sábado, 12 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10928: Tabanca Grande (380): Joaquim Ruivo, grã-tabanqueiro n.º 598, alentejano, ex-1.º cabo mec , obus 8.8, BAC 1 (Santa Luzia, Bissau, out 61 / fev 64)



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > "O porto de Mindelo, quando da minha passagem em 1961 a caminho da Guiné... Aqui, na cidade de Mindelo, na Casa Leão, era onde se compravam os rádios Hitachi mais baratos."


Guiné > Bissau > 1961 > "Navio Alfredo da Silva a atracar no porto de Bissau"


Guiné > Bissau > "Poilão que existia dentro do quartel em Bissau, onde estive colocado e onde foi colocado um posto de observação. Os degraus em ferro que se vêm foram feitos por mim".


Guiné > Bissau > BAC > Guião da unidade. Divisa: "Os olhos na Pátria e a Pátria no coração"




Guiné > Bissau "Chegada ao quartel de Santa Luzia dos recrutas de 62".


Guiné > Bissau > 1962 > "Quartel em Santa Luzia, em dia do Juramento de Bandeira"


Guiné > Bissau > "Pessoal da BAC, confraternizando no dia da Artilharia"

Guiné > Bissau > BAC > "Todos os obuses existentes na Guiné, em 1963"


Guiné > Bissau > "Ninho de térmitas"


Guiné > Bissau > "Capela de Santa Luzia em Bissau. Nesta Capela esteve em câmara ardente, uma das primeiras vitimas da guerra: um capitão de Cavalaria, bem conhecido em Bissau por ser um grande desportista".



Guiné > Bissau > "Antigo Aeródromo de Brá (em 1962 só existia este monumento e dois hangares em ruínas)".



Guiné > Região do Oio > Lavadeiras junto à ponte de Mansoa.


Guiné > Bissau > da esquerda para a direita: Joaquim Ruivo, Marmelo e Nuno

Fotos (e legendas): © Joaquim Ruivo (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Ruivo, publicada na nossa página do Facebook, em 5 de janeiro de 2013:

Olá, amigos tabanqueiros.... Vou apresentar-me: o meu nome é Joaquim Ruivo, fui para a Guiné como 1º cabo mecânico de armas pesadas e fui colocado numa unidade de artilharia (obus 8,8),  formada por naturais da Guiné. Fui em Outubro de 61 e vim em Fevereiro de 64. Por isso tenho mais tempo de paz que de guerra.

A minha participação directa na guerra foi em Catió a preparar os obuses par participarem na operação Tridente.

Sinto-me lisonjeado por passar a pertencer à Tabanca Grande.

2. Comentário de L.G.:

O nosso camarada Joaquim Ruivo é natural de  Brotas, Evora. Nasceu a 3 de Agosto de 1939. Vive em Vendas Novas. Tem página no Facebook. É um dos camaradas do tempo da mauser e do caqui amarelo. Ainda conheceu  a Guiné em paz, relativa. Cumpriu dois anos e cinco meses de comissão de serviço, o que foi obra!...

Através de uma seleção das suas fotos no Facebook, tentámos fazer uma reconstituição do seu percurso na Guiné, desde a sua viagem em outubro de 1961 (passando pelo Mindelo, São Vicente), até à sua colocação na BAC (Bateria de Artilharia de Campanha), em Santa Luzia, com passagem por Mansoa e Catió, e finalmente o regresso a casa, em fevereiro de 64. Ficamos a saber, por exemplo, que era fraca a presença da artilharia de campanha, que as guarnições do obus 8.8 eram constituídas por pessoal do recrutamento local e que chegou a haver um aeródromo em Brá, antes da BA 12, em Bissalanca.

Joaquim, como eu te tinha prometido, estás apresentado à Tabanca Grande. És o grã-tabanqueiro nº 598. Como sabes,aqui  tratamo-nos por tu, como camaradas de armas que fomos. Isto facilita a comunicação entre nós. Não importam as diferenças do passado nem sequer as de hoje.

Obrigado pelas tuas fotos e respetivas legendas. Fico à espera que me mandes uma pequena história do teu tempo, de que te lembres. Terei muito gosto em publicá-la. Vejo também que és um avô babado e amigo do teu amigo. Senta-te aqui ao pé da gente, debaixo do poilão da nossa Tabanca Grande, e deixa fluir a tua memória.  Gostávamos, por exemplo,  em que data é que te apercebeste de que havia guerra na Guiné. Tudo começou em 23 de janeiro de 1963 (como dizem as crónicas oficiais do PAIGC), com o ataque a Tite, ou já havia escaramuças antes ?

Um abraço de todos os nossos editores. Tens aqui o nosso endereço de email: 
luisgracaecaamaradasdaguine@gmail.com. Precisamos agora de saber o teu.
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10914: Tabanca Grande (379): José Augusto Miranda Ribeiro, ex-Fur Mil da CART 566 (Cabo Verde e Guiné, 1963/65)

Guiné 63/74 - P10927: Do Ninho D'Águia até África (43): Lodo e tarrafo (Tony Borié)

1. Quadragésimo terceiro episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (43)




A manhã não estava muito quente, regressavam de tomar banho nos três furos de água que havia a sul do aquartelamento, de onde vinha uma água quente, mesmo muito quente, a cheirar a enxofre ou coisa parecida. Traziam já o cigarro “três vintes” na boca, e o Curvas, alto e refilão, dizia ao Cifra:
- Tu não sabes o que é guerra, cala-te, tu és “tropa fandanga, tropa manhosa”, gostava de te ver a atravessar uma zona de lodo e tarrafo, sempre com o coração nas mãos, à espera de uma emboscada!

O Cifra ouvia e nada dizia, pois sabia que era verdade.

O Setúbal, acrescenta:
- Tenho mais medo de caminhar no lodo do que, às vezes, enfrentar uma emboscada, tens que caminhar, direito e sempre com todos os sentidos de alerta e equilíbrio, pois se cais, e não vai mais do que um companheiro a teu lado, é um grande problema para saíres, quanto mais força fazes, mais te enterras, e o companheiro que vem até a ti para te ajudar, se também se enterra, então é um desastre, tem que ser alguém a estender-te algo a que te possas agarrar para que aos poucos te vás safando. Então, nossa querida G-3, mais todo o equipamento que carregamos, fica com o dobro do peso. Quando se tem o azar de cair, é melhor não haver contacto físico, a maldita lama parece que tem cola, quando colocas o pé e o enterras na lama, ao tirá-lo, faz vácuo e quando se tenta mover os pés, fazemos muito mais esforço do que o normal, daí um substancial cansaço, e se não se tem os cinco sentidos apurados, entramos em pânico.


O Cifra continuava a ouvir, e compreendia que aquilo era verdade. E o Curvas, tirando o cigarro da boca, continuava:
- E não te quero dizer nada do que sucederia se ficasses enterrado na lama e a maré começasse a encher, depois logo a seguir à lama vem o maldito tarrafo, que é toda aquela vegetação, seca por baixo e verdejante por cima, que quando a maré está cheia, vista de longe é muito linda, mas quando não há água, até mete medo. Vem logo a seguir à lama, e temos que ter força para o atravessarmos, sempre arredando para o lado aquela vegetação tinhosa, cheia de mosquitos, e dizem que é lá que se metem os crocodilos.

