domingo, 13 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9895: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (5): As memórias dos familiares dos ex-combatentes da guerra colonial como trabalho de fim de Curso de Antropologia na FCSH da Universidade Nova de Lisboa



1. Mensagem de Marta Lima, estudante universitária do curso de Antropologia da FCSH da UNL, com data de 8 de Maio de 2012:

Muito boa tarde,
O meu nome é Marta Lima e sou estudante do curso de Antropologia.

Escrevo para pedir uma possível colaboração, e passo a explicar, como trabalho de final de curso estou a escrever um projecto sobre a Guerra Colonial, mais exactamente sobre as memórias dos familiares, dos filhos e filhas dos combatentes, que ficaram por cá, já que o seu papel nesta guerra nunca foi devidamente valorizado.
Para isso, necessitava de fazer algumas entrevistas, a filhos ou familiares de ex-combatentes, e na minha procura teórica para o projecto deparei-me com o seu blog e cá estou a pedir ajuda. Claro está que todas as informações e/ou materiais recolhidos nas mesmas serão apenas e só utilizados para o trabalho, e apenas aquilo acordado com o entrevistado(a).

Sendo assim, agradeceria imenso que se conhecesse alguém disposto a dar-me essa entrevista entrasse em contacto comigo, ou se puder divulgar o meu pedido junto de outros ex-combatentes.

Termino, agradecendo mais uma vez o tempo e disponibilidade.

Com os melhores cumprimentos,
Marta Lima
 martalimonete@gmail.com 
(+351) 967 166 871


2. Comentário de CV:

Aqui fica tornado público o pedido de colaboração de Marta Lima, que está no final do seu curso de Antropologia, e que está a elaborar um trabalho para o qual serão fundamentais os depoimentos dos familiares dos ex-combatentes, que na retaguarda sofreram e viram, à sua maneira, a guerra do ultramar.

Já serão poucos os pais vivos ou em condições de colaborar, mas há as esposas, os irmãos, as madrinhas de guerra e outros familiares que se podem disponibilizar a ajudar a nossa amiga Marta Lima.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9648: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (4): O stresse pós-traumático de guerra, em estudo na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)

Guiné 63/74 - P9894: O Nosso Livro de Visitas (136): António Martins Alves, Regimento de Cavalaria 8 - Castelo Branco, 1967/70

1. Mensagem do nosso camarada António Martins Alves que prestou serviço militar no RC 8 de Castelo Branco entre os anos de 1967 e 1970, com data de 8 de Maio de 2012:

Meu caro,
Por acaso, andava a procurar fotografias do RC8, caí no vosso blog, " Blog Tabanca Grande.

Na leitura que fui fazendo encontrei o nome de um ex-furriel miliciano que esteve no RC8, António da Costa Maria e que foi para a Guiné /esquadrão Rec Fox 2640. Pela data (69/71) esteve comigo no RC8.

Eu estive no RC8 entre 67 e 70. Gostava de entrar em contacto com ele.

Há uma página no Facebook - amigos do ex-RC8. Uma das intenções, se ele tem página no FB seria adicioná-lo ao Grupo.

O meu mail: z.zeferino@gmail.com.

No FB a página António Martins Alves.

Agradeço que lhe faça chegar esta notícia.

Os meus parabéns pelo blog.
António Martins Alves


2. Comentário de CV:

Caro camarada António Alves
Já falei telefonicamente com o António da Costa Maria que entrará em contacto consigo.
Julgo que ele não tem página no FB.

Receba um abraço
Carlos Vinhal
Co-editor deste Blogue
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9868: O Nosso Livro de Visitas (135): José Ferreira, ex-1.º Cabo (Bafatá e Teixeira Pinto, 1967/68)

Guiné 63/74 - P9893: Em busca de ... (187): Maria Luísa procura ex-combatentes da CCAV 1693 e do BCAV 1915, camaradas de seu marido, falecido recentemente

1. Telefonou, para o nosso editor Luís Graça, a Maria Luísa, natural de/ou a residir em Valpaços, Trás-os-Montes, viúva do nosso camarada António Maria Ambrósio Fernandes. Trabalha numa escola e ficou viúva recentemente.

Deseja voltar a ir aos “encontros da Guiné” do pessoal da BCAV 1915* (Tigres da Guiné), mas deixou de ter contactos. Nunca mais recebeu nenhuma carta sobre os convívios. Ainda foram, em vida do marido, ambos, a dois encontros, um dos quais na Lousã. 

O marido era o 1.º Cabo Telegrafista António Maria Ambrósio Fernandes. Foi mobilizado pelo RC 3 de Estremoz e pertenceu à CCAV 1693 (Companhia independente), Nova Lamego e Piche, 1967/69.

Tinha-se reformado em dezembro de 2011 e morreu em 4 de fevereiro de 2012.

Emocionada, Maria Luísa prometeu-nos mandar duas fotos do marido, para conhecimento dos antigos camaradas, quando a filha que vive algures na região centro (Condeixa ?), vier a Valpaços. A filha escolherá, digitalizará as fotos e enviará para o nosso blogue, já que está mais à vontade com o computador.

A Maria Luísa não tem email. Gostava muito de voltar a encontrar e a conviver com os antigos camaradas do marido. Viu o nosso blogue e pensou que a podíamos ajudar.

Tem o telemóvel: 963 603 480

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Divisa: ...na guerra conduta mais brilhante


BATALHÃO DE CAVALARIA N.º 1915 (BCAV 1915, GUINÉ 1967/69)


Mobilizado no RC 3, em Estremoz, desembarcou em Bissau em 14 de Abril de 1967, não dispondo de companhia operacionais no seu quadro orgânico.

Em 15 de Abril de 1967 rende o Batalhão de Caçadores nº 1856, assumindo o Sector L3, sediado em Nova Lamego, ao qual pertenciam os subsectores de Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.

Em 1 de Julho de 1967 o subsector de Piche foi integrado no Sector L3, tendo sido retirado ao Sector do Batalhão de Caçadores nº 1877. Foi rendido pelo Batalhão de Caçadores nº 1933 e transferido para o Sector O1, com sede em Bula.

Em 18 de Fevereiro de 1969 foi rendido pelo Batalhão de Caçadores nº 2861 e regressou à metrópole em 03 de Março de 1969.

Vd. página do BCAV 1915 "Tigres da Guiné" em http://josetito1.blogspot.pt/ do nosso camarada José Tito


COMPANHIA DE CAVALARIA N.º 1693 (CCAV 1693, GUINÉ 1967/69)

Mobilizada no RC3 de Estremoz, desembarcou em Bissau em 15ABR67.

Em 15ABR67 seguiu para Nova Lamego a fim de efectuar o treino operacional sob a orientação do BCAV 1915 e seguidamente constituir a subunidade de intervenção e reserva do Agr1980, em substituição da CCAV 1662.

