quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16704: Os nossos seres, saberes e lazeres (184): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Sempre retive uma ideia nebulosa deste Trieste, palco de romances com gente muito decadente, sabia de uma longa história da sua ligação à Áustria, marca inconfundível da sua arquitetura magnificente, indicador de uma prosperidade que parece estar a arrefecer, o Trieste já não é o recanto turístico que foi e despovoa-se. Estou bem arrependido de na hora de desenhar a viagem ter posto o Trieste como um simples ponto de passagem. Arrependimento tal que me leva a pensar, assim haja saúde, daqui a uns anos volto a desembarcar neste formoso recanto com mais tempo.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (8)

Beja Santos

Há décadas que acalentava o sonho de conhecer o Trieste. Para o chamado turista dos grandes circuitos, este Trieste, que foi uma importantíssima cidade do Império Austro-húngaro, como importante era o seu porto, não longe de Pula e Rijeka, está um pouco à margem, parece repetitivo de tudo quanto se vê na Croácia, em Itália, nas faustosas cidades do império que tinha a sede em Viena. A Hungria, em plena II Guerra Mundial, tinha um almirante como ditador, o Almirante Horthy, que veio a falecer em Portugal, quando Hitler quis ocupar o país para matar os judeus húngaros. Lamento ser uma entrada por saída, mas cheguei de Rijeka foi comprar bilhetes na estação ferroviária para chegar a Veneza ainda com luz, limitei-me ao grande cenário, voltada para o Adriático, Trieste é uma das cidades mais cenográficas da Belle Époque, tem magnificência do neoclassicismo e marcas indeléveis de esplendor imperial.




É uma cidade com história acidentada. Vá o leitor ao Wikipédia e encontrará: Trieste (em esloveno Trst, em alemão Triest, em húngaro Trieszt) o que dá imediatamente conta que estamos numa placa giratória. Mais uma cidade que esteve sob o controlo do Império Bizantino, a partir da Idade Média pôs-se sob a proteção do Duque de Áustria, e pertenceu ao Império Austríaco, até 1918. O idioma germânico era a língua oficial da cidade, a par do italiano. Tudo muda de figura a partir do século XIX, quando o movimento irredentista italiano reivindicou a cidade. O Império não cedeu. E veio a I Guerra Mundial, os italianos numa primeira fase eram aliados do Império Austro-Húngaro, passaram-se para as fileiras anglo-franceses, findo o Império Austro-Húngaro deu-se a italianização do Trieste. Não estou a dar uma lição de História, passeio-me na avenida principal e tenho que justificar a pompa e a grandiosidade desta arquitetura, de Viena a Roma, de Veneza ao Trieste parece que a distância é mínima.



Sendo uma cidade estratégica, os alemães de Hitler ocuparam-na a seguir ao armistício italiano (8 de Setembro de 1943), é um período sangrento da cidade, com deportações de guerrilheiros nacionalistas italianos, eslavos, dissidentes políticos e judeus. Risiera di San Sabba foi campo de concentração, teve mesmo forno crematório. A paz não foi alcançada com o fim da guerra, chegaram os jugoslavos, seguiram-se execuções sumárias e depois a grande questão político-diplomática envolvendo jugoslavos e italianos, aparecia no mapa o “território livre de Trieste”, com zonas de ocupação militar. Só em 1975 se clarificou a situação do Trieste. Isto para dizer que quem vê fachadas e se passeia airosamente nesta civilização que ostenta bem-estar esquece que é uma história de dramas abomináveis que podem passar por várias gerações até ocorrer uma obliteração que alivia a consciência dos povos.



Recordo a ventania que vinha do Adriático, tudo recomendava uma inversão no passeio, à procura de proteção. Mas o viandante anda frenético com esta arquitetura de escala, são bancos e seguros, empresas de navegação, escritórios de advogados e de alta tecnologia, são ventos fortes mas não dissuadem a este passeio com cerca de 2 quilómetros frente ao mar onde se movem iates, lanchas rápidas, transportes para a vizinhança e se avista à distância barcos de cruzeiro, talvez seja da hora do dia e um pouco à semelhança de Veneza aqui o Adriático é uma avenida de ocupação extensa, de muitos negócios, de muita mobilidade e de muito recreio.



É hora de regressar, já se encheu o estômago, se percorreu o canal e se apreciou o que de grandes panorâmicas o Trieste tem para oferecer. Para termo da deambulação, aqui se regista um edifício que se pode encontrar em Viena, em Budapeste, em Zagreb, em Milão ou em Belgrado, quem vem da ex-Jugoslávia e regressa a Itália medita nas afinidades, nos entrosamentos, na viagem dos estilos e modas que definem identidades ou as circunscrevem. Talvez no Trieste este processo de italianização tenha sido injusto, mas a História continua, a tal ponto que Isabel, ou Elisabetta, ou Sissi, a mulher do imperador Francisco José da Áustria, merece estas honras. E a História não se apaga.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16671: Os nossos seres, saberes e lazeres (183): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16703: Fotos à procura de... uma legenda (75): Distância de Cufar a Lisboa ? 4583 km ? Não, eram 21 m...eses! (Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740, Cufar, e Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1972/74)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 A


Foto nº 1

Guiiné > Região de Tombali > Cufar > Pel Rec Fox 8870/72  (1973/74)>   A autometralhadora Fox


Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Foto do excelente álbum de Luís Mourato Oliveira, que foi alf mil inf, de rendição individual,  na  CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73), e depois comandante do Pel Caç Nat 52 ( Mato Cão e Missirá, 1973/74, no setor L1, Bambadinca), subunidade que ele irá desmobilizar e onde terminaria a sua comissão já depois do 25 de Abril.   Esteve em Bolama a dar formação a pessoal do recrutamento, em 1973, antes de seguir para Bambadinca.

O fotógrafo (neste caso, o nosso camarada Oliveira)  apanhou,  com rara felicidade,  além da autometradalhora Fox MG-16-40 (?),  uma curiosa placa, dupla, junto a uma árvore, com indicação de ser "território" do Pel Rec Fox 8870 e de a distância dali [, Cufar] a Lisboa ser,  medida não em quilómetros (, o que seria qualquetr coisa como 4853 km, de carro) mas em meses: Lisboa, 21 M...

Esse era o  tempo normal, recorde-se,  de uma comissão no TO da Guiné. Graças ao 25 de abril de 1974, a "distância" foi encurtada em alguns meses: o Pel Rec Fox 8870 cumpriu um ano e quatro meses de comissão (de abril de 1973 a agosto de 1974).

Mais um exemplo do nosso bom humor de caserna (*)... Eram estes pequenos (mas geniais...) de bom humor que não tornvam mais suportável o "degredo" em terras como Cufar, na Guiné, a  5 km de distência de casa...

2. De acordo com o respetivo blogue, o Pel Rec Fox 8870, f oi formado no Regimento de Cavalaria  n º 8, em Castelo Branco. 

Embarcou no T/T Uíge, rumo ao CTIG,  no dia 3 de abril de 1973 e desembarcou em Bissau a 9 do mesmo mês.  Esteve m Cufar. Regressou a  casa,  conjuntamente  com o EREC 8840/72, em voo especial, a 31 de agosto de 1974, com chegada ao aeroporto de Figo Maduro, ao fim da tarde. 