E logo o Setúbal, fala mais alto, e diz:
- Também não exageres, pois eu nunca vi nenhum, mas depois a maldita lama entranhada no camuflado, com as minhas botas rotas, onde entra água e toda a porcaria, é um sacrifício caminhar. Quando vai o alferes da companhia de intervenção, e não quer parar, sempre com aquela voz fininha: “vamos, vamos, que se faz noite”, parece tal e qual as gajas que à sexta-feira apareciam na minha aldeia para fazerem “uma geral”.


O Cifa continuava a ouvir, e ia dizer que era verdade, mas o Curvas, alto e refilão, logo lhe dizia:
- Cala-te, essas mãos e essas unhas nunca sentiram uma G-3 com o cano em brasa e tu desesperado para dares mais fogo, não teres mais balas, portanto és “tropa rafeira, tropa fandanga, tropa manhosa”.

Entretanto chegaram ao dormitório, atiraram o resto cigarro para o chão, entraram ouviram o Trinta e Seis, baixo e forte na estatura, gritar para o Curvas, alto e refilão:
- Porra, estava à vossa espera para ir-mos ao café, pois já sabes, se chegas tarde, o Arroz com Pão, que era o cabo do rancho, fica pior que estragado, e ficas sem comer até ao meio dia.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10911: Do Ninho D'Águia até África (42): O Cifra encontra um inimigo (Tony Borié)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10926: (Ex)citações (205): Ainda eu, o comandante Alpoim Calvão e a Operação Nebulosa (Jorge Félix, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70)


Guiné > Teixeira Pinto > 1969 >  "Rebordão de Brito, Fernando Giesteira, e eu" (JF) [Ou não será antes, da esquerda para a direita, Fernando Giesteira, Rebordão de Brito e Jorge Félix ?]

Foto: © Jorge Félix (2013). Todos os direitos reservados 


1. Mensagem do Jorge Félix [, foto à direita, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70]

Data: 9 de Janeiro de 2013 17:22

Assunto: Comentário a comentário(s) ao poste P10891 (*)

Meu Caro Luís Graça,

Vou novamente pedir a tua paciência, para dares seguimento a este mail.

...Não consegui fazer-me entender, culpa minha, desde já as minhas desculpas .

Retribuo os meus sinceros cumprimentos aos autores do livro e a ao Senhor Comandante Alpoim Calvão.

(Junto uma foto de 69 em Teixeira Pinto onde consta Rebordão de Brito, Fernando Giesteira, e eu).
Sem mais.

Abraço do tamanho do Geba

Jorge Félix
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Nota do editor:

(*) vd. poste de 3 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10891: (Ex)citações (204): Alpoim Calvão e a Operação Nebulosa: revelações de Jorge Félix, ex-alf mil pil av heli AL III, e comentário de João Meneses, 2º ten fze, RN, DFE 21, 1972

(...) JCAS deixou um novo comentário na sua mensagem "Guiné 63/74 - P10891: (Ex)citações (204): Alpoim ...":

... no intuito de concluir o m/comentário supra (o qual pouco depois, em conjunto aos conteúdos dos vossos p10877 e p10891, fiz chegar a conhecimento do biografado), reproduzo, para benefício de todos os membros deste blogue e seus leitores, um recente email:

---«quote»---

de: guilherme alpoim calvao
para: Abreu dos Santos (senior)
data: 06Jan2013 19:43
assunto: Re: "Alpoim Calvão e a Operação Nebulosa: revelações de Jorge Félix"

Prezado Amigo, boa noite.

Sobre o comentário do Jorge Félix, tenho a dizer-lhe:

Parece que as pessoas andam com as sensibilidades exacerbadas. Não há ninguém, nos fuzileiros e na Marinha, que não teça os maiores elogios à actuação da FAP no teatro-de-operações da Guiné, incluindo dois dos autores, oficiais do quadro de fuzileiros e combatentes na Guiné!

A apresentação do episódio da Nebulosa, resume-se ao seguinte:

Necessidades operacionais obrigavam-me a estar em Bissau a uma certa hora, impossível de cumprir com o meio naval em que estava embarcado. Tomei pois a decisão de enviar msg para o CDMG pedindo que fosse contactada a FAP, para me ir pescar num banco de areia que, com o subir da maré, ficava completamente submerso e onde a Marinha tinha colocado recentemente uma marca com reflector para radar. Desembarquei imediatamente, sem esperar resposta para não perder as condições da altura da água. Entretanto a msg foi cifrada, telegrafada, recebida no CDMG, decifrada e o Comodoro entrou em contacto com o Cor. Diogo Neto, que sabia o porquê do pedido e que, pelos vistos, deu uma ordem ao Jorge Félix para me ir buscar. Como a marca não estava assinalada na carta geográfica – utilizei uma carta hidrográfica –, enquanto esperava pensei que era mais uma dificuldade para o piloto. Mas tinha a certeza que me iriam encontrar.

Agora veja os tempos: desde o meu desembarque até o pedido chegar ao Cor. Manuel Diogo Neto, 90 minutos, mais o tempo de voo e de busca, com a maré a encher, senti que tinha passado um século!!!

Quando me aproximei da marca para evitar um banho forçado, vi que já lá estava um náufrago – em crioulo, "irã ceco" –, que vulgarmente chamávamos de jibóia. Como não sou herpetólogo, provavelmente classifiquei mal o bicho, que tinha entre três ou quatro metros e, dado ser uma constritora, não me apetecia mesmo nada disputar terreno com ela! Pouco depois chegou o heli, que me pescou finalmente, como era esperado.

Saliento que estava desarmado, sem meios de comunicação, isolado, mas tinha tanta confiança na FAP que não pensei duas vezes. Sabia que haviam de me encontrar!

Tirei o 'brevet' na Guiné, tendo por instrutores o então Major Lino Miguel, por vezes o Cor. Neto ou o Orlando Amaral.

Já agora, agradeço ao Jorge Félix a boleia do passado e esteja certo da nossa maior consideração pela FAP, que foi o anjo guardião, dos céus dos nossos teatros-de- operações.

Melhores cumprimentos e um Abraço

G. Alpoim Calvão

---«unquote»---
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Guiné 63/74 - P10925: Notas de leitura (448): Amílcar Cabral, Unité et Lutte (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
À semelhança da antologia que organizara para o uso dos quadros do PAIGC, na Guiné-Bissau, Mário Pinto de Andrade organizou nos mesmos moldes uma antologia que veio a ser publicada em França pela Maspero. Reúne, na ótica de um ideólogo que conviveu muitíssimo com Cabral, o que há de mais saliente para conhecer o ideólogo, o revolucionário, o organizador, o diplomata, o chefe de partido.
Mário de Andrade procurou fixar o pensamento luminoso, a linguagem acessível, a extraordinária capacidade pedagógica, o pensamento independente dentro de referentes tipicamente marxistas mas com uma grande abertura que chocava outros pensadores congéneres daquele tempo.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, os textos fundamentais

Beja Santos

Em 1980, a conceituada Librairie François Maspero publicava, com a coordenação de Mário Pinto de Andrade, uma seleção de textos de Cabral. Mário de Andrade, vale a pena insistir, foi um dos mais importantes ideólogos angolanos, teve larga convivência com Cabral, admiravam-se reciprocamente, a sua biografia do líder do PAIGC ainda hoje é obra de incontestável importância e esta seleção de textos mostra inequivocamente como Andrade conhecia as comunicações de maior peso de Andrade. Como se passa a referir.

