quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5140: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (13): Mistura 79 ou quando tive que mandar o Manel a Moricanhe...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > CART 2339 (1968/69) > Inícios de 1968 (Jan/Abr) > O Alf Mil Torcato Mendonça, com o seu inseparável cachimbo, alimentado com a famosa "mistura 79", comprada numa tabacaria dos Restauradores. Na cabeça, um típico gorro árabe... Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > 1969 > O Torcato Mendonça jogando pingue-pongue com um outro camarada (Alf Mil Rodrigues ?) no famoso bu...rako de abrigo do 4º Gr Comb). O Torcato e o seu grupo de combate, o 2º, viedram para Mansambo em Maio de 1968, para construir de raíz o novo aquartelamento. Aqui viveu, lutou e sofrei até Novembro de 1968. Na altura (até Junho de 1968) em Bambadinca, estava sediado o BART 1904, que virá depois ser substituído pelo BCAÇ 2852 (1968/70). Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados 1. Mensagem do Torcato Mendonça (Fundão): Assunto - Outono Caro Carlos e Editores Chove lá fora. Chuva de Outono e frio de Inverno (dizem-me que na Estrela já neva). Assim sendo fui teclando. Devia ter teclado o que por aí há. Não convém. O computas novo borregou. Isto dos novos é sempre um problema. O velho, com maleitas piores que o dono, vai gemendo, protestando...´mas lá responde...lenta, lentamente. Espero que a garantia funcione e o novo seja o que dele disseram. Enfim! Pois lembrei-me do meu cachimbo, ainda vivo mas só a fornalha, e escrevi esta velha recordação sobre um amigo com mais de cinquenta anos. Coisas de velhos amigos ou amigos velhos e podes ter a certeza que são sempre bons. Isto apesar de aparecerem novos com a força da amizade e que vale a pena, mas vale mesmo, cultivar e respeitar. Pára aí, ooh teclador...como há tanto tempo nada mandava, como enviei um mail dirigido a vós e a pensar "no muro de Jerusalém", aqui vai. Isto está mais suave. Talvez a sofrer a influencia dos Gatos...tudo bem. Depois, se tiveres tempo,diz se aí chegou. Não confio no...nada mais digo pois se ele se zanga... Um abração Torcato 2. Estórias de Mansambo II (*) > Mistura 79 por Torcato Mendonça Após o jantar, sentei-me numa daquelas cadeiras fulas esperando a noite ou o nada. Fazer o quê no meio do vazio. Esperava para não desesperar. A noite desceu rápida deformando, apagando as formas, os vultos, à medida que a escuridão aumentava, dos que por ali ficaram conversando. Falavam e riam. Riam pouco apesar da sua juventude, mas ainda riam nestes poucos meses de comissão, ainda se ria. Eu fumava cachimbo, desgastando quer o tempo quer a minha já diminuta reserva de Mistura 79. Ainda durava em poupança cada vez maior à medida que o fundo da lata se aproximava. Lisboa e os Restauradores tão longe, tão longe, tão diferente a vida lá e eu ali entrando em mais uma noite. Certamente o pensamento voava para o meu País, para as suas gentes, os amores breves ou longos, os amigos ou só a recordação da vida, da minha vida interrompida pelo chamamento de uma pátria que diziam ser minha e de mim precisava. Parei então tudo. Aos poucos fui sendo outro, tão diferente do original, do jovem de antes do chamamento da pátria, aos poucos, sem por isso dar, fiquei tão longe de mim. Hoje, pouco desse mim restava. Talvez, quase uma certeza, ser ainda esse pouco o que voava em pensamento para os amores, os amigos em recordação longínqua e, contudo, tão pouco tempo se tinha passado mas, cada vez mais, era recordação difusa, recordação a afastar-se de mim, deste novo eu em conflito ainda entre o outrora e o hoje. Ali estava sentado cachimbando, pensando, esperando a noite e, para animar, a sentir as picadelas de um mosquito e a seguir outro nos tornozelos ou no tronco e eu enxotava, enxotava só. Talvez esse gesto de só enxotar, levasse os meus fantasmas, os meus pesadelos e as minhas raivas para longe de mim nas asas da mosquitada. E a noite ia entrando as vozes dos camaradas a serem cada vez menos. De repente de forma brusca, brutal, inesperada o som do ataque. Sons de rebentamentos e tiros a chegarem como um ruído em espiral de som. - É a Moricanhe (**) a embrulhar. A voz veio de um dos furriéis ali sentados. Olhei os ponteiros luminosos do relógio, fixei a hora e chamei o militar das transmissões. Quase desnecessário porque todos sabiam o que tinham a fazer. Aquilo era uma máquina e todos nós meras peças dela. Se alguma se avariava era de pronto substituída. As outras peças choravam então em silêncio e raiva. Nada mais. Num silêncio similar ao vivido agora, esperando, somente esperando, o fim do ataque à Tabanca a meia dúzia de quilómetros dali. Estava lá o Pelotão de Milícia 145. Tempos antes tínhamos sofrido lá o primeiro morto da Companhia, o enfermeiro Fernando. - Meu alferes, Bambadinca pergunta onde é o ataque. - Diz em claro: Moricanhe. Que merda. Então estava lá o comandante da companhia e outros militares e não viam na carta. Certamente ficaram lixados por deixarem outras cartas. Foi isso, foi isso e foi aborrecido, foi e logo quando algum tinha bom jogo. Foi-se. - Nova mensagem: Bambadinca diz para irem lá amanhã. - Diz que sim e que o ataque já acabou. Agora um oficial vai pôr, na Carta, mais um alfinete na Moricanhe, escreve breves palavras no Impresso das flagelações e rapidamente volta a aconchegar os cotovelos no pano verde. Talvez vá antes ao bar beber um uísque com muito gelo. Má-língua e logo sobre o Batalhão 1904. Mau feitio o meu, mas bebia um uísque agora. Prefiro puro. Agora ia com gelo, muito gelo e Pérrier ou Vichy. Bolas onde há disso aqui, neste buraco? Água da fonte, cerveja e fanta quentes, vinho marado e ainda a coca-cola. Os do meu País só a bebiam em Espanha, a coca-cola claro. - Chama o Manel. - Estou aqui. - Vamos conversar um pouco. - Manel… A voz saiu atabalhoada e limpei a garganta. - Não te atrapalhes, porque já sei: amanhã vou à Moricanhe. - A garganta é do tabaco. Pois tens que ir lá. Vai preparar a malta. Eu vou á Tabanca falar com o Leonardo Baldé (***). É melhor não ir pela picada. Os picadores conhecem bem o trilho. Palmada dupla nas costas e um até amanhã. Fiquei um pouco a pensar, a sentir o mau estar causado pela ordem dada. Conhecíamo-nos há tanto tempo, nove, dez anos ou mais, lá pelo Liceu no sexto ou sétimo ano e depois em Évora no RAL 3, muito antes da mobilização. Tantas farras juntos. Amizade forte e agora eu dizia: - Manel, vais à Moricanhe. Era bom condutor de homens, o Manel. Nomeado para uma Cruz de Guerra que, indecentemente, não recebeu (****). Mas isso foi já a terminar a comissão. Para depois… Isto de dar ordens tem, por vezes, um sentimento estranho. Diabos! Falei com o Leonardo e acordámos tudo rapidamente. Depois falámos um pouco mais e ele foi informando. O velho Leonardo tinha razão. A tropa estava mal distribuída naquela zona. Do Batalhão pouco havia a esperar e a nossa Companhia era pau para toda a obra. O IN assim estava bem. Ainda o sol não se levantara e já o som, som leve, dos homens do 1º Grupo da [CART]2339 se fazia sentir. Eu com os picadores olhava e íamos trocando umas palavras. O Manuel à frente do Grupo aproximou-se. Paragem breve e rápida despedida. Picadores à frente e a Moricanhe era o destino. O pessoal já andava pelo aquartelamento e eu volteei por um lado e outro, ouvido à escuta. Parte de mim ia com eles num sentimento natural. Talvez só se sinta na guerra, nas situações de perigo. Talvez não só e dependa de cada um. Mas esperava e lembrava os obuses já prometidos, a falta de militares ali na construção do aquartelamento. Só ficaram dois grupos e alguns não operacionais – condutores, cozinheiros e outros assim. Um grupo estava em diligência algures às ordens do Batalhão, o outro devia estar de volta com a coluna de abastecimentos e material. O Comando, secretaria e outros, estavam em Bambadinca. Instalações mais condizentes com a protecção de papelada, os altos pensamentos da coordenação militar e a condição de serem profissionais. Nem todos, nem todos. O dia foi passando. Primeiro chegou a coluna com o reabastecimento, material e o correio. Quase ao mesmo tempo uma mensagem a dizer que na Moricanhe tudo estava bem e iam regressar. Esperava. Com o sol já a pique fui alertado pela chegada deles. Ia-os vendo passar, rostos duros, um leve sorriso e um aceno de quando em vez. O Manel aproximou-se com o riso que só ele ainda hoje, quarenta anos depois, sabe dar. - Está tudo bem e também não tivemos qualquer problema. - Pronto. Vai descansar e escreve um pequeno relatório. Depois falamos. - Escrevo, eu? - Claro, não és professor ?!... Afastou-se rindo e eu senti-me mais aliviado. __________ Notas de L.G.: (*) Vd. postes anteriores desta série: 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3474: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): De Évora a Mansambo... 28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3538: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CArt 2339) (6): De Évora a Mansambo...instrução, viagem...Adeus ao meu País. 29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá 4 de Junho de 2009 Guiné 63/74 - P4459: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mussá Ieró, tabanca fula em autodefesa, destruída em 24/11/68 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4618: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Cansamba, subsector de Galomaro, 1 de Agosto de 1969 3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4633: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Bafatá, Amor e Ódio 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4683: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Cansamba II, o Serra e o Burro 11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4809: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): Fá Mandinga, o único sítio onde tive direito ao luxo de um quarto (**) Destacamento de milícias e aldeia fula em autodefesa, a norte de Mansambo, do lado direito da estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole. Será abandonado e meados de 1969 (takvez Julho), por decisão do comando do BCAÇ 2852. (***) Chefe do grupo de picadores e guias que residiam, com as suas famílias, em Mansambo, dentro do "campo fortificado"... O Leonardo tinha vindode Bissau e era um elemento da inteira confiança do Alf Mil Art Torcato Mendonça. (****) Embora o Torcato não goste de identificar as personagens das suas estórias, trata-se do Fur Mil Manuel Mantinhas, natural de Évora, professor primário, que na prática, e na ausência do alferes, comandava então o 1º Grupo de Comnbate. Estudaram juntos no liceu (em Beja), encontraram-se na tropa no RAL 3, em Évora, eram amigos e continuaram amigos pela vida fora... O Manuel devia ter cebido uma cruz de guerra, pela defesa de Candamã, em Julho de 1969, diz o seu amigo Torcato. Continuam a visitar-se, agora um bocado mais velhos e mais surdos... (Inconfidências do José, ao telefone).