Foi seu comandante  alf mil cav Fernando António Ribeiro de Faria. O pessoal, bastante unido, reune-se todos os anos em convívio. Era originalmente composto por 41 homens: 1 alferes, 5 furriéis, 11  prirmeiros cabos Cabos e 24 soldados. 

Desta valorosa subunidade temos um grã-tabanqueiro, o António P. Almeida, que vive em Castelo de Paiva. (**)

3. No seu Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), o nosso camarada António Graça de Abreu (, alf mil, CAOP 1, Cufar, 1973/74) não esconde as dificuldades por que a passava a malta, em Cufar, já no início de 1974:


Cufar, 7 de Fevereiro de 1974
.
Em alguns aquartelamentos aqui do sul também existem carências de todo o tipo, mas de natureza diferente das deste pobre povo guineense. No Relatório Mensal Janeiro 1974 do nosso CAOP 1, no ponto 4. b. Logística, os meus chefes referem, em diferentes destacamentos da nossa zona operacional, falta de medicamentos, falta de mesas e bancos para os refeitórios, falta de víveres frescos e de arroz para distribuir pela população, falta de armamento, falta de peças de substituição para muitas das viaturas auto-metralhadoras Fox e White que têm dezenas de anos e estão na sua maioria avariadas, falta de geradores eléctricos, de moto-serras, de electro-bombas, de motores para os barcos sintex.

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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P16702: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) - Experiências gastronómicas (Parte I): maionese de peixe do Cacine e açorda de bacalhau com coentros...


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > c. 1972/73 > O alf mil Luis Mourato Oliveira, "o fotógrafo de serviço".



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > c. 1972/73 > O Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740, Cufar, 1972/73, e Pel Caç Nat 52, Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74, subunidade "que desmobilizei e onde terminei a minha comissão já depois do 25 de Abril"; novo membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730. Nascido em Lisboa, tem raízes na Marteleira e Miragaia, Lourinhã, pelo lado materno.



Lourinhã > Marteleira >  Confraria da Batata Raiz de Cana > c. 2016 > O Luis Oliveira, bancário refomado, á volta dos tachos e panelas, na casa de um amigo e confrade. Temos vários amigos em comum (LG).


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem enviada pelo Luís Mourato Oliveira, com data de 7 do corrente:

Olá,  Luis e Carlos;

Como vou tendo tempo e escrever exercita os neurónios, lembrei-me de escrevinhar algo diferente dos actos de guerra, mas que foram acontecimentos que os acompanharam.
Talvez o texto esteja demasiado extenso e, por isso, chato. Deixo à vossa consideração a publicação por partes porque na prática são quatro estórias.

Um grande abraço para vós e as melhores saudações tabanqueiras.



2. De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) >  Experiências gastronómicas (Parte I) 


A gastronomia da região onde nascemos e crescemos por mais simples e “pobre” que seja,  tem uma identidade de paladares e rituais que nunca abandonarão a nossa vida,  e a ausência dos aromas e sabores da nossa infância é sempre motivo de nostalgia e até de saudade, por isso considero que a gastronomia constitui um pilar identitário e cultural a que às vezes é dada pouca importância. 

Quando por razões imperiosas,  como a guerra ou a emigração,  nos afastamos do nosso chão.  é que valorizamos, como quase tudo, as comidinhas que deixámos para trás e que o local onde passámos a viver não nos oferece.

Na Guiné devido a todas as dificuldades de logística, de conservação dos alimentos e até de aquisição de alguns bens que os naturais se recusavam a comercializar, a base da alimentação era o arroz, o feijão e as conservas que,  sendo excelentes alimentos, a sua presença sistemática nos refeitórios e messes, acabava por saturar e fazer crescer a água na boca só com a lembrança de batata frita ou cozida, de uma boa sardinha assada ou de um simples bife com ovo a cavalo. 

Cufar > Pescador de rio  ou de bolanha...
Sempre que através de uma encomenda enviada pela família ou qualquer outro acontecimento invulgar nos permitia inventar um “petisco”,   era uma festa e esse acontecimento passava a fotografia que ainda hoje figura no nosso precioso e muito íntimo álbum que é a memória.

Para além de algumas outras recordações, seleccionei quatro estórias de comida que partilho com os amigos e camaradas do Blog, para que as conheçam e recordem as vossas próprias aventuras gastronómicas na Guiné.


I. Uma oferta 
dos camaradas de Cacine permitiu maionese 
em Cufar


Uma das ausências nos nossos pratos na Guiné, era o peixe fresco. Sobretudo quem vivia no litoral de Portugal tinha o pescado sempre presente na sua dieta e,  embora muitos preferissem a carne que era cara e por isso de uso menos frequente, a falta do “peixinho” era notada.

Na companhia que estava estacionada em Cacine,  esta falta não se sentia porque abundava peixe com qualidade no rio Cacine e um belo dia foi-nos enviado um de dimensões generosas pelos camaradas daquela unidade que certamente sabiam das nossas faltas [, em Cufar]. Se o projecto de almoço era uma delícia só para a vista, a imaginação foi ainda mais rápida e pensei imediatamente em maionese,  um prato frequente em minha casa, sobretudo no verão, e de que tinha imensas saudades. 

Propus-me imediatamente para,  como auxiliar de cozinha,  produzir a desejada iguaria e não se perdeu tempo, não faltavam ovos, azeite, sal e vinagre pelo que o principal estava garantido e portanto mãos à obra!

Como tinha em miúdo auxiliado a minha mãe a confeccionar a maionese (segurava a tigela),  segui os passos de que me lembrava e o molho foi aparecendo na enorme malga de aço com aspecto e gosto de que me lembrava e a grande quantidade produzida permitia,  além de um bom exercício de musculação para antebraço e pulso,  temperar o peixe já cozido e reservado para a degustação.

O problema foi a ausência de ervilhas, feijão-verde, alface, picles, beterraba, cenoura, azeitonas, enfim, faltava quase tudo o que normalmente acompanhava aquela refeição fresca e saborosa de que me lembrava mas felizmente não faltava o apetite, o peixe e as batatas o que já era quase literalmente uma lança em África.

O peixe e as batatas foram servidos e temperados com aquela deliciosa maionese de que ainda hoje me lembro e que talvez tivesse sido a primeira maionese servida na 
Guiné.

O refeitório em Cufar

II. Açorda de bacalhau 
com coentros e tudo

Na região Oeste onde tenho as minhas origens, os coentros eram pouco utilizados, das poucas aromáticas que tenho memória figuram a salsa, a erva azeitoneira, o louro, a segurelha, a hortelã e a cidreira. A minha primeira experiência gustativa com os coentros surgiu por acaso em Cufar,  na Guiné.

Um sargento do quadro permanente que, creio, prestava serviço no COP 4 ou no Pelotão de Intendência, alentejano de gema,  não dispensava os coentros para recordar os sabores natais e convidou-me para uma açorda alentejana, prato que eu desconhecia, na minha região apenas tinha comido a dita de alho que acompanhava habitualmente peixe frito embora muitas vezes constituía acompanhamento e conduto. 

Claro que estas ofertas nunca se desperdiçavam e aderi de imediato ao petisco que foi confeccionado na minha presença pelo sargento que dispunha de uma pequena plantação da dita erva aromática.

Pisou os alhos com os coentros e o sal, juntou o azeite e água quente de cozer o bacalhau e regou com esta extraordinária mistura uma malga onde aguardava o bacalhau já desfiado e o pão que, não sendo alentejano, cumpriu de forma admirável a sua função.