O primeiro texto desta antologia intitula-se "Relatório geral sobre a luta de libertação nacional" apresentada na Conferência das organizações nacionalistas da Guiné e das ilhas de Cabo Verde, que se realizou em Dakar, em Julho de 1961. Trata-se da primeira dissertação de Cabral sobre o colonialismo, é um documento pleno de vivacidade, uma comunicação que pretende abraçar os diferentes manifestos colonialistas, com destaque para Angola. Refere a conferência das organizações nacionalistas das colónias portuguesas (realizada em Casablanca em Abril de 1961), refere a situação económica e social da Guiné e Cabo Verde e considera que a luta anticolonial está ao nível dos interesses fundamentais dos povos africanos e da paz mundial.

O segundo texto é de uma importância primordial, intitula-se “Os princípios do partido e a prática política”, é a coletânea das suas comunicações no seminário de quadros que se realizou em Conacri, em 1969. Temos aqui o registo do pensamento político de Cabral, a excelência da sua pedagogia, a visão do revolucionário. Aborda a unidade e a luta, socorrendo-se de imagens comuns, mostra-se conhecedor da vida guineense e da realidade cabo-verdiana. Depois centra-se na realidade, e fala da economia, da sociedade e da cultura, chama a atenção para o peso do animismo e apela para que os preconceitos e as crenças não sejam proibidos, que haja um diálogo para despertar nos camaradas ideias novas, instrução e compreensão da realidade. Quanto à realidade política, anuncia que a vida partidária não é para dar lugar a ministros e a gente que queira cuidar dos seus interesses, o PAIGC deve estar ao serviço de toda a população, a sua direção política, os seus quadros militares deverão ser plebiscitados pelo povo, só se deve premiar a responsabilidade e a competência e refere concretamente o papel da mulher, não ilude a aspereza do tempo que a luta armada reserva aos combatentes, haverá ainda muitos sacrifícios pela frente. E passa para a natureza da luta do povo, pelo povo e para o povo, para esclarecer contra quem se está a lutar e quais os objetivos da luta; aqui a sua linguagem revela a sua preparação marxista, luta-se contra o capitalismo e o imperialismo graças a forças materiais ou espirituais que configuram a vontade popular para atingir a liberdade, a independência e a justiça. Como se estivesse a estabelecer as bases de uma política externa, insiste na natureza da independência de pensamento do PAIGC face a todos os seus aliados, refere a solidariedade com os povos em luta e agradece o apoio que tem sido concedido pela Guiné-Conacri.

O trabalho partidário é pormenorizadamente abordado e explica a democracia revolucionária, a exigência de combater todo e qualquer oportunismo, exaltando a sinceridade nos debates como obrigatória. Documenta as tarefas do trabalho político e os perigos do laxismo, em que consiste a segurança, a importância das milícias populares e como estas devem estar enquadradas pelas forças armadas. Chamo a atenção para a economia das zonas libertadas e para a importância do bom funcionamento dos armazéns do povo.

“A arma da teoria” é o título da comunicação que ele proferiu em Havana no contexto da conferência de solidariedade dos povos de África, Ásia e América Latina, em Janeiro de 1966. Todos os investigadores do pensamento de Cabral consideram esta intervenção como o seu exercício ideológico mais original, mais visionário.

Surpreendo os ortodoxos, reaprecia o conselho de luta de classes, reavalia o modo de produção para ilustrar que a situação colonial é bastante distinta da luta conduzida pelo proletariado. A luta anticolonial é liderada por uma peque a burguesia autónoma que aceita o papel revolucionário.

“O papel da cultura na luta para a independência” foi uma intervenção de Cabral lida numa reunião da UNESCO e releva também a sua visão distinta de que a cultura tem um papel determinante no processo de independência, quem está a ser libertado tem que regressar às origens, é aqui que se dá a cisão entre a pequena burguesia revolucionária e aquela que se resigna à dominação estrangeira e que partilha os valores do colonizador.

A segunda parte da antologia intitula-se “A prática das armas”, inclui o famoso memorando do PAIGC ao Governo português, tem a data de Dezembro de 1960, mostra a evolução do pensamento da ONU quanto à independência das colónias e apresenta um caderno reivindicativo encimado pelo reconhecimento dos direitos dos povos guineenses e cabo-verdianos à autodeterminação. O segundo documento data de 1963 e fala já da luta de libertação nacional. Vem ali referida a declaração do ministro Gomes Araújo de que o PAIGC já tinha um controlo territorial de cerca de 15 %. Cabral refere existir terra libertada na região do Oio, uma quase total desorganização do sistema de comunicações entre Bissau e o interior, a instalação da guerrilha na zona de Binar-Bula. E sintomático do desespero colonial era o reforço em material de guerra e soldados: em 1959, havia mil militares, em 1961 5 mil, em 1962 10 mil, o número de 1963 ascendia a cerca de 20 mil homens e ao recurso a bombardeamentos maciços.

No relatório datado de Dezembro de 1966, sobre a situação da luta de libertação nacional, Cabral fala sobre os aspectos da guerrilha guineense, chamando a atenção que enquanto as incursões às terras libertadas iam diminuindo, cresciam os bombardeamentos e o uso das tropas especiais, chamando a atenção para a existência de casernas e quartéis fortificados que praticamente se limitavam a cuidar os seus abastecimentos e a lançar morteiradas ou granadas de obus em terras libertadas. Nesse relatório faz-se uma apreciação da situação catastrófica da economia colonial e termina o enunciado com as perspectivas de luta para o ano seguinte. No relatório sobre a situação referente a 1967, fala um efetivo de 35 mil militares, nos sucessos do trabalho político do movimento de libertação e de como os apoios internacionais se tinham intensificado.

Estes relatórios sobre a situação de luta anuais tinham um uso interno e externo, com o passar dos anos Cabral usava a panóplia de argumentos em areópagos internacionais, como comités da ONU ou reuniões da organização da unidade africana. Explora erros e dislates de documentos portugueses, caso de um documento emanado do general Kaulza de Arriaga, comandante-chefe em Moçambique, e dirigido ao presidente da República em que alegadamente dizia que a subversão é uma guerra sobretudo de inteligência e que os povos negros não eram altamente inteligentes, pelo contrário, estavam ao nível mundial entre os povos menos inteligentes.

A antologia inclui ainda as famosas palavras de ordem, documentos sobre as relações internacionais, o comunicado em que se anuncia a criação da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau e a mensagem de Janeiro de 1973, conhecida por “Testamento político de Cabral”.