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5139: Notas de leitura (30): Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, de Saturnino Monteiro (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2009:

Caríssimo Carlos,
Aqui vai a recensão possível dos factos heróicos da Armada, envolvendo Alpoim Calvão.

Enfronhado no quase final do meu livro “Mulher Grande”, voltei à biblioteca da Sociedade de Geografia para consultar pacientemente o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa entre 1952 e 1962, época em que a minha heroína viveu na Guiné. Foi uma agradável surpresa encontrar no número de Janeiro de 1954 um artigo intitulado “Breves notas da razão de ser, objectivos e processo de execução do recenseamento agrícola da Guiné” assinado por Maria Helena Cabral e Amílcar Lopes Cabral*.
É uma bela peça de concisão e inteligência, a ver se os envio uma curta notícia.
A minha heroína conviveu com eles, apreciava muito a cultura e fulgor do Amílcar, um homem que nas noites paradas de Bissorã, no início dos anos 50, falava de Alexandre Dumas, Miguel Torga, Stendhal e Unamuno.

Um abraço do Mário


As operações no rio Inxanche, em 1964, 1969 e 1970
Por Beja Santos

O capitão-de-mar-e-guerra Armando da Silva Saturnino Monteiro, membro emérito da Academia de Marinha escreveu “Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa” em oito volumes (Livraria Sá da Costa Editora, 1997). No oitavo volume, que abarca acontecimentos entre 1808 e 1970, o historiador aborda duas operações de alto risco no rio Inxanche (fronteira da Guiné-Conacri) que envolveram a Armada, e que obtiveram o sucesso esperado, em 1964 e 1969.

Saturnino Monteiro descreve o equipamento da Armada na Guiné, desde o início das hostilidades: navio-hidrográfico Pedro Nunes, várias LFG’s (lanchas de fiscalização grandes), LFP’s (lanchas de fiscalização pequenas), LDG’s (lanchas de desembarque grandes), LDM’s (lanchas de desembarque médias) e LDP’s (lanchas de desembarque pequenas). No teatro de operações, a Armada contava com algumas companhias de fuzileiros e destacamentos de fuzileiros especiais.

Os navios que efectuavam o transporte do material de guerra utilizado pelo PAIGC tinham sido quase todos capturados aos portugueses no início da subversão, eram de pequenas dimensões. Diz o autor que “Navegavam de Conacri para o norte ao longo da costa até à ilha Tristão, que contornavam por leste até alcançarem o rio Caraxe, do qual passavam para o Inxanche, o que lhes permitia chegar a Kadigné com a máxima segurança. Dali o material era transportado em canoas para as bases do PAIGC, situadas tanto no território da Guiné-Conacri como na Guiné portuguesa (ver mapa).

Logo em 1964, o Comando da Defesa Marítima procurou entravar ou interromper esse tráfego. Logo em Fevereiro desse ano, uma LDM, sob o comando do capitão-tenente Paulo da Costa Santos, penetrou no rio Camexibó, onde travou uma violenta acção de fogo e destruiu quatro canoas. Ficava-se a saber que o PAIGC encontrava-se fortemente implantado na zona. Coube ao primeiro-tenente Alpoim Calvão montar uma emboscada nas imediações de Kadigné a fim de capturar embarcações. No dia 20 de Abril de 1964, largou de Bissau uma força naval que transportou uma força de fuzileiros especiais, força essa que se manteve emboscada durante 33 dias. A lancha que transportava o grupo montou a emboscada no interior do Camexibó onde travou intenso tiroteio com as posições inimigas, tendo ficado gravemente ferido o subtenente Machado Oliveira. O general Arnaldo Shultz entendeu que não se devia repetir este tipo de operações para evitar conflitos internacionais.

Em 1969, Alpoim Calvão regressa à Guiné e insiste com o brigadeiro Spínola para que se retomassem as operações destinadas a capturar os navios que andavam ao serviço do PAIGC. Spínola acede à realização dessa operação. Alpoim Calvão planeou a operação “Nebulosa”, que se iniciou em 15 de Agosto de 1969: Calvão era acompanhado pelo segundo-tenente Rebordão de Brito, dois sargentos e dez fuzileiros especiais e levavam quatro botes de borracha. A 27, quando se aproximou um navio, mais tarde identificado como sendo o Patrice Lumumba, os botes de borracha saíram do esconderijo e foram ao seu encontro. Como tivesse havido reacção, a força comandada por Calvão atacou com granadas lacrimogéneas e tiros de G-3, a que se seguiu um breve combate corpo a corpo. A bordo encontravam-se 24 pessoas, entre as quais 3 elementos do PAIGC (um deles morto durante o assalto), que foram aprisionadas. O Patrice Lumumba, muito danificado, teve de ser abandonado.

Não acabaram por aqui as andanças no rio Inxanche. Em princípios de Março de 1970, chegou a Bissau a informação de que um elemento importante do PAIGC iria deixar Kadigné de regresso a Conacri, no dia 7. Calvão foi encarregado de planear a operação “Gata Brava”, destinada a interceptar o navio. Calvão, o segundo-tenente Barbieri e 6 fuzileiros especiais eram o contingente para o golpe de mão. Emboscaram-se no ilhéu Calebe (ver mapa), e ao anoitecer do dia 6 apareceu o navio Bandim. A força deslocou-se em dois botes em direcção ao navio, entretanto, da ilha portuguesa de Canefaque, controlado pelo PAIGC, fazia fogo uma metralhadora pesada. O Bandim foi atingido em cheio por uma granada bazuca, encalhou num esteiro, toda a gente que ia a bordo fugiu. No convés do Bandim encontravam-se 6 homens mortos. O Bandim foi destruído. Observa Saturnino Monteiro que a perda destes dois navios, em resultado das operações “Nebulosa” e “Gata Brava” forçosamente que afectou, pelo menos temporariamente, as forças do PAIGC. Pelo seu desempenho, Alpoim Calvão recebeu uma segunda Cruz de Guerra e foi agraciado com a Torre e Espada.

Saturnino Monteiro comenta detalhadamente a operação “Mar Verde” (22 de Novembro de 1970), que tem sido profusamente referida aqui no blogue, pelo que se considera não haver mais menção a fazer-lhe. Diz o autor que se deve chamar à atenção para o facto de que o ataque a Conacri foi a única operação realizada pela nossa armada desde a batalha do cabo de São Vicente (1833) com implicações de ordem estratégica, isto é, com possibilidade de alterar o curso da guerra. Foi também a última acção que os portugueses tiraram partido do domínio do mar para tentar ganhar uma guerra.

Resta dizer que o historiador Saturnino Monteiro se revela totalmente crítico pelo regime de Salazar ter empenhado meios militares na defesa da Guiné cujo teatro de operações, escreve ele, apresentava graves desvantagens no campo da acção psicológica: “Durante toda a guerra do Ultramar, o teatro de operações da Guiné foi um cancro que corroeu material e psicologicamente as Forças Armadas Portuguesas até as levar à desagregação e à derrota”.

Para se compreender o teatro de operações da “Nebulosa”, em que Alpoim Calvão e os seus homens se emboscaram no rio Inxanche, e aqui destruíram o Patrice Lumumba, em 27 de Agosto de 1969

Foi novamente no rio Inxanche que Alpoim Calvão e os seus fuzileiros afundaram, em 6 de Março de 1970, o Bandim num golpe de mão cujo sucesso só foi possível devido à coragem, audácia e determinação de todos os que participaram na operação “Gata Brava”

Este volume passa a ser propriedade do blogue.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5127: Historiografia da presença portuguesa (23): Aquela Guiné dos anos 50 (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5104: Notas de leitura (29): Um Amor em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos Duros de Nova Sintra (companhia que ainda não consegui identificar; deve ter ido render a CART 2711, 1970/72; terá sido a 2ª C/BART 6520/72, que esteve em Nova Sintra e Bissau, entre 23/6/72 e 21/8/74 ?) (*)... Repare-se no sentido de humor desta rapaziada... (L.G.)


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > Crachás das unidades que por ali passaram. Há uma CART 2711, que passou por aqui em 1970/72 , possivelmente depois da CCAV 2484 (Os Dragões de Jabadá, 1969/70, e cujo brasão me parece ser o da esquerda)... A CART 2711 / BART 2924 esteve todo o tempo em Nova Sintra (de 23/9/1970 a 16/9/1972); foi comandada pelo Cap Art Vasco Prego Rosado Durão (LG)...





Emblema da CCAV 2765

Guião do BART 2924



Fotos: © Herlander Simões (2007). Direitos reservados

Emblema e guião: © Carlos Coutinho. Direitos reservados


1.Mensagem do Ovídio Moreira (**)

Luís Graça:

O meu irmão, José dos Santos Moreira, [Fur Mil,] fez parte da CCAV 2483,
Cavaleiros de Nova Sintra, BCAV 2867 [, Comando e CCS em Tite]. Em 1969 feriu a tiro de G3 o Cap Médico do batalhão.

Regressou a Portugal em 28 de Dezembro de 1969. Teve baixa de serviço por incapacidade física em Março de 1970. Foi julgado no Tribunal Militar Territorial do Porto, em Novembro de 1973. Libertado depois do 25/4/74.

Por acaso teve conhecimento deste incidente ? (***)

Muitos cumpriementos

Ovídio Moreira
[Revisão / fixação de texto / Bold a cor: L. G.]
2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Ovídio, por nos revelar este episódio (dramático) que envolveu o seu irmão. De facto, não tinha conhecimento desse caso, embora ele tenha ocorrido muito provavelmente no meu tempo (estive em na zona leste, em Contuboel e depois Bambadinca, entre Junho de 1969 e Março de 1971, sou portanto contemporâneo da malta desse batalhão, o BCAV 2867, que esteve na região de Quínara, entre Fevereiro de 1969 a Dezembro de 1970).

Acabo de falar com um camarada, o Francisco Feio, que era 1º Cabo Mecânico, da CCAV 2484 (
Os Cavaleiros de Jabadá), e que tem sido o entusiástico organizador dos encontros anuais da companhia. Também já realizou alguns do batalhão (por exemplo, o deste ano, na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria).