Foi um petisco maravilhoso do qual guardo boa memória, neste caso trazida da Guiné, apesar de não ser um prato da região.

Uma prova que a convivência dos militares num cenário de guerra também fomentava a troca de experiências e informações sobre costumes e tradições das diversas regiões do país o que também contribuiu para o nosso enriquecimento como pessoas e como Portugueses.

(Continua)

Guiné 63/74 - P16701: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (49): quatro apontamentos: (i) Angola, as boas famílias e os seus desertores; (ii) o nosso presidente em Havana; (iii) o desertor guineense da Força Aérea; e (iv) o ministro das obras públicas de Luís Cabral, Tino Lima Gomes, a camarada Milanka e o meu velho patrão Ramiro Sobral, que não precisava de subir ao alto do poilão para ver ao longe...


Guiné > Bissau > s/d [meados dos anos 60] > Aspecto parcial do centro histórico, Câmara Municipal à direita, Palácio do Governador ao fundo à esquerda... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")...

O António Rosinha pede-nos para "enriquecer o poste com esta  lindíssima foto  onde se vê a casa que o Luís Cabral queria que a Tecnil lhe adaptasse, antes de ser deposto em 1980 (...). Essa foto (tirada de helicóptero, penso eu) é das mais bonitas sobre Bissau (...): uma lindíssima residência, r/c  e 1º andar com um Jeep Villis da nossa tropa junto à entrada de casa (...).  Foi essa casa que o Luís Cabral queria adaptar para sua residência, e que o Ramiro Sobral, o patrão da Tecnil, lhe agoirou o destino.

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações e edição: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


Foto à direita,  Antº Rosinha (Pombal, 2007):

(i) é beirão; 

(ii) é um dos nossos 'mais velhos';

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974;

(vi)  'retornado', andou por aí (com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; 

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL,  era o velho africanista Ramiro Sobral; 

(viii) é colunista do nosso blogue com a série "Caderno de notas de um mais velho'';

(ix)  pelo  seu bom senso, sensibilidade, perspicácia,  inteligência emocional, históri de vida, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e  elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, mesmo quando as nossas opiniões podem divergir;

(x) ao Antº Rosinha  poderá aplicar-se  o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo".    


1. Então era assim: no tempo feliz africano, em que até parecia que era fácil governar Angola, independente, havia umas famílias angolanas antigas que,  sem exagero, representavam uma verdadeira aristocracia.

O povo, desde o indígena ao colono, ao comerciante e ao fazendeiro, olhava para essas famílias de baixo para cima com o maior respeito (merecido).

Eram, por alto, os Van Dunem, os Páduas, os Laras, os Cochat, os Ribas, os Mascarenhas, os Cardona, os Peyroteo, os Van der Kellen, os Almeida (Demóstenes) Boavida e muitas outras boas e lindas e numerosas famílias e a maioria grandes portugueses.

Havia médicos, poetas, agrónomos, geógrafos, geólogos, advogados, notários, desportistas.

Contam-se pelos dedos aqueles que tiveram o comportamento de Mário Pádua, Lúcio Lara ou Pepetela ou Pinto de Andrade, por exemplo.

No entanto,  eram a maioria por uma independência de Angola, no caso destas famílias, mas não por uma selvajaria, e a maioria ficou do lado certo, do nosso lado, porque não era aquela guerra internacional que eles queriam na sua terra.

Eu vi, conheci, assisti, e como essas famílias e mesmo Mário Pádua, estamos a maioria em Portugal,  outros no Brasil.

Curioso que no caso dos guineenses, os indígenas,  e o próprio PAIGC, não se mostram muito agradecidos a esses «heróis». Talvez porque de alguma maneira esses personagens (estudantes do Império) roubam protagonismo ao povo.

Salazar,  como não tinha filhos, criou a «Casa dos Estudantes do Império: berço de líderes africanos em Lisboa», foi uma espécie de João VI que tinha o filho Pedro IV nosso.

Também os brasileiros sentem falta de heróis próprios.

Não quero ser fracturante, mas temos que contar a História, tal qual, bem esmiuçada.

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(*) Vd. poste de 8 de novembro de 2016 >  Guiné 63/74 - P16699: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (21): Mário Moutinho Pádua, o primeiro oficial português a desertar, em Angola, em outubro de 1961... Será, mais tarde, médico do PAIGC, no hospital de Ziguinchor, entre fevereiro de 1967 e setembro de 1969... Regressou a Portugal em novembro de 1974, e cumpriu o resto do serviço militar... Aposentou-se em 2003 como médico do Hospital Pulido Valente (Juvenal Amado)



2.  É preferível este encontro [Marcelo Rebelo de Sousa-Fidel Castro] agora, pois mais tarde algum dos dois podia já ter "desencarnado". Se Castro ainda estiver bem lúcido, como parece, e se informar bem, vai como muita outra gente deglutir sozinho, com os seus botões, uns sapitos.

Palmas para a coragem de Manuel Luís Lomba, mas também para a oportunidade aproveitada do nosso Presidente. Devagarinho a História está a ser contada, e muitas vezes já é gritada.

Lembro-me de ver,  durante a Guerra do Ultramar, numa reportagem numa sala de cinema em Luanda, o pai do nosso Presidente actual [Baltazar Rebelo de Sousa, governador-geral de Moçambique, em 1968-1970]  inaugurar um baile de cerimónia, com a primeira dama do Malawi, e vice-versa, Hasting Banda, presidente do Malawi, com a primeira dama de Moçambique.

(Essas coisas não aparecem em guerras do género Joaquim Furtado).

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Vd. poste de 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16693: Carta aberta a... (14): ...ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)


3. Pessoalmente conheci um desertor guineense, ou que ficou para a história da Guiné como desertor, e que levou com ele uma avioneta de Bissau para Conacry.

Tinha o seguinte currículo popularmente conhecido na sociedade de Bissau:

(i) era furriel da Força Aérea, guineense, da minha idade, portanto foi para a Força aérea antes da Guerra do Ultramar;

(ii) era guineense de uma família antiga,  «colonialista», que se foi amestiçando;

(iii) como era menino bonito e inteligente, era um desperdício ir lutar para o mato como os indígenas. (Isto o povo pensava em crioulo, mas eu traduzo.)

Foi de armas e bagagens estudar com bolsa para a Jugoslávia e regressou com bagagem pesada, canudo de engenheiro/arquitecto, após a independência.

O PAIGC, reconhecido, atribui-lhe mais que uma pasta governamental, e também agradecido o governo português também lhe concedeu bolsas de estudo para os filhos nos Pupilos do Exército em Lisboa.

Já faleceu. em acidente com arma de caça.

Chamava-se Tino, Tino Lima Gomes. Era um português como milhares de transmontanos, açorianos, angolanos, etc., nunca foi indígena, nasceu «assimilado».
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Vd. poste de Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)


4. Luís Cabral pretendia reformular uma residência bastante moderna que foi propriedade de um antigo 'colón' que eu não conheci, para sua residência, penso eu. Essa residência ficava atrás do gabinete do primeiro ministro, e tinha uma portaria que era preciso adaptar, na cabeça de Luís Cabral, para receber o Volvo presidencial, bem junto à porta da residência.

Só que havia um pedaço de jardim e duas colunas à entrada da residência que era preciso derrubar, construir noutra disposição, e isso Luís Cabral não queria.