Em suma, uma antologia que permite captar os rasgos de génio do organizador, do ideólogo, do diplomata, do revolucionário.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10906: Notas de leitura (447): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10924: Meu pai, meu velho, meu camarada (36): Fotos recentes do Mindelo, em memória do meu avô Luís Henriques (1920-2012) (João Graça)


Foto nº 150 > 9/11/2012 > 11h11 > Mindelo > Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo


Foto nº 192 > 9/11/2012 > 12h56 > Mindelo > Baía do Porto Grande



Foto nº 152 > 9/11/2012 > 11h59 > Mindelo > Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo



Foto nº 154 > 9/11/2012 > 12h05 > Mindelo > Marina e Monte Cara, ao fundo



Foto nº 201 > 9/11/2012 > 14h45 > Mindelo > Praia da Laginha, porto e Ilhéu dos Pássaros, e a silhueta da Ilha de Santo Antão ao fundo


Foto nº 191 > 9/11/2012 > 12h59 > Mindelo > O calçadão da Praia da Laginha



Foto nº 161 > 9/11/2012 > 12h11 > Mindelo > Edifício da Câmara Municipal



Foto nº 150 > 9/11/2012 > 11h11 > Mindelo > Edificío da "Alliance Française"



Foto nº 209 > 9/11/2012 > 16h45 > Mindelo > Av Marginal > Réplica local da Torre de Belém, antiga capitania dos portos, na Praia de Bote.


Foto nº 211 > 9/11/2012 > 16h57 > Mindelo >211 > Rua típica, de estilo colonial



Foto nº 183 > 9/11/2012 > 12h24 > Mindelo > Praça Nova, na Av 5 de Julho, um dos pontos centrais da vida social mindelense.




Foto nº 169 > 9/11/2012 > 12h13 > Mindelo > Interior do "Café Lisboa".




Foto nº 170 > 9/11/2012 > 12h13 > Mindelo > Rua de Lisboa, o "Café Lisboa", um dos ícones da cidade. É gerido por uma das antigas glórias do futebol português e caboverdiano, o Alberto Gomes. Esta é um das ruas  nevrálgica da cidade.




Foto nº 184 > 9/11/2012 > 12h25 > Mindelo > Quiosque Praça Nova, na Av 5 de Julho, um dos pontos centrais da noite mindelense.


Foto nº 295 > 9/11/2012 > 16h45 > Mindelo > Rua típica, com vendedores ambulantes

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 9 de novembro de 2012 >  Fotos do álbum de João Graça, que passou por aqui, e passeou pela "capital da morabeza", em trânsito para a Ilha de Santo Antão, com a sua banda, os Melech Mechaya, por ocasião do Festival Sete Sóis Sete Luas. Mindelo, cidade cosmopolita com uma arquitetura  de toque colonial que reflete a influência portuguesa e inglesa, é a capital cultural de Cabo Verde, a terra da Cesária Évora, B.leza, Bana, Luís Morais, Tito Paris,  Bau, e de outros grandes músicos e cantores, terra da morna, da coladera, do funaná, do festival da Baía das Gatas... Terra que faz parte da minha infância e à qual nunca fui... Espero ainda ir um dia, mesmo sem o meu pai que amou tanto aquela terra... (LG)

Fotos: © João Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]

Ao João, 
que foi visitar o avô Luís Henriques (1920-2012)
ao Mindelo,
em 9 de novembro de 2012,
seis meses depois da sua morte.


Ouço os passos do meu avô,
arrastando as botas cardadas
ao longo do calçadão da Praia da Lajinha.
E, mais atrás, vislumbro
a sombra frágil do seu impedido, o Joãozinho,
que há-de morrer, meses mais tarde,
por volta de junho de 1943.
De fome. Da grande fome.

Ouço a voz do dr. Baptista de Sousa,
diretor do hospital:
- Então, ó nosso cabo,
há quantos meses é que estás na ilha ?
- 26 meses, meu capitão.
- Eh!, pá, estás farto de engolir pó,
vou te já mandar p'ra casa!

Ouço o meu avô falar, em verso,
em certas noites de luar,
com o Monte Cara,
a Baía do Porto Grande,
e o Ilhéu dos Pássaros.

Ouço o meu avô perguntar
ao Fortunato Borda d'Água
enquanto lhe escreve mais uma das suas cartas
às suas namoradas:
- Ó Fortunato, afinal, de quem é que tu gostas mais ?
Da que ri ou da que chora ?

Vejo uma multidão de gente,
portugueses, africanos, ingleses,
erguer-se do Monte Verde,
abraçar a ilha
e cantar uma morna
à doce e mágica cidade do Mindelo.

Luís Graça

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de dezembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10793: Meu pai, meu velho, meu camarada (35): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte II (Adriano Miranda Lima)

Guiné 63/74 - P10923: Blogpoesia (316): Apat(r)ia... (J.L. Mendes Gomes)

1. Em mensagem do dia 7 de Janeiro de 2013, o nosso camarada J.L. Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil e Catió, 1964/66), enviou-nos este poema para publicação:


APAT(R)IA

Ardem-me os olhos
E amarga-me a boca.
O coração me sangra
Dentro do peito.

Acordo atónito,
No terror deste Portugal de Abril,
Atraiçoado e traído.

Está tudo apático!...
Paralíptico, asséptico, seco e amorfo.
Andam à solta  ladrões nos quintais
Ao pé das galinhas!
Não há caçadeiras!
Nem ladram os cães!...

Só para a caça!...
Ó que desgraça!

O abade ressona!
O regedor esgravata!
Os presidentes, sem guelra,
Andam nas feiras…
Enfiando barretes…
Exibem gravatas
E comem pipocas!

Mas que sujeira de gente de trampa...
Medra nestas paradas desertas,
Sem tropas…
Só mangas de alpaca
E sebo nas botas!...

Apanhem, ao menos,
Os fueiros das vacas !
E escavaquem-lhes os ossos das costas,
Se é qu’inda há costas erguidas de gente,
Com vergonha na cara!...

Choro de dor, vergonha e de raiva,
Neste País de tanta honra e glória
Na história!?...

Ouvindo Hélène Grimaud tocando Chopin
Zehlendorf, 7h41m do dia 7 de Janeiro de 2013
Joaquim Luís M. Mendes Gomes




2. Comentário dos editores:

Joaquim: Fizemos uma brincadeira com o título do teu poema: APATIA... Achamos que ficava bem o R, entre parênteses: APAT(R)IA... Vista de Berlim, a pátria está a sofrer de apatia... Todos o sentimos, mesmo às portas da  capital... Espero que os nossos leitores o entendem como um grito de revolta, patriótico, apesar de irónico,  de um antigo combatente,  um grande palmeirim, que deu o melhor de si nas bolanhas e savanas da Guiné...  (LG)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10909: Blogpoesia (315): Em louvor da CART 566 (Bissau, Bissorã, Olossato e Bissorã, jul 64/ out 65) (Viçoso Caetano)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10922: Memórias de Mário Oliveira, Cabo Condutor de Máquinas da Vedeta de Fiscalização Belatrix (1): O Soldado Desconhecido do Ana Mafalda, 1961

1. Mensagem do nosso camarada Mário Ferreira de Oliveira* (1º Cabo Condutor de Máquinas, na situação de reforma, Vedeta de Fiscalização Bellatrix, 1961/63), com data de 8 de Janeiro de 2013:

Luís Graça e Camaradas da Guiné
Um Bom Ano Novo

Quero começar por agradecer a Honra que me foi concedida de ser admitido como membro de pleno direito da Tabanca Grande. Devo contudo fazer uma pequena afinação na minha ficha de inscrição, eu sou cabo C.M. dos Q.P. na situação de Reforma. Cabo CM significa cabo condutor de máquinas, antigamente éramos fogueiros-motoristas, aqueles gajos que enegrecidos pelo pó do carvão ou o corpo manchado por salpicos de óleo só seriam vistos e o seu labor valorizado, se o convés dos Navios de Guerra fosse de vidro. Conduzíamos enormes caldeiras e outras máquinas e “maquinetas” que propulsionavam os navios e alimentavam de energia todos os sistemas de armas. Apesar de sermos a base do poder técnico-militar dos navios, éramos mal amados pelos “Tétézinhos” que,  de reluzente uniforme branco e unha envernizada, zelavam pela disciplina na Armada.

