quarta-feira, 27 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18785: Historiografia da presença portuguesa em África (122): A Guiné nas duas guerras mundiais, dois curtos episódios (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Fevereiro de 2018:

Meus queridos amigos,
Temos alguns esparsos quanto ao impacto que os dois conflitos mundiais tiveram na Guiné. Os relatórios do BNU e a documentação avulsa que é possível consultar falam sobretudo dos aspetos económicos, da vigilância britânica, pretendiam a todo o transe travar quaisquer transações que chegassem à Alemanha, tinham sobejos motivos para se inquietar, a presença alemã até ao fim da I Guerra Mundial foi relevante.
Há qualquer coisa de pitoresco no documento referente à reunião secreta promovida em agosto de 1942 pelo Governador Ricardo Vaz Monteiro, fala-se numa invasão iminente e olhando à volta não se encontra, nem de longe nem de perto, uma potência com capacidade invasora, naquele momento, o exemplo de Timor era muito mal escolhido para aquele cenário.
Com isto chama-se a atenção para continuar a investigar o que se passou na Guiné, no tempo destes dois conflitos.

Um abraço do
Mário

Ricardo Vaz Monteiro, 1891-1975


A Guiné nas duas guerras mundiais, dois curtos episódios

Beja Santos

A participação da Guiné nos eventos dos dois conflitos mundiais tem sido alvo de investigações fragmentadas, o que é compreensível na ausência de uma obra histórica abrangente. Dois documentos encontrados no Arquivo Histórico do BNU, um de 1916 e outro de 1942, permitem uma certa aproximação ao que se viveu. Recorde-se que só há relatórios de execução do BNU na Guiné a partir de 1917, não se iludem as dificuldades criadas pelo primeiro conflito mundial, designadamente o que tinha a ver com a atividade das empresas alemãs na colónia e também as relacionadas com o período de carência, inflação e dificuldades na exportação. A II Guerra Mundial tem mais holofotes a iluminar a cena, e a documentação depositada no Arquivo Histórico do BNU é de consulta obrigatória. Aquela porção da África Ocidental francesa não obedeceu ao governo de Vichy, com quem Salazar procurou prezar um relacionamento diplomático cordial, pelo menos nas aparências. As dificuldades aumentaram com o contrabando, que era praticamente incontrolável, pela perda de divisas, os orçamentos da colónia, neste período, eram extremamente austeros, procurou-se exportar o que interessa aos beligerantes, caso da borracha, as importações eram dificílimas.

Vejamos o primeiro documento, é expedido de Bolama em 9 de julho de 1916 para Lisboa. Refere que tinha vindo da sede a autorização para um crédito de vinte contos a favor de Joaquim António Pereira, antigo gerente da firma Salomão Pereira Neves & Ca. O gerente de Bolama é perentório, tal senhor era acusado de negociar com alemães, Bolama preparava-se para cortar o crédito.
E importante é o que se escreve a seguir:
“Ultimamente disseram-nos que negociava com dinheiro emprestado por Rodolf Titzch & Ca. e por isso achamos prudente não lhe dar aviso de crédito sem primeiramente ouvir V. Exas. Nós não temos nenhuma denúncia por escrito mas estamos convencidos ser verdadeiro o que dizem. De uma lancha soubemos nós que foi carregada em Bafatá, saindo o coconote dos armazéns do Titzch, apesar do coconote ser comprado a um cabo-verdiano que fingiu ser intermediário. Não estando V. Exas. de acordo connosco, sirvam-se telegrafar a receção desta”.

Convém notar que os gerentes informavam sistematicamente a criação de empresas, a natureza das suas hipotecas, as falências, as chegadas e partidas notáveis, etc. Um exemplo curioso foi o dossiê que li sobre a empresa Bambay States Limited, que pretendia implantar-se nos Bijagós, enviara um inglês de pele escura, Burmester Ellis Bull, e na informação para Lisboa logo se dizia que tal senhor não era pessoa de confiança, havia mesmo quem dissesse que tinha cadastro. Falamos do pai de James Pinto Bull, deputado da Assembleia Nacional que faleceu em 1970 num acidente de helicóptero no rio Mansoa, que vitimou outros deputados, para além do piloto. A carta confidencial de 7 de agosto enviada de Bissau para Lisboa tem um tom muito mais dramático, o gerente refere que mandara um telegrama cifrado, procurara fugir à vigilância inglesa.

Atenda-se ao que escreve:
“Em 29 do mês findo (julho), o Senhor Governador Vaz Monteiro convocou os chefes de serviço para uma reunião secreta a que nos convidou a ir.
Em curtas palavras, indicou o caminho que cada um devia seguir caso se desse aqui uma invasão estrangeira como a que se verificou em Timor e informou que ele, governador, em tal emergência, se encontraria onde se encontrassem as forças militares da colónia.
Aos que não tinham funções militares, recomendou que, houvesse o que houvesse, não saíssem dos seus lugares e aconselhassem a mesma atitude aos seus subordinados e às demais pessoas que porventura estivessem à sua volta, para que se evitassem dificuldades ao movimento das tropas.
Das suas palavras e talvez, mais ainda, do modo como as pronunciou, ficou-me a impressão e aos outros também de que estava iminente qualquer agressão à colónia, não se dizendo, ou não se sabendo, de que lado vinha.
Mais me convenci que assim era quando o Senhor Governador, já a sós comigo, me perguntou que destino daria eu aos valores do Banco, principalmente ao ouro; se conviria retirar com tudo para o mato; se enterrar o ouro em qualquer parte do interior.
Respondi que não tinha ordens especiais a tal respeito mas que ia pedir imediatamente a V. Ex.ª. e foi daqui que nasceu o telegrama de 30, feito em termos a que deu acordo o Senhor Governador. O ouro foi imediatamente colocado em sólidas caixas e o peso dividido de modo a facilitar o transporte.
As notas podem ser ensacadas com relativa rapidez, se não foi mais rápida ainda a acção que parece temer-se contra a colónia.
O que se tornará mais difícil é obter transporte rápido que tudo carregue, pois a falta de gasolina é cada vez maior.
Suponho que V. Ex.ª. me dará depressa as instruções que pedi.
Caso as não receba, considero-me na obrigação absoluta de defender os valores à minha guarda. Caso V. Ex.ª. me dê ordens tendentes a não saírem do lugar em que estão os valores do Banco e se verificar que, para honra da nossa terra é preciso responder a qualquer agressão pela força, eu peço a V. Ex.ª. que me julgue bem quando lhe constar que eu fui um dos primeiros a enquadrar nos da primeira linha. A nossa força aqui, pelo lado material é tão pequena que, se for preciso utilizá-la, todos têm de dar o seu máximo esforço”.




Não se atina, na ausência de outros elementos, quem seria a potência invasora. Algo mudara, é certo nos acontecimentos do Norte de África. Em 21 de junho desse ano, Rommel conquistara Tobruk, suponha-se que estava aberto o caminho para que as tropas alemãs atingissem rapidamente o Cairo e sufocassem o canal de Suez. Mas não se consegue descortinar um avanço impetuoso alemão sobre a África Ocidental. Também não se descortina a possibilidade dos britânicos irem em socorro da Gâmbia, não podiam hipotecar meios navais para tal operação. E os norte-americanos estavam ainda a formar um corpo de exército destinado a desembarcar no Norte de África. A hipótese que se pode pôr era de que o governador recebera instruções para proceder a simulações de defesa, de modo a que as populações ganhassem sensibilidade para a guerra avassaladora na Europa, África, Ásia e Oceânia. Mas tudo isto não passa de especulação, seria necessário consultar a documentação referente a este período da governação no Arquivo Histórico Ultramarino.