E, agora,  vou falar em nomes de gente muito simpática e não quero de maneira nenhuma fazer «politiquice» nem com as pessoas nem com a atitude das mesmas nem do momento. O ministro das Obras Públicas era Tino Lima Gomes que era arquitecto e ainda chegou a dar uma vista de olhos na portaria mas sem qualquer solução.

Mas a esposa dele, a camarada Milanka, de nacionalidade jugoslava, arquitecta nas Obras Públicas,  é que foi encarregue de descalçar a bota, e eu no campo executar o impossível. 

Só que a camarada Milanka não tinha coragem de dizer ao presidente que era impossível executar como ele queria, e eu descarreguei o meu fardo para o meu patrão Ramiro Sobral que se encontrava em Bissau. Onde ia,  mês sim, mês não.

E o velho,  de 75 anos, e muitos anos de África, habituado a resolver casos bicudos, analisou e solucionou:
– Senhora Dona Millanka (toda a gente dizia "camarada Milanka"), sabe porque ando nesta vida com esta saúde aos 75 anos? Porque a porta da minha casa em Viseu tem 3 degraus. E subir e descer esses 3 degraus dão-me imensa saúde. Convença o senhor presidente que com 3 degraus resolve o problema e dá-lhe imensa saúde para daqui a muitos anos continuar com o meu dinamismo.

Passados uns instantes,  já só comigo no automóvel, Ramiro Sobral, como que a falar para os próprios botões, previa:

– Com degraus ou sem degraus,  não vais envelhecer aqui, não.

Talvez uns 15 dias depois, dá-se o golpe a 14 de Novembro de 80 que derruba Luís Cabral.

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Guiné 63/74 - P16700: Parabéns a você (1158): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71); António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74); Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69) e João Alves Martins, ex-Alf Mil Art do BAC-1 (Guiné, 1967/70)




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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16687: Parabéns a você (1157): Jorge Cabral, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16699: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (21): Mário Moutinho Pádua, o primeiro oficial português a desertar, em Angola, em outubro de 1961... Será, mais tarde, médico do PAIGC, no hospital de Ziguinchor, entre fevereiro de 1967 e setembro de 1969... Regressou a Portugal em novembro de 1974, e cumpriu o resto do serviço militar... Aposentou-se em 2003 como médico do Hospital Pulido Valente (Juvenal Amado)


Guiné > s/l > c. 1964/66 > Coluna em movimento 

Foto do álbum de Belmiro Tavares, ex-alf mil, CCAÇ 675 (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966).

Foto: © Belmiro Tavares (2010). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Imagem à esquerda: capa do livro No percurso de guerras coloniais, 1961-1969 , de Mário Moutinho de Pádua. 1ª ed. Lisboa: Avante, 2011, 246 p. : il. ; 21 cm. (Coleção Resistência).

1. Texto enviado pelo Juvenal Amado, com data de ontem, e que pretende enriquecer o nosso debate sobre o tema "desertores".


Luís eu tenho em meu poder este  livro do Mário Pádua sobre o qual o Mário Beja Santos já ez recensão para o blogue (*). Comprei-o para oferecer ao Carlos Filipe e depois tive que lho pedir emprestado para o Mário. Também já viajou até Luanda, mas isso são outras histórias...



[Foto à direita: capa do livro do Juvenal Amado
"A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.;  o nosso camarada foi 1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]

Mário Moutinho de Pádua (, que eu pensava ter nascido em Angola, mas não, nasceu em Lisboa, ) é um homem politicamente comprometido, julgo porém que essa faceta não deve pesar na análise que se poderá fazer da sua obra, bem do que ele nos conta sobre a sua deserção do BCAÇ  88 estacionado em Maquela do Zombo e as dificuldades que enfrentou,  muito mais difíceis do que ele alguma vez esperava.

Neste livro narra a sua impressionante experiência a seguir à deserção, nomeadamente as prisões e torturas de que foi alvo no Congo, a sua passagem pela Checoslováquia e o seu desencanto com vários aspectos do "socialismo real", a sua participação na construção de uma Argélia recém-libertada do colonialismo, e por fim a sua contribuição como médico na luta travada pelo PAIGC na Guiné

A edição tem um prefácio de Pepetela ( praticamente quatro páginas) que começa assim;

Mário de Pádua foi o primeiro oficial português a desertar em Angola em Outubro de 1961, acompanhado pelo o 1º  cabo Alberto Pinto.

Este seu livro é uma espécie de crónica de vida, onde conhecemos a sua fuga do Norte do país, acompanhado pelo Alberto Pinto, as prisões que conheceram no Congo, então Leopldeville, hoje R P. do Congo onde era inconcebível que soldados portugueses se recusassem a combater contra angolanos.

No livro também são descritas condições e traições entre e dentro dos movimentos de libertação, bem como as alterações das condições nos países de acolhimento, que se alteravam em relação aos militantes do MPLA , após os derrube e morte de líder independentistas como Ben Bella e Pratice Lumumba como exemplo.

Em relação a deserções que tive conhecimento transcrevo aqui parte de um meu comentário a esse respeito.

Desde cedo se falou nas deserções e dos refractários. Eu próprio, estive numa situação delicada sem culpa nenhuma quando destacado numa diligência em Santta Margarida, os responsáveis pelo meu depois batalhão de caçadores 3872 que se estava a formar em Abrantes, andaram mais de 8 dias à minha procura. Quando me apresentei,  vindo directamente de Sta Margarida, ainda levei um raspanete do capitão e tive de explicar onde tinha estado.

Mas em Alcobaça,  logo no início da guerra em 1961, desertou na noite do embarque um individuo filho de um dos mais prestigiados médicos ligados à oposição [, o dr. Lameiras]. Segundo creio, foi apanhado por suspeitas de atitudes conspiratórias clandestinas na universidade e foi incorporado e mobilizado para Angola. Naquela noite desertou e mais tarde se lhe juntou a irmã, também perseguida pelas mesmas razões. Depois do 25 de Abril a irmã regressou e foi dirigente do MDP-CDE mas ele só regressou alguns anos depois. Vim a saber que a sua fuga não foi aceite pela organização no exílio e durante muito tempo esteve entregue à sua sorte, gravemente doente,  a correr perigo de vida. As infiltrações pela PIDE eram temidas e,  assim, quem desertava por sua conta e risco, acabava por passar muito mal sem a solidariedade militante.

Dos casos de Cancolim [, CCAÇ 3489,] já aqui foram mais que falados. Mas Cancolim também veio a receber alguns soldados que,  tendo sido refractários, acabaram por beneficiar de amnistia de Marcelo Caetano e resolveram assim regressar. Também alguns saíram das prisões por delitos vários para serem embarcados e assim serem indultados dos castigos que tinham sido impostos.

Bem,  se ir para a Guiné se poderá chamar de indulto, é discutível .

Também alguns comentários fazem-me pensar nas palavras da “Maria Turra",  que dizia que era o medo que tínhamos dos nossos superiores, que nos levava a combater.

É que algumas deserções são aqui descritas dessa forma. (**)

Um abraço
Juvenal Amado


2. Mário Moutinho de Pádua - Notas biográficas

(i) nasceu em Lisboa a 3/10/1935;

(ii) aos 8 anos emigrou com os pais e o irmão para Angola, tendo a família fixado residência em Benguela;

(iii) aos 10 anos matriculou-se no liceu do Lubango onde se manteve até aos 13;

(iv) transferiu-se então para Portugal; voltou a Angola dois anos depois, desta vez para o liceu de Luanda onde os pais se encontravam;

(v) aos 17 anos iniciou o curso de Medicina em Lisboa que terminou em 1960;
(vi) convocado em janeiro de 1961 para o serviço militar foi enviado para Angola em abril de 1961 com o posto de alferes médico;

(vii) desertou do exército colonial em Outubro de 1961 pedindo asilo político no Congo-Kinshasa, asilo que só lhe foi concedido em fevereiro de 1962, tendo ficado preso até esta data;

(viii) pouco depois tornou-se assistente de especialidade no Hospital de Lovanium;

(ix) do Congo viajou para a Checoslováquia em setembro de 1963;

(x) seis meses depois seguiu para a Argélia onde trabalhou no Hospital de Mustapha até fevereiro de 1967;

(xi) na Argélia fez parte da Frente Patriótica de Libertação de Portugal (FPLN) que operava a rádio "Voz da Liberdade";.

(xii) em fevereiro de 1967 começa a prestar a sua colaboração profissional ao PAIGC; a  maior parte deste serviço ocorreu no "Lar" (Hospital) do Partido,  em Ziguinchor, no Senegal, perto da fronteira
com a então Guiné portuguesa;

(xiii) em setembro de 1969 parte para França, onde durante 5 anos efectua os estudos de especialidade e trabalha num hospital dos arredores de Paris;

(xiv) em novembro de 1974 regressa a Portugal; aqui termina o serviço militar e exerce actividade médica em Centros de Saúde e no Hospital de Pulido Valente em Lisboa de onde se aposenta em 2003.

Fonte: Angola-eBooks.com (com a devida vénia...)
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(**) 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16695: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (20): Mais um caso "atípico" ? A deserção do soldado escriturário nº mec 2055276, Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari e Dugal, 1971/73), em 17/8/1972, e cujo rasto se perdeu desde então...

Guiné 63/74 - P16698: Banco do Afecto contra a Solidão (19): Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74): está hospitalizado, com graves problemas de saúde... Vamos mandar-lhe uma palavrinha solidária (Juvenal Amado)




Hoje e ontem... Mais de quatro décadas passadas... O Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74) enfrenta graves problemas de saúde, está internado no Hospital Pulido Valente (*)...Vai gostar de receber uma mensagem  solidária dos seus amigos e antigos camaradas da Guiné que o conhecem. Vamos mostrar-lhe que a palavra "camarada" não é uma palavra vã e que a Tabanca Grande é também de gente com o coração grande, ontem com o hoje (**).

Fotos:  © Juvenal Amado (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagemdo Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)

Data: 3 de novembro de 2016 às 22:52
Assunto: Carlos Filipe

Caros camaradas

Hoje, como tinha adiantado ao Luís, fui visitar o Carlos Filipe ao Hospital Pulido Valente.

Fiquei agradavelmente surpreendido pela boa disposição, força anímica e retórica durante o bom pedaço de tempo, que passei com ele.

Não pára de me surpreender e, embora muito fraco, estava todo satisfeito por ter sido capaz de fazer o corredor a caminhar nos exercícios de terapia, que executou de manhã.

Também estava todo satisfeito por o Luís lhe ter telefonado.

Assim faço um apelo a todos que se relacionaram de alguma forma com o Carlos, que lhe telefonem, ou mandem uma mensagem no telemóvel, uma vez que ele lá não tem internet.O nº dele é o

934 981 819   (Peço desculpa, na 1ª versão estava errado)

Um abraço para todos

Juvenal Amado

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Notas do editor


(*) 19 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16615: O que é feito de ti, camarada ? (6): Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)... Um resistente, duplamente resistente... Faz hoje anos... Parabéns, amigo, e até sempre! (Juvenal Amado)


(**) Último poste da s+erie > 11 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16588: Banco do Afecto contra a Solidão (18): Regressei de Runa.. e velhos são os trapos !... (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16697: Notas de leitura (900): a História do BEng 447, que todos conhecemos. Um publicação que merece ser conhecida e lida (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


Capa do livro "A engenharia militar na Guiné: o batalhão de engenharia". Coordenação do Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa: Direção de Infra-estruturas do Exército, 2014, 166 pp.

1. Mensagem de nosso grã-tabanqueiro António José Pereira da Costa, com data de 29/10/2016:



Olá,  Camaradas

O Exército (Direcção de Infra-estruturas do Exército) editou em 2014, a publicação que segue em anexo [, imagem da capa].

É a História do BEng 447 que todos conhecemos.
É um trabalho do Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, coordenado pelo  cor eng José Paulo Berger, com textos de militares e civis que por lá passaram.
Tem 166 pp, com ilustrações. ISBN 978-972-99877-8-6.  Dep. Legal 378364/14.
Não sei se está à venda no mercado, mas poderá ser adquirido no Palácio dos Marqueses do Lavradio, Campo de Santa Clara, 1149 - 059 Lisboa.
Fala de coisas curiosas: a cercadura defensiva de Bissau, a jangada para João Landim, a Gallion de Bambadinca, e outras Histórias.
Se quiserem,  divulguem no blog. Pode ser que apareçam interessados.

Um Ab.
TZ
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 Índice 

9 Nota de Abertura 
13 Bosquejo Histórico da Guiné 
17 Pequena Monografia da Guiné na década de sessenta 
37 A Guerra no Teatro de Operações da Guiné 
41 A Logística no Teatro de Operações da Guiné 
45 A evolução da Engenharia Militar Portuguesa na Guiné 
55 Organização e Missões do Batalhão de Engenharia - Julho de 1974 
65 Realizações da Engenharia no Teatro de Operações da Guiné 
91 Últimos tempos 99 Homens e Histórias do Batalhão de Engenharia da Guiné 
143 Outras memórias 
145 Homenagem aos que não voltaram 
153 Nota Final 
157 Anexos 
163 Bibliografia 
165 Súmulas biográficas

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16692: Notas de leitura (899): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16696: Memórias de Gabú (José Saúde) (65): Ramos, Furriel Miliciano/Ranger que desertou para o PAIGC


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem


As minhas memórias de Gabu

(Desertores: este texto está inserido na minha obra Guiné-Bissau As Minhas Memórias de Gabu) 

Ramos, Furriel Miliciano/Ranger que desertou para o PAIGC
De Tavira à Guiné

O seu sorriso encantava! Entrava-me no goto. Já éramos dois tendo em conta a nossa habitual expressão facial! Um moço que se integrava facilmente em qualquer ambiente. O esmalte dos seus dentes, a sua bondade emocional e a forma afável como curtia com os camaradas desafiadas conversas de têmpera diversa, levaram-me a travar com ele uma amizade recíproca ao longo de um certo período das nossas vidas militares.

Assentei praça com o Ramos no CISMI, em Tavira, no dia 10 de Outubro de 1972. Ficámos em companhias diferentes, todavia cedo existiu entre nós uma empatia que nos tornou amigos. O Ramos estava junto a outros camaradas que tinham viajado com ele de Cabo Verde.

No final da recruta, em Tavira, o Ramos, o Daniel e um outro moço de Cabo Verde, acompanharam-me na viagem a caminho de Lamego. Operações Especiais/ Ranger foi o nosso fim. O Daniel foi para o curso de oficiais e nós para o de sargentos.

A nossa amizade manteve-se. Penude reforçou, aliás, laços emocionais que partilhámos durante um tempo… sem tempo.

Fomos ambos para a Guiné justamente na mesma altura. Quis o destino que o nosso reencontro se apresentasse como dado adquirido nas instalações do Quartel General (QG), em Bissau. Um abraço forte entre dois rangers selou a nossa afeição.

O Ramos foi para o Batalhão de Pirada e eu para o de Nova Lamego. Ficou a promessa de voltarmos a reencontrarmo-nos um dia. Todavia, essa promessa dissipou-se no tempo e nunca mais encontrei o meu simpático amigo.

Soube, numa conversa com o camarada Pedro Neves, também ele ranger e do nosso curso em Lamego, que o bom do Ramos se pirou, a dada altura, para o PAIGC. Não foi um guerrilheiro ativo contra as suas anteriores tropas, confessava. Foi um operacional mas em áreas diferentes. Da aventura ficou a certeza, deduzo, que esteve integrado num movimento que lutou no terreno pelos seus direitos, sendo alguns dos principais dirigentes do PAIGC oriundos de Cabo Verde, o seu torrão materno.

Depois do 25 de Abril de 1974 o Pedro Neves e o Ramos reencontraram-se em Bissau. O Ramos, sempre desperto para a conversa, contou as suas peripécias, assumiu o seu feito, e após a independência o simpático homem de Cabo Verde, num estilo simples, cordial, referiu que tinha regressado ao exército português que o terá levado de volta a casa.

Uma história maravilhosa de um rapaz, sem vaidade, que no momento exato cedeu ao que o seu coração lhe pediu. Tinha, com certeza, referências sobre os líderes que assumiam o comando de um Partido que lutava, também, pela independência da sua pátria mãe.

Até um dia, amigo e camarada RANGER/SEMPRE Ramos!


Com o Ramos nos barracões (onde dormíamos) no QG em Bissau 

Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BRT 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
____________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


 

Guiné 63/74 - P16695: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (20): Mais um caso "atípico" ? A deserção do soldado escriturário nº mec 2055276, Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari e Dugal, 1971/73), em 17/8/1972, e cujo rasto se perdeu desde então...


 Guiné > Região do Oio > Farim > Canjambari >  CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari", Canjambari e Dugal, 1971/73)  > Memoprial (foto do álbum do ex.-fur mil Manuel Lima Santos, nosso grã-tabanqueiro)

Foto: © Mamuel Lima Santos (2013). Todos ops direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue ;Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 Guiné > Região do Oio > Farim > Carta de Farim (1/25 mil) (1954) > Posição relativa de Farim, Bricama e Canjambari.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)

1. Mensagens do nosso leitor (e camarada) 
Guião da CCAÇ 3478.
Cortesia do nosso camarada
  Carlos Silva
Jaime Vieira, açoriano, que vive nos EUA (*), com data de 2 de julho de 2012, com a seguinte informação, que resumimos:

(i)  "sou emigrante nos Estados Unidos da América já há 38 anos";

(ii) "vim para Casement,  em 16 dezembro de 1973";

(iii) "fui soldado na CCAÇ 3476, estive em Canjambari, sector de Farim, nos anos de 1971 e 72 e depois estive no Chugué, antes de Mansoa";

(iv) "a minha companhia era dos Açores";

(v) "como a metade da companhia era de voluntários com menos de 20 anos de idade, 
deram-nos o nome de Bebés de Canjambari"; 
éramos uma companhia muito jovem ou a mais jovem de todas";

(vi) "o meu capitão era chinês de Macau, muito conhecido hoje pela televisão, o nome dele era Jorge Rangel":

 Eis a razão principal por que nos escreveu o Jaime Vieira:

"Tenho uma curiosidade: no ano de 1972 desapareceu um soldado que era escriturário, com o nome de Carlos. penso que era de Trás os Montes. Sempre penso nele, era meu amigo, e sempre me preocupei em saber o que lhe aconteceu. (...)  

Fomos para Canjambari em 1971. O Carlos chegou mais tarde . Um pouco tinha sido cabo e foi despromovido,  mas antes de chegar à nossa companhia. Ele era um pouco contra o regime e tinha problemas com o capitão,  como eu também tinha. Ele desapareceu em Canjambari no ano de 1972 e nunca vi muito interesse por parte das autoridades em saber de ele. Por este motivo fiquei sempre preocupado e com ansiedade para saber o que aconteceu."


2. O que nós apurámos, na altura, foi o seguinte, com a preciosa ajuda do nosso grã-tabanqueiro Carlos Silva [x-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71; e um histórico da cooperação e da ajuda humanitária à Guiné-Bissau];

(i) o nome completo do militar em causa era Carlos Alberto Sousa Emídio;

(ii) tinha o posto de soldado escriturário:

(iii) desapareceu no dia 17 de agosto de 1972 e foi dado, mais tarde como desertor, de acordo com a história da unidade;

(iv) não conseguimos, em 2012, saber do seu paradeiro.


Caso de deserção do soldado escriturário nº 2055276 Carlos Alberto Sousa Emídio

17-08-1972 – Ao fim da tarde deste dia ausentou-se ilegitimamente o Sold Escriturário Carlos Alberto Sousa Emídio, constituindo-se mais tarde em desertor. Fora colocado nesta Companhia por motivo disciplinar, vindo da Sucursal do Laboratório Militar de Bissau.

18-08-1972 – Por todo este dia foram efectuadas buscas, e pelas 17h00 foram encontradas pegadas do Soldado ausente que seguiam na direcção da área da Bricama. 

O mesmo já fora desertor na Metrópole e o seu desaparecimento seria premeditado, em virtude de problemas de ordem pessoal e militares ainda pendentes, motivados pela sua deserção anterior.

Fonte: HU - História da Unidade, Cap II, pág 19 [Elementos fornecidos por Carlos Silva]


 4. Ficha da unidade:

(i) A CCAÇ  3476 foi mobilizada no Batalhão Independente de Infantaria nº 18, em Ponta Delgada; 

(ii) tnha como divisa “Os Bebés de Camjabari”;

(iii) embarque em 25 de setembro de 1971; chegada a Bissau no dia 30 desse mês;

(iv) cmtd: cap mil inf  Jorge Alberto da Conceição Hagedorn Rangel, substituído em data não referida pelo alf mil inf  António Augusto Pires e Castro;

(v) realizou no CMI – Centro Militar de Instrução, no Cumeré, a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no período de 2 a 30 de outubro de 1971:

(vi) é colocada em Canjambari, sector de Farim, a 2 de novembro de 1971 para, em sobreposição com a CCAÇ  nº 2681, efectuar o treino operacional, assumindo a responsabilidade do subsector de Canjabari, em 28 de novembro de 1971, integrando o sector à responsabilidade do BART 3844;

(vii) a missão prioritária desta esta subunidade era proceder pressão sobre a linha de infiltração de Sitató; 

(viii) substituída pela CCAÇ 4143/72 a 14 de novembro de 1972, segue para Dugal a 16, para sobrepor e render a CART 3332, assumindo a responsabilidade do subsector, com destacamentos em Fatim, Chugué e Fanhe, e para missões de segurança de instalações e populações da área, integrada no dispositivo do Comando Operacional nº 8;

(ix) é  transferida para o COMBIS (Comando de Bissau) em 30 de setembro de 1973), sendo rendida em Dugal pela 2ª C/BCAÇ  nº 4610/72 e, em 3 de outubro de 1973 rende, em Bissau, a  CCAV 3420;

(x) dois meses depois, a 6 de dezembro é rendida no COMBIS pela CCAÇ  3565 e embarca de regresso em 13 desse mês.

Guiné 63/74 - P16694: Agenda cultural (513): Apresentação do livro "Quatro Rios e um Destino", da autoria de Fernando de Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, dia 10 de Novembro de 2016, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha


O nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos notícia da apresentação de mais um livro, integrada no 16.º Ciclo de Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na próxima quinta-feira, dia 10 de Novembro, na Messe Militar do Porto.
Desta feita trata-se de mais um livro já nosso conhecido, "Quatro Rios e um Destino", da autoria do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa.





16.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO

149.ª TERTÚLIA

PORTO, 10 DE NOVEMBRO, 5.ª FEIRA, ÀS 15 HORAS

MESSE MILITAR DO PORTO



"Quatro Rios e um Destino", da autoria de Fernando de Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71

Edição: Chiado Editora
Setembro de 2014
Número de páginas: 304
Género: Biografia

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Prefácio do livro "Quatros Rios e um Destino", da autoria do Professor Doutor Amaral Bernardo, à data, Alferes Miliciano Médico em Bedanda.

“Julgo que ninguém que viu ou venha a ver este filme na plateia seja capaz de compreender estas situações e muito menos senti-las, porque vão muito para além da imaginação humana! Os horrores por mim ali vividos naquelas antecâmaras da morte!...”

“Hoje atrevo-me a dizer que foram os gritos de revolta destes deserdados da sorte que abriram as consciências! Foi com as lágrimas destes inconformados que foram regados os craveiros que fizeram florescer os cravos do 25 de Abril…” 

Fernando de Sousa


Se alguma legitimidade há para deixar aqui umas palavras prévias ao início destas Memórias de um período estigmatizante da vida do Sousa, ela poderá advir de duas circunstâncias.
Uma prende-se com o facto de termos sido contemporâneos em Bedanda durante seis meses (dos treze que lá passei), querendo isto dizer que além de camaradas ex-combatentes, estamos irmanados pelas vivências partilhadas no dia-a-dia de um aquartelamento (leia-se redil de arame farpado e pouco mais, mas uma praça militar fortíssima) daquela Região do Sul da então Guiné, naquele período; acresce que a CCAÇ6, ”Os Onças Negras”, que guarnecia este aquartelamento e garantia a segurança naquela zona, era uma Companhia de soldados africanos com quadros europeus - penso que não seríamos mais de vinte no total. Fizemos, pois, ambos, parte desta restrita família.
A outra, porque aquando do acidente grave relatado nestas Memórias, os cuidados de saúde estavam sob a minha responsabilidade naquela zona e, portanto, também estive naquele angustiante momento que fez com que o Sousa ficasse sem uma parte dele (leia-se, parte da vida dele). Primeiro, via rádio, enquanto lhe foram prestados os primeiros e fundamentais socorros no local, e depois no posto de socorros da unidade, com os demais elementos da equipe, e até à evacuação para o Hospital Militar em Bissau. Esta vivência foi profissional e emocionalmente muito marcante.

O facto que, certamente, esteve na génese do nascimento deste testemunho vivo que o Sousa nos dá, data de Julho de 1971 e, desde então, nunca mais tinha sabido nada dele (visitei-o em fins de Julho desse mesmo ano no Hospital Militar em Bissau - ele não se recorda). Só quarenta e um anos depois nos reencontramos na Mealhada, no almoço anual da Tabanca de Bedanda, que junta os ex-combatentes que lá estiveram - a família grande de Bedanda! Conheci, então, o homem que hoje é.

E quem é este homem? Onde e como cresceu e se fez, como foi preparado para uma guerra que nunca entendeu, que lhe arrancou parte da vida, que por pouco não o matou? E como chegou lá? A sua estadia nessas terras desconhecidas que vivências lhe ia dando? Como era o dia-a-dia num aquartelamento em zona de guerra? E passados todos estes anos, o que ficou?

Estas Memorias, escritas, melhor, faladas para o papel, de uma forma natural, espontânea e fluída…. Um filme bucólico e idílico e a cores por vezes, outras a preto e branco pesado, dão-nos as respostas.
Contam-nos como um jovem aldeão, com uma vida simples mas dura, embora cheia de esperança, é transformado num soldado, um número, e quais foram os caminhos que o levaram para a guerra, que nunca entendeu.
Denunciam com críticas pertinentes, adequadas e bem fundamentadas, que ecoam ora como um grito de alerta e revolta ora com grande desespero e pesar, os multifacetados aspectos deste monstro insaciável que é a guerra: políticos, económicos e sociais de uns, e a robotização e sofrimento dos que são a estrutura base desta máquina infernal de matar e morrer, a troco de nada.
Relembram-nos os imperdoável e injustamente esquecidos desta guerra - os soldados africanos mortos nas nossas fileiras e que não têm direito a constar ao lado dos nossos nos memoriais públicos.
Revelam-nos o pungente testemunho do regresso e permanência no Anexo do Hospital Militar em Lisboa que é, no mínimo, kafkiano.

“Para mim, esta fatalidade chegou! Como um deus em jeito de raio caído do céu, ou um demónio saído das profundezas da terra. Ou, até, talvez os dois juntos, cada um deles exigindo parte de mim, do meu corpo, da minha carne, do meu sangue, ….”

“Que pena não terem conseguido tudo, mas mesmo tudo de mim, para não mais os poder maldizer e amaldiçoar, como desde então o tenho feito, e o faço aqui e agora.”

“Era precisamente ali, dentro daqueles muros de três e quatro metros de altura, que o poder político nos escondia miseravelmente de tudo e da sociedade, totalmente alheia e indiferente à miséria humana, por todos nós, ali vivida! …”

“Era precisamente para ali que vinham em lindas caixas de madeira transportadas em cada regresso dos barcos os pobres soldados. Era dali que durante a calada da noite saíam, para os cemitérios de Portugal, os restos mortais daqueles que os deuses nos jogos da sorte e do azar condenara".

Dão-nos também outras vivências e emoções do dia-a-dia por que passa ou constata, salientando as que o exotismo africano lhe dá – populações, hábitos e costumes .
Mostram-nos a sua veia poética, com poesias a propósito e plenas de sentido, como a que explicita as consequências dos momentos de desprendimento onde a força das pulsões da natureza, num meio cheio de ambiência e receptividade para a sua libertação se concretizam, num dramático e actual poema - Criados à Margem.

Sementes do tuga
Foram tantos em amor escondidos
Lisonjeiros amores de soldado
De amores em pecados dormidos
Por filhos do vento hoje tratados
Entregues a si e abandonados
Órfãos de pai sem o amor merecido

E ainda nos dizem como atingiu a plenitude serena com a vitória sobre “os deuses e demónios” que o queriam aniquilar, ao renascer das cinzas que sobraram para uma nova vida.

“Esta viagem terminou na estação de Santa Apolónia, fisicamente, há quarenta e três anos. Porém, esta viagem, para mim, nunca terminará. Vai continuar, não tem fim! Apenas e só na última estação, no fim da linha, quando este comboio fantasmagórico, já velho, com todas as carruagens repletas de recordações e nostalgia percorrer toda a linha, com seu maquinista já vencido pelo cansaço, se deixar tombar com a mente adormecida num sono profundo”

Assim será com todos os ex-combatentes, “maquinistas” de ”comboios fantasmagóricos”, ou como disse o psiquiatra Afonso de Albuquerque: “Estes rapazes continuam na guerra”

Amaral Bernardo
(Ex-Alf.Mil Médico)
Porto 27 Julho de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16691: Agenda cultural (506): SIC: Programa Perdidos e Achados, em 29 de outubro passado: onde estavam os repórteres da guerra colonial, onde estavam os nossos fotocines?

Guiné 63/74 - P16693: Carta aberta a... (14): ...ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Portugal > Presidência da República > Havana, 26/10/2016 > O Presidente da República encontrou-se com Fidel Castro

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reuniu-se, em Havana, com o antigo Presidente cubano, Fidel Castro, um encontro que durou cerca de uma hora.

Foto (e legenda): Presidência da República (com a devida vénia)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 5 de Novembro de 2016, trazendo, para publicar, uma carta aberta ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da Rerpública Marcelo Rebelo de Sousa.

[ Foto à direita: Manuel Luís Lomba, residente em Barcelos,  autor do livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu".  Barcelos: Terras de Faria, 2012, 340 pp. (Email: terrafaria@iol.pt)].


CARTA ABERTA - 14

Espécie de carta aberta ao nosso compatriota Marcelo Rebelo de Sousa:

Excelência:

Como Presidente da República e Comandante Supremo das FA Portuguesas, prescindiu do meu respeito!

Como é de boa prática, faço uma declaração de interesses. Não votei no jurista e mediático comentador Marcelo, por o considerar uma flor da estufa social de Lisboa-Cascais; votei no engenheiro e trabalhador Henrique Neto, por o considerar uma espécie de esteva no resto da paisagem.

A minha geração deu em escrutinar o currículo militar aos “valores emergentes” do 25 de Abril. Em 1974, Marcelo, filho de ministro, tinha 26 anos e sem assentar praça, quando o povo comum se tornava magala aos 21 anos! Terá sido um dos honrosos refractários de facto, mas não de direito, obviamente…

A curiosidade pela vida militar dos que se promovem ou são promovidos ao topo político não revela tendência militarista. O nosso orgulho de ex-combatentes não é de actores nos palcos da Guerra do Ultramar, mas de camaradas de D. Afonso Henriques, o primeiro soldado de Portugal, 800 anos depois de ele ter fundado a nacionalidade portuguesa e dado à luz a nossa independência política. E sem inibições em manifestar o nosso respeito aos que, movidos por idêntica aspiração, nos deram combate nessa guerra.

Como Presidente da República de plena legitimidade, como o meu ADN é lusitano passei a dedicar o devido respeito e a tributar a minha lealdade a S. Ex.ª, com unhas (os dentes já não são capazes). A romagem de S. Ex.ª a Fátima e a Roma poderá entender-se um acto positivo. É que enquanto Portugal e os Portugueses dedicaram os seus afectos e devoção a Nossa Senhora, de Oliveira, da Conceição ou de Fátima, tornou-se independente, construiu-se, expandiu-se ao Mundo – e foi Império durante 500 anos! Decretada a sua orfandade, os “portuguesinhos” venderam o país e a sua alma, Portugal perdeu tudo – sobretudo a vergonha! – para se tornar um protectorado da União Europeia, dependente e venerador da Troika e da Senhora Merkl…

Que S. Ex.ª vá a Cuba em visita de Estado, são atribuições do seu cargo, e compreensíveis são os sorrisos amistosos e os cumprimentos mediáticos que dispensou ao seu chefe, por maior tratante que tenha sido para com os Portugueses e continue a ser para os cubanos. Ossos do ofício. Mas que vá prestar menagem e veneração ao fossilizado Fidel Castro – e espere um dia para ser recebido por ele – é inadmissível! Porquê? O Presidente da República de Portugal tem obrigação de saber, o dever de sentir e de ter a coragem moral de tomar as dores das ofensas militares ao seu país!

“Quem não se sente, não é filho de boa gente” – sabedoria popular portuguesa.

Reconhecidamente paciente desse complexo de superioridade de revolucionário, o cubano Fidel Castro tornou-se agente da morte, sofrimento e privações do povo cubano, impondo-lhe o culto da sua personalidade e a ditadura ideológica e social, feroz e oligárquica, que o oprime há quase 60 anos! E a estruturação do seu pensamento revolucionário começara por colocar a Humanidade à beira do apocalipse nuclear USA-URSS e a passar 14 anos a matar Portugueses, pelas ofensas militares ao nosso país, por assuntos que não lhe diziam respeito.

No tempo em que andei em perigos e guerras esforçados ao longo da fronteira Leste e Sul da Guiné, com os corajosos e eficientes guerrilheiros do PAIGC, como o seu chefe Amílcar Cabral apregoava já controlar dois terços do território, Fidel Castro tentou convencer o presidente da República da Guiné a ceder o seu país como plataforma da invasão pelo exército cubano. Sekou Touré era verdadeiro inimigo de Portugal, mas ditou:
- Como o Cabral já controla dois terços do território, tens muito por onde lançar a invasão, entre o Geba e o Cacheu…

Enquanto os outros patrocinadores, desde a Europa do Norte, passando pela URSS e satélites, à China e aos Estados Unidos, cooperavam com a guerrilha, mas não autorizavam os seus nacionais a pisar território português, Fidel Castro enviava oficiais e especialistas do exército regular de Cuba, para planear e supervisionar as operações para matar soldados portugueses nas fronteiras da Guiné.

Excelência:

Para atalhar o tema, atente em dois factos, anda bem frescos na memória de milhões de Portugueses e que ainda amarguram os corações de centenas de milhares, imputáveis ao “el comandante en jefe” cubano da sua devoção.

Os ataques massivos contra as tabancas fronteiriças de Guileje, Gadamael, Guidaje, Canquelifá, etc, planeados, supervisionados e desencadeados por elementos do exército regular de Cuba, durante o primeiro semestre de 1973, provocaram cerca de 2000 vítimas portuguesas, entre os nativos residentes e os nativos atacantes, incluindo cerca de 200 soldados portugueses metropolitanos.

É ao exército cubano que os Portugueses e os Angolanos devem, infelizmente com a cumplicidade do MFA português, a materialização da inveja e da sanha internacionalista, que visava a desconstrução da realidade física e social, atingida pelo Estado de Angola, como subempreiteiro por conta dos interesses dos imperialismos – Rússia, Estados Unidos e China. Nos 13 anos da guerra sustentada por Portugal, o progresso económico e social de Angola foi exponencial; nos 16 anos da guerra alimentada pelos cubanos, a destruição económica e o retrocesso civilizacional de Angola bateram no fundo.

E lembramos a sua responsabilidade na desnatação dos quadros, que alavancavam o progresso angolano e das suas vidas - os 800 000 refugiados, que Portugal recebeu sob o eufemismo de “retornados” – como vítimas do maior roubo da História, apenas superado pelo confisco nazi aos Judeus.

Excelência: É devoto de Fidel Castro? Aquela rapaziada do Governo que foi ver os jogos do Campeonato da Europa à borla, também era devota – e da Selecção Nacional! E já fez a sua autocrítica.

Faça como eles…
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16310: Carta aberta a... (13): ...ao Senhor Presidente da Republica Portuguesa e Comandante Supremo das Forças Armadas (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)