Isto que acabei de escrever não é História, é pré-história, fui há uns meses visitar uma fragata daquelas obsoletas nas Marinhas da NATO que os nossos aliados nos cedem a troco de uns milhões, e vim de lá “maluco”:  o camarada cabo CM, que teve a gentileza de me mostrar as instalações de máquinas, levou-me no final a uma sala com ar condicionado, repleta de monitores, onde através de câmaras de vídeo e comandos à distancia os CM confortavelmente sentados, conduzem todo o sistema de máquinas.

E lembrei-me então daquela noite em Bissau, atracados à muralha, ia o NRP Sal a caminho de Angola, estava eu de “quarto” ao gerador, o chefe de máquinas, espreitando pela escotilha “caçou-me” sentado no vão da porta da casa das máquinas P.P. a menos de um metro do gerador, bastava-me estender o braço para apalpar o tubo de circulação de água, e só não me deu cinco dias de detenção, segundo me afirmou no dia seguinte, depois de me passar uma valente “piçada”, por eu estar na 1ª classe de comportamento, isto é absolutamente inacreditável, eu não abandonei o gerador, estava apenas sentado junto dele. Mas vamos lá então ao meu relato de hoje.


N/M "Ana Mafalda" (1951-1975)

O Soldado Desconhecido do “Ana Mafalda”

Quando o “Botas” mandou apitar à faina e ordenou “largar cabos” e “avante a toda a força” que Angola é nossa, milhares de rapazes foram arrancados das suas aldeias, e depois de uma carecada, aprenderem a fazer direita volver e apresentar armas, foram enfiados em tudo o que navegava e enviados, parte deles sem saberem sequer a localização geográfica, para Angola, Guiné e Moçambique, defender sonho que se verificou irrealizável do Portugal do Minho a Timor.

Entre o que navegava e foi aproveitado para o transporte de homens e todos o tipo de equipamentos e armas, encontrava-se um navio da Sociedade Geral, o “Ana Mafalda”, pomposamente classificado na época de navio de passageiros, podia na realidade transportar 56 passageiros em três classes, 1ª, 2ª e 3ª e nos porões umas valentes toneladas de carga. Nos porões foram montados beliches e, onde anteriormente se estivavam toros de madeira ou carga a granel, passaram a alojar-se, nas piores condições, soldados (vulgo carne para canhão) e o "Ana Mafalda" passou a ter mais uma classe: a 4ª, transformando-se finalmente em navio de passageiros.

Mas perdoem-me a ironia, naquela viagem para a Guiné foi também um navio “turístico” porque para nós,  marujos, navegar sem fazer “quartos” é turismo, é que o navio transportava também cerca de três dezenas de marinheiros que seriam a primeira guarnição do Comando da Defesa Marítima da Guiné e da primeira Esquadrilha de Lanchas, Bellatrix, Canopus, Denebe e LDP 1 e LDP 2.

Saída a barra do Tejo, apresentou-se-nos um mar calmo mas de ondulação larga que fazia baloiçar o "Ana Mafalda" de BB-EB e de proa a popa, curiosamente não estando mau tempo, é do pior que se fabrica para “maçaricos” que pisem pela primeira vez o convés de um navio a navegar.

Contudo, a maior parte dos soldados portou-se galhardamente, havendo mesmo grupos que jogaram à lerpa de Lisboa a Bissau, enquanto houve uns patacos jogou-se, a coisa só amainou quando os mais hábeis limparam literalmente os bolsos dos “saloios”. Recordo-me até de um dos rapazes ter sido apontado como o gajo que ganhou mais dinheiro.

Aí pelo quarto dia de viagem sem factos a registar, a não ser dois marinheiros dos mais antigos terem ido protestar junto do Comandante de Bandeira, pela má qualidade da alimentação, coisa que de imediato se resolveu, passando as praças da Marinha a comerem do rancho dos Sargentos do Exército, estava uma “gajada” composta de marinheiros e soldados a descascar favas (não estou a reinar, estávamos em Abril, mês das favas) em cima dos pranchões que tapavam a boca do porão, quando por nossa surpresa uns quanto soldados transportavam em braços, conforme podiam, um camarada meio desfalecido que depositaram em cima das cascas das favas.
- Ai, Ai - gemia o desgraçado! Ai que não volto a ver a minha rica mãezinha!

Olho para o gajo e disparo:
- Oh pá tem, lá calma que de enjoo ninguém morre!
- Morre, morre - afirmaram os que o tinham trazido do fundo da 4ª classe para o ar puro do convés, o que tinha sido uma boa ideia - ele há quatro dias que tudo o que come ou bebe vomita.

Acontecia que eu, apesar da minha pouca idade, 24 anos, era já um “velho marinheiro” e sabia que o enjoo é como o medo, todos o sentem, o segredo é aprender a dominá-lo. É que eu aos 24 anos já tinha navegado uns milhares de milhas. Além da comissão a Angola no N.R.P. Sal, no Petroleiro Sam Brás (quem é que se lembra dele) tinha feito sete travessias do Atlântico para as Antilhas Holandesas (Aruba e Curaçao) e contava no meu curriculum com duas viagens das Antilhas a Nova Yorque.

Quanto a enjoo tinha feito o meu “tirocínio” nos melhores navios que para esse efeito existiam: os Destroyeres. Nas manobras que em 1957 se fizeram com uma Esquadra da NATO, que foram interrompidas por causa da Gripe Asiática e do mau tempo, eu tinha sentido a bordo do NRP Dão o que o “Soldado Desconhecido” estava a sentir. Na Armada o enjoo não é doença, e um gajo mesmo que vomite as tripas e metade do fígado tem que fazer os “quartos”. Eu já tinha sofrido de enjoo até às lágrimas, quando se tem de recorrer às ultimas reservas do querer, no limite da resistência moral e física, e num esforço inimaginável fazer o que está superiormente determinado.

Decidi então dar a mão àquele “sacana”, começando por dizer aos camaradas que o reclinassem com as costas apoiadas num saco de favas, e ao gajo eu disse:
- Olha para o horizonte lá longe onde o mar se junta com o céu, não olhes para o mar aqui junto da borda, que te faz andar a cabeça à roda!
- Ai, Ai - continuava o rapaz.

Encosto-me a ele e digo-lhe ao ouvido:
- Tu és homem para guardar um segredo?
- Sou, sim,  senhor marinheiro.
- Olha,  eu sou um homem igual a ti, também enjoo (o que era verdade) mas tenho uma erva que trouxe da Índia (o que era mentira) e quando o mar está bravo e me vejo aflito, tomo um chá e fico logo bom, vou-te fazer um chá dessa erva que te faz passar o enjoo, mas tens de ficar de bico calado, porque já tenho pouca erva.