Em 20SET67 foi rendida pela CART 1742, tendo seguido para Bula a fim de substituir a CCAÇ 1496 no sector do BCAÇ 1876 e depois do BCAV 1915.

Em 18 FEV69 foi substituída pela CCAÇ 2466 e recolheu a Bissau a aguardar embarque.

Regressou à Metrópole em 02MAR69
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9417: Em busca de... (181): Camaradas que tenham pertencido ao BCAV 1915 ou BCAÇ 2861 (Bissorã e Bula, 1968/69)

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9785: Em busca de ... (186): Esquadrão de Reconhecimento (EREC) 8740/72 (Bula e Bissau, 1973/74) (Nelson Manuel Maduro / Júlio Maduro Simões, Rio de Couros / Ourém)

Guiné 63/74 - P9892: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (13): Em Bambadinca, em agosto de 1974, eu (e outros camaradas) fui sequestrado, feito refém e ameaçado de fuzilamento por militares guineenses das NT... Cerca de 40 horas depois, o brig Carlos Fabião veio de helicóptero com duas malas cheias de dinheiro, e acabou com o nosso pesadelo (Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518, 1973/74)

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518 (1973/74) (*)






Data: 11 de Maio de 2012 22:30

Assunto: Bambadinca 1974


Boa noite, Luís


Fui furriel miliciano com a especialidade de mecânico de armamento e fui incorporado no Batalhão [de Caçadores] 4518 para a Guiné... [, imagem à esquerda: emblema do batalhão, disponibilizada pelo ex-Alf Mil Joaquim Tinoco, organizador do 
 XI Almoço Convívio da 1.ª Companhia do BCAÇ 4518/73, realizado em 28 de abril de 2012, em Montemor-o-Velho].

Após o 25 de abril de 1974, fui destacado para Bambadinca para receber material militar, viaturas, armas, etc.


Em agosto de 1974 (não consigo memorizar o dia), os militares presentes no destacamento de Bambadinca (eu incluído), foram surpreendidos com a presença de dezenas de militares do denominados Comandos Africanos(tropas nossas aliadas).

Todos nós (talvez duas dezenas),  ficámos perplexos... primeiro pensámos que vinham entregar as armas (o que nos facilitava o regresso a Portugal), mas não! Fomos encostados à parede e deram um prazo de 48 horas para serem pagos da indemnização a que tinham direito, ou então, seríamos fuzilados... 

Cerca de 40 horas após o sequestro, o brigadeiro Carlos Fabião chegou num helicóptero com duas malas carregadas de dinheiro... Terminou o sequestro!

Se através do teu blogue for possível reencontrar esses camaradas de armas, ficarei muito agradecido.

Até sempre

um abraço
Fernando Gaspar

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Fernando, muito obrigado pela coragem de vires, a público, revelar esse segredo, que possivelmente guardavas há muito na tua memória... De qualquer modo, o  que nos contas - ao fim destes anos todos - e que deve ter isso um pesadelo para ti e para os demais camaradas que foram feitos reféns, já não era segredo para mim... Já aqui transcrevi, ao de leve,  uma conversa que tive, em Monte Real, por ocasião do nosso VII Encontro Nacional, com o último comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Luis Mourato Oliveira, filho de mãe lourinhanse [, foto à direita].

Ele também estava em Bambadinca, sentado tranquilamente no bar de oficiais, quando ocorreram os graves incidentes a que te referes...  Foi igualmente sequestrado como tu,  e mantido como refém até à chegada do brigadeiro Carlos Fabião, que, vindo de Bissau,  resolveu o problema com patacão... 

Isto ter-se-á passado não com o Batalhão de Comandos Africanos, como tu sugeres,  mas com o pessoal da CCAÇ 21, que era comandada pelo tenente comando graduado Jamanca, e onde havia antigos militares da formação inicial da CCAÇ 12 do meu tempo (1969/71)...  Disse-me o Mourato Oliveira que, depois da negociação com o Carlos Fabião, houve grande ronco, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 21 gastaram rapidamente a massa, trocando o último dinheiro português  por rádios, roupas, motorizadas  e outros bens de consumo...

Semelhantes incidentes (graves) deram-se em Paúnca, pela mesma altura, com a malta da CCAÇ 11, já relatado pelo nosso camarada J. Casimiro Carvalho. (**)

De qualquer modo, esperamos que tanto o Fernando Gaspar como o Luís Mourato Oliveira nos possam fornecer mais pormenores destes tristes acontecimentos que poderiam ter originado um tragédia imensa,  se as ameaças de fuzilamento dos reféns fossem levadas a cabo pelos militares revoltosos da CCAÇ 21. 

O alferes comando graduado Amadu Bailo Djaló [, foto à direita,] também pertenceu a essa companhia, que era inteiramente constituída por pessoal do recrutamento local (incluindo os quadros e os especialistas). No entanto, nas suas memórias (Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português: 1º volume: comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, 299 pp.), não são evocados explicitamente os incidentes de Bambadinca (vd. pp. 276 e ss.). 

Talvez o nosso camarada Virgínio Briote [, foto à esquerda,] que o ajudou a escrever o livro, possa esclarecer o que se passou exatamente nesses dias de agosto de 1974 em que a CCAÇ 21 (ou parte do seu pessoal, possivelmente até à revelia do seu comandante, Abdulai Jamanca, que virá a ser fuzilado pelos nossos senhores da Guiné-Bissau, por altuiras do nosso 11 de março de 1975, segundo informação do Amadu Djaló, p. 281) tomou como reféns cerca de duas dezenas de militares metropolitanos que ainda restavam em Bambadinca.


sábado, 12 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9891: Contraponto (Alberto Branquinho) (44): Se estou grávido ou não, não sei, mas...

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 7 de Maio de 2012 com mais um "Contraponto".

Olá Carlos, boa tarde.
Boa tarde, com esta chuva? Why not?
Aqui estou a enviar-te um texto escrito há uns dias, que creio deverá ser o 44. Ou não?
Espero inclui-lo no segundo e último livro sobre a experiência da Guiné: "Ultima CAMBANÇA".

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (44)

 GRÁVIDO?

O capitão miliciano, que comandava a Companhia ali aquartelada, acercou-se da mesa feita de tábuas de caixotes onde um alferes jogava à sueca com outros militares. Jogavam de forma agressiva, brandindo as cartas como se fossem armas, numa concentração total.

O capitão miliciano dirigiu-se ao alferes:
- Antunes, não se esqueça que é você a sair hoje à tarde, antes do jantar.

O alferes não deu sinal de ter ouvido nem manifestou o mínimo respeito hierárquico.

- Antunes, estou a falar consigo. É você que tem que sair mais logo, antes do jantar. Avise o seu pessoal.
- Está bem, chefe – disse sem levantar a cabeça. E continuou a jogar.

- Você ouviu o que eu disse ou não?

O alferes olhou-o, segurando uma carta:
- OK, chefe. Já ouvi.

O capitão afastou-se, com aspecto agastado.

Um outro alferes observava, de longe. Quando o capitão se afastava, seguiu-o com o olhar. Então recordou uma cena ocorrida em Mafra quase no período final da instrução, pouco tempo antes de receberem as divisas de aspirante.

Um grupo de cadetes, onde estava incluído, olhava de longe, com sorrisos irónicos, um grupo de militares com mais que trinta anos, cujas calças e camisas denunciavam serem novos na tropa. Toda a roupa era demasiado grande ou lhes assentava mal nos corpos. Para os cadetes, já inseridos na instituição militar, da qual já tinham absorvido os princípios e comportamentos, aqueles militares pareciam extraterrestres, caídos ali na parada da Escola. Um sargento, novo, aprumado, possivelmente motivado pela função que estava a desempenhar, estava a dar-lhes instrução designada “ordem unida”. Formados a três mantinham o mesmo aspecto desalinhado, mal acomodados dentro das fardas. Até as botas pareciam estar demasiado grandes. Se observados de perto, os rostos transmitiam raiva, indisposição e, até, desespero.

Depois de um período de marcha, durante a qual alguns seguiam de passo trocado, o sargento ordenou alto. A seguir: “Direita volver”. Uns quantos “volveram” para a direita, outros para a esquerda, ficando alguns face a face, cada um interrogando o outro com o olhar: “Estarei certo e tu errado?” Então, o sargento disse que se virassem para ele em “À vontade”.

Para os cadetes, que observavam de longe, aquilo era hilariante. As cenas que aqueles “velhadas” estavam a fazer! Passado pouco tempo, o sargento: “Firme! Sen… up!” Encaminhou-se, então, para a direita da formatura e berrou: “P’la direita – perfilar!”.

- Tronco para fora! Barriga para dentro!

Com a mão levantada foi verificando o alinhamento. Depois caminhou um pouco, para o meio da formatura e postou-se em frente de um, detentor de uma portentosa barriga e exclamou:
- Ó meu tenente! Parece que está grávido!

Inesperadamente, veio a resposta numa voz altissonante:
- Se estou grávido ou não, não sei. Mas que me foderam bem fodido, isso é verdade.

(Era um curso de capitães milicianos que começara nesse mesmo dia).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9587: Contraponto (Alberto Branquinho) (43): Guerra Colonial - Tarrafal 50 anos Depois

Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Maio de 2012:

Carlos, Luís, Magalhães e restante Tabanca Grande
Este é um texto sobre um improvável interesse em relação a um produto que nos acompanhou de forma quase tão constante como as botas ou a G3.
Sobre os benefícios e malefícios do arroz muito foi escrito, mas o que chegou até nós, foi a memória de tempos difíceis como soldados naquela terra que se estranhou e que depois, se entranhou em nós até aos dias de hoje.
As fotos são do meu camarada Caramba e mostram o Restaurante da Morte Lenta em Galomaro, em todo o seu explendor.

Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL (42)

NA GUINÉ O ARROZ DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

Portugal é por herança dos árabes um dos países europeus que cultiva arroz no seu território. Devido ao Advento dos Descobrimentos onde cerca de 100.000 homens embarcaram nas caravelas à conquista de novos Mundos, foi necessária a importação de mão de obra africana, que colmatasse a falta de braços para cultivar os nossos campos e assim também o arroz. Este veio tornar-se da máxima importância, sendo a sua cultura depois distribuída pelos novos territórios das descobertas. Fácil de transportar e de armazenar, utilizável em qualquer situação, o arroz é consumido por mais de metade da população Mundial, com muita incidência no III Mundo onde é um poderoso antídoto contra a fome.

Esses mesmos trabalhadores possivelmente guineenses ou daquela região, fruto da escravatura, diluíram-se posteriormente nas sucessivas gerações e os descendentes, continuam por aí, como provam especialmente as mulheres de tez morena, lábios carnudos, belíssimos cabelos negros encaracolados e não menos belos bronzeados, quando apanham um pouco de sol.

A inegável beleza da mestiçagem bem patente.

Eu nunca fui grande apreciador de arroz, mas o dito é uma parte importante da nossa gastronomia e foi muito importante na guerra. Os exércitos só se movem de barriga cheia, isso quer dizer, que arroz e feijão estão em lugares cimeiros na dieta dos combatentes.

Em tempo de fartura ele come-se em sopa, quem não gosta de um arroz de feijão, malandrinho, de pimentos, de tomate, com grelos, com iroses, de lampreia, arroz doce, de marisco, de peixe, de polvo, com pasteis e no “Pó de Arroz” que o nosso malogrado Carlos Paião tão bem cantava.

Enfim, é um sem fim de iguarias que o nosso arroz tem por base.

Tempos houve que quase foi banido por ser considerado um perigo para a saúde pública, acusando a sua cultura de mais maléfica do que benéfica. Mudam-se os tempos e mudam-se os conhecimentos e aconselham-nos a ter cuidado com certezas e fundamentalismos. Como noutros casos que são bem actuais, misturou-se politica, saúde e interesses económicos, tendo estes sempre a última palavra.

A minha mãe também pegava na colher de pau e dizia, com um olhar carregado de ameaças: “Anda cá que eu já te dou o arroz”!

Mas com a minha ida para a Guiné, o dito atingiu outros patamares gastronómicos de qualidade “insuspeitável”. Lá era sempre branco. Acompanhava feijoadas, “Estilhaços à Chefe”, com gorgulho, com sardinhas de conserva, com salsichas, com Corned Beff, em alguns destacamentos com marmelada, etc, etc..

Era tão importante que quando ele faltava, tínhamos que por vezes com assinaláveis riscos por picadas pouco seguras e até de travessias de rios em canoas, (como aconteceu algumas vezes no Saltinho) de o pedir emprestado a um quartel vizinho, quase como quem pede hoje uma chávena de arroz à vizinha do 2.º esquerdo, salvo as distâncias da comparação.

Dificilmente os nossos cozinheiros: Nascimento, Esteves, “Risinho” e o ajudante Borrego, teriam pretensões a chegar às tão almejadas estrelas Michelin e se não fossem os conhecimentos dos ajudantes africanos, o caso atingiria foros de tragédia.

Ele ficaria como uma bosta branca tipo papa, que se pegava de tal maneira a tudo, e quando se virava o prato ao contrário ele nunca caía. Os nossos especialistas cozinheiros, confeccionavam-no mais ao menos como foi usado para construir a famosa Muralha da China, com os resultados que todos sabemos ou ouvimos falar.

Está lá há muitos anos e até a única coisa construída pelo homem, que é avistado pelos astronautas nas viagens espaciais.

Mas os ajudantes de cozinha africanos cozinhavam-no ao vapor com um sabedoria difícil de igualar, deixando-o solto, que até parecia milagre para quem ainda cá na Metrópole o tinha gramado da forma argamassa que a tudo se colava.

Galomaro City > Restaurante da Morte Lenta

Quando regressei cumprido que foi o serviço militar na Guiné, o dito cujo foi praticamente banido da minha alimentação durante anos, na companhia das tão celebradas latas de conservas. Hoje já o como nas variadas formas com moderação e há uns tempos de visita a uns amigos angolanos, fui surpreendido com arroz de atum superiormente confeccionado pela Dona Verónica, matriarca da família.

Acompanhado com banana, uma belíssima salada a fazer lembrar aromas e sabores africanos… não é que fiquei fã?

Só provando se pode dar o valor.

Um abraço para todos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9889: O Nosso Livro de Visitas (136): Lázaro Ferreira, ex- fur mil art, GA 7, Bissau, Gadamael e Ingoré (de 23 de março a 8 de setembro de 1974), advogado em Braga



Guiné > Região de Tombali > Carta geral da província (1961) (Escala 1/500 mil) > Posição relativa de Cacine, Gadamael Porto e Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri.

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Lázaro Ferreira:

De: Lázaro Ferreira 


Data: 8 de Maio de 2012 17:26
Assunto: Guiné 23/03/1974 a 08/09/1974


Luí
s Graça, Camarada.

Há dias recebi um telefonema de Manuel Vaz, da Póvoa de Varzim, que conseguiu o meu contacto através de um camarada dos lados de Barcelos que me conhecia.

Pediu-me umas informações sobre a Guiné e fez –me umas perguntas, ao que julga relacionadas com o ataque a Gadamael 1973, ao que lhe respondi que cheguei à Guiné, [já em 1974. ] em rendição individual, era da artilharia pesada e estive em Gadamael, depois em Ingoré, e em 8 de Setembro, 2 dias antes da independência, regressei a Portugal.

Gosto do teu blogue. Neste momento não tenho mais tempo para fazer algumas narrativas, mas num dia destes e. se possível ao fim de semana, procurarei contar algumas coisas porque todos nós temos sempre qualquer coisa a ser avaliável por leitor atento e se possível um qualquer historiador da grã-tabanqueira.

O Manuel Vaz [mostrou]  elevada simpatia e curiosidade por encontrar mais um dos piras que esteve nos lados da África Ocidental, em algures da Guiné, nos anos 74.

Algumas minhas referências: 

(i) bfui furriel miliciano (, ecusei ser oficial);
(ii) sou advogado, licenciado pro Coimbra;
(iii) tenho gabinete na cidade dos arcebispos e dos (…), em Braga, junto ao Banco de Portugal / Caixa Geral de Depósitos;
(iv) já estive em alguns casos mediáticos e procurei sair-me bem.

Contacto do escritório: telef. 253 617 048.

Um abraço e bem ajas.
 Lázaro Ferreira

2. Comentário de L.G.:

Já contactei o Lázero, por tefone... Pareceu-me um tipo porreiro, descontraído, com imensa vontade de contar história do seu tempo do GA 7 (Bissau), Gadamael e Ingoré. 

Pelo que me contou,  a sua partida para a Guiné foi adiada com a revolta das Caldas da Rainha, em 16 de Março de 1973. Partiu a 23. Antes disso, passou pelas Caldas da Raínha e Vendas Novas. Estudou no seminário de Braga, tinha habilitações e aproveitamento, na  recruta,  para ir para o COM. Não quis aceitar a proposta do comandante da companhia de instrução, no CSM, porque achava que corria o risco de ir parar a atirador de infantaria.

Passou pelo GA 7, e esteve três meses em Gadamael, julgo que de abril a junho... Pelas minhas contas,  pertenceu ao 23º (ou 15º) Pel Art, comandado pelo nosso camarada C. Martins. Acontece que o Lázaro não se lembra (o que é normal) do nome do alferes do Pel Art.  Apanhou os primeiros contactos com a malta do PAIGC. Diz que era um tipo popular, bom jogador de pingue-pongue, esquerdino... 

Relata-me um episódio que o marcou-..Já com os obuses desativados (possivelmente em junho de 1973), o nosso "pira" foi para fora do quartel, mais uns tantos melros, dar uns tiros ao alvo, no mato... O que causou, naturalmente, algum alvoroço no quartel... O que valeu é que tinham levado rádio... Podiam ter apanhado com umas obusadas, se a ariilharia não estisse já deativada... Falou-me de alguns nomes, como o cozinheiro Tin-tin, de um jogador de futebol (cujo nome não fixei)... Talvez o C. Martins se lembra deste seu furriel, o que também é pouco provável, dado o pouco tempo que estiveram juntos...

Depois disso, foi para Ingoré, na fronteira com o Senegal,  onde fez a retração do aquartelamento. Passou lá muita fominha, ele depois nos contará os detalhes,  Voltou à metrópole em 8 de setembro... Estudou e viveu em Coimbra (a partir de 1978). Ficou de mandar fotos de Gadamael. E de se inscrever no blogue, na sequência do meu convite pessoal.

Quero dizer ao Lázaro que foi um prazer  falar com ele e que à volta cá o espero... Cá o esperamos...

PS - A prova de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande: quando estava a falar, disse-me que tinha, naquele momento, um cliente, que também tinha estado na Guiné, em 1967/69, em Mansoa... e que a sua esposa era  uma das libanesas da terra.

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Nota do editor:


Último poste da série > 8 de maiode 2012 > Guiné 63/74 - P9868: O Nosso Livro de Visitas (135): José Ferreira, ex-1.º Cabo (Bafatá e Teixeira Pinto, 1967/68)

Guiné 63/74 - P9888: (Ex)citações (178): Estrutura do campo de minas (António Matos)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos uma mensagem a propósito da guerra das minas em Bula, publicada em 4 de Maio de 2012 no poste P9850, da autoria do nosso Camarada Luís Faria e onde havia colocado o seguinte comentário: 

"Caro Luís, viva!

Mais uma vez dou uma espreitadela ao blog, rodopio o botão do rato 1/2 dúzia de vezes e detenho-me nesta tua dissertação àquelas aventuras danadas que vivemos conjuntamente. 

Venho aqui para te mandar um abraço e faço-o com a possibilidade de ser extensível a toda a rapaziada que o queira receber.

Falaste de minas e provocaste-me aquele ódio de estimação que elas ainda hoje me causam.

Regredindo àqueles anos 1970/72, plantados que fomos em terra Balanta, acampados em Bula e na área que hoje chamaríamos de grande Bula (à semelhança do grande Porto ou grande Lisboa)- Augusto Barros, Mato Dingal e João Landin - dou por mim, uma vez mais, a suar frio e a acelerar o ritmo cardíaco enquanto desfilam em frente aos meus olhos fechados as mais dilacerantes cenas de gritos de dor por partes do corpo arrancadas brutalmente pela deslocação de ar e perante a impotência de evitar o mal que se instalara já...

Aproveito, entretanto, para mandar uma boca sobre o croqui que desenhaste sobre a disposição das minas nos cachos pois não está correcto.

A incorrecção está no facto de mencionares ( se bem entendo o desenho ) 5 minas por cacho quando elas eram apenas 4: a célebre portuguesa colocada na perpendicular à linha imaginária entre os dois pontos escolhidos como referência do troço e a 1 metro e 1/2 dessa linha; depois e em relação a esta mina, havia outra a 1 metro e 1/2 para a esquerda, outra a 1 metro e 1/2 para a direita e outra ainda a 1 metro e 1/2 para a frente.


Estas 4 minas desenhavam um semi-círculo cujo seguinte mantinha a mesma estrutura mas do lado oposto à tal linha imaginária e assim sucessivamente ao longo de 9 kms e em duas fiadas mais ou menos paralelas.


A densidade de minas por metro quadrado era imensa e tornava-se tarefa quase impossível atravessar o campo sem accionar uma delas.

Já muito se escreveu sobre o número que tu referes como tendo sido um total de 10.000 engenhos.

Eu faço um desafio: se calcularem haver 12 minas colocadas por cada 10,5 metros e se depois multiplicarem por 2 (foram 2 fiadas paralelas), verão que o total foi de 20.000 minas!

Quanto à finalidade daquele campo de minas, tens razão nos teus argumentos pois aquela arma de guerra tinha como finalidade primeira o dificultar dos reabastecimentos entre o IN instalado em Ponta Matar e o de Choquemone (este mais saltitão).

A esta distância ponho-me a pensar no confrangedor amadorismo com que encetámos aquela tarefa a qual era observada pelo inimigo empoleirado nas árvores de tal modo que só apanhámos indivíduos avulso enquanto o Nino passava com várias dezenas de guerrilheiros e não accionavam uma única!

Sirva-nos a experiência para sermos fervorosos pedagogos na abolição de tão execrável material de guerra nos conflitos que por aí andam..."

Camaradas,

Aproveito também para referir que ao reler um comentário que fiz ao poste P9850 do Luís Faria - "Viagens... 52"- convenci-me que pode ter ficado pouco clara a descrição que feita.

Peguei numa folha de papel e rabisquei a estrutura do campo de minas (Bula - S. Vicente) em complemento ao tal comentário.

Anexo esse papelucho pela curiosidade que possa provocar aos que não viveram este tipo de situações. 


Abraços fraternos,
António Matos
Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 – P9887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (18): O primeiro "ataque" a Bissorã

 
1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 7 de Maio de 2012:

Caríssimos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Daqui de Santa Maria da Feira aí vai um grande abraço para vocês a que junto um “Salpico” para blogar.

Rui Silva



Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

- Um salpico! -

Primeiro “ataque” a Bissorã, Uf!

Sabíamos que a nossa missão ali na Guiné e enquanto Companhia de Caçadores passava principalmente por dois tipos de atuação bélica. Uma, era ir ao encontro do inimigo, mato dentro, através de golpes-de-mão aos seus refúgios (as chamadas “casas-de-mato”) e o outro era defendermos o aquartelamento e a população civil ali adjacente e (ou) conivente, de eventuais, mas muito prováveis, ataques. Outras missões passavam por patrulhas à área envolvente do aquartelamento, segurança a colunas de reabastecimentos e à pista da aviação; fazer emboscadas intercetando o inimigo através de informações chegadas de fresco, ou então feitas de rotina; capinagens para uma visibilidade mais abrangente nas faixas laterais e o inimigo mais afastado, pelo menos nas estradas mais utilizadas principalmente, e as rondas noturnas de Bissorã, esta das operações mais temidas ali feitas na Guiné pelo menos na minha Companhia: um jeep com “olhos-de-gato” com uma guarnição de 4 homens, picadas adentro e bastante, (para Olossato, Mansabá, Mansoa, Barro e “Outra banda” ), e nas altas horas da noite. Também as operações Psico (recolha de populações para junto de nós, nos aquartelamentos), e as operações-Vaca (parecia o far-west), estas bem mais rentáveis pois punha-nos a comer bifes invariavelmente, sem esquecer os miolos fritos bem regados a cerveja ao meio da manhã (dos tais salpicos-dos bons mesmo).

Bom, estávamos então era mais centrados nos golpes-de-mão e na defesa dos ataques ao aquartelamento se bem que, estes ali em Bissorã, nós sabíamos que eram cirúrgicos. No meu tempo, Bissorã não era muito atacada e concluía-se que no maralhal que pululava a povoação havia de tudo: informadores (vulgo bufos), pró-turras e até turras mesmo; “carteiros” que levavam notícias frescas e também de transporte de arroz e outros alimentos e com alguma informaçãozinha à mistura. Quando a tropa estava a alinhar para partir para o mato dizia-se que ia “correio” à frente (um aviso que logo nos foi feito pelos companheiros de quartel os “Águias Negras” da 643). Portanto, qualquer ataque a Bissorã, quando era feito, era-o de modo muito seletivo e de alvo bem definido, mais sobre as moranças ou até tabancas com pessoal não pró-PAIGC o que por ali parecia haver pouco. Na “Outra banda”, logo depois de se atravessar o rio Armada, havia mais chinfrim. Só que chegar lá tinha-se de vencer algumas centenas de metros. Julgo que o problema ali era mais de guerra entre etnias se bem que subjacente estava sempre a guerra pela “independência”.

Tínhamos assim de conviver com eles, passar por eles na rua e até conversar, mas, também a presença deles nos servia de carapaça aos ataques. Mas de vez em quando havia refrega principalmente como retaliação aos estragos que lhe infligíamos mormente na véspera imediata. Quando lhe destruíamos os refúgios e não só.

No rudimentar mercado em Bissorã vendiam-se muitos apetrechos elétricos, também de som, vindos ao que se dizia do vizinho Senegal. O ir lá buscá-los era também um bom pretexto para troca de informações e não só. O pessoal “contrabandista” era vigiado e, por vezes, à mínima suspeita, havia interrogatório do duro. Pronto, o estar ali há pouco tempo e ter receio de tudo que mexesse (síndrome de “Periquito”) e com o espectro de um ataque, o dormir tinha os seus pesadelos. Também dependia também da cerveja que se bebesse nas cartas. Havia quem dormisse pianinho e havia quem sonhasse alto ou tivesse insónias, isto numa espécie de casa assombrada até porque o status psico-guerra era latente.

Mas eis que algo de insólito aconteceu numa certa noite e é o motivo deste meu “salpico”. Protagonista principal: o meu querido amigo, Furriel da Companhia, o alentejano e eborense de muita fibra, o Zé Baião. Sempre bem disposto e a dispor bem a malta.

Certa noite, que já ia alta, e quando todos já dormiam em sono pegado, ouve-se gritar bem ali na casa: “Ai, ai”! “Ai o meu braço! Ai o meu braço!...”

A furrielada levantou-se toda à uma, e convergiu para a zona dos gritos de aflição. “Que é isto?” “ Eles aqui dentro?” “Um ataque corpo-a-corpo?”. Todos incrédulos e meio espavoridos fomos dar com o Baião aos gritos já no pequeno corredor que dividia o interior da casa; tinha o braço dormente, pois concerteza tinha estado a dormir com todo o peso sobre ele, e como desconhecia (?) tal estado fisiológico, julgava que estava a perder o braço, e… acordou toda a gente! Aos gritos, gritos de aflição como se o estivessem a matar. Pensamos logo num ataque à casa dos Sargentos. Em breve se recompôs, pois o sangue começou logo a correr normalmente, e então exclama ele ao mesmo tempo que apalpa e ginastica o braço: “Alto que ele já cá está outra vez!”.

Virou-se e foi deitar-se tranquilo e já fisiologicamente perfeito, visto isso, como nada se tivesse passado, nem chamado alguém para o caso. A sua cara parecia até querer perguntar: “ O que é que foi?”

Ficou ele satisfeito, já por ter o braço no seu sítio outra vez, a contrastar com todos os outros, pois não faltou quem ficasse chateado com ele, por tanta lambança por tão pouco e que fez acordar toda a tribo furrielense de forma sobressaltada.

Uns mais exaltados demoraram a calar-se e… a adormecer. Aí o Baião já tinha entrado num sono profundo e com o braço noutra posição naturalmente.

Ai Baião, Baião!!

Eis a nossa casa em Bissorã. Com terraço e tudo. “Periquitos” de pele branca ainda. Ex-casa de colonos com instalações para estabelecimento e tudo. Estávamos com cerca de um mês de Guiné.

O Baião é do meio. De óculos de sol o Furriel açoriano, Vieira, natural da Ilha Terceira, que não fugiu à alcunha de “português de terceira”. O macaquinho aos meus pés morreu mais tarde, já no Olossato, com fratura de crânio num acidente doméstico. À esquerda a tasca do Sr. Maximiano.

Uma vista de Bissorã (foto tirada da net, com a devida vénia ao seu legítimo autor, se reproduz). A seta vermelha indica a casa dos Furriéis da 816 (Jun/Set 1965)

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P.S. -  O nosso muito estimado e querido amigo José Baião morreu já há alguns anos na sua adorada Évora. Muita consternação na malta (que o soube) e a saudade que sempre perdurará. Que descanse em paz e no reino de Deus.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9487: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (17): O Regresso (muita sorte!)

Guiné 63/74 - P9886: Notas de leitura (359): As grandes Operações da Guerra Colonial (3), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo às referências sobre as brochuras publicadas pelo Correio da Manhã*.
Nem sempre houve grandes operações, nem sempre as grandes operações foram rigorosamente descritas, sabe-se lá se por falta de espaço misturou-se abusivamente textos com contextos. Mas era indispensável deixarmos o registo no blogue.
Venho agora dizer-vos com satisfação que estou a acabar as revisões das 500 páginas de A Viagem do Tangomau, vamos ter livro em Junho, imodéstia à parte, estou muito feliz com o produto final.

Um abraço do
Mário


As grandes operações da guerra colonial (3), edição do Correio da Manhã

Beja Santos

Foi graças a António Duarte Silva, que ouviu a minha súplica quanto às 4 brochuras que faltava analisar, todas elas respeitantes à Guiné, que tenho agora ensejo de aqui sumariar os seus conteúdos, diga-se em abono da verdade que são bastante consistentes e vizinhos da prolífica documentação publicada sobre tais temas.

A brochura número IX respeita o massacre de quatro oficiais e vários guias, em 20 de abril de 1970, perto de Jolmete. Três majores e um alferes, colocados no CAOP 1, aceitaram participar num ousado plano aprovado por Spínola para convencer os chefes de guerrilha do chão manjaco a baixarem as armas e a entrarem no Exército Português. O encontro previsto para 20 de Abril fora precedido de outras reuniões. Este, o nono, seria para acertar os pormenores da passagem dos guerrilheiros para as forças armadas portuguesas. Saíram do Pelundo ao amanhecer, nunca regressaram, e durante a madrugada o Comandante da CCAÇ 2586 recebeu a ordem para patrulhar a picada para Jolmete. Puseram-se ao caminho e ao fim de duas horas de marcha foram descobertos trilhos das rodas dos jipes fora da picada. O contingente aproxima-se e faz uma descoberta macabra: os corpos estão todos retalhados. Todos os corpos têm marcas de tiros, disparados pelas costas, e de golpes profundos desferidos por armas de lâmina. Ao amanhecer, Spínola sai de um helicóptero: “O Capitão Eugénio Neves vai ao seu encontro. O General responde apressadamente a continência, olha à volta e estuga o passo em direção aos cadáveres ensanguentados. É travado com firmeza pelo Capitão Neves que lhe pede que não veja os corpos. Spínola olha-o de frente, indeciso, e salta para o chão. O Capitão viu as lágrimas escorrerem-lhe dos olhos. O Comandante-Chefe voltou para o helicóptero”.

Spínola considerava o chão manjaco a área fulcral da luta contra a subversão, lançou aqui as grandes ações de conquista das populações. Houve resultados: população fugida no mato ou acolhida em campos de guerrilha no Senegal voltou às aldeias sobre a proteção das tropas portuguesas. Os três majores massacrados em 20 de Abril eram os inspiradores deste programa, eram eles que conversavam com o chefe da guerrilha André Gomes. O assassínio dos oficiais portugueses pode ser explicado por uma ordem vinda da direção do PAIGC, dirigentes intermédios do partido como M´Bana Cabra e Júlio Biague foram enviados ao chão manjaco e confrontaram os comandantes locais. Resta dizer que André Gomes continuou a comandar a guerrilha neste território.

As três brochuras seguintes encadeiam episódios vividos em 1973: a chegada dos mísseis terra-ar, a retirada de Guileje, a operação Ametista Real, numa tentativa de aliviar a pressão sobre o cerco de Guidage.

A entrada dos mísseis na guerra está sobejamente documentada, o responsável pelo texto, Manuel Catarino, descreve um ambiente internacional, cada vez mais hostil a Portugal, a visita de uma missão da ONU em Abril de 1972 e as conversações de Spínola com Senghor a que Marcelo Caetano recusou com continuidade; descreve o rol de aviões abatidos entre 20 de março de 1973 e 31 de janeiro de 1974, recupera os acontecimentos relacionados com a operação Grande Empresa e os primeiros aviões abatidos.

A tempestade de fogo sobre Guileje é precedida pelo cerco de Guidage que teve lugar na primeira semana de Maio de 1973. Os grupos de guerrilheiros começaram por cortar todos os acessos a Guidage pelo sul e depois bombardearam a povoação de destacamento onde estavam 200 militares e uma pequena aldeia. Foi um cerco infernal: os paraquedistas não conseguiram romper o cerco, as colunas de reabastecimento foram rechaçadas, os feridos em Guidage não podiam ser evacuados. É nessa altura que Spínola pede uma operação para atacar Kumbamory, uma base que dispunha de um formidável arsenal de armamento. Enquanto decorre a operação Ametista Real começa o bombardeamento de Guileje. O quartel de Guileje era a sede do COP 5, chefiado pelo Major Coutinho e Lima. A ofensiva do PAIGC foi desencadeada a 18 de Maio, primeiro emboscou-se a tropa que estava a transportar água do poço para o quartel. A 19 o aquartelamento foi atacado com extrema violência, Coutinho e Lima vai a Bissau e é mandado de volta demitido das funções. No dia 21 ele está em Cacine, a guerrilha já ataca de dia Guileje, Coutinho e Lima chega à noite. As flagelações não causaram vítimas graças à natureza dos abrigos mas no interior do aquartelamento a situação tornou-se insustentável, já não há patrulhas para ir à água, ninguém sai dos abrigos, as infraestruturas estão desfeitas. Coutinho e Lima, ouvidos todos os oficiais de Guileje, decide a retirada que irá ocorrer na manhã seguinte, chegarão pela uma da tarde a Gadamael. Coutinho e Lima será enviado imediatamente para Bissau onde ficou em prisão preventiva. Recorde-se que em 1968 Spínola decretou o abandono de duas posições insustentáveis ali perto, Gandembel e Sangonhá. Moralizados pela retirada de Guileje, as forças do PIAGC lançaram pesados ataques de artilharia sobre Gadamael. Os soldados, desmoralizados e em pânico, fugiram para as matas e bolanhas circundantes do quartel. Muitos foram recuperados por botes dos fuzileiros e transportados para Cacine.

E assim chegamos à última brochura intitulada “Comandos libertam Guidage”. O título é polémico, há autores que consideram que os resultados de Kumbamory não foram determinantes na retirada do PAIGC em Guidage. Como é sabido, o dirigente Manecas dos Santos tem vindo insistentemente a repetir que não havia o armamento e os contingentes apregoados pelas tropas portuguesas nessa base, diz tratar-se rotundamente de uma balela. O que para o facto interessa é que a operação Ametista Real, de acordo com os relatórios portugueses, envolveu três agrupamentos, a luta foi dura e encarniçada, com combates que duraram desde o início da manhã até às duas da tarde e que a equipa de Marcelino da Mata, mesmo debaixo de fogo intenso, foi destruindo grandes quantidades de material de guerra encontrado em paióis que escaparam aos bombardeamentos da Força Aérea. Tem sido contestado, como é sabido, a interpretação de que o ataque a Kumbamory contribuiu para o levantar do cerco. De facto enquanto corria a operação e depois, o quartel continuou a ser flagelado pela artilharia inimiga e só depois é que retirou. Os dirigentes do PAIGC recordam que não podiam deslocar todo aquele arsenal de guerra para Guileje, o que pretendiam era uma manobra de diversão que obrigasse a uma grande convergência de esforços e enfraquecesse qualquer hipótese de desviar um número elevado de efetivos para Guileje. Por ironia, serão os paraquedistas e os fuzileiros que irão, in extremis, apoiar Gadamael, que viveu dias de caos.

E assim acabam as referências às brochuras “As grandes operações da guerra Colonial” no tocante à Guiné.
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

30 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9835: Notas de leitura (356): As grandes Operações da Guerra Colonial, edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)
e
4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9851: Notas de leitura (357): As grandes Operações da Guerra Colonial (2), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9864: Notas de leitura (358): "Horas Malditas", por Manuel Martins (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9885: Cartas do meu avô (3): Segunda Carta: Em Catió (Parte II) (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)




Alemanha, Berlim > Páscoa, 2012 > O J.L. Mendes Gomes com os netos.

Foto: © J. L. Mendes Gomes (2012). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66, vivendo presentemente em Berlim.


SEGUNDA CARTA – EM CATIÓ (PARTE II) (*)

Lichtenrade, Berlim, 14 de Março de 2012

4-  Recordações Boas e Amargas de Catió

 Os momentos da chegada ao quartel, depois do esforço e dos riscos que se tinham sofrido, ficaram para sempre inesquecíveis. Desencadeavam em nós um tal bem-estar e satisfação que quase apetecia dizer que, por eles, tudo tinha valido a pena.

Um banho de chuveiro e uma cerveja grande fresquinha bebida, gole a gole, de papo para o ar e o corpo estendido na cama, acabavam por fazer esquecer e dar-nos a insidiosa sensação de que tão cedo não cairíamos noutra…

Mas não era assim, logo a seguir, haveria serviço noturno a desenvolver, com emboscadas montadas em sítios estratégicos, nas imediações de Catió, para criar  insegurança ao inimigo e afastar-lhes a tentação de ataques súbitos. Para isso, havia uma escala de serviço para cada pelotão.

Nunca me esquecerei daquele Domingo, de manhãzinha, em que fui acordado pelo alferes Arlindo Barros, - exercia, por assim dizer, as funções  de  segundo comandante da Companhia – para sair imediatamente com o meu pelotão, porque andavam a raptar populações inteiras em certo sítio, fora de Catió. [, foto do quartel à direita, 1968, foto do nosso saudoso Victor Condeço]

Rapidamente, sem grandes apetrechos, estávamos a caminhar através de matas e bolanhas, guiados por uns elementos nativos que conheciam bem o terreno.  A caminhada durou o dia inteiro. Apenas levávamos connosco o cantil cheio de água. De comer não. 

O calor era tórrido e sem abrigo, em muitos lanços da caminhada.  O que mais falta fez, na realidade foi a água. Eu pensei a sério, em beber a minha própria urina… não sei se alguém o fez. Só sei que tive de beber água escaldante esverdeada dos charcos das bolanhas filtrada na minha camisa.  Para refrescar o corpo, molhava-nos todos onde se podia. Momentos depois a roupa estava seca sobre a pele.


[Foto do bar do quartel  de Catió, à direita, 1968, foto do  Victor Condeço, 1943-2010; na imagem, ele é o primeiro da esquerda]

O regresso a Catió foi lancinante. Para além do cansaço, tinha-se-me esfolado a zona entrepernas a ponto de sangrar.  Terá sido, para mim, pelo menos, a prova mais dura de todo tempo de comissão. E o resultado foi nulo. Não se aprisionou ninguém. A tal ponto que este feito, no final, inesperadamente, determinou- me a atribuição do meu único louvor, pelo comandante de companhia o qual não mereceu, como seria de esperar, nenhum reconhecimento pelo novo comandante de batalhão.

E  houve de facto uma razão forte.  Foi que, este comandante, o tal de tão mau feitio e igual formação, que lhe mereceu uma agressão de alguém, anónima, na cabeça, pela calada da noite, quando deambulava no interior do aquartelamento.

Quando pôde voltar ao almoço na messe, cabeça toda entrapada, recomendou a todos os oficiais que transmitissem aos seus subordinados que ele mesmo promoveria ao posto acima quem denunciasse o agressor. 

Claro que ninguém quis ser promovido, gratuitamente.

Fosse pelo que fosse, eis que, de supetão, decidiu empreender, por sua inteira iniciativa, uma minioperação, que consistia num golpe de mão a um aquartelamento inimigo, algures, para os lados do Cantanhez.

Sairia a minha companhia só, reduzida a dois pelotões, o 2º e o 3º pelotão, o primeiro ficaria de guarda ao quartel.  À frente seguiria o pelotão de nativos,  comandados pelo famoso J. Bacar Jaló [, foto à esquerda, em Catió, em 1967, já graduado em tenente de 2ª linha: foto de Benito Neves].

Foi a nossa salvação.  Este alferes nativo conhecia muito bem o terreno e o que por lá havia.
 - Ó nosso alferes! Isto é uma grande asneira. Muito perigosa. Se tentarmos lá ir tenho a certeza de que seremos todos mortos como passarinhos. – exclamava-me ele atónito, e preocupado, não por si.

Toda a gente sabia como ele era uma pessoa muito séria, do seu valor, coragem e capacidade de comando no terreno. Se o dizia tão desassombradamente era porque era mesmo verdade.

Que é que nós podemos fazer contra tamanha força ali existente, de fonte segura. Nem um batalhão, quanto mais, três pelotões, armados só de G3, bazucas e morteiros. Sem apoio aéreo ou de artilharia. Era um golpe de mão.

Era melhor ser um único pelotão. Por exemplo o meu…continuava ele espumando de raiva.  Eu era o comandante da operação. Pelo facto de ser mais antigo que o comandante do 3º pelotão, o alferes Gonçalves.

 Conferenciei com ele. Logo se veria o que faríamos. Quando já estávamos a pisar terreno de alto perigo, muito próximo da entrada na mata onde ficava o quartel inimigo, apareceu no céu, muito alta, uma avioneta que transportava o autor da operação.

Entrou em contacto comigo via rádio. Informou que estávamos perto do objetivo . Que estava a chegar um bombardeiro de Bissau para metralhar a mata. De seguida e à sua ordem  deveríamos entrar mata dentro.
 - Entendido, nosso alferes?  -  Não respondi logo.

[Foto à direita: pista de Catió, janeiro de
1968. Autoria: Victor Condeço, 1943-2010]


O raio do rádio tinha de avariar naquele preciso momento…
 - Está-me a ouvir ou não? – gritava lá do alto.

Nunca eu sentira tamanha responsabilidade às minhas costas. Sempre pensei que apenas iria cumprir , mas integrado na companhia, à responsabilidade do comandante.

As palavras do J. Bacar Jaló badalavam-me insistentes na cabeça.
- Não. Não vou pôr , tão ingloriamente, em risco a minha e as vidas dos meus soldados. Aconteça o que acontecer. – pensei para mim.

Recusei responder-lhe, a tudo quanto ouvia, simulando uma avaria nas transmissões. O comandante gritava mais e mais.
 - Ó nosso alferes, está desobedecer-me. Vai ser preso quando chegar ao quartel. Por desobediência em teatro de guerra. Por que, de certeza,  me está a ouvir.

E estava mesmo. O Gonçalves disse que eu é que era o comandante. Fazia o que eu dissesse. O J. Bacar Jaló mantinha tudo o que dissera:
 - Vamos morrer todos, nosso alferes!

Não vamos. Decidi. Ficamos ali parados no meio da bolanha.

Às tantas apareceu lá longe o tal bombardeiro. Deu umas voltas em redor e,  subitamente,  orientou-se na nossa direção, picou sobre nós.  Roncando assustador, como uma terrível fera. Ensurdecedoramente.
 - Vamos ser bombardeados, por engano. – Gritei.

[Foto à esquerda, vista aérea de Catió, janeiro de 1968. Autoria: Victor Condeço, 1943-2010]


Não foi preciso mandá-los. Logo uma série de soldados se despiu as camisas para lá de cima verem que éramos nós… e acenavam-nas desesperados,  mirradinhos de medo.

Por momentos, pensei e todos nós que muitos iriam ficar ali para sempre. Foi tudo muito rápido. Assim como picou em direção a nós assim se elevou, sem nada acontecer.

Passados mais uns momentos, começámos a ser atingidos por granadas de morteiro e bazuca vindas da orla da mata. Respondemos como pudemos. O resto foi o bombardeiro quem resolveu. Metralhando ferozmente toda a mata e a orla donde vinha o fogo.

A famigerada avioneta tinha desaparecido há muito nos céus. Que estávamos nós lá a fazer? Mandei regressar.

 No dia seguinte, fui chamado à sala do comando. A tal onde se explicavam as operações.  Estavam todos os oficiais do batalhão e da minha companhia.   Solenemente, o comandante chamou pelo meu nome. Pus-me em sentido.
- Nosso alferes Mendes Gomes, ontem o senhor negou-se a cumprir as minhas ordens.
- Que ordens, meu comandante?
 - Não me diga que não ouvia o que eu lhe disse pelo rádio.
 - Eu não ouvi nada, meu comandante. Está aqui o comandante do 2º pelotão e o alferes J. Bacar Jaló que estavam à minha beira para testemunharem se foi ou não verdade.


[ Foto à esquerda, da autoria de benito Neves Catió > 1967 > Lagoa entre Catió e Príame].


O rosto do comandante toldou-se, não sei se de raiva se de gozo voraz. Iria apanhar-me de certeza- pensou para consigo.
- Nosso alferes Gonçalves, é verdade o que ouviu da boca do nosso alferes Mendes Gomes?
- Sim. É verdade. O rádio não transmitiu nada.
 - Alferes João Bacar Jaló, que me tem a dizer?
- É tudo verdade o que foi dito pelos nossos alferes.

O comandante ficou embatocado. Nunca esperou ouvir o que ouvira.  Parecia que estava tudo combinado. Mas não. As reações dos meus camaradas foram espontâneas. Em total solidariedade. Aquela operação era um suicídio…

Perante tão claros e peremptórios testemunhos, que provas tinha ele do contrário?  Absolutamente nenhuma.  Mesmo assim, já estava tudo decidido.
Mandou ler a repreensão agravada que já vinha preparadinha…

 Uma vez lida, a magna reunião tão solenemente como começou assim terminou.  Respirei de alívio.
 - Quero lá saber da repreensão…- pensei.

Bem temi que iria parar à prisão militar.

[Continua]

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Nota do editor