Vive no concelho da Moita, em Alhos Vedros, está reformado da Lisnave (onde foi operário entre 1971 e 1996). É alentejano, natural de Albornoa, Beja. Foi em rendição individual, em Março de 1969 e regressou, com o batalhão, em 28 de Dezembro de 1970. Esteve sempre em Jabadá, em diversas funções (desde o SPM à mecânica auto, passando pela secretaria e... a psico). Dava-se muito bem com a população local, de etnia balanta. Faz questão de me dizer que falava fluentemente, na época, o balanta. Ainda hoje se lembra de muitas expressões e vocábulos em dialecto balanta.

Pelo convívio e pelos contactos que tem mantido com a malta do batalhão, conhece bem as histórias destas companhias do BCAV 2867, que inclui ainda a CCAV 2482,
Os Boinas Negras de Fulacunda. Esta companhia terá tido dois mortos, mas a mais sacrificada, com 9 mortos, foi a dos Cavaleiros de Nova Sintra. Desta companhia tem um amigo e vizinho, o Jaime Negalho, a quem vai pedir mais pormenores sobre o incidente relatado.
Aqui vai a versão do Feio: o Fur Mil José dos Santos Moreira, um camarada querido entre o pessoal da companhia de Nova Sintra, por ocasião de uma operação a nível de batalhão, dirigiu-se ao capitão médico, queixando-se do seu estado de saúde e solicitando uma baixa por incapacidade...

A resposta do oficial médico, da CCS do BCAV 2867, que se encontrava em Nova Sintra, terá sido percebida ou entendida pelo furriel como uma agressão:
- Não sejas malandro, precisas é ir para o mato, que só te vai fazer bem...

O Moreira não esperou pela demorou, saiu do posto médico, foi buscar a sua G3 e regressou para disparar uma rajada ao capitão médico... Gravemente ferido, o oficial médico foi evacuado para Bissau e, ao que se sabe, sobreviveu aos ferimentos...


O Moreira terá sido um bocado protegido pelos seus camaradas da CCAV 2483 (o que poderá querer dizer que não terá sido logo preso)... A partir daqui, o Feio já não tem mais pormenores. Nunca mais voltou a encontrar nem um (o Moreira) nem outro (o cpaitão médico)...

O Moreira deve ter estado, entretanto, preso até Novembro de 1973, altura em que foi julgado e condenado pelo Tribunal Militar Territorial do Porto, segundo a imformação do Ovídio, seu irmão. Valeu-lhe o 25 de Abril de 1974.

O Feio já não se lembrava do nome do Moreira nem sabia donde ele era (presume-se que seja natural do Norte). Também não se lembra do nome do capitão médico, mas vai apurar junto de camaradas do batalhão.

O Feio deu-me o mail do seu filho, João (
joao.maozinha@gmail.com), para futuros contactos, bem como os seus telefones, que são públicos (212 050 161 / 919 097 586). Não está muito familiarizado com a Internet. Tem a colecção completa, em papel (80 edições), do jornal da companhia, Os Dragões de Jabadá (Director: o então Cap Cav, hoje Cor Ref, José Guilherme P. F. Durão). Jabadá fica(va) na Região de Quínara, a nordeste de Tite, junto ao Rio Geba (margem esquerda)

Da sua CCAV 2484, falou-me do caso do Cuxixo (ou Cochicho ?) , natural de Lisboa, apontador de bazuca, que pertencia ao 4º Grupo de Combate, e que "foi para o inimigo" (sic), levando o seu equipamento completo (bazuca e pistola Walther).

O Cuxixo foi considerado desertor (****). Em 22 de Novembro de 1970, estava em Conacri e veio na leva dos presos libertados na sequência da Op Mar Verde, sob o comando de Alpoím Galvão. Julgado e condenado em tribunal militar, terá sido libertado também depois do 25 de Abril. (*****)

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1747: Tabanca Grande (1): Apresenta-se o ex-Fur Mil Herlander Simões, um dos Duros de Nova Sintra (1972/74)
´
(**) Comentário ao poste de 25 de Fevereiro de 2006 >
Guiné 63/74 - DLXXXIV: BCAV 2876, o batalhão do Horácio Ramos ? (José Martins)

(***) Vd. último poste da série,
O Segredo de ... > 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

(****) Vd. página
SHERNO ou memórias da guerra na Guiné, por Carlos Santos Serra (CCAV 2484, Jabadá, 1969/70)

Excertos do Prólogo,escrito pelo ex-Alf Mil Souto França, hoje Professor universitário, doutorado em Psicologia Clínica:

(...) Decorridos mais de trinta anos sobre as guerras coloniais, a mensagem que os jovens de hoje recebem dos meios de informação dá-lhes uma ideia de que os portugueses colonialistas eram racistas que exploravam impiedosamente os pobres dos negros e que a guerra foi um suceder de atrocidades e chacinas cobardemente perpetradas pelos brancos.

O testemunho vivido deste soldado mostra-nos que, embora possa ter havido algumas excepções, as relações entre ambas as partes, pelo menos no caso português e na Guiné, revestiam-se de consideração, amizade e humanismo, não só entre os militares portugueses e a população como mesmo com os combatentes do PAIGC.

As amizades do soldado Serra com a população nativa, ao ponto de o alcunharem como
Scherno (deformação balanta da palavra Serra, mas também a designação de amigo, protector, pessoa digna, em beafada) e os seus amores com a Danka, a Huana e a Quintas (e ao dizer amores refiro algo mais profundo, um envolvimento sentimental muito para além da mera relacionação sexual), teriam sido possíveis se o ambiente fosse de racismo?

O modo como os soldados do PAIGC trataram o soldado Cuxixo quando o capturaram, teria sido o mesmo se os portugueses tratassem mal os seus prisioneiros ou se fossem autores das atrocidades que hoje lhes são imputadas?

O heroísmo com que os soldados de ambas as partes combatiam quando se defrontavam, seguido pelo humanismo de tratarmos e evacuar-mos os feridos dos dois lados, sem qualquer discriminação, deixando-lhes os seus mortos para que mais tarde os viessem recolher e prestar-lhes os devidos rituais fúnebres, bem como o retirar das suas minas quando verificaram que nós não usávamos essas armas, teria sido possível noutra guerra, entre pessoas que se odiassem em vez de se respeitarem?

O soldado Serra testemunha-nos apenas o que viu e sentiu, tal como o viram e sentiram tantos outros milhares de soldados nas mesmas circunstâncias. Heróis ingratamente não reconhecidos.

Nesta narrativa, sem quaisquer pretensões literárias, ele dá-nos uma das melhores lições da História Contemporânea de Portugal, repondo o que a politização deformou.

Lisboa, 30 de Fevereiro de 2.000

Ex-alferes Souto França (...)

(*****) Sobre o BCAV 2867 e respectivas companhias operacionais:

(i) BCAV 2867: mobilizado pelo RC 3, partiu para a Guiné em 23/2/1969 e regressou a 23/12/1970. Esteve em Tite. Comandante: Ten Cor Cav José Luís Trinité Rosa.

(iii) CCAV 2482: Esteve em Tite e Fulacunda. Comandante: Cap Cav Henrique de Carvalho Morais.

(iii) CCAV 2483: Estve em Nova Sintra e Tite. Comandantes: Cap Cav Joaquim Manuel Correia Bernardes; Cap Mil Art João José Pires de Almeida Loureiro; Cap Mil Art Ricardo José Prego Gamado.

(iv) CCAV 2484: Esteve em Jabadá. Cmdt: Cap Cav José Guilhereme Paixão Ferreira Durão.

Guiné 63/74 – P5137: Filatelia(s) (7): Envelopes comemorativos do Dia do Selo, dos anos de 1967, 1969, 1972 e 1973 (Magalhães Ribeiro)

1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá - 1974, anexo quatro envelopes comemorativos de Dia do Selo, de 1 de Dezembro dos anos de 1967, 1969, 1972 e 1973, com selos postais e carimbos alusivos às efemérides:

Camaradas,Entre alguma documentação dedicada à actividade filatélica na Guiné, estão estes 4 envelopes dedicados ao Dia do Selo, com selos postais da época e os respectivos carimbos do 1º dia de circulação, relativos às efemérides, datados de 1 de Dezembro dos anos de 1967, 1969, 1971 e 1973.Mais uma vez gostava de evidenciar a minha indicação de que estas publicações não são de um especialista em filatelia, antes de um fraco amador.

Assim, aproveito mais uma vez esta oportunidade, para lançar um repto a quem melhor saiba desta bonita matéria, que nos preste a sua melhor colaboração, com as suas eventuais prestações nesta área, que muito enriqueceria esta série e que muito agradeceríamos.

Essencialmente, estas publicações destinam-se a informação de pessoas mais interessadas no saber e conhecimento de documentação, que vai constituindo o espólio histórico, tendo circulado em tempos idos, na Guiné, e da qual dispomos algumas peças nos nosso arquivos pessoais.

XIII Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1967

XV Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1969
XVIII Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1972
XIX Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1973

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Fur Mil Op Esp/RANGER

Documentos: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. poste anterior desta série em:

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5136: Efemérides (29): 20 de Outubro - Dia do Veterano de Guerra (José Eduardo Reis de Oliveira - JERO)


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos uma crónica, com data de 20 de Outubro de 2009, relativa à Comemoração do Dia do Veterano de Guerra, que este ano decorreu nas belíssimas e históricas cidades de Aljubarrota e Alcobaça, neste mesmo dia, 20 de Outubro:

DIA DO VETERANO DE GUERRA

Por iniciativa da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra celebrou-se em Aljubarrota no passado dia 20 de Outubro, o Dia do Veterano de Guerra.

Apesar do mau tempo cerca de três centenas de ex-combatentes e suas famílias marcaram presença na histórica vila de Aljubarrota, comparecendo à chamada dos dirigentes da dinâmica APVG, que já congrega mais de 50.000 associados em todo o País.

O programa inicial teve que sofrer algumas alterações devido à chuva que se fez sentir durante parte da manhã de 3ª. feira passada, nomeadamente no que respeita ao lançamento de pára-quedistas, que teve de ser anulado.

Estava prevista uma visita guiada a Aljubarrota que também não se realizou, sendo substituída por uma palestra pelo escritor e também ex-combatente Dr. Luís Rosa, que decorreu no interior da Igreja de Paroquial de Nossa Senhora dos Prazeres.

Seguiu-se a missa celebrada pelo Revmº. Padre Ramiro Portela, com a igreja literalmente cheia até à porta.

No final da celebração foi tempo de discursos – ainda dentro da Igreja. Usaram da palavra José Fialho, da APVG de Alcobaça, Prof. Dr. Augusto Fernandes e Manuel Anjos Pereirinha, ambos dirigentes nacionais da APVG e finalmente o Dr. Carlos Bonifácio, que representou a C.M de Alcobaça.

A melhoria do tempo permitiu aos ex-combatentes dirigiram-se a pé até à estátua do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, onde decorreram novas cerimónias, emotivamente participadas por todos os presentes.

Seguiu-se o almoço, ainda em Aljubarrota, com animado convívio. Antes da sobremesa tiveram lugar mais alguns discursos com tomadas de posição da APVG em relação à recente alteração do Complemento Especial de Pensão que passou a Suplemento”, com uma substancial alteração para menos que os ex-combatentes não aceitam.

Oportunamente irão ser tomadas posição concertadas a nível nacional para fazer chegar ecos desse descontentamento a nível do Governo.

O resto da tarde foi de convívio terminando o Dia do Veterano de Guerra em ambiente de festa com um concerto no Cine-Teatro de Alcobaça a cargo da Orquestra Ligeira Juvenil do Bárrio. Concerto de uma orquestra de 40 jovens estudantes, que terminou a sua actuação com o Hino Nacional, que foi cantado de pé por uma assistência menos jovem mas não menos aguerrida.

A “prova de vida” foi feita.

Os Veteranos de Guerra vão continuar por aí à espera do reconhecimento e respeito que merecem.

Um abraço,
JERO (Sócio da APVG Nº 44845)
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5135: Humor de caserna (14): Curiosidades zoológicas: Os Ui!Ui!, animais nocturnos, do tarrafo do Rio Grande de Buba (José Belo)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures no sector de Bendanda, no triângulo Iemberém, Cadique e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita ao antigo Acampamento Osvaldo Vieira (agora reconstituído) ... Dois exemplares da espécie Ui!ui!, uma variante albina... (O Cor Cav Ref e escritor Carlos Matos Gomes e o Prof Doutor Luís Moita , vice-reitor da UAL - Universidade Autónoma de Lisboa, e antigo fundador e dirigente do CIDAC; os dois claramente deslocados do seu habitat natural, que o mangal de Lisboa)

 
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures no sector de Bendanda, no triângulo Iemberém, Cadique e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Proximidades do Acampamento Osvaldo Vieira (escapatória para o Rio Cacine)... Paisagem de tarrafo ou mangal...

 
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures no sector de Bendanda, no triângulo Iemberém, Cadique e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita ao antigo Acampamento Osvaldo Vieira > Tarrafo (ou tarrafe, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa; mangue-vermelho, Rhizofora mangle)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures no sector de Bendanda, no triângulo Iemberém, Cadique e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita ao antigo Acampamento Osvaldo Vieira > Um verdadeiro Ui!Ui!, de pele escura... (Aqui disfarçado de antigo guerrilheiro do PAIGC, empunhando os restos ferrugentos de um RPG 7, o temível LGFog)... 

 Fotos (e legendas): © Luís Graça (2009). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada tuga sueco, José Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, e a viver (e esperemos que muito bem) no país dos Vikings: 

  Caros Amigos e Camaradas! Muitos de nós já tiveram a oportunidade de ventilar entre amigos tanto do que de traumático nos tem acompanhado desde a passagem pela guerra. O HUMOR que agora vai surgindo é um dos melhores sinais de... recuperação! (*) 

 Estocolmo, 19/10/09 Um abraço Amigo do José Belo. 

  2. Curiosidades zoológicas da Guiné: Os Ui!Ui! 

 por José Belo 


 É sem dúvida um dos animais de maior porte e com a mais bela pelagem escura de todos os que vivem no Sul da Guiné. O seu habitat natural limita-se a um triângulo que, grosso modo, tem os vértices em Empada-Buba-Mampatá, sendo as suas maiores concentrações junto às margens do rio grande de Buba. Animal nocturno, extremamente tímido, e de muito difícil observação, é só nos períodos do ano em que as águas põem a descoberto enormes quantidades de ostras (alimento favorito dos Ui!Ui!) que os mesmos se conseguem abater. 

As suas peles, pela sua qualidade e beleza, vendem-se caro. Servem de perfeitos cobertores, casacos, tapetes, ou simples decorações. Um animal de pelagem preta que só se desloca do mais profundo da mata para o tarrafo nas noites mais escuras, é obviamente bastante difícil de ser visto, e mais ainda, abatido. 

Mas, os que de entre nós tiveram a feliz oportunidade de se passearem pelo tarrafo, sabem que de entre a lama surgem sempre inesperadas, e ponteagudas, estacas. Estes animais de grande porte, ao deslocarem-se na escuridão, e meio enterrados na lama, batem continuamente com os testículos (...para evitar usar os menos convenientes tomates da linguagem militar!) nestas estacas, e gritam: - !Ui!...Ui!Ui!... Daí o seu nome científico, e a facilidade de serem rapidamente abatidos na noite escura. 

 José Belo (**). 

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 Notas de L.G.: 


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5134: Blogues da Nossa Blogosfera (20): JEROALCOA.BLOGSPOT.COM, de José Eduardo Oliveira

1. Mensagem de José Eduardo Oliveira*, ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/65, com data de 18 de Outubro de 2009:

Caro amigo Carlos Vinhal
Sei que não gostas de agradecimentos mas... obrigado.

Quem é que me havia de dizer que ser velho ex-combatente podia - pode - ser tão gratificante.
Estou, obviamente, a referir-me ao nosso blogue e não ao SEP (Suplemento Especial de Pensão)...

Estes valores é que eles não nos conseguem tirar... Como diz a minha neta de quase 3 anos:

- Bem feita.

Tenho um blogue pessoal: "jeroalcoa.blogspot.com" que te convido a visitar. Já está actualizado.
Convite extensivo ao Luís.

Um grande abraço.
JERO


2. Comentário de CV:

Caro José Eduardo, já fui espreitar o teu Blogue. Li, confesso, de relance a história da família Coelho, que deixas evoluir ao longo do tempo, acompanhado de narrativas de acontecimentos contemporâneos da História de Alcobaça, de Portugal e até Mundial. Está muito bem estruturada, acabando por ser uma lição de História.

Estendo o teu convite a toda a Tertúlia, pois darão por bem empregue o tempo utilizado na leitura dos teus textos.

JEROALCOA.BLOGSPOT.COM
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5121: Comentários que merecem ser postes (9): A morte dos nossos camaradas deixou marcas (Luís Graça/JERO)

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5043: Blogues da Nossa Blogosfera (19): Victor Garcia abre na Net uma página sobre a CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

Guiné 63/74 - P5133: Direito à indignação (7): Esmiuçando o Complemento Especial de Pensão e o Acréscimo Vitalício de Pensão (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 17 de Outubro de 2009:

Carlos,
Andei aqui às voltas com este assunto.
Anexo um texto que pode conter erros de apreciação, mas foi o que se me deparou dizer numa manhã de revolta. Pode ser que, entre os nossos atabancados, algum dos juristas possa pronunciar-se em esclarecimentos. Quanto a eventuais manifestações de repúdio, chamo a atenção para que sejam convenientemente organizadas, e não voltem o feitiço contra o feiticeiro, ou redundem em fracasso geral.
Sobre esse assunto troquei impressões, ou manifestei-me, com alguns camaradas.
Para ti e para a Tabanca, abraços fraternos
José Dinis


Esmiuçando o SEP e o AVP

Coincidindo com o mês de pagamento do Acréscimo Vitalício de Pensão, bem como do Suplemento Especial de Pensão, a todos os antigos combatentes que estiveram em condições especiais de dificuldade ou perigo, a quase totalidade dos combatentes mobilizados para a Guiné, verificou ser afectada em parte daqueles pagamentos. Mas não só, outros combatentes estão privados de qualquer daquelas verbas.

Quando em 2002 foi publicada a Lei n.º 9, também conhecida pela lei do Paulo Portas, cheirou-me a demagogia barata, a um piscar de olho aos antigos combatentes, com vista a caçar votos. De facto, os trinta contitos propostos (na época ainda se referiam contos), não só não resolviam qualquer problema à generalidade dos beneficiários, como o respectivo encargo, iria agravar o deficit público que, logo em 2005, Bagão Félix, por artes rapinosas, foi obrigado a equilibrar, pela nacionalização de fundos particulares para garantia de pensões. Por outro lado, não me consta que alguma nação proceda a pagamentos de idêntico significado junto dos seus antigos combatentes. Em benefício de antigos combatentes, outra poderia ter sido a solução, principalmente no que concerne à assistência.

Mas atentemos na Lei n.º 9. Trata-se da regulamentação dos períodos de prestação do serviço militar de ex-combatentes, para efeitos de aposentação e reforma, conforme o preâmbulo. Nos artigos sexto e sétimo estabelece, respectivamente, o Complemento Especial de Pensão (CEP) e o Acréscimo Vitalício de Pensão (AVP). Quanto aos encargos decorrentes da aprovação da Lei são suportados pelo Orçamento de Estado, sem prejuízo do pagamento das quotizações ou contribuições que couber a cada subscritor ou beneficiário, expressa o n.º 1 do artigo 11.º. Estas duas figuras jurídicas configuram, assim, um prémio de reconhecimento atribuído a todos os combatentes que estiveram em condições especiais de dificuldade ou perigo, comummente designadas por zonas de 100%.

A partir de 2004 todos os antigos combatentes na situação de reforma ou aposentação poderiam passar a receber o CEP e o AVP, desde que satisfeitas as regras determinadas pelo artigo 3.º, relativas a pagamentos de quotizações ou contribuições. Aqui a porca começa a torcer o rabo. A coisa já não era tão linear. Mas, ainda assim, havia quem recebesse. E passou a constar que os dependentes da Segurança Social não estavam abrangidos pelos benefícios. Isso resulta, apenas, da tradicional e liberal rebaldaria, que permite apurar pensões pelo cálculo médio de uns quantos anos de descontos, com medidas políticas que estabelecem valores para pensões mínimas, sem correspondência aos valores descontados, que incentivam o desleixo e a dificuldade crescente na satisfação dos encargos. Mas não é politicamente correcto esclarecer e definir a situação, e transcende esta matéria.

Agora, chegou a nova Lei n.º 3 de 2009. No artigo segundo, reforça e esclarece que a lei aplica-se aos beneficiários do sistema da previdência de segurança social; aos beneficiários dos regimes de subsistema de solidariedade do sistema de segurança social; aos subscritores ou aposentados da CGA; aos abrangidos por sistemas de segurança social de Estados membros da União Europeia e demais Estados membros do espaço económico europeu, bem como pela legislação suíça, coordenados pelos regulamentos comunitários; aos abrangidos por sistemas de segurança social de Estados com os quais foram celebrados instrumentos internacionais...; aos abrangidos pelo regime de protecção social dos bancários, beneficiários da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e da Caixa de Previdência do Pessoal da Marconi.

A lei não abrange os ex-combatentes sem abrigo e outros marginais à sociedade, nem os que não beneficiam de qualquer dos regimes antes referidos. Aqui, parece-me notar uma inconstitucionalidade grave, pois se no espírito do legislador se pretende indemnizar os antigos combatentes que estiveram em condições especiais de dificuldade ou perigo, a lei discrimina entre os que estiveram naquelas condições, nas tintas pelo princípio da igualdade. E por isto, põe-se-me ainda a questão de perceber, como é que se pode considerar que em Luanda e Lourenço Marques tivessem cumprido integralmente as suas comissões alguns combatentes que não saíram do ar condicionado. O mesmo, aliás, relativamente a outras cidades, Bissau incluída, apesar dos mísseis que rebentaram para os lados da Sacor em 10/06/1971. Sobretudo em condições especiais de dificuldade ou perigo. Adiante.

Da leitura do artigo 6.º resulta nova estupefacção. Ali se refere que o Acréscimo Vitalício de Pensão, previsto na Lei n.º 9/2002, "é uma prestação pecuniária de natureza indemnizatória atribuída aos antigos combatentes", mas, a seguir discrimina de entre alguns, menos dos que são referidos no penúltimo parágrafo atrás referido. Parece querer dizer-se que, para o Governo, de entre os que combateram nas condições de dificuldade ou perigo, alguns (muitos?) não merecem ser indemnizados. É como se, grosseiramente, um juiz não determinasse o pagamento de uma indemnização, se, no direito português, e numa época anterior que os tivesse dispensado, o beneficiário tivesse os impostos por liquidar. Isto é um exagero, claro. Porque nem essa regra indemnizatória existe, nem os antigos combatentes mereceriam ser discriminados, porque a sua Nação não considera semelhante regra condicional em qualquer outra situação; ou, não satisfizeram regras agora pertinentes (art.º 12.º), porque requereram a contagem de tempo em época anterior, nos termos da legislação então vigente.

Aconteceu comigo ter pedido a contagem de tempo do serviço militar para efeitos de aposentação, no fim da década de oitenta, nos termos da legislação então em vigor. Mais tarde, requeri o direito aos abonos contemplados pela Lei n.º 9/2009, nos termos e prazo que fixava. E fiquei descansado, à espera que, um dia reformado, me pagariam a verba a que me sinto com o mesmo direito que os demais, porque estava no âmbito dos que serviram em condições especiais de dificuldade ou perigo, e porque os meus actos subsequentes foram em conformidade com as leis da Nação.

No princípio deste ano, com data de 16.01.2009, recebi da CGA a comunicação sobre o pagamento da pensão a que tenho direito desde Fevereiro. Em "observações" referia-se que "o tempo de serviço militar foi contado com dispensa do pagamento de quotas, nos termos do art.º 3.º da Lei n.º 9/2002 e art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 160/2004, de 11 de Fevereiro e 2 de Julho, respectivamente". Fiquei contente a pensar que os abonos da lei do Paulo Portas estavam assegurados. Afinal, quilhei-me.

É que a alínea a), do n.º 1, do art.º 12.º da Lei 3/2009 estabelece a dependência do direito aos benefícios, de o antigo combatente, à data do seu vencimento, "ser titular de pensão de invalidez ou de aposentação, SALVO quando esteja em causa a contagem do tempo de serviço efectivo e das respectivas percentagens de acréscimo com dispensa do pagamento de contribuições ou quotas". Até parece que pedi a contagem de tempo para efeito de aposentação à surrelfa, sem qualquer suporte legal. Esta alínea da Lei revela má fé e discriminação incompreensível.

Provavelmente, outras situações de injustiça se revelam, nomeadamente a que é determinada pelo pelo n.º 4 do artigo 8.º que estabelece três critérios de valorização do SEP, e que penaliza a generalidade dos que combateram ou prestaram serviço no TO da Guiné, dado que só recebem os cento e cinquenta euros, quem permaneceu 24 meses em condições especiais de dificuldade ou perigo, o que não vincula a maioria dos guineenses, princípio completamente abandalhado, na medida em que muita gente repimpada nas cidades e no ar condicionado, viu, saiba-se lá porquê, majorada a contagem de tempo em 100%. Não estou contra eles, estou é incrédulo com a desfaçatez com que o Governo patrocina esta injustiça, pois é consabido que na Guiné, foi onde o IN desenvolveu mais actividade, com consequência no número de baixas causadas, e onde o clima se manifestava mais inóspito. Quem queria a Guiné por destino?

Do exposto, resulta que o Governo manifestou um tratamento leviano sobre esta matéria, que procedeu a notórias injustiças, ignorando uns, discriminando outros. Agora, ao Governo só resta proceder a uma adequada alteração aos termos de benefício do AVP e do SEP, com efeitos retroactivos, convenientemente publicitada para que os excluídos possam aceder ao direito, e normalizar, sem exclusões ou limitações, o benefício entre todos os que serviram a Pátria com nobreza e sentido do dever.
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Notas de CV:

(*) Vd poste de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5106: História da CCAÇ 2679 (28): Mais visões quotidianas (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5129: Direito à indignação (6): As míseras migalhas que os comensais da mesa estatal deixam cair (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P5132: Humor de caserna (13): Rambo uma vez, rambo para sempre (Joaquim Mexia Alves)





Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1972/73) > Imagens do Alf Mil Op Esp Mexia Alves, que foi o primeiro oficial português (se não me engano...) a comandar o famoso destacamento de Mato Cão, na margem direita do Rio Geba (ou Xainga) entre Bambadinda e o Xime, frente a Nhabijões.

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73:

Caros camarigos editores:

Anda para aí um pessoal a contar umas aventuras de guerra pelos jornais e até em alguns livros, pelo que eu decidi também contar uma aventura minha!

Claro que é tudo verdade!!!!!

Agora a sério, se julgarem que pode ferir susceptibilidades ou que não se enquadra no "perfil" da Tabanca, só têm que arquivar o "brilhante" texto na "cesta" secção.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves



2. Humor de caserna (*) > Uma ida à mata!
por J. Mexia Alves


Olhei para a minha G3, feita especialmente para mim, e chamei os furriéis:
- Ó Manel, manda lá o pessoal preparar-se que eu hoje apetece-me encontrar os gajos e pregar-lhes uma carga de tiros!

O Furriel Manel, entre o brincalhão e o apreensivo, voltou-se para os outros e disse:
- É pá, cuidado com ele! O Alferes hoje tá danado para a porrada! Até já tou com pena dos turras!

Reentrei no meu quarto e comecei a preparar-me. Pintei a cara e as mãos segundo a melhor arte de camuflagem e vesti o camuflado.

No tornozelo direito coloquei num coldre apropriado a minha Walter PPK. No tornozelo esquerdo o meu revólver Smith & Weston, fiel companheiro de tantas idas ao mato sem nunca encravar.

À volta da cintura, presas ao cinturão 4 granadas defensivas enquadradas pelos diversos carregadores de munições das diferentes armas.

Presa à passadeira do camuflado no ombro esquerdo coloquei a minha indispensável faca de mato, que já me tinha valido a vida em tantas lutas corpo a corpo naquelas matas da Guiné.

Olhei para o cantil da água e coloquei-o de lado. Homem que é homem não bebe água e um guerrilheiro não tem sede! Em vez de levar o cantil, coloquei mais duas granadas à cinta e no ombro direito.