Feito o acordo, fui à cozinha do navio e pedi um púcaro de chá e umas bolachas ao despenseiro, o soldado bebeu o chá em pequenos goles como lhe recomendei e foi mordiscando as bolachas. Fui dizendo ao gajo:
- Olha que isto não vai passar já, vais ficar melhor pouco a pouco, se apetecer vomitar fazes força e não vomitas, porque o chá não deixa. Dormes cá em cima ao ar puro e vais ver que com o fresco da noite ficas melhor, e amanhã vais almoçar ao pé de mim, e depois voltas a beber outro púcaro de chá, calas é o bico!

Tive o meu “protegido” debaixo de olho até chegarmos a Bissau. O “gajo” recuperou bem. Nunca mais o vi. Que Deus o guarde se ainda for vivo.

Largamos de Lisboa a 27-4-1961 (salvo erro).
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10746: Tabanca Grande (369): Mário Oliveira, ex- 1º Cabo Condutor de Máquinas (na situação de reforma), Vedeta de Fiscalização Belatrix, 1961/63, grã-tabanqueiro nº 589

Guiné 63/74 - P10921: Blogoterapia (220): Tempo que não foi tempo (António Eduardo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 6 de Janeiro de 2013, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) enviou-nos um texto com o título que se segue:


Tempo que não foi tempo

Sem guerra! Teria sido tempo; de esperança, de amar, de rir, chorar, mas pensar sempre mais além… Aquele foi tempo que não foi tempo… porque a guerra não deixou. Foi o camarada, o amigo, que morreu ali ao nosso lado, o outro a quem a mina que ele próprio acionou, ao explodir, deixou marcas para o resto da vida, as físicas e as outras!… Aquela que tendo sido mãe, não foi esposa, a criança soube que teve pai porque outros lhe disseram. Tempo que não foi tempo!...

Também aquele que um dia regressou, mas que não tivera tido tempo para ver o filho nascer, dar os primeiros passos, aprender a dizer mamã, mas também papá. Ao chegar com uma vontade enorme de o beijar, viu o filho fugir com medo, chorando agarrado à mãe. Consequências de um tempo. Que não foi tempo!... 

Aquela mãe, que um dia viu o filho partir para a guerra e não mais o voltou a ver, a quem a dor e a tristeza jamais deixaram só. Também para essa mãe, o tempo, passou a ser outro tempo.

Guerra!... Palavra triste, que um dia prometi a mim mesmo não mais voltar a pronunciar. Mas o tempo por influência dos homens, tantas vezes obriga-nos a dizer o que não queríamos. De guerra! Todos já ouviram falar… dos que a viveram muitos são os que a desejavam esquecer, mas por mais que se esforcem, jamais o conseguirão. A fome que passaram, a sede que os arrasava, a incerteza que era companheira de todos os dias!… Será hoje, que alguma mina me destruirá? Será hoje, que vou cair na emboscada? Quando será o próximo ataque ao aquartelamento? Será que chegarei a ver o meu filho? Quem serão os feridos que a parelha de helicópteros que nos sobrevoa levará?

Como estará a minha família na Metrópole?

De certezas!… Tínhamos apenas a incerteza! Naquele tempo que não foi tempo…

António Eduardo Ferreira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10783: Blogoterapia (219): Reflexão sobre a nossa condição militar (António Melo, camarada da diáspora)

Guiné 63/74 - P10920: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (20): Vestígios da passagem de "Os Magriços do Guileje", a CCAÇ 2617 (mar 70/ fev 71), na reconstrução da antiga messe... Quem serão o José Sá e o João Castro ? (Pepito)


Foto nº 5



Foto nº 4

Foto nº 3


Foto nº 1



Foto nº 2


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Vestígios da antiga messe, agora em reconstrução, e que são do tempo da CCAÇ 2617 (Guileje, março de 1970/fevereiro de 1971).

Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2013). Todos os direitos reservados. [ Fotos editadas por L.G.].


1. Mensagem de ontem, do nosso amigo Pepito, diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento:


Olá Luís

Continuamos com o programa de reconstituição da Memória de Guiledje.

Agora, estamos a "reconstruir" de forma muito adaptada a zona da antiga Messe, onde irá ficar o Centro Interpretativo Ambiental e Cultural. [Fotos nº 1 e 2].

Prevê-se a sua inauguração no dia 29 de Março do corrente ano.

Hoje, ao andar a ver os pormenores da obra, dou com estas inscrições no que julgo ter sido o depósito de água da Messe. Não resisto a mandar-te as fotos [nºs 3, 4 e 5] ,  pois poderá dar muito prazer aos que lá deixaram o nome:  40 anos depois ainda lá estão e continuarão a estar.
um abraço
para todos
pepito


2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Pepito. Se ainda estiverem vivos e nos lerem, os nossos Magriços da CCAÇ 2617, João Castro e José Sá vão ter um bom pretexto para sorrirem, ao verem os "vestígios arqueológicos" do aquartelamento do seu tempo e as inscrições, no cimento da messe, com os seus nomes... É um hábito muito antigo que nos vem da Alta Idade Média, altura em que os mestres canteiros deixavam a sua "assinatura" (geralmente simbolos geométricos, antropomórficos) nas pedras...

Recordo que a CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje, passaram por Guileje enter Março de 1970 e Fevereiro de 1971... Cada companhia que por aí passava ia fazendo as melhorias que podia (em termos de instalações para o pessoal e sistema de defesa). Tudo indica que o referido depósito da água que abastecia a messe tivesse sido construído pelos Magriços.

A este companhia pertencia o ex allf miil José Carlos Mendes Ferreira, falecido em 2006,  amigo do Humberto Reis, do Tony Levezinho e de mim próprio (furriéis milicianos da CCAÇ 12). Era natural da Amadora ou vivia na Amadora, desde miúdo. Visitou-nos em Bambadinca, a caminho da região do Gabu para onde foi inicialmente o seu batalhão (BCAÇ 2893) e a sua companhia (CCAÇ 2617). Ainda convivi com ele na Amadora, depois do regresso da Guiné. Era casado e tinha dois gémeos.

Se não erro, o José Crisóstomo Lucas é o primeiro  Magriço (e até agora o único) a integrar a nossa Tabanca Grande. Talvez ele nos possa ajudar a localizar os camaradas José Sá e João Castro (que, tudo indica, terão pertencido à CCAÇ 2617).

Pepito, fico sensibilizado pelo carinho e competência com que tu e a tua equipa vão fazendo surgir dos escombros o antigo quartel de Guileje. Um bom ano para a AD e para os seus projetos. LG

Guiné 63/74 - P10919: Memória dos lugares (204): Os meninos do Xime, do tempo da CART 3494 (1972/73) (José Carlos Mussá Biai)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Meninos do Posto Escolar Militar nº 14.... Recorde-se que este batalhão esteve no TO da Guiné entre 28 de dezembro de 1971 (chegada a Bissau) e 3 de abril de 1974 (regresso). A CART 3494 esteve no Xime até abril de 1973, tendo sido depois transferida para Mansambo. E nessa altura a velhinha e cansada CCAÇ 12 passou a ser guarnecer o Xime como unidade de quadrícula.