Imagem da receção à Tuna Académica em Bissau, onde deu espetáculo, retirada da obra “Uma Apoteose - duas visitas - uma despedida”, obra relacionada com a partida do Governador Raimundo Serrão, 1953.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18782: Historiografia da presença portuguesa em África (119): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte II)

Guiné 61/74 - P18784: Ser solidário (213): Petição, urgentíssima (até 3 de julho), ao sr Presidente da Republica, para instruir os seus serviços a apresentarem, na próxima reunião cimeira da CPLP em Julho próximo, em Cabo Verde, uma proposta visando a implementação dum plano extraordinário para os próximos dez anos no campo da educação em Timor Leste (João Crisóstomo, Nova Iorque)

1. Mensagem do nosso camarada da diáspora (Nova Iorque), ativista social e grã-tabanqueiro João Crisóstomo:

Data: 26 de junho de 2018 às 14:50
Assunto: nossas conversas ..

Caríssimo,

Aqui está o que estou a  tentar  enviar aos orgãos de informação,  na esperança de que  façam eco  e motivem muita gente  a enviar E mails ( ou o que acharem bem ) ao nosso Presidente da República. Tem de ser ASAP, please! [, o mais rápido possível!]
Se puseres no teu blogue isso vai  ajudar e se puderes convencer alguém no jornal Público , onde neste momento não tenho nenhum contacto,  seria óptimo.  Falamos mais, muito  brevemente, OK?
Um grande abraço .

A Vilma, (na cozinha a lavar os pratos do pequeno almoço)  quando percebeu que estava a falar contigo, berrou-me que mandasse um beijinho para vocês dois.

Saudades e até breve.
João


2. Campanha: Por Timor Leste e pela língua portuguesa: Apelo aos portugueses (dentro ou fora de Portugal) onde quer que se encontrem.

Estive em Timor Leste  no ano passado. E  de novo este ano.  Fiquei encantado, mas preocupado por muitas coisas que constatei. A língua portuguesa e a fé cristã foram os alicerces-base que possibilitaram a Independência de  Timor Leste. Mas  a situação está muito débil ainda.  Outros têm verificado o mesmo. Rui Chamusco e Gaspar Sobral  por exemplo, que  de seu bolso tinham já dado os primeiros passos para uma escola para as crianças esquecidas  nas montanhas remotas  de Timor. Juntei-me a eles. Preocupado fui mesmo ao Vaticano, onde  consegui  um encontro com o Sr.Cardeal Parolin, secretário de Sua Santidade,  e de quem obtive  o apoio moral que procurava, que eu sabia  imprescindível para eu poder   falar a outras pessoas sobre esta situação em Timor Leste. Uma escola, uma primeira gota de água,  foi inaugurada em Março passado. 

É absolutamente necessário fazer algo de extraordinário e com toda a urgência para salvar a língua portuguesa. Senão… imagine o que quiser, mas parece-me que será um futuro e uma situação muito  triste. Algo  tem que ser feito imediatamente. 

Tenho falado nisto a muita gente, inclusive aos dirigentes timorenses – e todos concordam comigo. Mas concordar só não chega: impõe-se fazer algo de concreto, e já. Portugal – crédito seja dado a Portugal e aos portugueses  –  tem feito e está  fazendo um esforço   a todos os títulos admirável.  Mas muito mais precisa de ser feito em Timor Leste . Com toda a urgência.

E  Portugal sozinho não pode. Em Nova Iorque  no passado dia 5 de Maio, "Dia da  Língua Portuguesa nas Nações Unidas",  consegui falar com a Sra Dra Maria do Carmo Silveira, Secretária Executiva da CPLP,  a quem pedi/propus  o seguinte:

Uma vez que a promoção da Língua Portuguesa é um dos objectivos para que a CPLP foi criada e dada a  necessidade e  urgência dum impulso no  ensino desta língua no jovem país de  Timor Leste, impõe-se  um programa extraordinário da CPLP  na promoção da língua portuguesa nos próximos anos em Timor Leste, com o objectivo  de que, no 25º  aniversário deste país (em 2027),  o acesso   à  educação   esteja  já  ao alcance  de toda a juventude e o uso da língua portuguesa esteja  mais generalizado.  O envolvimento interessado  e a implementação dum    programa extraordinário por parte da CPLP pode  fazer a diferença que urgentemente se impõe.

Fiquei contente com a maneira positiva como a Sra Dra Maria do Carmo Silveira me ouviu, concordando comigo que  seria pertinente e relevante que esta proposta fosse apresentada para consideração na  próxima cimeira da CPLP que  vai ter lugar a 17 e 18 de Julho em Cabo Verde, na Ilha do Sal.

Foi em Portugal  – em Julho de 1996 que – teve lugar o acto official da criação da CPLP:  Portugal tem sido  desde sempre  o grande impulsionador desta organização  e tem autoridade moral para apresentar, com muitas boas probabilidades de ser ouvido, esta proposta.   Vamos pedir ao nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa  e ao nosso  Primeiro Ministro  António Costa  que vão estar presentes nessa cimeira em Cabo Verde para apresentarem  ou darem o primeiro passo para que esta  proposta seja apresentada à CPLP. 

 Esta poderá  ser apresentada por eles mesmos ou em conjunto com a delegação de Timor Leste,  aí chefiada pelo seu presidente  Francisco Guterres.  Não tive oportunidade de contactar sobre isto o Senhor Presidente de Timor Leste, quando lá estive,  mas não tenho dúvidas de que será bem recebida, pela resposta que tive de outros líderes timorenses, entres eles Xanana Gusmão . Numa resposta que recebi  ( de Timor Leste, já depois de ter voltado  a Nova Iorque ) foi-me dito: "dei conhecimento do seu e-mail a S.Exa. Xanana Gusmão, como aliás solicitado, o qual ficou muito grato e naturalmente satisfeito pela sua amizade e carinho a Timor-Leste. Pediu-me ainda que lhe transmitisse o seu 'agradecimento pela dedicação por uma causa nobre, que é a educação!' ".

A mensagem que segue pode servir  como guia/modelo  para mensagens  a serem enviadas – por E mail com a máxima urgência os – próximos dias (sem falta antes de 3 de julho) para o Senhor Presidente . O  endereço é: belem@presidencia.pt

POR FAVOR AJUDE!

Obrigado
João Crisóstomo
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3. Mensagem por email a enviar à Presidência da República (até 3 de julho de 2018)


Exmo Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa,

Senhor Presidente,                     

 A situação da educação  em Timor Leste,  especialmente para todos os que seguimos e partilhamos os anseios deste país, é de muita preocupação.  É com muita confiança e esperança que viemos pedir o favor da sua ajuda para o que segue:

Uma vez que a promoção da Língua Portuguesa é um dos objectivos para que a CPLP foi criada e dada a  necessidade e urgência dum  esforço  extraordinário no  ensino da língua portuguesa  no jovem país de  Timor Leste, venho pedir ao Senhor Presidente  o seguinte: que  instrua os seus assistentes  para prepararem uma proposta a  ser apresentada na próxima  reunião cimeira da CPLP  em  Julho próximo em  Cabo Verde, visando  a implementação dum plano extraordinário para  os próximos dez anos no campo da educação em Timor Leste.

O fim deste é de que no 25º aniversário deste país (em 2027) o acesso   à  educação   esteja  já  ao alcance  de toda a juventude e o uso da língua portuguesa seja mais generalizado, no seguimento da premissa de que a língua portuguesa e a religião católica foram os grandes pilares na luta pela reaquisição da Independência de Timor Leste.

Portugueses, e todos para quem Timor Leste e a língua portuguesa estão no coração  – e porque sabemos que podemos contar  com a sua ajuda  –, estamos desde já antecipadamente muito gratos. 

Com muita confiança aceite,  Senhor Presidente, os meus  respeitosos cumprimentos.

 Local, Data, Nome  (e mais algum dado, se achar  bem incluir como ID: Nº de BI, Cidadão, Passaporte, Profissão... )   
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18719: Ser solidário (212): Gostaria de saber as companhias que passaram e estiveram sediadas em Candamã e quando é que costumam celebrar o convívio anual (Luís Branquinho Crespo)

Guiné 61/74 - P18783: Parabéns a você (1461): Fernando Maria Neves Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2404 (Guiné, 1968/70) e Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18772: Parabéns a você (1460): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Material da CCAÇ 16 (Guiné, 1972/74) e Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18782: Historiografia da presença portuguesa em África (121): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte II)


Foto nº 1 > Da esquerda para a direita, Tenente Sérgio da Silva, Capitão Pinheiro Correia e 1.º Sargento António Manuel, antes da segunda partida, no campo de aviação da Amadora, em 1925


Foto nº 2 >  A tripulação do Santa Filomena: tenente Sérgio da Silva, capitão Pinheiro Correia e 1.º sargento António Manuel.


Foto nº 3 > Bolama > 2 de abril de 1925 > de Chegada dos aviadores a Bolama , onde aterraram no Campo de Aviação Sacadura Cabral


Foto nº 4 >  Vista aérea de Bolama, tirada  a partir do “Santa Filomena”


 Foto nº 5 > Vôos realizados na Guiné pelo Breguet n.º 15: Bisssau_Bor, Bissau - Bolama, Bolama - ILha das Galinhas - Ilha de Canhanbaque...                          



Página dedicada ao coronel Pinheiro Corrêa (1892-1973), um dos nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras".  O editor, ATR, deve um dos seus descendentes.

Referência: “Lisboa-Bolama- A primeira viagem aérea a uma colónia de África”, 1Sar. Pedro Manuel Ferreira, Mais Alto, pg 4-15, Mar/Abr 2005.

Texto de: 1Sar Pedro Manuel Ferreira

Fotos: AHFA - Arquivo Histórico da Força Aérea (Textos amavelmente cedidos pela Revista “Mais Alto” )


Fotos (de 1 a 5): retiradas, com a devida vénia, da página acima,  foram também publicadas na Revista “Mais Alto”, de mar / abr 2005.



Raide Lisboa-Bolama (1925)
Armando Tavares da Silva


por Armando Tavares da Silva, 
historiador (*)


(i) As tentativas de aquisição de hidroaviões para a Guiné

Passados cerca de ano e meio desde que Portugal entrara na Primeira Grande-Guerra, conflito em que hidroaviões desempenharam papel importante na luta anti-submarina, em meados de 1917, o governador interino da Guiné, major Carlos Ivo de Sá Ferreira, enquanto decorriam as perturbações na ilha de Canhanbaque, e face à dificuldade de se poder dispor de espingardas e cartuchame, lembra ao ministro a compra de um hidroavião ou monoplano, despesa com que a Província “bem pod[ia]”, a ser utilizado para pôr fim à “má situação” que lá se vivia.

 Em Outubro de 1917 Ivo Ferreira volta a esta questão, entendendo que a existência na Guiné de um hidroavião, “máquina de guerra”, acabaria com as revoltas de “certos elementos maus em extremo” e diminuiria os custos com a guarnição militar que mais proveito teriam se fossem para obras de fomento “de que se caresse (sic) por completo”.

Face a este pedido de Ivo Ferreira são consultados o chefe da Aviação Marítima, Artur de Sacadura Cabral, e o tenente Pedro Ferreira Rosado, que tinha o brevet de hidroaviões e conhecia a província, tendo estes concluído que os hidroaviões podiam prestar serviço na Guiné. Porém, a impossibilidade de despender 200.000 francos para a aquisição de dois aparelhos, leva a que seja apenas considerada o emprego transitório “mais tarde” de um dos aparelhos a adquirir para Angola.

Em Janeiro de 1918, Ivo Ferreira insiste na compra do hidroavião, pedindo autorização para a província o adquirir directamente. Contudo esta solicitação não terá sido concedida.

(ii) O primeiro voo para a Guiné 

Vai ser apenas em 1925 que, pela primeira vez, e por uma coincidência, a aviação é utilizada na Guiné com fins militares.

Sucedeu que neste ano se realizou o primeiro raide Lisboa-Bolama, e a presença na Guiné de um avião foi aproveitada pelo governador Vellez Caroço para efectuar algumas acções ofensivas igualmente em Canhanbaque, a mesma ilha dos Bijagós em que decorriam confrontos com os povos locais.

A realização deste voo resultou de uma proposta de Outubro de 1924 do capitão José Pedro Pinheiro Correia e do tenente Joaquim Sérgio da Silva, tendo o avião escolhido sido um Berguet XVI com o n.º 15. Este, depois de sofrer várias reparações e revisão do motor, é baptizado de “Santa Filomena”, ostentando na fuselagem uma Cruz de Ourique da antiga Ordem dos Templários.

A viagem era considerada fácil, pois se dispunha em rota de um elevado número de campos de aterragem para as necessárias escalas técnicas e eventuais emergências. Quanto aos propósitos da viagem “apenas” se pretendia “demonstrar, que a aviação portuguesa tem uma compreensão nítida da sua missão, acompanhando todos os progressos dessa arma dentro e fora do país, e podendo, pois, ser aproveitado com fins absolutamente utilitários e práticos.”

A ideia inicial de implantar flutuadores no avião foi abandonada, não só pelo custo que isso representava, como, sobretudo, por se temer que o avião mal se aguentasse em mar revolto.

Uma primeira partida tem lugar no dia 7 de Fevereiro de 1925, mas que é mal sucedida por o avião ter sido forçado a aterrar de emergência em Quarteira, devido a mau tempo e ter ficado danificado. Após as necessárias reparações, a 27 de Março o Berguet parte novamente para o projectado raide, seguindo a bordo o chefe da missão, capitão José Pedro Pinheiro Correia, nas funções de observador, o tenente Joaquim Sérgio da Silva como piloto e como mecânico o primeiro-sargento Manuel António.

A viagem até Bolama vai ser acompanhada de várias contrariedades e dificuldades que foi preciso vencer, tendo o Breguet aterrado em Bolama a 2 de Abril, num campo que entretanto fora aí improvisado.

Para facilitar a aterragem fora pedido que, logo que se avistasse o avião fossem acendidas quatro fogueiras produzindo bastante fumo nos extremos do campo. Haviam sido gastas 31 horas e 31 minutos de voo, e percorrida a distância de 4.070 km.

Esta viagem vem extensamente relatada em Coronel Pinheiro Corrêa (1892-1973) > Aviador >  Viagem Lisboa-Bolama (de 27 de março a 2 de abril de 1925), relato que nos dá conta de todas aquelas contrariedades e que o raide decorreu em 7 etapas: Amadora – Casablanca; Casablanca – Agadir; Agadir – Cabo Juby; Cabo Juby – Vila Cisneros; Vila Cisneros – S. Luís do Senegal; S. Luís do Senegal – Dakar e, finalmente, Dakar – Bolama.


 (iii) Os bombardeamentos de Canhanbaque 

Em apoio à acção do governador, que procurava submeter os indígenas que recusavam o pagamento do imposto de palhota, aqueles oficiais realizaram, em dois dias seguidos (21 e 22 de Abril), missões de bombardeamento sobre os rebeldes, lançando 65 granadas de artilharia, do tipo “Schneider”, que depois de adaptadas de forma rudimentar nas oficinas navais de Bolama, foram transformadas em bombas de avião. O seu lançamento, à mão, foi efectuado “por um oficial-bombardeiro cuja indumentária se limitava a um pijama…tal era o calor (…)”.

Para a primeira missão, com a duração de 1h40, o Breguet descolou às 6 horas e 55 minutos (locais) tendo sobrevoado a ilha das Galinhas e voado próximo da ilha de Bubaque até atingir o posto de Bine, na ponta sul da ilha de Canhanbaque. Aí foram largadas duas mensagens do governador, tendo a artilharia do posto saudado com alguns tiros.

O bombardeamento das tabancas foi feito a 300 metros com granadas de 7mm. Descendo a 100 metros, é atingida uma palhota, tendo sido lançadas algumas granadas dentro da povoação, e notando-se que uma tabanca fora incendiada. Na tabanca mais próxima do posto foi arvorada uma bandeira nacional, depois de lhe terem caído próximo algumas granadas.

Na segunda operação de bombardeamento os indígenas, “refeitos do susto da véspera, já encaravam com mais ousadia as evoluções do avião” e reagiram com alguns tiros de longa,  “felizmente sem resultado”.

Pinheiro Correia e Sérgio da Silva seriam louvados pelo Governo da Província pela sua actuação na Campanha de Canhanbaque, em virtude da sua “abnegação, dedicação patriótica e valentia (…), apesar de o avião sofrer de grave avaria no motor”.

Depois dos voos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral de 1922, e de Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia de 1924, ligando o continente com Macau, acabava de ser realizado o primeiro voo ligando Lisboa com uma colónia de África, neste caso a Guiné.




Amadora, concelho de Oeiras > 1928 > Campo de aviação. Foto, reproduzida com a devida vénia, da página do Facebook Amadora Antiga.


2. Comentário do editor LG:

O que  muitos "camaradas e amigos da Guiné" não sabem é que a Amadora  (a antiga Porcalhota, até 1907) foi durante  um quarto de século, entre 1913 e 1938 o "berço" dos "gloriosos malucos das máquinas voadores"...  Ou melhor, a "campo de aviação" que ficava no "campo do Borel", onde são hoje as instalações da Academia Militar...

Sabe-se, por exemplo, que a 18 de março de 1917, a “Liga dos Melhoramentos da Amadora” organiza um Festival Aéreo, nos terrenos onde está actualmente a Academia Militar, o campo do Borel, na Amadora, onde aterram o tenente António Caseiro e Sacadura Cabral. Pode imaginar-se a "loucura" que foi este evento, a avaliar pelo número dos que assistiram ao festival (50 mil pessoas), o que equivalia a doze vezes a população daquela povoação na época (c. 4 mil).

Terá sido o primeiro campo de aviação do país, ou a primeira unidade militar aérea: em 1919 o “Grupo de Esquadrilhas de Aviação República” (GEAR) instala-se nos terrenos junto ao campo de futebol dos “Recreios Desportivos da Amadora”,  ou seja, nos terrenos da futura Academia Militar.  A história da aviação portuguesa passa, pois, inevitavelmente por aqui. Foi da Amadora (freguesia em 916, vila em 1937...) que partiram algumas das mais importantes viagens da aviação nacional, nas décadas de 1920 e 1930:

(i) tentativa de ligação à ilha da Madeira, por Sarmento Beires e Brito Pais (1920);

(ii) raide Lisboa-Macau no «Pátria», com Brito Pais, Sarmento Beires e Manuel Gouveia (1924);

(iii) raide Lisboa - Bolama, capital da colónia portuguesa da Gyuiné, no «Santa Filomena» com Pinheiro Correia, Sérgio da Silva e Manuel António (1925);

(iv) voo a Goa, com Moreira Cardoso e Sarmento Pimentel (1930):

(v) voo de Carlos Bleck e Humberto da Cruz à Guiné e Angola (1931);

(vi) viagem de ida e volta, no «Dili», a Timor, com Humberto da Cruz e António Lobato (1934);

(vii) em 1938, é extinto o campo de aviação e transferido para Tancos...

Por fim, não esquecer é que na Amadora, e mais exatamente em Alfragide, que está sediado o Estado Maior da Força Aérea, E a Academia Militar tem também o seu campus, o Campus da Amadora, na freguesia da Reboleira.

Guiné 61/74 - P18781: Convívios (863): Encontro do pessoal da CCAÇ 2701, com homenagem ao seu Comandante, Capitão Clemente, ocorrido no passado dia 16, em Braga (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 22 de Junho de 2018:

Caro amigo,
Após uns largos meses de silêncio, mas não de afastamento, já que continuo a acompanhar o nosso blogue com a melhor atenção, venho colocar à tua/vossa consideração a publicação de dois pequenos textos e algumas imagens alusivos ao encontro anual da CCAÇ 2701, que esteve no Saltinho em 1970/71/72 (estive com esta Companhia, de Março 71 a Fevereiro/72, após formação na Amura e estágio em Bambadinca).

Desta feita, a malta da Companhia decidiu homenagear o seu antigo comandante, o Capitão Carlos Trindade Clemente (atualmente Coronel na reserva) , homenagem essa que, por ser inteiramente justa, apoiei com o maior entusiasmo. Com efeito, sendo verdade que pela guerra colonial também passaram chefes altamente responsáveis, competentes e amigos dos seus homens, o capitão Clemente foi sem dúvida um deles. Mas, por agora, não me alongarei em exaltações, deixando que o discurso final, que estou a anexar, fale por si. Se me for dada oportunidade, voltarei ao assunto mais tarde, talvez em jeito de crónica sobre a minha passagem pelo Saltinho (e não só), que ainda tem muito que se lhe diga.

O segundo texto (Distinção e Louvor) refere-se à condecoração (em jeito de brincadeira) do ex-Furriel Miliciano Vagomestre da Companhia, Bernardino Alves, o qual já merecera a distinção em Junho/2017, em Seia, sua terra-natal, mas que, por incúria minha – esqueci-me da medalha em casa – só agora recebeu a tão merecida insígnia. Para evitar misturas inconvenientes, gostaria que este último texto, que te remeterei num segundo e-mail, fosse publicado em data posterior. E, como em Seia, em 2017, foi distribuído pela malta um exemplar de “O Saltitão”, o jornal da CCAÇ 2701, que, a convite do Capitão Clemente, tive a honra e a pouca vergonha de criar, enviar-te-ei a respetiva capa ou, se assim entenderes, todas as páginas – tenho, pelo menos, os dois primeiros números completos –, que publicarás, ou não, a teu bel-prazer.

Da minha passagem pela Guiné, disponho ainda de algumas fotografias minhas e diversas imagens extraídas de publicações militares, que gostaria de enviar-te, mas devidamente legendadas e, eventualmente, com textos, ainda que breves, anexos. Fá-lo-ei logo que possível, ficando, obviamente, à tua/vossa consideração, o interesse e a oportunidade da respetiva publicação no nosso sempre estimado blog.

Um grande abraço,
Mário Migueis

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Homenagem 

No passado dia 16 do corrente mês de Junho, no cimo do Sameiro, em Braga, decorreu mais um dos encontros anuais dos ex-combatentes da CCAÇ 2701, que, ao longo dos anos 70 a 72, assentaram arraiais no paradisíaco recanto guinéu do Saltinho. 

E, por entenderem estes que talvez a importância histórica de Bracara Augusta estivesse à altura de tão relevante e significativo ato, ali fizeram questão de homenagear o seu jovem comandante, cujos valores humanos, inteligência e capacidade de liderança, só puderam merecer-lhes a maior admiração e respeito. 

Para tentar verter em palavras esse mesmo sentimento sincero que o homenageado lhes inspirou, e bem assim a gratidão que unanimemente lhe é reconhecida pelo bem-estar e pela segurança que lhes soube proporcionar num teatro de operações de elevado grau de dificuldade e risco, elaboraram e subscreveram os seus homens o pequeno texto, que, imediatamente à publicação da sua fotografia, se passará a reproduzir.

Coronel Carlos Trindade Clemente

Homenagem

Pobrezita, senhor, a língua lusa,
Carente de palavras mais exatas
Com que se exprimir a nossa musa
No obrigado ao Belo, que retratas.

Ainda assim, senhor, ainda assim, aqui queremos deixar patente o nosso reconhecimento pelo teu carater de Homem Grande, pelas tuas capacidades de liderança, pelas elevadas competências que tão bem soubeste aplicar em prol da missão que um dia nos foi confiada.

A determinação e a coragem, que sempre te caracterizaram, em determinação e coragem transformaram os nossos medos e ansiedades, levando-nos a um desempenho do qual, graças a ti, só podemos orgulhar-nos. Indicaste-nos os caminhos, seguimos-te sem hesitações. Burilaste-nos comportamentos, tornámo-nos melhores e mais fortes. Darias a vida por nós. Daríamos a vida por ti. Um dia nos levaste. Um dia nos trouxeste. De bem com o nosso sentir. E em segurança. Como sempre desejaste mais que tudo.

Por seres o que és. Por seres o que foste. Bem hajas, Capitão Clemente. E que a Senhora do Sameiro te abençoe. E te bendiga. E te proteja. Com o mesmo cuidado e empenho com que sempre protegeste os teus soldados.

Braga, 16 de Junho de 2018

(Seguem-se as assinaturas de todos os ex-combatentes da CCAÇ 2701 presentes)



Alguns de "Os 3 SSS do Saltinho" com o Capitão Carlos Clemente na primeira fila, ao centro

Em primeiro plano, o Marques, nosso anfitrião, que, com o Belarmino Alves, ao centro, constituiu a Comissão Organizadora do evento – parabéns, rapazes!

... E que a Senhora do Sameiro te abençoe. E te bendiga. E te proteja… “ – palavras de todos, na voz do Mário Migueis

O ex-alferes miliciano Fernando Mota no uso da palavra, durante a homenagem ao comandante da CCAÇ 2701 – no final do discurso, faria a entrega ao homenageado de uma belíssima placa prateada, alusiva ao ato. Ao fundo, medalha de “Serviços Distintos” ao peito, atribuída, um ano atrás, em Seia, sua terra natal, o ex-furriel miliciano Belarmino Alves, vagomestre da Companhia.

Olhos e ouvidos bem atentos aos inflamados discursos.

“…veio de longe, de muito longe, o que ele andou para aqui chegar..." – o grande Calado, que, embora esteja emigrado no longínquo Canadá, não falta a nenhum destes afetuosos encontros.

Gente valente, de antes quebrar que torcer.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18763: Convívios (862): XXXIX Encontro do Pessoal da CCAV 2639, dia 30 de Junho de 2018 na Carapinheira, Montemor-o-Velho

Guiné 61/74 - P18780: Historiografia da presença portuguesa em África (120): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte I)





Lisboa > 1955 > O caça F-84, a ser descarregado, de um navio da armada dos EUA, no cais do Poço do Bispo.

Fotos ( e legenda): © Armando Tavares da Silva (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de 4 do corrente, :do nosso amigo e grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva, historiador, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926”:

Caro Luís Graça,

A publicação do Post P18647 de 18.5.2018 relativo ao voo dos caças F-86 para a Guiné – Operação ATLAS (*) – fêz-me rever o que havia escrito sobre os primeiras desejos e tentativas de utilizar na Guiné a aviação com fins militares.

Como naquele Post se mencionam os caças F-84 (e que foram deslocados para Luanda com o início da guerra em Angola), ao texto que segue [sobre o raide Lisboa-Bolama em 1925]  junto algumas imagens por mim tiradas e que mostram os F-84 a serem descarregados de um navio da armada dos EUA no cais do Poço do Bispo, aquando da sua chegada a Lisboa em 1955. Pode ver-se que ainda mantinham o distintivo da USAF, e a respectiva numeração.

Anexo ainda algumas imagens tiradas de um texto da Net sobre o raide Lisboa-Bolama, o primeiro voo para a Guiné (1925), e que em parte utilizei.

Abraço,
Armando Tavares da Silva

(Continua)
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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18779: O segredo de... (31): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)... O senhor alferes que estava mesmo a pedir... uns abatises, à hora do almoço, no cruzamento da estrada Bula / Binar / Pete


Guiné > Região Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71) >  A AM [autometralhadora] Panhard, insubstituível companheira das nossas colunas.

Foto (e legenda): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Mensagem de António Ramalho, com data de 20 do corrente

Caro Luís Graça boa noite.

Não me recordo dessa aventura do Victor Garcia (*),  talvez estivesse em Bissum, mas há uma que ele e todos os elementos do nosso Pelotão se recordarão ao consultar o nosso Blogue,  que envio em anexo.

Se achares interessante,  publica-a.

Um forte abraço para todos.


2.  Abatises à hora de almoço no cruzamento 
da estrada Bula/Binar/Pete

por António Ramalho

[ ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas]

Numa vinda matinal a Bula, uma coluna de Pete, comandado pelo senhor alferes Queirós, este ao chegar ao cruzamento decidiu afinar a pontaria na placa de madeira indicativa de Capunga com a sua Walther!

Era um militar destemidíssimo! Assistimos à prova bélica impávidos e serenos sem lhe darmos a devida importância, como ele certamente esperaria! 

Perplexos com tão inusitada atitude e atentado à nossa propriedade, não hesitámos [, o Grupo de Combate destacado em Capunga,] em presenteá-lo com uma merecida surpresa de regresso a Pete com a devida autorização e cumplicidade do nosso alferes, outro militar destemidíssimo!

Dado haver algumas árvores caídas por velhice, arrastámo-las para a estrada,  formando uma enorme mancha arbórea que provocou um enorme susto à rapaziada! O senhor alferes e restante comitiva, que regressava de Bula, a caminho de Pete, colocaram-se em posição ofensiva /defensiva com um enorme “fogachal” que foi ouvido em Bula!

Comunicações para cá e para lá, não me recordo se houve apoio do Pelotão de Panhards,  sedeado em Bula!

Desmascarada a brincadeira, foi abafada, o IN ficou com as culpas, desobstruiram a picada e lá seguiram para Pete onde um lauto almoço os esperava!

Em pleno teatro de guerra,  estas brincadeiras poderiam ter dado mau resultado, estávamos a pouquíssimos quilómetros do Choquemone, importante base do IN, mas, pronto, já fazem parte da história!... Aqui fica o meu "pequeno segredo"...

20/6/2018


Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bula,  Capunga, Binar e Pepe.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18778: Agenda cultural (644): Convite para a Inauguração da Exposição de Pintura de Adão Cruz, dia 30 de junho de 2018, pelas 16h00, na Galeria Zeller, Rua 14, n.º 750, em Espinho



Inauguração da exposição de pintura de Adão Cruz 
"... como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro" 

30 de Junho de 2018, pelas 16 horas
Galeria Zeller, Espinho 

Patente até 30 de Julho de 2018


Adão Cruz,  Médico Cardiologista. 
Nasceu em Vale de Cambra há oito décadas. 

********************

Como prisioneiro atrás das grades, sempre amou a Liberdade do Pensamento e da Razão, a verdadeira riqueza do ser humano. Foi com este amor que sempre sonhou libertar-se ao longo da vida pelos caminhos da ciência, da escrita e da pintura.

Ao fim de uma vida, o futuro vai-se naturalmente dissolvendo, entre a razão e o sentimento, dentro de um ser humano preso à sua natureza antropocêntrica. A desilusão, como subtil nevoeiro, vai invadindo todos os cantos e recantos onde antes havia sol. 

Ao fim de uma vida, para a vida entender, o ser humano já não precisa dos caminhos da arte e da poesia, principais sentimentos que sempre o conduziram à interface entre o Homem e a sua dimensão universal. Contenta-se com a restrita paisagem de um dia de Primavera, atrás das grades da sua ‘mente cultural’. Ele sabe que isso o derrota e, paradoxalmente, o alivia. Ele sabe ainda que são escassos os dias de Primavera, mesmo que a parte sã da humanidade procure tecer o ciclo da vida com fios de esperança. Ele sabe que há dias de penoso inverno que a parte mais podre da humanidade aproveita para romper o ciclo da vida rasgando a esperança. Ele sabe, ao fim de uma vida, que o estatuto de cada ser humano assenta num contexto de vivências e memórias que fazem o futuro e o desfazem na altura própria, sendo o último suspiro o momento mais democrático da nossa existência. Por isso as lágrimas secam e os olhos passam a ver a vida humana com outros olhos. 

Por isso, esta singela exposição de pequenos gestos que se alimentam de corpos e sentimentos, na procura de uma última homeostasia entre a natureza humana e a humanização da vida. 

Adão Cruz

********************

O Adão Cruz é um grande pintor e encanta-me o entrosamento perfeito do homem com a obra como acontece entre ele e a sua pintura. Conhecê-lo é verdade que me ajuda a fazer esta afirmação, mas já expôs em alguns países, tem aparecido em tantas mostras que muitos mais saberão encontrar essa estreita identidade. A sua arte não é inócua, sem que, contudo, obedeça a qualquer cânone. 

Fossem as palavras os interlocutores felizes para desvelar a ligação entre a serenidade e o conflito que se digladiam na sua pintura, e eu saberia em que recantos da paleta as ir buscar. As cores e as formas não me deixam. Elas tanto gritam como sussurram, tanto apelam às raízes como ao sol e às invernias da árvore da vida, aos vendavais do mundo. E não toleram que lhes toquemos. ‘Podes intuir, mas não venhas perturbar-nos’ avisam mal me vêem por perto. No entanto, sabem que não me são indecifráveis porque à pintura do Adão Cruz nada é indiferente e deixa um ténue fio por onde se pode chegar à teia dos afectos e das revoltas que a permeiam, por vezes apenas ao puro reino da beleza. 

Mas não me vencem! Como se se pudesse perder o que ainda é humanidade e, se não nos salva, nos reafirma neste caminho de altos e baixos das montanhas e das planícies, das marés vazias e do mar alto da existência. 

Tudo lá está nos quadros do Adão Cruz. 

Augusta Clara de Matos 

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Tomei contacto com a obra de Adão Cruz tardiamente no blogue ‘Estrolábio’, onde ambos colaborávamos, despertando de imediato a minha atenção. De seguida, chegou-me o convite para a inauguração da sua exposição ‘rente ao cair da folha’, na Galeria Zeller, em Espinho, a que não pude assistir por razões profissionais. Na manhã do Sábado seguinte, fui o primeiro visitante da exposição, tendo tido o privilégio de a percorrer sozinho. Momento de felicidade que a vida me proporcionou! 

Ao primeiro olhar fui de imediato atraído pela cor e, de seguida, pela luz, por uma luz que afasta a escuridão, ajudando-nos a ver o que, às vezes, os olhos não detectam. Depois, ao passar de um quadro para outro, algo me obrigava a regressar ao anterior por sentir, nesse curto afastamento, que havia mais um pormenor a atrair a minha atenção. O diálogo entre mim e o autor estabeleceu-se, a pintura do Adão levava‑me a ver o real muito para lá do que a minha simples visão me permitia quando olhava esse mesmo real, ajudando-me assim a procurar a verdade, a procurar a resposta para alguns dos enigmas com que somos confrontados. Regressado a casa, sentei-me ao computador e escrevi quase tudo o que senti nesse diálogo com a pintura do Adão. 

A necessidade de conhecer toda a sua obra nasceu em mim. 

Lia a sua poesia, lia a sua prosa e a sua pintura logo se me tornava presente, seguindo-se o necessário encontro pessoal, que aconteceu por mero acaso. O médico, o pintor, o poeta, o contista faz do seu saber e da sua arte uma das formas de actuar em prol do humano, numa acção, que é também política e social, assim contribuindo para a necessária transformação do mundo em que vive. 

António Gomes Marques
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Notas do editor:

O Dr. Adão Cruz foi Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 e esteve em Canquelifá e Bigene nos anos de 1966 a 1968

Último poste da série de 18 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18753: Agenda cultural (643): Convite: 19 de junho, 3ª feira, às 18h30, no Museu Bordalo Pinheiro, Campo Grande, 382, Lisboa: conversa de João B. Serra sobre a cerâmica artística do pai do "Zé Povinho"... Convite

Guiné 61/74 - P18777: Fotos à procura de...uma legenda (106): "As sobras do rancho da tropa"... e as latas de conservas, "made in Portugal", que as crianças levavam à cabeça (Valdemar Queiroz / Museu de Portimão / Virgílio Teixeira)


Foto nº 1 A


Foto nº 1

Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1968 > "As sobras do rancho da tropa"... [as crianças da vizinhança que vinham, de lata, à cabeça, recolher as sobras dos ranchos e das messes dos nossos aquartelamentos; na foto, pelo menos três delas trazem latas, amarelas, de vários tamanhos,  de conservas de peixe, da marca (branca) "Manos" ou "[Her]manos", da empresa conserveira de Portimão La Rose - Feu Hermanos, fundada em 1902]


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem, com data de 22 do corrente,  do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]:

Assunto: Esclarecimento de uma curiosidade

Boa tarde Luís Graça.

Antes de mais os meus cumprimentos e bom regresso de férias.

A interessante fotografia 'rancho dos pobres' [foto nº 1], do Virgílio Teixeira (*), dá pano para mangas. Eu, que sempre fui bom observador, descobri o... 'MANOS' na lata amarela à cabeça do rapaz ao lado da rapariga de vestido branco [vd. foto nº 1A].

Depois lembrei-me do Museu de Portimão, quase todo ele inserido na antiga Fábrica de Conservas Feu Hermanos.

Depois contactei com o Museu para esclarecimento da minha curiosidade.

Parece muito provável que o djubi tenha à cabeça uma peça de museu.

Luis, se achares interessante publica esta minha troca de emails, com o Museu de Portimão, para esclarecimento da minha curiosidade.

Um grande abraço
Valdemar Queiroz


2. Mensagem de 21 do corrente, enviada pelo Valdemar Queiroz ao Museu de Portimão:

Assunto: Esclarecimento de uma curiosidade

Exmos. Senhores

Boa tarde.

Antes de mais quero enaltecer o extraordinário desempenho para a Cultura a actividade do Museu de Portimão.

Assisti há dias, na RTP2, ao programa 'Visita Guiada' no Museu de Portimão e fiquei encantado.

Agora e por razões de frequentador/comentador no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, cujo principal conteúdo é o convívio/recordações dos tempos passados na guerra colonial, na Guiné, e não só, surgiu uma curiosidade sobre a extraordinário fotografia 'o rancho dos pobres', de autoria do ex-alferes miliciano Virgílio Teixeira (*).

A fotografia, do ano de 1968, é uma chapa do que habitualmente acontecia: crianças de lata na mão à espera das sobras do rancho da tropa.

Esta fotografia, embora comovente, não representa aparência real e apenas tem um ar sério por se tratar de 'vamos a estar quietos para todos ficarem na foto', bem pelo contrário do que, agora, acontece com as crianças engaioladas nos EUA.

Mas a fotografia levantou-me a curiosidade de me parecer que o rapaz mais crescido, que está ao lado da rapariga de vestido branco, ter à cabeça uma lata amarela de conservas Feu Hermanos. Será?

É esta curiosidade que eu gostava ficar esclarecido e ter um motivo, não só para enaltecer o Museu de Portimão, mas também dar a conhecer que na fotografia aparece um rapaz com uma peça de museu á cabeça.

Agradeço a Vossa melhor atenção.

Os meus respeitosos cumprimentos.

Valdemar Queiroz da Silva


Foto da página inicial do sítio Museu de Portimão (que está instalado na antiga fábrica de conservas La Rose - Feu Hermanos. fundada em 1902). Foto reproduzida com a devida vénia...

[É um dos museus portugueses mais premiados, a nível nacional e internacional, tendo-lhe sido atribuídos, desde a sua abertura em 2008, tendo ganho nomeadamente o Prémio “Museu Conselho da Europa 2010”, atribuído pelo Conselho da Europa, o Prémio “DASA – Mundo do Trabalho 2011”, primeira edição deste prémio atribuído na cidade de Dortmund, na Alemanha.]

3. Resposta do Museu de Portimão:

Boa tarde,  Valdemar Silva,

De facto parece ser uma das latas produzidas pela Feu Hermanos, só é pena que o braço do jovem não permite mais leitura, mas tendo em conta que a política de exportação para África era mais "marca branca" do que enviar outras marcas prestigiadas como era o caso da "La Rose", é bastante provável. E obrigado pelos elogios que nos coloca!

Votos de um bom fim-de-semana.

Com os melhores cumprimentos,

Pedro Branco
Museu de Portimão
Rua D. Carlos I – Zona Ribeirinha
8500-607 Portimão

Portugal

Tel: +351 282 405 232 | Fax: +351 282 405 277
museu@cm-portimao.pt
www.cm-portimao.pt


4. Comentário do editor:

Parabéns, Valdemar, és um grande observador, ou não fosses um "comercial", batido, treinado e experimentado... Pois claro que vamos publicar... Ampliando a foto, não há dúvida que a lata, amarela, que o miúdo (o "djubi", à esquerda da miúda de branco) leva à cabeça, ostenta as letras da marca "MANOS" (ou "[HER]MANOS"... Inclino-me mais para a primeira hipótese, "MANOS", e de se tratar de um lata de atum, talvez de um quilo... A lata que a "bajudinha" leva à cabeça, embora também de cor amarela, parece ser de outra marca, e de outro produto...

A indústria conserveira portuguesa sempre ganhou com as guerras... Muito conserva de peixe (atum, cavala e sardinha...) se consumiu nos nossos "ranchos", de todas as maneiras e feitios, acompanhadas com feijão, arroz, massa, esparguete,  etc. Hoje adoro conservas de peixe ("portuguesas", que são as melhores do mundo, e um autêntico produto "gourmet"...), mas durante anos não suportava sequer o seu cheiro... O que chegava à Guiné, no tempo da guerra,  devia ser o que não se exportava... 

Já mandei ao Virgílio Teixeira, em primeira mão, para ele poder comentar. Ab, Luis


5. Comentário do Virgílio Teixeira, com data de 23 do corrente:



Olá, Luís.

Obrigado pela prioridade. Realmente esta foto não vai ficar por aqui.

Acho que o Valdemar Silva tem olho clínico, para mim isto é mais uma das 1000 fotos que estavam no baú das recordações que iriam para o lixo um dia, quando passasse para o lado daqueles "que da lei da morte se foram libertando"...

Sucintamente, já não tenho duvidas de que se trata dessa peça de museu, já vi na página do Museu de Portimão, caixas muito parecidas e a cor amarela e o tipo de letra não deixa margem para dúvidas. Mas vou mais longe, acho que estão lá mais 3 latas dessas, só que não se percebe o nome, mas o estilo é o mesmo.

Como foram lá parar à tropa conservas de tanta qualidade? Não sei. Eu nunca vi, mas eram latas grandes para servir nas messes e cantinas, não era uso individual. Posso adiantar,  por exemplo, que poderão ter vindo da África do Sul, país de onde vinha tanta coisa que não havia em Portugal, as águas Perrier, a Coca Cola, todas as bebidas e tabaco do mais caro na altura no mundo, bem como, tanta lata de conservas de frutas, ananás, pêssego, pêra,  tudo em calda, isso lembro-me bem, comia muita fruta dessa.

Se não era da Africa do Sul, poderia ser de outro país europeu para onde a marca exportava, e porque eram latas de qualidade, pela amostra que vemos, ali na foto estão 4 dessas espécies.

Vamos explorar mais este assunto, e podes á vontade publicar no Blogue, podem vir mais comentários para chegarmos lá, e ainda vamos mandar para o Museu de Portimão a foto representativa daquilo que agora vou chamar de «As sobras do rancho da tropa na Guiné" (**).
Vou mandar cópias disto para a minha nora, pois ela é especialista em Museus etc.... Pode ser que ela nos dê uma ajuda, e assim o nosso trabalho nunca será esquecido. 

Ab, Virgílio





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > "Laranjada Convento / Mafra / Marca registada"... Restos arqueológicos de uma guerra... e que hoje figuram no Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Foram-nos enviadas pelo nosso saudoso amigo e grã-trabanqueiro Pepito, o o engº Carlos Schwarz da Silva (1949-2012), na altura diretor executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.

Na imagem pode ler-se: "Composição: Sumo - Popa e óleo de laranja - Açúcar granulado - Água esterelizada / Corado artificialmente / Fabricado por Francisco Alves & Filho Lda / Venda do Pinheiro"...

Houve muita gente, na Metrópole, a ganhar dinheiro com a guerra, a começar pelos industriais do sector agroalimentar ... Ainda conheci o Sr. Francisco Alves e um dos seus filhos, quando trabalhei na administração fiscal em Mafra, em dezembro de 1973, num "jantar de Natal" que ele ofereceu ao "pessoal das Finanças", como era da tradição: foi na fábrica, em Venda o Pinheiro, tudo muito bem "regado", eu, que era "novato" no ofício e na repartição, não me membro de ter bebido "produtos da casa"... Constava que o seu sucesso, nos negócios, tinha começado no tempo da guerra de Espanha (1936-1939)...

Uma das marcas famosas da firma era a Laranjinha C, cuja história, ao que parece, remontava  já  a 1926, "ano da fundação da empresa Francisco Alves e Filhos, na Venda do Pinheiro", e "em que o empresário Francisco Alves começou a produzir pirolitos, para além de outros refrigerantes".

(...) "As garrafas da empresa ostentavam a forma da mole granítica de Mafra e a designação de Convento, mas apesar da fama conquistada, só ocasionalmente, a distribuição das bebidas ultrapassava os limites do concelho de Mafra. Com o final da 2ª Guerra Mundial, a empresa dá o grande passo e lança no mercado a Laranjina C, com a sua garrafa original e distribuição a nível nacional. A marca Larangina C, teve um período de ouro, com publicidade constante na televisão, um grande prémio de ciclismo, e chegou a patrocionar a equipa de ciclismo do Sporting.  No ano de 1970, através de um acordo com a multinacional Gesfor, é introduzida em Portugal a marca TriNaranjus, um produto natural, SEM BORBULHAS e com verdadeiro sumo de fruta. Nesta altura, a família Alves vê-se forçada a optar por uma das marcas produzidas. Em 1990, a empresa da família Alves, foi adquirida pelo grupo Cadbury-Schweppes Portugal, SA." (...)

Na Guiné (como de resto nos outros Teatros Operacionais), o "ventre da guerra" obrigava, por seu turno, a uma tremenda logística... Quantos camaradas nossos não terão morrido ou sofrido para que esta garrafa de laranjada "Convento de Mafra" chegasse a Guileje, no sul da Guiné ? Ou as latas de conservas da marca "[Her]Manos" chegasse a São Domingos, no norte ?

5. Comentário de LG:

Virgílio, já descobrimos outras marcas de produtos portugueses, usados pelas NT... Por exemplo, a laranjinha C e outros refrigerantes, em garrafas que ficaram enterradas sob as ruínas do quartel de Guileje,  arrasado pela nossa aviação... Deves lembra-te de mais marcas, de fornecedores das NT, até pelas tuas funções, para além das que já mencionaste, oriundas da África do Sul (a Coca-Cola, a Fanta, etc.).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18758: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVI: História e imagens de São Domingos: fotos de 1 a 8

(***) Último poste da série > 21 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18762: Fotos à procura de...uma legenda (105): O 'rancho dos pobres'... (Virgílio Teixeira / Luís Graça / Cherno Baldé / Valdemar Queiroz)

Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Caminhamos para o termo desta resenha sobre a atividade missionária na Guiné, até à independência. Não conheço obra mais completa que a do padre Henrique Pinto Rema. Fico recetivo a toda e qualquer ajuda que me possam dar relativamente à islamização da região, o seu quadro evolutivo e a orgânica atual na Guiné-Bissau do trabalho do padre Pinto Rema resulta claro que uma parte substancial do insucesso missionário decorreu da inexistência de uma colonização efetiva que desse suporte àquele grupo minoritário de religiosos sempre confrontado com a inclemência do clima, o desconhecimento das línguas nativas, os muitos casos de hostilidade à missionação e o profundo isolamento a que eram votados os missionários.
Recordo que na Guiné do período da luta armada aventava-se que a religião católica se situasse entre os 3 a 5%. Esta percentagem, como é de todos sabido, tem vindo a crescer significativamente, há hoje muita tolerância religiosa na Guiné e respeito mútuo. Se assim não fosse, não teria havido aquele poderoso movimento em prol da paz, no tempo do conflito de 1998-1999, em que todos os credos religiosos apoiaram o movimento cívico-político para o fim da guerra e a reconciliação nacional.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (6)

Beja Santos

Em “História das Missões Católicas na Guiné”, Editorial Franciscana, Braga, 1982, o padre Henrique Pinto Rema oferece-nos uma visão integrada não só das missões franciscanas mas como de toda a missionação durante o período colonial. Como se referiu anteriormente, o período do liberalismo e da I República foram extremamente nefastos para a obra missionária. No capítulo “A segunda missão franciscana da Guiné Portuguesa”, tendo como balizas 1932 a 1973, o investigador analisa a missão franciscana no Vicariato Geral da Guiné, entre 1932 e 1940, refere o papel dos franciscanos na missão decorrente do Acordo Missionário (1941-1955). Deixaremos para o próximo e último texto a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

As “missões laicas” criadas em 1913 pela República, não deram os resultados esperados e não substituíram efetivamente as “missões religiosas”. Estas conseguiram sobreviver à primeira tempestade republicana e obtiveram um reconhecimento legal em 1919. O bispo de Cabo Verde levou às autoridades civis o problema da missionação da Guiné. Mas só no tempo do ministro João Belo, em 1926, se regulamentará a atividade missionária. A segunda missão franciscana chega à Guiné em Fevereiro de 1932. Serão mais tarde chamados, já em 1947, os missionários do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, de Milão. A Santa Sé elevará, em 1955, a missão à categoria de Prefeitura Apostólica. E em Maio desse ano chegarão os primeiros franciscanos italianos da província de Santo António de Veneza. E com a independência, depois de 1974 será criada a diocese da Guiné-Bissau.

Temos, pois em análise, os franciscanos no Vicariato Geral da Guiné, ao longo da década de 1930. O autor recorda que em 1929 havia somente um missionário na Guiné, a situação religiosa na região piorara de dia para dia, o Vigário-Geral foi morto em Bolama pouco antes do 28 de Maio de 1926. Tomam-se diligências ao nível mais alto: o Núncio Apostólico insiste com o provincial dos franciscanos para um reforço missionário na Guiné. Eugénio Pacelli, futuro Papa Pio XII, escreve em 1930 ao superior da ordem dos frades menores: “A Santa Sé considera improrrogável a necessidade de missionários na Guiné”. Em 1930, o Padre João Augusto de Sousa, do clero do Funchal, chegou à paróquia de S. José de Bolama. Em 1931, o cónego António Miranda de Magalhães, das missões ultramarinas, encarrega-se da paróquia de Bolama e assumirá pouco depois o cargo de Vigário-Geral. A presença missionária é verificável em Bolama, Bissau, Cacheu e Geba/Bafatá. Vale a pena destacar um trecho da Provisão de D. José Alves de Martins, bispo de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa, com data de Outubro de 1926: “Mercê talvez do seu clima, do espírito belicoso das suas tribos, da influência islamática há séculos exercida entre eles, a verdade é que não conseguirá nunca radicar-se a influência cristã de um modo decisivo, nem antes do século XIX, quando a acção missionária era quase exclusivamente exercida pelas ordens religiosas, nem depois da grande crise religiosa que se deu em Portugal na primeira metade do século XIX, quando tal acção ficou a cargo do clero formado no Seminário Diocesano de Cabo Verde e dos missionários formados no antigo colégio das missões ultramarinas (…) resolvemos nós, de acordo com o excelentíssimo governador daquela colónia dotá-la com três missões centrais em Bolama, Cacheu, Bafatá ou Gabu”.
Segue-se o reconhecimento das dificuldades, acabaram por só ser criadas duas missões centrais em Bolama e Cacheu, sem prejuízo de haver paróquias missionárias em Bissau, Geba e Buba. E define-se o essencial do programa da ação missionária: o ensino obrigatório da doutrina cristã; o cumprimento das instruções pastorais; o ensino da língua portuguesa.

Temos assim cinco missionários franciscanos chegados a Bolama em 1932. Em Agosto desse ano, o padre Pedro Araújo escreve ao Núncio Apostólico, envia-lhe um estudo religioso geral da colónia, e não ilude as realidades: “Se cristão mesmo há nesta colónia eles são-no apenas pelo batismo” e identifica duas coisas que seriamente embaraçam o missionário: a heterogeneidade das tribos, cada qual com a sua língua, os seus costumes e características étnicas, o que impossibilita ao missionário de contactar todas as raças; e o imperativo do plano missionário franciscano passar pela fundação de uma missão central em meio indígena, seria aqui que se abriria uma escola de professor-catequistas. A missão central ficará sediada em Bula. Por essa época chegarão à Guiné algumas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas. O governador Carvalho Viegas irá manifestar-se muito crítico quanto à escolha da missão central em Bula, preferia o território dos Felupes.

O padre Pinto Rema lembra qual o dispositivo missionário na Guiné nessa década de 1930: 2 padres do clero diocesano, 2 padres das missões ultramarinas, 9 padres franciscanos, dois irmãos franciscanos e 14 irmãs da Congregação dos Franciscanos Hospitaleiros Portugueses.

O estado geral dos edifícios religiosos deixa muito a desejar. A igreja de Geba estava em ruínas, mas havia fé na população nativa, ofereceram pedras, madeira e demais material para a construção de uma nova igreja, que ficou concluída em 1934. É neste contexto de reedificações que é lançado o projeto de uma igreja na cidade de Bissau, a catedral será inaugurada em 1950.

Em 1940, o Vicariato-Geral da Guiné ficou independente da diocese de Cabo Verde, nomeou-se em 1941 o primeiro prefeito apostólico. E dá-se então uma nova organização das missões da Guiné. O autor refere as publicações periódicas correspondentes ao período em análise, algumas de curtíssima duração e até só de uma edição: Boletim Oficial, Pró Guiné, o Comércio da Guiné, 5 de Outubro, o Arauto. Aparece um número apreciável de estabelecimentos, o autor dá destaque ao colégio católico de Bissau e refere um projeto que se tornou emblemático na Guiné: o Asilo de Bor.

No próximo texto, derradeiro desta série, passa-se em revista a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

(Continua)
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Nota do editor

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