a guerra. Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados

Ameira, 2006 > Vacas de Carvalho dedilha a sua viola sob o olhar e ouvidos atentos dos circunstantes.

Pombal, 2007 > Vacas de Carvalho em conversa com alguns camaradas

Monte Real, 2008 > Vacas de Carvalho e David Guimarães acompanham Mexia Alves
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 Notas de CV: 

Sobre J.L. Vacas de Carvalho, vd. postes de:










sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4850: Os bu... rakos em que vivemos (14): O meu abrigo em Mampatá (Zé Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira, (*), ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 20 de Agosto de 2009:

Camaradas.
Agora que está a chegar o fim das férias, fui buscar ao "meu diário" mais um texto para a nossa estória de combatentes.

Fraterno abraço para todos
José Teixeira

Mampatá 1968 > O meu abrigo


O BU… RAKO EM QUE CAÍ

Do “meu Diário

Setembro, 1968 /Mampatá / 20


Estou a escrever sentado num tosco banco de três pernas, de fabrico artesanal, que me foi oferecido pelo Aliu Baldé, o Chefe de Tabanca, nos primeiros dias em que cá cheguei.

Estou debruçado sobre uma mesa engendrada por algum habilidoso, que por aqui passou. Quatro paus espetados na terra, com a parte superior em forma bifurcada, onde assentam outros dois na horizontal. Por cima, duas tábuas, eis uma escrivaninha à maneira.

A meu lado, uma candeia improvisada, dá uma ténue luz, a suficiente para iluminar este buraco de cerca de três por quatro metros. Uma garrafa de cerveja cheia de gasóleo, um furo na cápsula e uma gaze a fazer de torcida. Esta é a luz que nos alumia nesta habitação/abrigo subterrâneo, cujo tecto é construído com troncos de palmeira, sobrepostos com terra e chapa alongada de bidons de combustível e por cima chapas de zinco. Habitáculo de sapos, sardões, formigas, camaleões e cobras, possivelmente.

Ainda há dias, na Chamarra, um camarada, quando à noite, se dirigiu ao abrigo e se foi deitar, deparou com uma companhia inusitada a mexer-se por debaixo dele. Tinha como companheira de cama uma cobra que dormia o seu repousante soninho, protegida pela capa de oleado que usamos quando saímos em tempo de chuva. Felizmente, a capa que servia de lençol foi a sorte do camarada e o azar da bichinha que ali mesmo perdeu a vida.

No chão deste apartamento estão três colchões pneumáticos onde repousam dois corpos jovens cheios de vida e esperança no futuro. O terceiro é a minha cama. Já temos madeira para engendrar umas camas que terão de ser baixinhas para não darmos com a cabeça no tecto.

É o local de esperança para onde toda a gente corre quando se ouvem sinais da presença do inimigo. Longe ou perto, as nossas almas ficam em sintonia com os que estão a embrulhar. Surgem comentários e palpites. Uns reflectem esperança, outros, pessimismo e desânimo.

E... há um respirar fundo, quando volta o silêncio, sinal de que a contenda acabou.

Aqui funciona o posto de rádio de Mampatá. Eu como enfermeiro estou aqui por empréstimo. Permite-nos saber, rapidamente, onde há camaradas em perigo nas tabancas que estão a ser atacadas. Sobretudo estamos atentos à relação vida e morte, isto é, se há apelos, se há feridos, se há mortos.

A experiência e o conhecimento do terreno vão-nos dizendo, rapidamente, onde está a acontecer a festa.

É daqui que partem as nossas informações de apreensão e apelo ou de bem estar, que também existe felizmente, quando somos atacados nesta pequenina tabanca de Mampatá.

Felizmente neste momento, apenas uma roufenha telefonia deixa escapar uma linda e suave canção da Helena Tavares que tem um título bem sugestivo – "Adeus".

Ontem, por esta hora, estavam os camaradas Gandembel e talvez Cacine ou Gadamael a ouvirem outro tipo de música. A que nos faz correr para o local mais próximo onde haja expectativa de alguma segurança, ou de G3 na mão, vamos defender a vida. A nossa, a dos nossos camaradas e a da população que nos rodeia e em nós confia.

Zé Teixeira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste 14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 – P4819: Estórias do Zé Teixeira (36): Mataram o futuro (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4632: Os bu... rakos em que vivemos (13): Sare Banda um dos bu…rakos em que morremos! (A. Marques Lopes)