Foto: © Ricardo Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 81968/70) > População do Cuor (Finete ou Missirá) cambando Rio Geba Estreito. Fopto do álbum do fur mil Lopes, o homem dos reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852.

Foto: © José Carlios Lopes  (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]


1. Mensagem do do nosso amigo José Carlos Mussá Biai:

Data: 9 de Janeiro de 2013 16:15

Assunto: Re: [Luís Graça & Camaradas da Guiné] Guiné 63/74 - P10907: Memória dos lugares (203): Xime, o Posto Escolar Militar nº 14 e os seus meninos, entre eles o José Carlos Mussá Biai, hoje engenheiro florestal a viver e a trabalhar em Portugal (Sousa de Castro) (*)



Meu Caro Luís,
Fico sempre muito emocionado quando vejo fotos da terra que me viu nascer e suas gentes.

As fotos do novo "tabanqueiro" Ricardo Teixeira, não foram exeção, pois levaram-me a reviver a minha infância.

Tempos muito difíceis, pois na minha opinião, as gerras nunca foram e jamais serão fáceis. Mas, apesar da guerra e do sofrimento causado, nós as crianças de então, vivíamos felizes.

Relativamente as fotos, infelizmente, não me encontro em nenhuma delas. Mas é com grande felicidade que vejo o meu irmão mais velho, hoje Juiz, na primeira fila, de camisa branca e alguns amigos da idade dele.
Cumprimentos e um abraço,
José C. Mussá Biai
PS: Muito agradeço o telefonema e como sempre a agradável conversa de segunda feira.


2. Comentário de L.G.:

De facto, já tínhamos falado ao telefone, eu e o  Zé Carlo, a trabalhar no  ex-IGP (Instituto Geográfico Português), agora Direção Geral do Território (, mudam os ministros, mudam as tabuletas dos serviços ministeriais).

Ele já tinha visto a foto do  Ricardo Teixeira e confirmado que não estava no grupo (que era de alunos mais velhos do Posto Escolar Militar do Xime).  Em contrapartida, reconhecia  um seu irmão,  que hoje é juiz em Bissau. É o moço, na primeira fila, à esquerda, de camisa branca. O Zé Carlos, nascido em 1963,  tem hoje 49 anos.

Perguntei-lhe por notícias da sua terra... aonde não vai há 12 anos. Quer levar lá as suas duas filhas, para conhecerem a terra do pai (e julgo que da mãe) mas ele espera por melhores dias...Mora em Odivelas. Naturalmente que ele tem desejo de lá voltar,  ao Xime, mas não quer ser apanhado, com a família portuguesa, no meio de mais um golpe de Estado. Como já aconteceu com amigos dele.

Sobre a família do Xime, diz que está bem. O Xime é que já tem pouco a ver com o do nosso tempo. O cais onde muitos de nós desembarcámos, vindos de Bissau em LDG, já há muito que desapareceu. Como desapareceu o cais flutuante montado pelos alemães, depois da independência. É com mágoa que o Zé Carlos vê o seu belo Rio Geba Estreito fechado à navegação. Dantes, no seu tempo de infância,  navegava-se de Bissau até ao Xime, e daqui até Bafatá. Havia um grande movimento de embarcações nomeadamente até ao porto fluvial de Bambadinca. Xime e Bambadinca eram a grande porta de entrada da zona leste.

Hoje a situação é desoladora: há muito que o Rio Geba Estreito está assoreado, por incúria da administração dos portos. A natureza seguiu o seu curso. E os homens nada fizeram para manter aberta a "autoestrada" fluvial do leste...

O Zé Carlos ficou muito feliz pelo meu telefonema. Já me procurou duas vezes, no meu local de trabalho. E eu já estive com ele uns bons minutos, da primeira vez. Da segunda, eu não estava no gabinete.

Como se vê, pelço seu email, ele continua a  acompanhar  o nosso blogue. Com a saudade e  a paixão de um guineense da diáspora,  e também português, de alma e coração. Um grande abraço para ele e família alargada, em Portugal e na Guiné-Bissau.

Guiné 63/74 - P10918: Parabéns a você (522): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10913: Parabéns a você (521): Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10917: O nosso livro de visitas (156): João Nunes, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores, ex-fur mil, CCAÇ 4544,/73 (Cafal Balanta e Bolama, 1973/74)




















Guiné > Região de Tombali > Cafal Balanta > CCAÇ 4544 (Cafal Balanta, 1973/74) > Fotos do áçbum do João Nunes, de Angra do Heroísmo. Sem legendas. Recorde-se que a CCAÇ 4544/73 foi mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 23/9/73 e regressou a 8/9/74. Esteve em Cafal Balanta e em Bolama. Teve dois comandantes:  Cap Inf Carlos Alberto Duarte Prata e  Cap Art José Manuel Salgado Martins. Era uma companhia independente. 

Fotos: © João Nunes (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso leitor e camarada João Nunes, enviado em 20712/2012,. para o mail profissional do nosso editor L.G.

Assunto: Guiné

Camarada Luís Graça, fala aqui o ex-furriel João Nunes, da Cçac 4544/73, de Cafal Balanta]. a sul de Cadique, vd. carta de Cacine].

À semelhança do ex-furriel de transmissões António Agreira (`), gostaria que publicasse as seguinte fotografias, que anexo, respeitantes a Cafal Balanta.

Informo que estou de saúde e que resido em Angra do Heroísmo. Ilyha Terceira, Região Autónoma dos Açores.

Contacto > Telem 965272710 / E-mail - j.sousanunes@hotmail.com

Um grande abraço para si e as todos os ex-camaradas de Cafal Balanta.
João Nunes


2. Comentário do editor:

Camarada Nunes: Sê bem aparecido!...



Da tua companhia lá fazem parte do nosso blogue o Carlos Prata (vosso antigo comandante) e o António Agreira, fur mil trms. Também o Manuel Santos Antunes nos procurou através da filha, Catarina., mas ainda não nos mandou as fotos da praxe.

Espero que a tua visita(**) seja também um pedido implícito para integrares esta grande família, que é a nossa Tabanca Grande. Manda-nos uma foto, tua, atual, para os teus camaradas te poderem reconhecer quando passarem pela bela terra, Angra do Heroísmo, a última cidade do Velho Mundo e a primeira cidade do Novo Mundo. Ao entrares no nosso blogue, reforças a presença dos camaradas açorianos, muitos deles dispersos pela diáspora.

Tenho gratas recordações da tua ilha e da tua cidade, onde já passei férias há largos anos. Já agora, completa as legendas das tuas fotos. Vê se te lembras quem são estes camaradas que aparecem contigo (em princípio, é malta da tua secção, não ?)...



Outra coisa: as fotos são todas tiradas em Cafal Balanta ? Havia então estruturas edificadas no teu tempo, contrariamente ao que se passava no tempo do Manuel Maia.


___________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes do António Agreira:

15 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8672: O Nosso Livro de Visitas (115): António Agreira (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 4544, Cafal Balanta, 1973/74)

(...) Camaradas, tive conhecimento da existência deste blogue pelo Manuel Moreira da CART 1746. Claro que na primeira oportunidade fiz uma visita!

Foi sem dúvida com alguma emoção que revivi alguns momentos passados em Cafal Balanta. Aproveito desde já para enviar um forte abraço ao Coronel Prata e ao Manuel Antunes, assim como a todos os camaradas da CCAÇ 4544.

Fui incorporado no Exército em Outubro de 1972 e fiz o Curso de Sargentos Milicianos. Fui Furriel de Infantaria com a Especialidade de Transmissões. Depois de passar por Caldas da Rainha, Tavira, Coimbra e Lisboa, em Outubro de 1973 juntei-me à CCAÇ 4544 em Tomar, e em Setembro lá abalamos.

Recordo algumas situações mais complicadas durante a estadia em terras de Cafal Balanta, onde rendemos a CCAÇ 3565. Aproveito para enviar aos camarada da 3365 um forte abraço.

No dia em que nos deixaram entregues a nossa sorte partiram-nos logo o bico, e foi forte! Já mais para o fim da guerra não esqueço que a noticia da Revolta dos Capitães chegou à CCAÇ 4544 através dos meus serviços, às primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974. (...)

 23 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8699: Tabanca Grande (299): António Agreira, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73 (Cafal, 1973/74)

(...) Então o Manuel Maia esteve em Cafal Balanta.... Os dias que passei em Cafal não teriam sido muito diferentes. Para além das rotinas diárias, surgiam as visitas nada desejadas, que causavam sempre grande confusão. O período de maior agitação foi no NATAL de 1973 com a reconstrução da estrada entre Cadique e Jemberem, mas isso fica para depois.

Em Cafine estava uma força de Fuzileiros Especiais. Nós passávamos por lá uma vez por dia porque o nosso porto estava minado e com tal inoperacional. (...)

2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8726: Os últimos dias da CCAÇ 4544/73 em Cafal Balanta (António Agreira)

(...) Satisfazendo o pedido do Carlos Vinhal, devo dizer-te que foi uma experiência singular, a entrega de Cafal Balanta. Tudo começou num dia igual a tantos outros, em que um grupo de elementos do PAIGC entrou pacificamente em Cafal Balanta.

Passearam à vontade pelo tabancal e também pela zona militar. Não houve incidentes, para além de uma tentativa de visitar o Posto de Rádio, à qual eu me opus, mantendo o acesso interdito à área das Transmissões, pois ainda não tinha recebido ordem para destruir componentes confidenciais. Esta visita estava a ser acompanhada pelo Segundo Comandante da Companhia. (..:)




(...) Este homens que fazem parte destas fotos eram de Transmissões e Enfermeiros, todos os dias faziam patrulhamentos na mata do Cantanhez, com excepção de dois que eram Operadores Cripto.
Sendo patrulhas de rotina eram sempre motivo de conversa nestas reuniões, que como é evidente não ocorriam todos os dias.

Diariamente se fazia a picagem da estrada ao longo da bolanha até Cafine, mesmo que não ocorresse qualquer ida a Cufar ou Catió, cuja deslocação era sempre feita em barcos semi-rígidos pelo rio Combijã, no mínimo duas embarcações.

Voltando às fotos, o local destes convívios era sempre a tabanca das Transmissões, não era uma tabanca diferente das outras, a única coisa que tinha de diferente era o posto de rádio que se situava num abrigo localizado nas traseiras da tabanca, 7 ou 8 metros de profundidade, diga-se de passagem muito seguro.

Era no posto de rádio que se sabiam as noticias do exterior, e até dos familiares. Era o local que nos ligava ao Mundo e onde organizávamos a nossa defesa quando éramos atacados pelo PAIGC. Era também de lá que apoiávamos os camaradas das outras Companhias, pelo menos nos ataques com armas pesadas, em que utilizávamos o sistema de cruzamento de linhas para detectar as coordenadas dos pontos de saídas do fogo. Estas informações eram enviadas via rádio para: Jemberem, Bedanda, Catió e Bissau (BA 12). (...).


Guiné 63/74 - P10916: Postais ilustrados (19): O menino, Augusto, que fumava cigarros "White Horse" (Beja Santos)



1ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, Palácio de Cristal, 16/6/1934 - 30/9/1934.

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2013:



Queridos amigos,

Eis o resultado de andar a vasculhar caixas com bilhetes-postais, uma atração irresistível em lojas de ferro-velho ou velharias de toda a espécie.

O Augusto a fumar não é para ficarmos indignados, à luz das mentalidades dos anos 1930. Ajuda a refletir sobre o tratamento de uma criança-objeto, uma imagem irrecusável que até talvez causasse simpatia, naqueles tempos em que havia crianças contorcionistas em trupes de ciganos, crianças trapezistas no circo ou a chicotear cavalos.

A exposição do Porto, em 1934, teve como uma das principais atrações os guinéus. Eduardo Malta, convém não esquecer, sentiu-se fascinado pelo régulo Mamadu Sissé, um dos incondicionais do capitão Teixeira Pinto, desenhou-o com imensa beleza. Fazia-se filas para ver os Bijagós desnudados, era um desregramento autorizado.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


O menino da Guiné que fumava cigarros White Horse

por Beja Santos



Há, por ora, um embaraçante enigma que alguém, mais avisado, poderá contribuir para esclarecer. O postal que se exibe mostra o Augusto da Guiné, estamos em crer que ele veio na comitiva guineense que se apresentou na 1ª Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto, em 1934. Na verdade, o Augusto aparece noutras fotografias, até tem honras de aparecer estampado no livro “O Império de Papel”. E a Tabacaria Trindade fez nome publicando imensos bilhetes-postais, basta ir ao Google. Como os tabacos White Horse também existiram, basta ir ao Google.

E vamos agora à exposição em que participou o Augusto. Diga-se desde logo que foi um invento com estadão e alto significado político. Uma coisa foi a Exposição Industrial de 1932, no que é hoje o Pavilhão Carlos Lopes, por lá acamparam uns régulos Fulas e respetivas famílias em pleno Parque Eduardo VII, foram tratados com uma atração de feira, era uma chamada de atenção para aquela terra de onde vinha amendoim, coconote, algumas madeiras exóticas, ceras e curtumes, convinha sensibilizar os investimentos para a orizicultura e outras potencialidades agrícolas, o Império não era só Angola e Moçambique, espaços largos, de se perderem à vista.

Em 1934, o regime consagrado pela Constituição de 1933 queria dar provas de que o Império era muito mais do que o imaginário, era obra de missionação, havia para ali recursos a explorar para o engrandecimento da Nação. O capitão Henrique Galvão recebeu instruções para que a encenação ultrapassasse tudo o que até agora fora mostrando dos diferentes povos no vasto Império. E ele não se poupou a esforços. 

O problema foi a moral pública, a reclamar daquelas bajudas com maminhas ao léu, aqueles Bijagós despudorados com saias de ráfia, praticamente nus, e de olhar tão inocente. Faziam-se excursões, rezam as notícias publicadas nos jornais da época, para ver aqueles povos bárbaros, as crianças atiravam pedradas, a polícia tinha que agir, o ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não gostou das críticas, ordenou ao capitão Henrique Galvão que acabasse com os desmandos, quem desrespeitasse os guinéus ia para a choça.

O Augusto devia ser uma criança muito dócil, os pais até devem ter achado graça ver o menino a fumar, reproduzido em bilhete-postal. Não vale a pena fazer comentários, fica o registo de um tratamento primitivo. Em muitos domínios, a História não dorme.
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Nota de CV: