domingo, 29 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)



Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante a instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43870 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43874 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens da Milícia Popular do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43128 (2018-7-20), com a devida vénia.




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DE [JOVENS] COMBATENTES PARA AS SUAS FILEIRAS



1. INTRODUÇÃO


A propósito da existência de crianças/meninos-soldados, tema apresentado nos últimos dois postes - P18855 e P18858 - (*), não acredito que haja alguém neste nosso planeta, mesmo que se considere pouco informado, que possa afirmar desconhecer este fenómeno, tantos são os exemplos [imagens] que frequentemente nos chegam dos países, ou das regiões, onde se desenvolvem conflitos armados.

Com outras palavras, mas com igual sentido do parágrafo anterior, partilho convosco a reflexão do Doutor Fernando Nobre, autor do prefácio do livro «Meninos Soldados», do jornalista e professor americano Jimmie Briggs, editado pela Caleidoscópio em 2008, pp. 224 [obra que se encontra esgotada]. Diz ele: 


"Este livro tenta aprofundar a nossa compreensão para este terrível fenómeno que tem aumentado dramaticamente nas últimas décadas. Retrata o uso de crianças como soldados nos conflitos armados, tanto pelos governos como por guerrilhas militares em diversos lugares do mundo: Ruanda, Colômbia, Sri Lanka, Uganda e Afeganistão. As crianças são vítimas das maiores atrocidades e contam, na primeira pessoa, o que são obrigadas a fazer e o sofrimento por que passam às mãos destes grupos. A grande força do livro recai na forma como histórias das crianças são usadas para ilustrar o problema das meninos-soldados: como são recrutadas – incluindo recrutamento voluntário, rapto, coerção, etc. Expõe também as deficiências no sistema das Nações Unidas para evitar situações como estas.


"Falar das crianças-soldados é falar de uma das novas formas de escravatura e de um dos maiores insultos à consciência e ética humanas. É falar também do profundo sentimento de horror e de medo em que vivem estas crianças – os rapazes como carne picada para as metralhadoras e as minas; as meninas como carne para sexo em permanente disposição – quase sempre raptadas às suas pobres e indefesas famílias ou fugidas da sua miséria, da sua falta de esperança, da sua orfandade de pais e de humanidade". (Dr. Fernando Nobre).


De referir, como nota biográfica, que Fernando Nobre nasceu em Luanda em 1951. aí permanecendo até 1964, ano em que foi viver para o Congo Belga. Em 1967 mudou-se para a Bélgica onde se licenciou e doutorou em Medicina como especialista em Cirurgia-Geral e Urologia na Universidade Livre de Bruxelas. Iniciou a sua vida profissional no Serviço de Cirurgia-Geral e Urologia do Hospital Universitário de Bruxelas, tendo lecionado, como assistente, as disciplinas de Anatomia e Embriologia.

Também na Bélgica iniciou a sua colaboração com os Médicos Sem Fronteiras, de que foi membro e administrador. Regressado a Portugal, fundou em 1984 a Assistência Médica Internacional (AMI), organização não-governamental. Através da AMI participou como cirurgião em mais de duzentas e cinquenta missões de estudo, coordenação e assistência humanitária em cerca de setenta países. É professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e noutras universidades privadas [Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Nobre, com a devida vénia].


Fonte: https://www.emaze.com/@ATCZQIR, com a devida vénia


2. A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DOS SEUS [JOVENS] COMBATENTES


Recordo, neste ponto, que utilizei uma imagem (com mais de quatro décadas) de um menino-soldado-menino, do álbum do médico holandês Dr. Roel Coutinho, para enquadrar "A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: um itinerário até ao hospital de Ziguinchor (Senegal)", título dado à narrativa do P18848. Para melhor conhecer este processo, ou a filosofia que o suporta, segui em frente na busca de novos elementos. (**)

A fonte privilegiada continuou a ser a «Casa Comum – Fundação Mário Soares» e o vasto espólio existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973). A consulta foi, com efeito, bem-sucedida, pois aí encontrámos, escrito em francês, um questionário (ultra secreto) estruturado com 17 (dezassete) perguntas [e um outro com as respostas], em que a primeira é: «modo de recrutamento dos combatentes», com a seguinte classificação:

"Pasta: 07069.111.003. Título: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Assunto: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Data: s.d. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relações com a Guiné-Conacri / Senegal 1960-1970. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos". 

2.1. RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO (ULTRA SECRETO) DESTINADO AOS GOVERNOS DA GUINÉ-CONACRI E SENEGAL

[com tradução do francês da nossa responsabilidade]


1. - Modo de recrutamento dos Combatentes?

R. – Os combatentes são recrutados nas diferentes zonas constantes na organização territorial do nosso Partido. "Tomamos o pulso" [sinalizamos], no seio da maioria do campesinato, militantes do Partido.

2. – Qual é a idade mínima dos Combatentes?

R. – 17 a 35 anos.

3. – Eles são militantes ou simpatizantes do PAIGC?

R. – Militantes.

4. – Qual é o nível de formação política dos Combatentes?

R. – O nível político é variado. Mas a quase totalidade dos combatentes-militantes devem conhecer muito bem os objectivos do nosso Partido, preocupados com o Partido e com África, e estarem conscientes quanto à natureza particularmente difícil da nossa luta de libertação nacional. Um grande Partido de militantes, camponeses e operários, recebem uma preparação política nas bases do Partido.

5. – Qual é o nível de formação física dos Combatentes?

R. – Habituados ao trabalho do campo, os combatentes são no geral muito bem constituídos. Aqueles que frequentam regularmente as bases militares do Partido recebem uma preparação física para a luta.

6. – Qual é o nível intelectual mínimo dos Combatentes?

R. – O nosso país herdou do colonialismo uma percentagem de 99% de analfabetos e a maioria que teve a oportunidade de aprender a ler está concentrada nas cidades. Esta situação está presente no seio dos nossos combatentes.

7. – Que nível é preciso dar aos Combatentes?

R. – O nível de um combatente de base, poderá utilizar armas ligeiras. 

8. – Que especialidades é preciso ensinar?

R. – Armamento pesado, anti-aéreas, reparação de armas, mecânico militar, telecomunicações e de outras consideradas necessárias.

9. – No final do estágio pretendem utilizar os Combatentes numa Unidade existente ou isoladamente?

R. – Os combatentes serão preparados de modo a serem incorporados no nosso Exército Popular que, com os guerrilheiros e as milícias populares, formam as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP). O exército regular utilizará, no entanto, as tácticas da guerrilha, em coordenação com os outros elementos das FARP.

10. – Efectivos a formar em cada estágio?

R. – 500 homens, correspondente a uma secção do nosso exército popular.

11. – Número de estágios por ano?

R. – No mínimo dois estágios, se o efectivo for de 500, ou três estágios se for de 250.

12. – Gostariam de propor um programa de instrução de base e de especialidade?

R. – Nós gostaríamos de discutir oportunamente este assunto com os nossos irmãos guineenses [Guiné Conacri]. Tendo em conta a experiência referente às lutas de libertação nacional, bem conhecidas dos nossos irmãos guineenses, estamos contudo convencidos que os problemas não encontrarão dificuldades.

13. – Gostariam de separar os quadros militares e políticos nos Centros (Professores, Intérpretes)?

R. – Nós preferimos não dividir os quadros da luta pelos centros. Em caso de necessidade, nós o faríamos por um número reduzido de centros. Mas estamos convencidos que os professores guineenses são suficientes para preparar os nossos combatentes, porque eles estão sempre em contacto com a direcção do Partido.

14. – Qual é a base da alimentação dos Combatentes?

R. – Arroz, peixe, carne, óleo de palma e amendoim.

15. – Em zona operacional, o Combatente recebe uma remuneração? Quanto?

R. – Não. 

16. – No centro de instrução deve receber uma remuneração?

R. – Não. Poder-lhe-ia ser, eventualmente, atribuído um subsídio para o tabaco [em folha] ou cigarros. 

17. – Como encaram a participação das mulheres na luta?

R. – A mulher pode assumir as funções que estejam ao nível da sua capacidade em cada caso concreto. As mulheres já participaram várias vezes nos nossos combates. Elas estão, na maioria das vezes, incluídas nas milícias populares, na polícia, nas tarefas de combatentes-enfermeiras, etc.


2.2. DOCUMENTOS ORIGINAIS


.Citação: (s.d.), "Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41566 (2018-7-20), com a devida vénia.



Citação: (s.d.), "Respostas ao questionário sobre o modo de recrutamento dos combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41571 (2018-7-20), com a devida vénia.

Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

21JUL2018.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

Guiné 61/74 - P18877: Blogues da nossa blogosfera (97): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (16): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


AO REDOR DO NEVOEIRO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Hoje sou eu que vou ao teu encontro
por dentro deste nevoeiro denso que tudo esconde.
Mas não sei onde estás
nem sinto os teus cabelos de incenso.
Sei que moras para lá do tempo
entre dálias e gerânios
entre memórias e sonhos de um segredo.
Mas o coração diz-me para seguir em frente e não ter medo.
Sem saber ao certo quem sou
levo comigo a razão
único caminho que rasga o nevoeiro e rompe as algemas
e me deixa ver a luminosa transparência do teu corpo
para lá das algas e dos peixes verdes dos poemas.
Tu estás do outro lado de um beijo
e eu quero abraçar-te pela cintura
neste apagado incêndio dos sentidos
ainda que seja demasiado tarde
para a verde ternura de um desejo.
Hoje sou eu que vou ao teu encontro
em meu corpo de terra antiga que já não seduz.
Vou dar um passo em falso
para lá dos olhos sem luz
assim o decidi ao ver-te perdida
na altura em que o nevoeiro sem sentido
caía pesadamente sobre a rua.
Mas não eras tu…
era uma chama de lábios e lume
ardendo em estranho leito nupcial
de um qualquer tempo já perdido.
Foi então
que no ventre do nevoeiro
inventei a noite entre lençóis de neve
mordidos de uma luz oblíqua que não era minha nem tua
e se perdia na pele branca
de um qualquer corpo que eu não sentia.
Era como se um rio cantasse
entre a lua e as águas e o nada…
e fosse demasiado tarde
para ser música no violino da madrugada
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18847: Blogues da nossa blogosfera (96): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (15): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P18876: Blogpoesia (577): "Os sintomas", "Minh'alma leve..." e "Minhas ideias...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Os sintomas

A natureza é pródiga em dar sinais.
Nunca acomete sem avisar.
Cobre de negro o céu antes da tempestade.
Manda o vento atiçar o mar.
Espalha estrondos com trovoada.
Na hora exacta, ali está em majestade.
Leva tudo à frente.
O tsunami. O fogo na floresta.
Connosco é igual.
Uma dor de cabeça.
Um arrepio frio.
Um espirro abrupto.
É o aviso.
- Presta atenção!
Ela é leal.
Mas vingativa.
Ninguém a despreze.
Perdão não há...

Bar dos Sete Momentos, arredores de Mafra,
26 de Julho de 2018
9h19m
Jlmg

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Minh'alma leve...

Minh'alma leve,
batendo as asas
como um passarinho,
Aspira ao vento, a soluçar.
Bendiz a vida e
reclama paz.
O sol lhe bate.
Reluz ardente.
Seara verde,
Semeia versos,
sem poder parar.
Se dependesse dela,
que regalo era.
Não havia penas,
não havia dores,
seria bom viver,
seria bom voar.
Minh'alma leve,
como caravela ao vento,
dá a volta ao mundo,
semeando cor.
Só regressa a casa,
quando toda a gente dorme,
com a alma cheia,
a sonhar serena,
com a poesia bela
que lhes caiu do céu...

Bar Sete Momentos, arredores de Mafra,
28 de Julho, 9h54m
Jlmg

********************

Minhas ideias...

Sinto empastadas minhas ideias.
Se apagaram as estrelas.
Está escuro o céu.
Espero ansioso a luz da lua.
Para desfazer este negrume.
O silêncio é negro.
Como nuvem ao cair da noite.
O ar é baço.
Só o sorriso breve duma criança
Me poderia desfazer o peso.
Quem me dera de novo o sol a brilhar ao vento.
Preciso das cores floridas do meu jardim.
Elas me sorriem sempre ao abrir da janela.
Lhes agradeço religiosamente seu ar de cor.
Coitados dos sete cavalos na Mata à frente.
Passam sozinhos ali a noite...

Mafra, 27 de Julho de 2018
11h23m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18846: Blogpoesia (576): "O que se diz das omoplatas...", "As flores da minha mente" e "Os males da alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 28 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18875: Efemérides (290): 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 4 de Julho de 2018:

Camarigos,
Comemora-se hoje dia 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar.

A Rainha Santa Isabel foi proclamada Padroeira do Serviço de Administração Militar - SAM - por Portaria de 16 de Agosto de 1983 e Ordem do Exército n.º 3 (1.ª Série) de 31 de Março de 1984.

- “Pessoal que tem a honra de trabalhar em qualquer parte do território nacional sob o signo dos dois ramos de carvalho, dos dois sabres cruzados e do feixe de espigas de trigo, e para exortar a cumprir com dedicação e modéstia, para Bem Servir.
A exortação é necessária porque o trabalho exigido ao SAM é obscuro, é ingrato, e é sempre penoso; envolve mais modéstia, suor e fadiga do que glória, sangue e lágrimas, e também porque a melhor recompensa que o bom servidor poderá ter será o silêncio dos Comandos, forte indicativo de que a missão foi bem cumprida”.

Daniel Sales Grade
Brigadeiro, Director do Serviço de Intendência
(Julho de 1969)


O Serviço de Administração Militar (SAM) foi criado em 1869. É um Serviço cujos membros estão encarregues de assegurar as áreas de Administração Financeira, Reabastecimento de Combustíveis, Serviços de Aquartelamento e Serviços de Alimentação.

É digna de realce a actuação do SAM na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e na Guerra do Ultramar, em 1961-1974.

Quartel do 1º Grupo Companhias de Administração Militar, na Póvoa de Varzim.

O 1.º GCAM era uma Unidade destinada a especializar Soldados e Cabos Cozinheiros e Sargentos de Alimentação. Tinha quatro Escolas de Recrutas e outros tantos Cursos de Sargentos Milicianos anualmente.

Ponto de passagem de Oficiais Milicianos de Intendência. Largas centenas de jovens, provenientes das mais diversas camadas sociais, oriundos de todas as regiões, frequentaram o 1.º GCAM.

Nesta Unidade tirei o Curso de Sargento de Alimentação, em 20 de Setembro de 1969. Fui SAM até 22 de Março de 1972. Neste período passei 692 dias nas matas do leste do Teatro de Operações do Comando Territorial Independente da Guiné integrado na CCS do BCaç 2912.

O BCaç 2912 em 24 de Abril de 1970, pelas 03 horas, da manhã, foi transportado de comboio desde o Campo de Instrução Militar de Santa Margarida da Coutada até ao cais da Gare Marítima de Alcântara.

Chegada pelas 06H30. Vê-se na imagem os carris e vagões dos comboios, os três médicos do batalhão, alguns camaradas, cestos com pães e atrelado com o café.

O Carvalho Araújo partiu às 12 horas certas rumo ao Comando Territorial Independente da Guiné. Desembarcou no cais de Pidjiguiti em 01 de Maio de 1970.

Equipa de Reabastecimentos do Batalhão de Caçadores 2912
Na foto vemos, a partir da esquerda, na parada do quartel de Galomaro: o Soldado Condutor Auto J. Matias, o 1.º Cabo Escriturário J. Castiço, o Fur Mil SAM Tavares, o Alf Mil do SAM Jesus e o Major Sousa Teles, 2.º Comandante do BCaç 2912, de 1970 a 1972.

Abraço do
António Tavares
Foz do Douro, Quarta-feira 04 de Julho de 2018
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 30 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5375: Patronos e Padroeiros (José Martins) (5): Serviço de Administração Militar - Rainha Santa Isabel

Último poste da série de 10 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18832: Efemérides (289): Romagem ao Cemitério de Lavra em homenagem aos combatentes da guerra do ultramar das freguesias de Lavra, Perafita e Sta. Cruz do Bispo, Concelho de Matosinhos, caídos em Campanha

Guiné 61/74 - P18874: Os nossos seres, saberes e lazeres (277): De Aix-en-Provence até Marselha (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Quando saltitamos por vários poisos, e neste caso o viandante traçara um itinerário a partir de Aix-en-Provence, estadia em Arles e visita a Pont du Gard, Avignon, Nîmes e Marselha, Arles no seu todo marcou indelevelmente quem já se impressionara com Aix, aqui a cidade estabelece vários diálogos de civilização e cultura que não emudecem o passado nem laqueiam a curiosidade do que é verdadeiramente moderno, o orgulho de Arles por ser um polo europeu da fotografia é desmesurado e incontido. Neste apanhado de imagens fica um rincão de saudades para o que vier, se há locais que o viandante visitou e que quer em breve voltar, Arles está entre os primeiros nomes.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (9)

Beja Santos

É quase um desabafo íntimo do viandante: Arles tocou-lhe no coração, não que durante esta viagem não tenham existido outros momentos ímpares, mas aqui foi o todo, os sinais da primavera, a luminosidade, a amenidade do clima, o que se viu e prontamente ficou a vontade de rever, o pouco ruído fora dos espaços onde reina a alegria dos encontros. O viandante não vai falar da Roma das Gálias, nem na multiplicidade das manifestações desse Império Romano, nem no romanesco provençal, rememora o todo através de algumas parcelas que deixaram sulco. Logo a fotografia que visitou no Museu Réattu, nome que homenageia Jacques Réattu, pintor de Arles, um clássico dos séculos XVIII e XIX, museu instalado num espaço espiritual da Ordem de Malta, numa curva graciosa do Ródano, veja-se esta magnífica fotografia de Dora Maar dedicada a Picasso, a luz sobre a fronte e as mãos e como numa pintura o fundo, que tudo elucida e que muito esconde.


Há lojas de vendas em todos os museus, mas esta é bem singular, pelo espaço que ocupa, quase abacial, a decoração, o envolvimento quente, o diálogo multicultural, aqui vende-se obras sobre a Antiguidade Clássica até à fotografia de vanguarda. Inesquecível.


Há monumentos que têm em si mesmos pendor iconográfico, já está dito e repisado que a Roma das Gálias tem em Arles um facho luminoso com teatro e anfiteatro, fundações subterrâneas do Fórum, termas, necrópole, um esplendoroso museu com um acervo a todos os títulos excecional. Mas com luminosidade, e dado que o anfiteatro (ou as arenas) está no centro de muitas ruas irradiantes e cardiais, impõe-se pela dimensão, pela imponência da pedra, e até esquecemos que na Idade Média o monumento foi fortificado e depois bairro habitado até ao século XIX. Esquecemos tudo, é a imponência da pedra e a vibração do génio arquitetónico romano que calam fundo, até ao aturdimento. Magnífico, até à exaustão das emoções!


Já se elogiou em parangonas o Museu Arqueológico de Arles, o edifício, o recheio e a envolvência. Não houvera oportunidade de registar estes espetaculares mosaicos romanos subtraídos de propriedades rurais da região, estão magnificamente dispostos em termos de museologia, sobe-se a uma varanda quadrangular para identificar estes belos painéis, há placas elucidativas que nos fazem compreender o que estamos a ver. Pode haver mosaicos de melhor qualidade noutros sítios mas o que se viu é muitíssimo bom, atesta que para esta Roma das Gálias convergiram artistas de calibre, exímios na técnica do mosaico.



Assim se pode ver como Arles é beijada pelo Ródano, vemos esta configuração e sentimos o odor mediterrânico, está aqui bem estampada a matriz provençal no alinhamento das ruas, na escala do casario, e a segunda imagem fala por mil palavras, é a omnipresença da Roma das Gálias, fala sempre mais alto.



E deste caderno de memórias, no exato momento em que o viandante muda de azimute e toma comboio para Nîmes, deixa para mais tarde as referências a Pont du Gard, outro lugar inesquecível, ficam duas fotografias de despedida, são de Alfred Latour, fotógrafo, pintor e gráfico, era uma exposição que decorria no Museu Réattu, foram tiradas nos finais dos anos 1920 e princípios dos anos 1960, espelham a visão do pintor, do publicista e desenhador de tecidos. Em 1936, esteve ao serviço de uma agência da imprensa e realizou uma série de reportagens que ilustravam tensões políticas e avanços sociais. O viandante reteve a primeira imagem como um grande fresco a preto e branco, deixa antever tratar-se de alguém que pinta e que sabe de artes gráficas. A segunda prende-se com o período buliçoso, mostram-se os seres humanos com direito ao lazer, ganho em 1936, as mulheres avançam na afirmação e autonomia. Nada ocorreu ao viandante de melhor para se despedir de Arles, despediu-se mas quer voltar.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18844: Os nossos seres, saberes e lazeres (276): De Aix-en-Provence até Marselha (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18873: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte IV: O fantasma de Dien Bien Phu: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1 A > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967


Foto nº 1 > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967. As tão faladas colinas do Boé... "O resto era deserto", diz o fotógrafo...


Foto nº 2A  > Coluna logística a Madina (I)


Foto nº 2 > Foto nº 2A  > Coluna logística a Madina (II)


Foto nº 3A >Foto nº 2A  > Coluna logística a Madina (III)


Foto nº 3B > Foto nº 2A  > Coluna logística a Madina (IV)


Foto nº 4A > Foto nº 2A  > Coluna logística a Madina (V)


Foto nº 4BFoto nº 2A  > Coluna logística a Madina (VI)


Foto nº 5A  > Coluna logística a Madina (VII)


Foto nº 6A > > Coluna logística a Madina (VIII)


Foto nº 6  > Coluna logística a Madina (IX)

Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > s/d >

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais fotos do álbum do Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), o nosso grande fotógrafo de Madina do Boé (*). 

Escreve o nosso editor Luís Graça:

Cheguei a Bissau, pelas 21h00,  do dia 29 de maio de 1969,  5ª feira, no T/T Niassa. Tinha partido do Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, no sábado, dia 24. Cinco dias de viagem... Só na manhã  do dia seguinte, sexta feira, é que fomos despejados, qual mercadoria indesejada...

Dizem os registos que a a 31, sábado, no Depósito de Adidos, SEXA, o Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro António de Spínola, passou revista às tropas em parada, com pompa e circunstância,  e dirigiu-nos palavras de boas-vindas.

Jã não me lembro dessa "cena", como diriam os putos de hoje...  Muito menos me lembro do discurso, pronunciado naquela inconfundível voz de ventrícola do nosso Homem Grande (Essa voz, sim, reconhecê-la-ia até no inferno, voltei a encontrá-lo, mais tarde, no destacamemto do rio Udunduma, foi-me lá desejar boas festas de Ano Novo)...

Lembro-me isso, sim, de deambular pelas ruas de Bissau, eu e outros camaradas, completamente desidratados, sufocados pelo calor e a humidade típicos do início da época das chuvas... Estávamos nos Adidos, apanhámos uma boleia num Unimog 404... Procurávamos, desesperadamente,  bebidas frescas, algo que matasse a nossa insaciável sede...que não nos largaria desde o desembarque...

 Já não sei o que bebi: talvez a primeira e única Fanta da minha comissão na Guiné... Aprenderia depois a beber uísque com água de Perrier... Do que não me esqueço foi dos boatos que fervilhavam em Bissau: Madina do Boé, Gadambel, Guileje...

Devo ter passado pela 5º Rep, nesse fim de semana. o famigerado Café Bento, ao pé da Amura... Acho que foi aí que começamos a perder, se não a guerra, pelo menos a vontade de a ganhar... Terá sido lá, ou nos Adidos, que ouvi as primeiras "galgas" sobre o que se passava no mato... A"boataria" devia fazer parte da guerra psicológica do PAIGC ou, pelo menos, fazia o seu jogo...

Não fazia a mínima ideia onde ficava Madina do Boé, mas já sabia, através dos jornais da metrópole, da tragédia que ocorrera no rio Corubal, 3 meses e tal antes, em 6 de fevereiro de 1969... Não sabia onde era Madina, Gandembel ou Guileje, era lá para o mato profundo, no sudeste ou no sul... E sobre Madina do Boé viria logo a conhecer pormenores da operação de retirada das NT, através da boca de quem lá terá estado iu era de lá (por exemplo, soldados africanos que estavam no Centro de Instrução Militar de Contuboel, aonde cheguei logo no dia 2 de junho, ao fim do dia. ..

Em Contuboel e depois em Bafatá e em Bambadinca, contavam-se histórias, terríficos, das colunas logísticas que abasteciam Béli e Madina do Boé, das dezenas e dezenas de viaturas que lá ficaram, da tragédia que se abateu sobre os rapazes da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790... A CCAÇ 2405 pertencia ao BCAÇ 2852, cujo comando e CCS estavam em Bambadinca...

Enfim, massacraram as nossas cabeças de "periquitos" com histórias medonhas: uma ideia, naturalmente distorcida com que fiquei, logo em junho de 1969, era a de Madina do Boé poderia ter sido o nosso Dien Bien Phu, a última e decisiva batalha da guerra da Indochina, onde depois de um longo cerco de várias semanas as tropas da União Francesa capitularam em 7 de Maio de 1954, perante o poderoso exército do general Giap, do Viêt Minh, com perdas brutais de um lado e do outro (mortos, feridos, prisioneiros, desaparecidos).

 Disseram-me que o nosso quartel estava situado estupidamente num vale, tal como Dien  Bien Phu, rodeado de colinas... Os nossos camaradas eram apanhados à mão, e se levantavam a cabeça, nos abrigos, apanhavam logo com umas canhoadas... Os abrigos de Madina, imaginem, estava ao alcance das granadas de mão dos guerrilheiros do PAIGC... Spínola, o "homem grande", decidiu tirar os nossos rapazes daquele inferno, tal como já tinha mandado retirar Béli... Teria sido uma brilhante página da nossa história militar se não tem acontecido o desastre do Cheche...

Hoje, ver ao foto nº 1 do Manuel Coelho, a vista aérea do quartel e da pequena tabanca de Madina,  e as restantes cinco que documentam a chegada de uma coluna logística com apoio aéreo (T 6)  (fotos nº 2 a 6), concordo com a decisão, ajuizada, do nosso com-chefe mas reconheço que as histórias que se contavam no "mentidero" do Café Bento também eram um bocado exageradas...

Não sei se Madina era "defensável", estou de acordo, sim, com a opinião generalizada de que não era fácil levar os comes & bebes, mais as munições, aos bravos que defendiam aquele bocado de terra... O fantasma de Dien Bien Phu chegou a pairar por aqui... e pelo café Bento, a famosa 5ª Rep...

Muitos, a começar pelo cor inf Hélio Felgas, desprezaram o valor estratégico e simbólico de Madina do Boé... Amílcar Cabral e os seus diplomatas souberam fazer de Madina do Boé um verdadeiro ícone da "guerra de libertação", levando todo o mundo a crer que a declaração unilateral de independência, em 24 de setembro de 1973, foi lá...

Na realidade, há muitas formas de conquista: Madina do Boé, tal como Béli, Guileje, Gandembel, Ponta do Inglês e outras posições do exército português no TO da Guiné, não foram conquistadas pelo PAIGC, foram retiradas pelas NT. Em  Dien Bien Phu houve uma batalha, e essa batalha foi perdida pelos franceses. Em Madina do Boé poderia a história repetir-se. Spínola aprendeu com os erros dos outros... Mas o rio Corubal, em Cheche, tramou-nos. Para nós, Madina do Boé ficará para sempre associada ao desastre do Cheche. (Se calhar, em parte injustamente, esquecendo o sacrifício dos que a defenderam e a abasteceram durante vários anos, até à retirada, em 6/2/1969.)

O PAIGC fez de Madina do Boé, o que devia (e tinha a) fazer; um instrumento de propaganda, um "ronco",  um troféu de guerra... As guerras não se ganham só com as espingardas (a força), ganham-se também pelas palavras (a inteligência)...

PS - Escreveu o nosso fotógrafo, num mail que me enviou, em 26 do corrente: "Sobre as colunas de reabastecimentos a Madina e Béli, o Poste 13336, de Domingos Gonçalves , é a melhor descrição que se possa fazer. Fabuloso!" (**)...

É inteiramente justo lembrar aqui o nome do nosso camarada Domingos Gonçalves, um dos bravos do Boé, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68). membro da nossa Tabanca Grande.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18871: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte III: A operação rotineira de manobra e montagem da segurança da jangada que fazia a travessia do Rio Corubal, no Cheche: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

(**) Vd. poste de  27 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13336: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (3) - Reportagens da Época (1966): Viagem a Madina do Boé

(...) MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1966)  - REPORTAGENS DA ÉPOCA - 3. VIAGEM A MADINA

Dia 20 

Começaram os preparativos para o transporte de abastecimentos a Madina do Boé.  Os géneros começaram a ser transportados para o destacamento do Ché-Che, onde ficam armazenados.
Não devem faltar muitos dias para que a companhia de caçadores n.º 1546 atravesse de novo o rio para escoltar as viaturas que transportarão os géneros e as munições para o abastecimento, durante a época das chuvas, da companhia n.º 1416, aprisionada dentro de um rectângulo de arame farpado, numa terra a que ainda se dá o nome de Madina do Boé. Um nome que apenas faz lembrar, a quem o escuta, o sofrimento de um grupo de homens valorosos que, estoicamente, ali vão permanecendo.
Eles, sim, merecem ser chamados de heróis. 

Pelas onze horas e meia o pelotão do Alferes Y, partiu para o Ché-Che, escoltando as primeiras viaturas carregadas de géneros.  Não almoçaram porque à hora em que saíram ainda não havia almoço.  Não jantaram porque, quando chegaram, era tarde e já não havia jantar...  Não receberam ração de combate, porque a companhia precisa de economizar algumas dezenas de rações... Passaram fome! (...)


(...) Dia 22 
Pelas onze horas chegou, sob o comando do capitão, o restante pessoal da companhia.  O Tenente Coronel X, comandante do meu Batalhão, veio, também, na coluna.  Parte do pessoal atravessou, ainda cedo, para a margem Sul do Corubal e ocupou a zona ribeirinha. Entretanto, durante toda a tarde, a jangada foi transportando para a margem Sul as viaturas e os géneros.
Toda a companhia passou a noite na margem Sul.  Durante a noite choveu muito.   Como não havia local onde nos abrigássemos apanhou-se com a chuva toda. Foi o suficiente para ninguém dormir nada. 

Perto da margem do rio rebentou uma armadilha anti-pessoal sob a roda de uma viatura. Fez apenas estragos ligeiros e não feriu ninguém.  A mina anti-pessoal rebentou, perto do tronco de uma árvore, onde, normalmente, todos temos tendência para nos encostar.  Foi uma sorte a viatura ter passado primeiro. (...) 

Dia 23 
Continuou a travessia de géneros para a margem Sul, onde nos encontramos.  É uma operação lenta e muito perigosa.  A jangada está arruinada e não oferece nenhumas condições de segurança.
Hoje, caiu outra viatura ao rio e por lá ficou mergulhada, a tomar banho.  Desta vez também não tivemos, ainda, desastres pessoais. Temos andado com muita sorte.  Se um dia o raio deste calhambeque perde a estabilidade quando transportar soldados, será uma catástrofe..
De noite, as formigas e os mosquitos não deixaram dormir ninguém. O local onde se pernoitou, devido às chuvas, transformou-se num enorme lamaçal.


Dia 24 

Ainda cedo iniciou-se o transporte dos géneros para Madina do Boé.  Fiquei todo o dia, com o meu grupo de combate, emboscado na zona da tabanca do Vilongo, uma povoação abandonada, cujo espaço o capim depressa se encarregou de conquistar.

Pelas duas horas da tarde, já perto do cruzamento Béli/Madina, explodiu uma mina anti-carro sob a roda de uma viatura.  Uma das secções do meu pelotão, que seguia do Vilongo [Bilonco] para o Ché-Che, a prestar segurança às viaturas, foi toda projectada para o chão.

Todos os soldados dessa secção ficaram feridos. Todos menos o Eusébio que, por simples acaso, não seguia naquele meio de transporte.  Reparei que o rapaz trazia um terço pendurado ao pescoço.
Nenhum dos feridos corre perigo, mas foram todos transportados para Bissau de helicóptero.


Ao cair da noite fomos para Madina do Boé, onde se pernoitou.  O nosso comandante de batalhão acompanhou-nos sempre durante esta aventura.  É dos poucos (ou talvez o único dos) comandantes de batalhão que se metem nestas andanças. (...)

Dia 25 
De manhã, partindo de Madina, a companhia foi ao monte (uma pequena elevação) junto ao cruzamento de Béli/Madina, fazer uma pequena operação. Depois, um dos pelotões foi ao Ché-Che buscar mais géneros. De tarde voltou toda a gente para Madina.

O comandante de Nova Lamego veio a Madina.  Como não podia deixar de ser, veio de avião.
No regresso ofereceu boleia ao meu comandante de batalhão [tenente-coronel de infantaria Manuel Agostinho Ferreira] , mas ele não aceitou. Prefere regressar, acompanhando-nos, conhecendo o nosso dia a dia, e as dificuldades que em cada encruzilhada estão à nossa espera. (...) 

Dia 26 
Às sete horas da manhã iniciou-se a viagem de regresso a Nova Lamego. Caminhou-se quase sempre sob uma chuva intensa.  Recuperou-se a viatura que accionou a mina anti-carro.

Ao anoitecer as viaturas já estavam todas na margem Norte do rio Corubal. Desta vez a jangada portou-se bem. Não nos pregou nenhuma das partidas do costume. Já merecíamos ter alguma sorte na travessia deste rio.

Cansados e famintos, atingimos Nova Lamego quase à meia noite.  Foi quase uma semana de fome, sede, fadiga e trabalho sem fim. Acima de tudo foi uma semana de tensão nervosa contínua, onde a miragem do perigo foi constante, tocando, às vezes, os limites da resistência psíquica de cada um de nós. Mas, estoicamente, todos vão aguentando...  Todos vão passando além dos limites da capacidade de aguentar...  Regra geral, a nossa capacidade de resistir é sempre maior do que aquilo que nós próprios pensamos.  Somos sempre capazes de chegar um pouco mais longe...  

Impressionou-me, nesta viagem, a personalidade do capitão da companhia de Madina do Boé [, Ccaç 1416]. É um homem especial.  É mesmo um homem invulgar. Dele pode dizer-se que é um guerreiro nato. (...)

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18872: Notas de leitura (1086): "Heróis limianos da Guerra do Ultramar", de Mário Leitão, ed. autor, Ponte de Lima, 2018, 272 pp. Um ato de pedagogia cívica e patriótica, que devia ser replicado em todas as nossas terras.











Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. Foi lançado oficialmente no dia e no local certos: em 10 de junho, em Ponte de Lima (*)...

Ele prometeu e cumpriu... Foram muitos anos de trabalho. Pelo menos, cinco... A resgatar e a honrar a memória dos seus conterrâneos e camaradas, limianos, que morreram nas guerras de África.  "Limianos que tombaram pela Pátria em África". Ele não usa o eufemismo, nem quer ser politicamente correto.

53 ao todo: 45 lá nas terras do ultramar, longe de casa, longe das suas terras: Ardegão, Anais, Poaires, Fornelos, Cabaços, Vitorino de Piães, e por aí fora, que o concelho é grande (tinha nos anos 60/70 mais de 40 mil habitantes e cerca de 4  dezenas de freguesias). A guerra cobrou muitas vidas em Ponte de Lima: 45, mais os 8 que morreram "ao serviço de Portugal na Metrópole durante o período da guerra colonial".

Das 45 mortes  em África, 16 ocorreram em Angola, 15 em Moçambique, 13 na Guiné e 1 em Cabo Verde. A maior parte (71%) em combate  (49%) e acidentes em campanha (22%).  (**) 

O Mário Leitão, hoje farmacêutico reformado, foi fur mil, na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), no período de 1971 a 1973. É natural de (e residente em) em Ponte de Lima, é membro da nossa Tabanca Grande, e já tem 3 livros publicados:   "Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d´Arcos" (2012),  "História do Dia do Combatente Limiano" (2017) e, agora,  "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar" (2018).

Numa primeira leitura, na vertical, eu só posso concluir que este livro é um ato de amor pátrio e fraterno,  de paixão pela vida e pelas terras e gentes limianas, um livro que nasce  da compaixão por todos limianos que deram o melhor que tinham, a sua vida, em plenos verdes anos, à Pátria, Mátria, Fátria... tantas vezes Madrasta, Padrasto, Irmão Brutamontes, que trata os melhores dos seus filhos e manos como "enjeitados"... A Pátria afinal  não existe, ou só existe quando lemos, comovidamente, livros como este...

O Mário andou de porta em porta, de arquivo em arquivo, de blogue em blogue, durante cinco anos a recolher apontamentos, notas, fotos, pedaços de papel, aerogramas, depoimentos, testemunhos, restos de memórias, restos/rastos de vidas... para poder escrever 53 biografias, pequenas histórias de vida dos seus conterrâneos, seus e nossos camaradas... Com um propósito de pedagogia cívica e patriótica: para que estes homens, combatentes, não fiquem na "vala comum do esquecimento"...

Ao todo são 272 páginas, profusamente ilustradas, com as notas biográficas de 53 bravos limianos, o que em termos de conteúdo dá cerca de 4,4 páginas por cada um. Na maior parte dos casos foi possível recolher o nome (e até fotos) dos ascendentes (pais e avós) mas também dos irmãos. Nem todos repousam no sagrado solo limiano: seis ficaram em terras de África, um na Guiné, cinco em Moçambique.

O livro tem ainda um prefácio ("Ninguém fica para trás", de Manuel Albino Penteado Neiva),  um glossário e um posfácio (,assinado por Lu+is Gonzaga Coutinho de Almeida,  coronel da GNR, na reserva). Foi feita um edição de autor, com uma tiragem de 500  exemplares.


2. Eu tinha prometido, de viva voz, ao telefone, em conversa há dias com o Mário,  fazer-lhe e publicar esta primeira nota de leitura, antes de irmos de férias (***). 

Homem generoso como poucos e grato ao nosso blogue, que foi para ele também uma  importante fonte de informação e conhecimento, o Mário Leitão manda-me de dizer que terá todo o  gosto em remeter, pelo correio, um exemplar autografado do livro, sem quaisquer custos (incluindo os portes de correio),  a quem, dos nossos leitores,  o pedir, por email...  Ele ainda tem 200 e tal exemplares em stock... Alguns vendeu, a maior parte ofereceu.

Aqui fica o seu endereço, que ele me autoriza a divulgar:

António Mário Leitão > gentelimiana@gmail.com
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18814: Efemérides (287): O 10 de junho em Ponte de Lima: vibrante homenagem aos Limianos mortos na Grande Guerra e na Guerra Colonial (Mário Leitão)

(**) Lista dos 13 camaradas limianos que morreram no TO da Guiné:

5. António da Silva Capela, sol at cav (pp. 55-60);
8. Armando Ferreira Fernandes, sold at inf (pp. 70-72);
11. Celestino Gonçalves de Sousa, sold at inf (pp. 83-93);
12. Damásio Fernandes Cervães, sold at art (pp. 94-100);
15. João Alves Aguiar, sold at inf (pp. 119);
16. João da Costa Araújo,  sold cond cav (pp. 120-125);
18. João Fernandes Caridade, sold at art (pp. 130-136):
20. João Vieira de Melo, 1º cabo aux enf (pp. 140-144);
29. José Pereira Durães, sold coz (pp. 177-178);
30. José Rodrigues Barbosa, 1º srgt art (pp. 179-181);
31. Júlio de Lemos Pereira Martins, fur mil inf (pp. 182-190);
43. José da Silva de Sousa, sold at inf (pp. 229-230);
44. Casimiro Rodrigues Alves, sold at inf (pp. 231-234)

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18871: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte III: A operação rotineira de manobra e montagem da segurança da jangada que fazia a travessia do Rio Corubal, no Cheche: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1A >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à jangada que se desloca da outra margem (onde estava localizada a tabanca de Cheche), seguindo o cabo esticado de um lado a outro... Em baixo, em segundo plano, um sintex. O destacamento de Cheche ficava na margem direita, ou seja, no início da estrada que ia para Nova Lamego.


Foto nº 1 >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal... É bem visível a jangada que se começa a deslocar da outra margem, seguindo o cabo esticado de um lado a outro... 



Foto nº 1B >  A  jangada que se começa a deslocar da outra margem (Cheche), seguindo o cabo, esticado de um lado a outro...  No ancoradouro, é visível uma segunda jangada. 


Foto nº 2A  >  O Manuel Coelho dentro da jangada com um guineense, que tanto pode ser milícia como militar do destacamento de Cheche... Ambos ajudam a segurar o cabo (ou a corda) ao longo do qual se desloca a jangada (que também tinha um pequeno motor auxiliar)... 



Foto nº 2  >  O Manuel Coelho,  dentro da jangada com um camarada guineense. 


Foto nº 3A >  Grande plano do Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à jangada. Nesta margem ficava o destacamento de Cheche


Foto nº 3B >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança... com  mais uma secção.


Foto nº 3 >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança... Deslocou-se com uma secção num sintex. Ao fundo, a jangada que se começa a deslocar da outra margem, seguindo o cabo esticado de um lado a outro... 

Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 >  s/d > O Manuel Coelho montando segurança à jangada que fazia a travessia do Rio Corubal em Cheche (ou Ché Ché, a malta pronunciava Cheche...). Ou puxando a corda que ligava as duas margens e ajudava deslocar a jangada (que tinhaum pequeno motor auxiliar)... Uma operação rotineira, até ao fatídico dia 6 de fevereiro de 1969, o da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche.

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais fotos do álbum do Manuel Coelho, fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) (*), o nosso grande fotógrafo de Madina do Boé, que também alinhava, de G3 na mão, sempre que era preciso montar segurança à jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche... 

Compare-se estas fotos de há 50 anos, com as de hoje, do Patrício Ribeiro (**).

A jangada tinha um pequeno motor auxiliar, e era puxada à força de braço, de uma margem para a outra, seguindo um cabo esticado... E sempre que era preciso atravessar o rio, impunha-se montar segurança de um lado e do outro... Para efeito, existia o destacamento de Cheche, na margem direita.

Uma operação rotineira,  durante anos... Até ao fatídico dia de 6 de fevereiro de 1969, o trágico dia da última jangada (Op Mabecos Bravios, retirada do quartel de Madina do Boé, por ordem do comando-chefe, gen Spínola: morreram afogados 46 militares e 1 civil, da CCAC 2405, que estava em Dulombi, e a CCAÇ 1790, que retirava de Madina).
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

25 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P1869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

24 de julho de 18 > Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

(**) Vd. poste de 21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché