sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A mesa do Natal de 1972, de sete "desalinhados": o 1º cabo cond auto José Claudino da Silva, "Dino" mais os camaradas e amigos, Luís, Zé Leal, Zé Alves, Carvalho, Moreira, Esteves. Completavam sete meses de Guiné...

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do livro em pré-publicação, no nosso blogue, do nosso grã-tabanqueiro José Claudino da Silva (*)

25º Capítulo > AS MENSAGENS NATALÍCIAS

Vieram os repórteres fazer as gravações para as mensagens de Natal de 1972 (**). Safa!, ainda estávamos no dia 23 de Outubro. E se morríamos todos antes do Natal? Será que as nossas famílias iriam ouvir as mensagens?

Confesso que não achei muito correcto, mas depois informaram-me que,  se eu morresse,  me cortavam do filme por isso fiquei mais descansado.

“Alô queridos pais, irmãos, aqui o soldado tal. Encontro-me de boa saúde e feliz por defender a pátria. Um abraço e adeus até ao meu regresso”.

Para mim, essa mensagem não dava. Não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos. Tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias. Nesse dia, estava convencido de que no Natal ia aparecer na televisão.

Alô,  Penafiel. Daqui de Fulacunda na Guiné Portuguesa. Fala o 1º Cabo Condutor Auto Rodas 158532/71 que deseja um bom Natal e um feliz ano novo a todos os seus entes queridos.”

 Só no fim é que me lembrei e acrescentei:

“É verdade! Chamo-me José Claudino da Silva. Adeus, até ao meu regresso”.

Ficou assim.

Afinal, por motivos imprevistos, as mensagens só iam ser transmitidas via rádio e os nossos familiares seriam avisados das datas. A minha avó foi informada três dias depois da minha mensagem ter ido para o ar, mas ela tinha-me escutado, pois ouvia todos os dias, em casa dos vizinhos, as mensagens dos soldados. Para ela, cada um que falava era como se fosse o neto. Eu fui o primeiro neto que ela teve na guerra.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de dezembro de  2017 >  Guiné 61/74 - P18118: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 17: inesperada 'promoção' a 1º cabo de reabastecimentos com direito a jipe e a máquina de escrever HCESAR...

(**) Último poste da série > 25 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14080: O meu Natal no mato (42): 1971, em Zemba (Angola); 1972, em Caboxanque; 1973, em Cadique (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Cantanhez, 1972/74)

Guiné 61/74 - P18121: Parabéns a você (1360): Miguel Vareta, ex-Fur Mil Comando da 38.ª CComandos (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18108: Parabéns a você (1359): José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350 e CCAÇ 11 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18120: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (7): Patrício Ribeiro, fundador e diretor técnico da Impar Lda; antigo fuzileiro naval, em Angola, 1969/72


O postal de Natal de 2017 do Patrício Ribeiro, diretor técnico da Impar Lda... Imagem de uma exótica "cabaceira" (embondeiro), numa praia do ilhéu de Caió, região do Cacheu, Guiné-Bissau.

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2017).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de boas festas do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro [um antigo "filho da Escola", leia-se: fuzileiro da Marinha Portuguesa, radicado na Guiné-Bissau há mais de  décadas, fundador e diretor da empresa Impar Lda; nascido em Águeda, em 1947, viveu desde tenra idade em Angola,  onde fez tropa, foi grumete fuzileiro, 1969/72; voltou a Portugal com a descolonização; fixou-se na Guiné-Bissau em 1984]

Luís,

Desde Bissau,
para todos, boas festas.

Abraço
Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guiné- Bissau
Telef 00245 966623168 / Telem 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de dezembro de 2017 >  Guiné 61/74 - P18116: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (6): José Carlos Mussá Biai, "menino do Xime" em 1970, engenheiro florestal, a trabalhar hoje na Direção-Geral do Território, em Lisboa

Guiné 61/74 - P18119: Blogues da nossa blogosfera (86): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte II"


Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte II
 
Afundamento do batelão “Guadiana” por EEA–Engenho Explosivo Aquático 

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Julho de 2010)

(Final)

Resumo do acidente

Pelas 13:30 do dia 27 de Maio de 1969 na posição de latitude 11º 14’.3 N e longitude 15º 18.1’ W, quando o comboio naval RCU 09/69 navegava no rio Cobade estreito, no percurso rio Cumbijã – foz do rio Tombali com o apoio aéreo de dois aviões T6, o batelão «Guadiana» nele integrado foi atingido pela explosão de uma mina flutuante fundeada, a meio de uma passagem do rio que não teria mais de 20 metros de largura.

Muito provavelmente, a detonação terá sido accionada electricamente de terra, com resultado agravado pelo transporte de bidons de gasolina e detonadores que seguiam como carga. Houve a lamentar 5 mortos e 8 feridos com diversos graus de gravidade, todos autóctones, sendo 2 tripulantes e 11 passageiros.

 
O batelão «Guadiana» afundado pelo rebentamento de um EEA - Engenho Explosivo Aquático


A posição relativa das LDM e dos batelões no comboio, na altura em que ocorreu o avistamento do EEA

O batelão começou a alagar rapidamente e, em face desta situação, o oficial que comandava operacionalmente o comboio, 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite ordenou o imediato reboque, por uma das LDM, para um local mais afastado da área forte do inimigo – a ilha de Como – onde a embarcação pudesse ser encalhada numa das margens.

Efectivamente o batelão «Guadiana» ainda percorreu rebocado cerca de uma milha, ficando imobilizado de proa na margem esquerda do rio Ganjola, de popa para montante e a cerca de 300 metros da confluência com o rio Como.


Análise da situação e reconhecimento local

No dia seguinte foi efectuado um heli-reconhecimento pelo Chefe do Estado-Maior do CDMG, acompanhado pelo responsável do Serviço de Assistência Oficinal (SAO), Comandante do DFE 12 e Chefe da Secção de Mergulhadores para, com base nos elementos recolhidos, se proceder a uma análise prévia da possibilidade de recuperação do batelão.

Entretanto, o Comandante-Chefe alertou as FT sediadas na margem norte do rio Cobade, para a possível utilização daqueles meios, antecipando uma tentativa de recuperação a efectuar no dia 29 de Maio. Deveriam aguardar o contacto directo do CDMG.

Era responsável por aquele sector o BArt 2865, com sede em Catió, englobando Catió, Cufar e Bedanda, tendo sido determinado à CArt 2476 (Catió) para efectuar fogo de artilharia de interdição, durante duas noites, para a área de Cachil. Simultaneamente, sobre a Ilha de Como, foram ordenados ataques com heli-canhão e bombardeamentos utilizando aviões Fiat G91, quer por haver conhecimento de numerosos alvos de interesse a atingir quer por represália.

Neste reconhecimento local, para ser apreciada a estrutura, resistência e forma de recuperação possível do batelão, deslocaram-se técnicos do SAO-Serviço de Assistência Oficinal e mergulhadores, além de outro pessoal e equipamento diverso. Participaram ainda a LFG «Cassiopeia», 2 LDM - Lanchas de Desembarque Médias e ainda um grupo de assalto do DFE 7 com 6 botes de borracha. Os trabalhos foram acompanhados de helicóptero pelo próprio Comandante do CDMG acompanhado do Sub-Chefe do Estado-Maior.


Mapa da zona do rio Cobade entre os rios Tombali (ponto TT) e proximidade do rio Cumbijã (ponto CC); assinalada a parte do Cobade estreito, próximo de Catió

O «Guadiana» tinha como principais características 17 metros de comprimento, 5.5 metros de boca e 2.2 metros de pontal. Possuía duas anteparas, a de ré que limitava os alojamentos da tripulação e a de vante que limitava o porão da amarra. Tinha duas bocas de porão, a de ré com 7.3 x 3.0 metros e a de vante com 3.2 x 2.0 metros. As balizas e a sobrequilha, em ferro, eram rebitadas ao costado.

Na continuação da vistoria efectuada pela Secção de Mergulhadores e outro pessoal técnico embarcados na LDM 105, constatou-se que o batelão estava enterrado cerca de um metro no lodo fino da margem com caimento a ré e adornado a estibordo, com balizas bastante danificadas, rebitagem desfeita e a própria sobrequilha retorcida, tudo numa extensão apreciável (cerca de 10 m). O lodo tinha invadido o fundo numa altura próxima dos 50 cm.

A impossibilidade de tornar a embarcação estanque, a estrutura fragilizada, a dificuldade na utilização de bidons que aumentassem a flutuabilidade e o intervalo de tempo entre marés disponível, deixava colocar sérias dúvidas quanto a uma tentativa de recuperação com resultados positivos.

A impossibilidade de concretizar, com os meios disponíveis, qualquer salvamento levou a que todo o pessoal e meios presentes regressassem às suas unidades de origem.


A LFG «Cassiopeia» que participou nas operações de apoio


Conclusões

No final do reconhecimento, vistoria, estudos efectuados e relatórios técnicos de todos os intervenientes concluiu o Estado-Maior haver remotas possibilidades de recuperação, questionando simultaneamente a razoabilidade de tal decisão. Assim:

– Militarmente, seria importante transformar um navio afundado numa unidade temporariamente avariada, evitando uma moralização do inimigo que incentivasse prosseguir com a utilização de minas flutuantes nos rios da Guiné, podendo vir a tornar insegura a navegação.

– Do ponto de vista de princípio, o salvamento de um navio afundado ou encalhado, deveria ser sempre encarado como meta a atingir desde que existissem consideráveis probabilidades de êxito, em função dos riscos e encargos que daí adviessem.

– Em face de informações e relatórios técnicos disponíveis, o batelão teria necessariamente reduzido valor residual e os elevados custos de reparação previstos desaconselhavam a prossecução desse objectivo.

Assim veio a suceder por determinação do Comandante-Chefe e, mais tarde, o que restava do «Guadiana» veio a ser destruído por uma equipa de mergulhadores sapadores utilizando cargas explosivas

(final)

Fontes:
Pesquisa e compilação de texto a partir do relatório do 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite, núcleo 236-A do Arquivo de Marinha; fotos do Arquivo de Marinha; imagens do autor do blogue efectuadas a partir de extractos da carta da Guiné (cortesia IICT);

mls
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 19 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18106: Blogues da nossa blogosfera (85): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I"

Guiné 61/74 - P18118: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 17: inesperada 'promoção' a 1º cabo de reabastecimentos com direito a jipe e a máquina de escrever HCESAR...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O 1º cabo cond auto José Claudino da Silva, ao centro, o terceiro a contR  da esquerda para a direita... Natal de 1972; "Eu e mais quatro amigos não comemos em sinal de protesto"... Prometemos publicar, por estes dias, o capítulo do livro em que se faz referência a este episódio natalício, de boicote do rancho...


 Foto (e legenda): © José Claudino da Silva  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:


Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .


Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou
 a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972,no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o  de aprender a datilografar... e a "ter jipe".


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 17 (Máquina de escrever HCESAR)


[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


17º Capítulo > HCESAR Versus AZERT



Chamava-se Teclado Nacional e foi implementado por Salazar o teclado cujas primeiras letras eram HCESAR, em contraste com o AZERT em vigor na Europa.

Foi num recôndito lugar, no interior da Guiné, que pela primeira vez premi uma tecla duma máquina de escrever. Não deixa de ser curioso ser longe de civilização, num local em que nos referíamos como “O Mato”, que aprendi a escrever à máquina.

“Nem vais acreditar, o teu namorado agora é como os empregados dos bancos em breve só escreve à máquina”

Devido às funções em que fui colocado, tinha de fazer encomendas, balanços e balancetes em triplicado. Ora, para isso, passei a ser também contabilista e escriturário, seja isso o que for. Uma coisa é certa, sem que eu o merecesse, estava a ter alguns privilégios, como já antes acontecera. Querem ver que a porcaria da minha classificação continuava a ser uma fórmula mágica de me safar das situações foleiras pelas quais passavam os outros militares? 

Estou mesmo a ver que se fosse hoje, com aquela classificação, ainda chegava a deputado, presidente de empresa, instituição pública ou, quiçá, ministro, como recentemente tenho lido e ouvido nos média. Garanto que qualquer universidade me concedia os créditos para me tornar doutor; o único problema talvez sejam os meus amigos. Não são reitores!

Fiz o que me mandaram, acreditava que podia lutar pelo meu país daquela maneira, e dediquei uma parte do meu tempo a praticar na máquina de escrever e na calculadora de manivela.

Comecei a interiorizar que podia tirar partido do pouco de bom que ali existisse e, quem sabe, se a aprendizagem de outras coisas não me seria útil no futuro, se o tivesse. Ao mesmo tempo, ia tendo mais um motivo de distracção.

De repente, as mordomias aumentam.

- Caros camaradas, vocês… são um zero, à minha beira – teria, por certo, pensado eu, com a arrogância de quem é comprado e nem o percebe.

“Olha querida sou um senhor aqui em Fulacunda, até um Jeep tenho para mim e sou o chefe dos reabastecimentos”.


Isso aconteceu quando tomei posse. O pomposo nome é… “Cabo de Reabastecimento”. Acrescento que me é distribuído, no mesmo dia, um Jeep e passo a ser o motorista do comandante. Mas como aqui não há estradas nos 200 ou 300 metros em que se pode conduzir dentro do arame farpado, é o próprio comandante que conduz.

Passei a ganhar mais 150$00 por mês e o meu “padrinho” era o 1º sargento Santos; nem mais nem menos o que eu achava, o comandante. O verdadeiro, nem o gramava!

“Lembras-te de te dizer que o meu capitão em Penafiel só tinha peneiras? Aqui é igual. Tenho de ter o Jeep sempre limpo”.


Operações contra os "turra"? Nem pensar! Um estúpido militarista como eu, quase sem saber como e, por mero  acaso ou golpe de sorte, tirava o cu do perigo. Dizem os comandos que “a sorte protege os audazes".Eu não era audacioso, mas estava protegido pela sorte.

Demorei algum tempo a perceber onde pertencia. Lamento que nos primeiros tempos o meu complexo de superioridade me fizesse sentir ser o Maior. Qualquer atirador, mesmo sendo analfabeto, me demonstrou, em pouco tempo, que era superior a mim.

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18102: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 15 (A picada) e 16 (O analfabetismo)...Terei escrito meio milhão de palavras em cartas e aerogramas durante a comissão...

Guiné 61/74 - P18117: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte IV: Bissau, ponte-cais, 4 de agosto de 1969, no regresso a casa.. O fotógrafo estava lá em cima, no N/M Uíge, a ver chegar as lanchas LDG, LDM e LDP, carregadas de tropas vindas do interior e que encostaram ao navio... Vinha tudo ao molhe e fé em Deus!


Foto nº 502


Foto nº 502 A


Foto nº 502 B


Foto nº 507


Foto nº 507 A


Foto nº 505


Foto nº 505 A


Foto nº 505 B


Foto nº 505 C



Foto nº 505 D



Foto nº 505 E


Guiné > Bissau > 4 de agosto de 1969 > Zona portuária > Fotos, tiradas do T/T Uíge, na viagem de regresso.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



1. Continuação da publicação de um conjunto de fotos, selecionadas, do álbum do nosso camarada Vírgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingoa, 1967/69)

Tenho uma série destas fotos... É o dia 4 de Agosto de 1969, o dia da saída da Guiné. Eu tinha passado a noite anterior no Uige, e por isso de manhã cedo est

Tive a sorte de ver algumas e assim fotografei a chegada, o içar da carga para o barco, um momento inesquecível, e como foi tirada com os "slides", só foram revelados em Agosto e iam para França, e assim ficaram quase 50 anos. 

Nunca ninguém do BCAÇ 1933 e BCAÇ 1932 e outras Companhias e Pelotões, as viu, muitos poderão agora recordar a sua chegada em 4 de Agosto e entrada para o Uige, naquelas condições degradantes. 

Esta série de fotos que tenho da chegada das lanchas a encostarem ao Uige e depois a serem içadas, são realmente uma questão de sorte, eu estar no sitio certo à hora certa. Nenhum dos protagonistas, éramos cerca de 700 militares, conhece estas fotos, muitos vão rever-se nelas, um dia que as possam ver. 

Mandarei mais, pois acho que são momentos inesquecíveis, independentemente da força da imagem em si mesma.

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18109: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte III: Foto tirada do T/T Uíge, no nosso regresso, em 4/8/1969: vê-se o T/T Rita Maria atracado na ponte-cais de Bissau, e uma lancha da marinha que nos veio trazer o último militar a embarcar.

Guiné 61/74 - P18116: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (6): José Carlos Mussá Biai, "menino do Xime" em 1970, engenheiro florestal, a trabalhar hoje na Direção-Geral do Território, em Lisboa



1. Mensagem de boas festas do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "menino do Xime" do tempo da guerra, e hoje engenheiro florestal, a trabalhar na Direção-Geral d Território [, é membro da Tabanca Grande desde a primeira hora, tendo cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue]


Meus Caros Amigos e Camaradas,

Mais um Ano que está a terminar e o outro a aproximar…mas os desejos continuam as mesmas!

Houve alguém que disse…”com boa saúde tudo se resolve e o resto são juros”.

Os meus Votos de muita saúde para tod@s e que tenhamos a sorte de colher os juros!

Festas Felizes e um próspero ano 2018!

Abraços e beijinhos, 
José C. Mussá Biai
Engº. Florestal

Direção-Geral do Território (DGT)

Direção de Serviços de Informação Cadastral (DSIC)

Divisão de Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (DCG)

Rua Artilharia Um, nº.107 1099 - 052 Lisboa

Tel. 21 381 96 00 (Ext. 303) / Fax. 21 381 96 99

www.dgterritorio.pt



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Xime > Posto Escolar Militar nº 8 > 1972 > "Alunos participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em 10 de junho de 1972 (,segundo creio). Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte". [Um dos miúdos era o José Carlos Mussá Bai, hoje engenheiro florestal a trabalhar e a viver em Lisboa]

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados.  [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Último poste da série > Guiné 61/74 - P18115: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (5): Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CCAÇ 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74)

Guiné 61/74 - P18115: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (5): Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CCAÇ 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74)








Mensagem de 19 do corrente, do Jorge Araújo e da esposa Maria João:


Caro Luís,

Mantendo a tradição, anexo a minha mensagem de BOAS FESTAS para o colectivo tertuliano da nossa «TABANCA GRANDE».

Para ti e restante família seguem os nossos votos de BOM NATAL e um próspero ANO NOVO.

Com um forte abraço.

Jorge Araújo e Maria João.

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18114: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (4): José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos: Se o Natal é quando um homem quiser, façamos então Natal todos os dias!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18114: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (4): José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos: Se o Natal é quando um homem quiser, façamos então Natal todos os dias!






Guiné.-Bissau: em 2005, na tabanca Lisboa, a 5 km de Buba,
com um antigo camarada
paraquedista e a filha
1. Mensagem de boas festas do nosso amigo e camarada José Teixeira:

[ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70);

régulo da Tabanca de Matosinhos;

tem c. de 320 referências no nosso blogue]
Se o Natal é quando o homem quiser...

Façamos então Natal todos os dias!

Um Santo e feliz Natal, são os votos sinceros do

José Teixeira

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18113: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (3): Paulo Salgado (ex-alf mil op esp, CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)... "Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade /, Glória a Deus nas Alturas", citando o poeta António Gedeão


O Paulo e a Conceição Salgado na Guiné-Bissau, como cooperantes, em 1991.Foto de perfil, na página do Facebook, do nosso camarada Paulo Salgado-


Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camão aradas da Guiné]


 


1. Mensagem de boas festas do nosso amigo e camarada Paulo Cordeiro Salgado: 



[ex-Alf Mil Op Esp da CAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72);



autor de "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor" (Moncorvo, Lema d' Origem, 2016); 

casado com a economista Conceição Salgado, também nossa grã-tabanqueira, e que se associa a esta mensagem]




A todos - penso para mim: será que estarão todos incluídos? - de que guardo lembrança, por esta ou aquela razão marcante - desejo (a minha mulher acompanha-me) um Feliz Natal e um Ano de 2018 com harmonia e paz e solidariedade junto dos que vos são queridos. 

Decerto que o poema que se segue é conhecido de vós. Mas não será demais lembrá-lo. De um poeta que tinha uma sensibilidade social muito profunda. 

A minha mulher lia este poema aos nossos filhos quando eles começavam a compreender que o pensamento do "doce Jesus" não se coadunava com tanta coisa que ia e vai por aí. 

Pedindo desculpa pelo BCC tão envolvente e facilitador (!) - aliás, temos de seguir o que a tecnologia, a dominadora tecnologia facilita - envio um abraço.

Paulo Salgado

Paulo Xavier Fernandes Cordeiro Salgado

Administrador Hospitalar - ENSP/UNL
Pós-graduado em Administração Pública - UMinho
Pós-graduado em Direito dos Contratos - UCP
Mestre em Gestão-Especialização em Gestão e Administração de Unidades de Saúde-UCP


2. ​Dia de Natal, poema de António Gedeão


[, pseudónimo literário de Rómulo de Carvalho (1906-1997);

o poema «Dia de Natal» é publicado em 1967 num jornal de estudantes do Liceu Camões que é apreendido pelo reitor]



Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

[Fonte:  com a devida vénia, extraído de:

Guiné 61/74 - P18112: Os nossos seres, saberes e lazeres (245): São Torpes, entre Sines e Porto Covo (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Foram uns dias encantadores, na companhia de uma criança de seis anos que adora o mar, saltar nas ondas, e fazer construções na areia, melhor reporte para a nossa infância não podia haver.
Conversou-se em Porto Covo com um camarada da Guiné, Inácio Maria Góis, autor de um espantoso diário, no blogue deixei a minha apreciação encomiástica. Agora vai começar o trabalho de revisão, aqui na Guiné, o Cherno Baldé tem o seu chão em Fajonquito, onde se passou o essencial da comissão deste talentoso escritor.
Sines tem muito para ver, aqueles areais até ao infinito fazem-nos sonhar. Um espetáculo que se recomenda para crianças e até nonagenários.

Um abraço do
Mário


São Torpes, entre Sines e Porto Covo (2)

Beja Santos

Qualquer pretexto é bom para que o viandante se enfronhe nesta cidade cheia de História, basta só recordar que em 1469 aqui nasceu Vasco da Gama, muito provavelmente num espaço bem próximo de onde se dispararam estas duas imagens. Não dispõe o viandante de dotes instrumentais para pôr em sequência de imagens a palpitação urbana com pescas e o que foram as conservas e agora a extensa plataforma portuária-industrial, esta imponente e omnipresente. Tivesse o viandante talentos e punha em sequência as praias com as águas de tonalidade azul-turquesa, a saliência dos rochedos, sempre a saltitar por toda a orla, a petizada no surf, os guindaste no trabalho, os marinheiros na faina, o desfrute da Avenida Vasco da Gama, a coroa de glória da regeneração urbana de Sines. Na falta desse engenho de arte, e dentro do museu é possível obter um quase bilhete-postal, num caso, e uma alegoria da longa história de Sines numa janela de tardo-gótico onde até se pode imaginar uma reminiscência árabe.



Em Sines abundam disseminados sinais de uma prosperidade fixada nas décadas de 1930 e 1940, é mesmo de questionar se a então vila não era um modelo de prosperidade em pescas e conservas de peixe, cortiça e agricultura. Tem que se arranjar uma razão para tanta Arte Deco que pontua as ruas e ruelas do casco histórico, tudo aos altos e baixos numa construção anárquica que retirou qualquer identidade que se procura encontrar neste meio urbano. Encerrada está "A Primorosa", seria seguramente leitaria, caso de pasto ou de petiscos, o importante, mesmo com as portas fechadas, é que está preservada neste azul elétrico que faísca na luz crua do dia.


Veio-se em companha conhecer a nova autoestrada e o labirinto de ramificações que põem em Sines entre o litoral e o interior, o Norte e o Sul. Aqui começa a Costa do Norte, a vista é de cortar o fôlego, há toda a vantagem em chegar aqui com bons binóculos para satisfazer a curiosidade de supor que até avistamos a Comporta e mesmo Troia. O importante é o desafogo, o rugoso tapete de areal, com sinuosas restingas, não se estivesse em férias e procurar-se-ia apurar onde está o fim da linha, entre esta areia e o espaço mar.


Esta é a Casa das Artes, edifício primoroso, uma obra-prima da arquitetura, com uma escala nada agressiva e lá dentro tudo funciona em valências: biblioteca e espaço internete, áreas de exposições e auditório. Antes de mais, o viandante andou às voltas de toda esta pedra rósea laminada, com surpreendentes vãos e desvãos, cortes que rasgam a estrutura para lá dentro sentir a bênção da luz natural, e com grande sucesso. O viandante não faz birra diante da arte contemporânea, mas na generalidade das situações o que lhe cai diante dos olhos lhe parece já visto e revisto. À entrada da área das exposições, que anunciava Estação Vernadsky teve acesso a uma folha onde se escrevem considerações para usar em muito sítio. Por exemplo, citar o filósofo italiano Giorgio Agamben, dizendo que o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpelá-lo, algo que, mais do que toda a luz, se dirige direta e singularmente a ele. Pois o viandante dá por muita coisa que já se viu em muito sítio e que aqui se arruma de outra maneira, sobretudo graças aos prodígios naturais dos arquitetos Aires Mateus. Um monte de terra de onde desponta, sabe-se lá por metáfora, colunas de luz, deixa-o indiferente, não concebe a visão de uma obra de arte sem uma emoção estética ou coisa que o valha. Nem tudo se perdeu nesta deambulação, este centro de artes é um dos nossos orgulhos na nossa frutuosa arquitetura. Mudemos de rumo.





Quem também nasceu em Sines foi Emmérico Nunes, um dos três grandes nomes de desenhadores de humor que triunfaram pela Europa, ele, Leal da Câmara e Vasco de Castro. Hoje existe um centro cultural com o seu nome e aqui se comemorou o centenário do seu nascimento (1888-1988). Em 1906 seguiu para Paris, em 1910 foi para a Alemanha, estudou em Munique. O seu desenho cativa um semanário de grande prestígio, veio depois a guerra, abandonou o país e foi para a Suíça, no verão de 1918 regressou a Portugal. No acesso do modernismo, o seu desenho é recebido com enorme entusiasmo. Para ganhar modestamente a vida, arranjou lugar de desenhador na Companhia Industrial de Portugal e Colónias, é chamado por António Ferro, trabalhou para o pavilhão português na exposição de Nova Iorque e em muito mais eventos. Não esqueceu Sines e dedicou-lhe algumas obras. Não havia nada neste centro cultural de Emmérico Nunes para ver, a não ser postais. Pois é com um deles que nos despedimos desta maravilhosa estadia em Sines, e com uma enorme vontade para repetir.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18081: Os nossos seres, saberes e lazeres (244): São Torpes, entre Sines e Porto Covo (1) (Mário Beja Santos)