Coloquei os óculos de lentes amarelas no bolso do peito porque já sabia que me iam fazer falta para ver os turras empoleirados nas árvores no meio da folhagem.

Olhei-me no espelho grande que tinha no quarto e um ligeiro tremer apoderou-se de mim. Porra até a mim eu metia respeito!!!

Saí para a parada e do meu Pelotão formado saiu um Ah! de espanto e temor! Eu tinha esse condão!

Quando saía para a mata em operações o pessoal ficava sempre à rasca quando me via. Ou não tivesse eu a fama que tinha! Ouviam-se pelo meio dos soldados uns murmúrios que diziam:
- É, pá, o gajo hoje tá de todo. Coitados dos gajos, nem têm hipótese!

Como sempre fazia, levantei a voz e disse para os meus homens:
- Pessoal, já sabem como é. Não há misericórdia, nem fazemos prisioneiros, e já sabem que enquanto eu estiver a dominar a coisa sozinho, vocês não metem o bedelho!
Só o Furriel Manel é que fica incumbido de atirar ao gajos das árvores se eu não os conseguir abater a todos.Todos têm as palhinhas para respirarem debaixo de água?

Era o meu melhor truque! Colocávamo-nos dentro de água, totalmente imersos e a respirar por umas palhinhas e, quando os gajos se chegavam ao rio, era só saltar de dentro de água e disparar a torto e a direito! Nem um só escapava!

Olhei para o pessoal, olhos nos olhos de cada um, e comandei em voz alta e forte:
- Vamos lá despachar uns gajos que eu quero chegar a tempo de beber a cervejinha da tarde!!!

Ouviu-se uma grande algazarra, vozes a discutir, etc, e depois finalmente uma voz que dizia esganiçada:
- Porra! Façam silêncio no estúdio que estamos a filmar!!!

Monte Real, 19 de Outubro de 2009

J. Mexia Alves

[Revisão / fixação de texto / título do poste: L.G.]

3. Comentário do L.G.:

Adorei essa da cesta secção, a do caixote do lixo... Na minha profissão, há o termo pubelication (composto de poubelle, caixote do lixo em francês, e publication, acto ou efeito de publicar, do inglês, to publish... Tudo isto, por causa do terrível mandamento que infernaliza as nossas vidas de cientistas: Publish or perish, publica ou morre; é que sem a pubelication não há carreira...).

Pois, aqui tens, camarigo, o teu texto, o qual merece conhecer a luz do sol, quero eu dizer, as luzes da blogosfera... Se mais não fosse, por um mérito intrínseco ao autor: quem tem humor é tolerante, sabe falar e sabe ouvir, tem sentido de autocrítica, é capaz de se rir de si próprio, e é incapaz de comportamentos... de bravata. Essa é, de resto, umas das razões por que de tempos a tempos recorro aos teus serviços de especialista em intermediação de conflitos. O título que pus no teu poste, é da minha única responsabilidade, e não pretende caricaturar nada nem ninguém, até por que Rambo é marca registada, é um produto exclusivamente americano.

Um Alfa Bravo, Luís.

_____________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 2 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5045: Humor de caserna (12): A Paisanada... e Os Insaciáveis (Vitor Junqueira / Luís Graça)

Guiné 63/74 – P5131: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (10): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Ataque à tabanca do Sincho

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda e autorizou-nos a publicar a 10ª fracção das suas memórias. A série foi iniciada nos postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995, P5027, P5047, P5056 e P 5095:

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Como era dia de rendição era necessário ir fazer a picagem da estrada até Mansaina.

Saíram duas secções, em coluna motorizada, que, como se tornara costume, sempre se atrasava na sua formação e viajamos até Banjara.

Uma vez ali chegados, carregamos todo o equipamento programado para cima das viaturas e desejamos sorte ao outro pelotão, que era o do furriel Vaqueiro, comandado pelo Alferes Almeida.

Quando tudo foi dado como pronto, arrancamos e deixamos Banjara para trás.

Só quando houve operações para esta zona, é que o nosso destino foi Geba, sede da Companhia.

Geba permitia-nos descansar psicologicamente do isolamento que se vivia em Banjara, recuperarmos algumas forças e passarmos melhor o tempo (que em Banjara era um marasmo total), matando saudades em longos passeios pelas tabancas.

Em Bafatá, era possível matar as saudades de comermos uns pratinhos de camarões, pescados no rio Geba, frangos e ovos estrelados, devidamente acompanhados de umas boas e frescas “cervejolas”.

Ataque à tabanca do Sincho
em 10 de Janeiro de 1967

Passados alguns dias acabou-se o descanso. Por volta das onze horas da noite, estava eu no bar com os oficias e sargentos, quando chegou o 1º Cabo Cripto e chamou o meu Alferes, dizendo-lhe para se dirigir com urgência ao nosso capitão.

Ficamos a olhar uns para os outros. Que teria acontecido desta vez?

Coisa boa não era com certeza. Soubemos então, que o IN atacou a tabanca de Sincho (perto de Cantacunda).

Conseguimos que um condutor, num jipe, nos levasse ao aquartelamento, que distava uns quinhentos metros, no cimo da colina.

Cada furriel mobilizou o seu pessoal, que na maior parte já se encontrava deitado, para que se prevenissem com todo o equipamento necessário, incluindo o morteiro de 80 mm e o lança-granadas.

Informei-os de que o IN atacara uma tabanca perto de Cantacunda.

Com as viaturas já prontas, seguimos em direcção à referida tabanca, que distava de Geba cerca de trinta quilómetros. Passamos por Camamudo, por volta da meia-noite e, quando chegamos à bolanha, para nossa sorte, as viaturas atravessaram-na bem, não sendo preciso recorrer ao auxílio dos seus guinchos, pois o caudal de água era pouco naquela altura do ano.

Um quilómetro, ou dois, mais adiante, deixamos a picada que de dirigia para Cantacunda e desviamo-nos, por uma picada mais estreita que ficava à direita.

Como a noite estava clara começamos a ver algum fumo no ar, entramos numa grande clareira e vimos ao fundo a tabanca.

Como não podia deixar de ser, a nossa aproximação foi feita com muito cuidado e segurança, cercando o perímetro da tabanca.

Pouco e pouco foi aparecendo a população, notava-se que estava aterrorizada e com muito medo.

Procedemos ao reconhecimento nas cercanias, mas nem sinais do IN.

A tabanca estava toda queimada e destruída, constatamos haver dois mortos entre a população. Ao romper do dia, verificamos a existência de um terceiro morto, completamente carbonizado. De noite seria extremamente difícil localizá-lo, pois estava envolvido em cinzas de colmo e de canas, que serviram para o “assar”.

Continuamos o reconhecimento nas redondezas e procuramos “ler” nos rastos deixados, qual a direcção que o IN havia tomado na sua aproximação à tabanca antes de atacar, e encontramos inúmeros invólucros de calibre 7,62 mm.

Também detectamos deformações no capim onde estiveram deitados, esperando pela noite, para efectuar o ataque.

Como tudo se mantinha calmo, sem outras evidências do IN, regressamos a Geba.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em: