quinta-feira, 20 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19905: Historiografia da presença portuguesa em África (162): Viagem do alferes Francisco Marques Geraldes, de 11 a 17 de março de 1883, de Geba ao Indornal, feito que lhe valeu a atribuição, por el-rei D. Luís, do grau de cavaleiro da Torre e Espada (Armando Tavares da Silva)



Imagem nº 1 > Guiné > Carta de 1889 da Comissão de Cartografia. Detalhe



Imagem nº 2 > Guiné > Carta de 1889 da Comissão de Cartografia. Detalhe:  assinalado o percurso de Marques Geraldes e as povoações por onde transitou.


Parte III 


 Parte II
Parte I





Imagem nº 3 > Percurso seguido por Marques Geraldes entre Geba e o Indornal, de 11 a 16 de março de 1883 (feita a partir da Carta original conservada na Sociedade de Geografia de Lisboa).


1. Mensagem de Armando Tavares da Silva



Data - Domingo, 16/06, 00:12 (há 1 dia)



Assunto - Marques Geraldes: De Geba ao Indornal


Luís,

Anexo um texto, já em tempos prometido, relativo a uma diligência de Francisco Marques Geraldes, chefe do presídio de Gebam que o levou de  Geba ao Indornal. 


É um texto que dedico ao Cherno Baldé, por ocasião do  seu próximo aniversário, e que gostava que fosse publicado no dia 20 de
Junho. 


Seguem também 3 imagens, sendo 2 reproduções parciais da Carta da Guiné da Comissão de Cartografia de 1889, destinadas a ilucidar o percurso realizado na referida diligência.

Com um abraço, agradece,
 

[ (i) Membro da Tabanca Grande; tem cerca de 5 dezenas de referências no nosso blogue: 

(ii)engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”, vd. imagem da capa a seguir); (iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]



2. No meu comentário de 16 de Janeiro do ano passado, em resposta a um comentário do Cherno Baldé, ao meu post P18216 de 15 de Janeiro de 2018, prometi que mais tarde iria falar de uma diligência de Marques Geraldes – o chefe do presídio de Geba ‒ junto do régulo Dembel. Esta diligência iria ter lugar em sequência das muitas correrias de Densá, que era filho daquele régulo, e que estavam já a causar dissidências entre os próprios fulas-pretos.

É o que agora faço por ocasião do aniversário do Cherno Baldé (*)  e como singela homenagem que lhe presto pela sua participaçãp neste blogue e seus comentários sempre muito apropriados e elucidativos.

Sucedera que em Março de 1883 a pequena povoação de S. Belchior, situada na margem direita do rio Geba, tinha sido atacada pelos fulas-pretos capitaneados por Densá, sendo aprisionados todos os cristãos, e as suas casas reduzidas a cinzas.

Densá, de pouca idade, filho do régulo Dembel, que ainda não havia muitos meses fizera um tratado de amizade com o governo, envia ao comandante do presídio de Geba, alferes Francisco Marques Geraldes, uma vaca de presente, ao mesmo tempo que diz dedicar-lhe amizade. Porém, Marques Geraldes ordena-lhe a entrega, “sem mais delongas” dos cristãos aprisionados, ao mesmo tempo que devolve “o presente”. 


Decorridos 3 dias, são apresentados dez dos cristãos aprisionados, tendo o cavaleiro que os acompanha pedido desculpa do acontecido em S. Belchior, pois Densá ignorava que esta povoação estivesse sob a protecção do governo português. Faltavam, contudo, duas mulheres que tinham sido enviadas para o Indornal.

Marques Geraldes, que tinha “a vontade de salvar as duas desgraçadas cristãs que seguiram para o Indornal, onde em breve iriam ser vendidas para a Gâmbia a troco de cavalos, e o desejo de acabar com as dissidências que já iam lavrando entre os fulas-pretos por causa das demasias praticadas por Densá”, decide empreender uma “tão longa e quão espinhosa viagem ao Indornal, tendo em vista o ser útil ao [seu] país e aos povos que administrava”.

Assim, larga de Geba a 11 de Março, e enceta uma longa caminhada a cavalo, acompanhado de um intérprete e de um enfermeiro (que conhecia as línguas mandinga e fula), e de quatro grumetes para carregadores. Começa por atravessar as povoações Calicundá, Bindangar, San-Jenó, e chega a Carantabá, onde o rei de Umbucú se manifesta cansado de “aturar os despotismos e roubos de Densá”, e lhe pede para interceder junto do régulo Dembel para que este mande recolher seu filho Densá ao Indornal, sem o que se poderia dar “de um momento para outro […] uma guerra entre fulas-pretos”.

O rei de Umbucú oferece a Marques Geraldes três cavalos e põe à sua disposição o seu filho Sambel e 4 fulas armados. A expedição foi assim composta de 4 cavaleiros e 8 homens de pé, estando, do total de 12, apenas 6 armados com espingardas e os outros somente de espadas.

Prosseguindo viagem atravessam as povoações de Duricundá, Chume-Cundá, Sede-Cundá, Sincho, Nhama-Dicundá, Menino-Cundá, Banco, Quinheto, Cuento, Salicocum, Caredi-Cundá, Pate-Cundá, o rio de Farim, as povoações de Mori-Cundá, Camaco-Geba, Tambuiel, Cotedi, o rio de Selho, e as povoações de Culijan-Cundá, Cutetó e Ille-Cundá.


No dia 16, depois de atravessar o rio de Selho, chega pelas 8 da noite ao Indornal.

No dia seguinte realiza-se, na tabanca do régulo Dembel, que se apresenta “cercado pelos seus grandes”, uma longa interpelação de Marques Geraldes, em que este, entre outros aspectos, lembra que o próprio régulo Dembel tinha estado em Geba, não havia ainda 5 meses para consolidar o tratado de paz e boa amizade feito por Moló, seu antecessor. Recorda ainda os sacrifícios que o governo português tinha feito em Buba, por causa da protecção concedida aos fulas-pretos – o mesmo governo que não tivera dúvida, em 1880, de se declarar abertamente contra os fulas-forros – e pede-lhe para mandar recolher ao Indornal o seu filho Densá, “onde ele não aparecia havia um ano, tirando-lhe ao mesmo tempo a gente de guerra que o acompanhava”.

No dia seguinte, dia 18, depois de se ter aconselhado com os seus grandes, Dembel, considerando o exigido pelo governo, comunica que iria mandar entregar as duas mulheres de S. Belchior e, ao mesmo tempo, intimar Densá a recolher ao Indornal “sob pena de ser expulso do território dos fulas, não querendo obedecer”. No entanto, só a 24 Densá chega à presença do pai e procede à entrega das duas mulheres.

Marques Geraldes, no seu circunstanciado relatório apresentado ao governo, acrescenta que o régulo Dembel, de cerca de setenta anos, é de carácter “bastante pusilânime”, o que poderia dar azo a que houvesse alguma ocorrência desagradável, se não fosse Mussá, seu sobrinho, de 30 anos, que lhe haveria de suceder no governo, “bastante enérgico e idolatrado pelos fulas-pretos”. Diz ainda que: “É ele o principal cabo-de-guerra, a quem em tempo de guerra, velhos e moços, todos à porfia lhe obedecem”.

E continua, referindo que no Indornal, onde encontrou muita gente conhecida de Buba e Geba, viviam em perfeita harmonia, os mais variados povos: mandinga, fula-forro, futa-fula, seruá, soninqué, entre outros. E acrescenta que foi “belíssimo” o tratamento recebido, e a “muitos causava admiração o ter chegado àquele lugar, [pois] era a primeira vez que um branco ali tenha ido”.

No dia 26, pelas 3 horas da tarde, Marques Geraldes sai do Indornal de regresso a Geba, onde chega no dia 31 pelas 8 horas da noite. Na partida, Mussá e alguns guerreiros vieram despedir-se dele, dizendo-lhe aquele que “o governo português podia contar com ele sempre [que] tivesse precisão”. E Marques Geraldes oferece a Mussá como presente uma espingarda de repetição que possuía.

Tinha sido uma viagem calculada em 160 léguas, de “10 horas de marcha por dia, sob um calor abrasador”. Em resultado do relevante serviço que acabara de prestar ao país, a 7 de Junho de 1883, El-rei D. Luís atribui a Marques Geraldes o grau de cavaleiro da Torre e Espada.

Mais tarde, já no final do ano, Marques Geraldes é levado a nova intervenção junto do régulo Dembel. Sucedera que este, estando em inimizade com “os mouros de Bigine e os beafadas de Cossé” e desejando “reduzi-los à fome para assim os vencer”, mandara fechar os caminhos que conduziam ao presídio de Geba, impossibilitando que nele entrassem géneros alimentícios. E parece que esta intervenção terá tido os seus resultados pois, a 1 de Dezembro, enviados de Dembel, ao afirmarem que este régulo “estivera sempre de boas relações com o chefe [alferes Marques Geraldes], a ponto de lhe mandar dizer que tudo quanto ele precisasse lhe seria fornecido, bem como ao juiz do povo”, anunciam que aquele régulo “dera ordens precisas para que os caminhos ficassem imediatamente livres”, pedindo somente para que o chefe fizesse “com que os de Bigine” não fossem ao seu território.


A expedição de Marques Geraldes ao Indornal não teve a importância e o reconhecimento que alguns anos antes havia tido a expedição de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, que exploraram o interior de Africa entre Angola e Moçambique. Mas insere-se, com a sua dimensão própria, entre aquelas que portugueses realizaram para melhor conhecimento de Africa.

A atestar a sua importância para o conhecimento do interior da Guiné, temos o facto de, a seguir à mesma, a carta da Guiné editada pela Comissão de Cartografia do Ministério da Marinha e Ultramar, na sua edição de 1889, ter passado a incluir as povoações por onde tinha transitado Marques Geraldes, assim como o caminho por este percorrido.


Anexa-se uma imagem com o percurso seguido por Marques Geraldes entre Geba e o Indornal (feita a partir da Carta original conservada na Sociedade de Geografia de Lisboa)(Imagem nº 3).

Anexa-se ainda uma imagem com parte da carta de 1889 da Comissão de Cartografia onde se encontra assinalado o percurso de Marques Geraldes e as povoações por onde transitou.

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Guiné 61/74 - P19904: Parabéns a você (1641): Cherno Baldé, Amigo Grã-Tabanqueiro, Engenheiro e Gestor de Projectos, natural da Guiné-Bissau

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19901: Parabéns a você (1640): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador, natural da Guiné-Bissau

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19903: Historiografia da presença portuguesa em África (161): "Curiosidades de um Africanista", um manjar de príncipe para etnógrafos e estudiosos da linguística (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Na chamada secção dos Reservados o investigador deve estar preparado para surpresas e industriado pela paciência, pois nem tudo o que cai na rede é peixe. No caso vertente era peixe e do graúdo, ainda que com destinatários bem direcionados. Estas Curiosidades de um Africanista denotam um homem profundamente interessado na diversidade cultural, no conhecimento das tradições, nos provérbios, no registo de recomendações de índole prática. Fica-nos a incógnita se este autor desconhecido conheceu um cientista guineense de grande valor, o padre Marcelino Marques de Barros, que se dedicava a matérias afins. Pouco importa que esta questão fique definitivamente sem resposta, está aqui um manjar de príncipe, quem quiser dirija-se à Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Um abraço do
Mário


Um manjar de príncipe para etnógrafos e estudiosos da linguística

Beja Santos

Nos Reservados da Sociedade de Geografia consta um documento intitulado “Curiosidades de um Africanista”, apresentado como caderno sobre o crioulo de Cabo Verde, Guiné e Sul de Angola, um apanhado de termos de crioulo e português, poemas e orações em crioulo, provavelmente obra elaborada ainda no século XIX e publicado no início do século XX.

Seja-se etnógrafo ou filólogo, lê-se este conjunto de registos, de autor desconhecido, com imensíssimo prazer, foi alguém que viajou e teve a pertinência, a imensa curiosidade em registar uma imensidade de manifestações culturais, tudo apresentado numa forma de almanaque, como se sintetiza.

Aparece o crioulo da ilha Brava, ele registou a lamentação de uma viúva, do crioulo de Santo Antão aparece-nos um provérbio: Quem quiser trabalhar que trabalhe, que eu não estou para destemperar o meu corpo; mais adiante temos uma tradição oral do século XVIII, A confissão por um canudo.

Se é verdade que há apontamentos sobre o manatuto (Timor), Cabo Verde e Sul de Angola, a Guiné tem a fatia do leão. Logo a poesia Mandinga, escreveu o seu autor:
“Um dia lembrou-se uma serpente de se transformar num elegante mancebo e foi pedir a mão de uma donzela que teimava em não casar se não com aquele a quem a natureza dispensasse a fatal necessidade de dejecções fáceis e das secreções dos rins; feito o exame, obteve a noiva que levou para sua casa, mas de improviso as caravanas que iam passando ouvem uma voz que se parecia com a de um náufrago à beira-mar: Ó da caravana, ó da caravana! Digam a meus pais que o homem que me deixaram em casamento transformou-se numa serpente que me traz ligada nas suas roscas, não sei se me esmagará, não sei se me devorará”.

Nessa mesma página, o autor anota recomendações para o desembarque:  
“Sempre que se desembarque em qualquer ponto em África, deve-se tomar uma cápsula de quinino antes do desembarque, embora a viagem seja de um porto africano para outro. Não tendo cápsulas, divide uma mortalha de cigarro em duas partes, deita-lhe o quinino, enrola as quatro pontas. Em qualquer dos casos, bebe água para facilitar que a cápsula passe para o estômago”.

Este autor desconhecido esteve atento à poesia Biafada, e deixa-nos um curioso registo:
“No tempo de uma horrorosa fome, uma pequena deu a seu irmãozinho uns feijões para o acalentar; chega a mãe, que se enfurece tanto que a pequena foge e vai esconder-se no tronco de uma árvore que ensombra uma linda fonte. Todos os que vinham do povoado buscar água ouviam esta voz inocente, saudosa e de uma feição primitiva: o que desperta os ecos desta fonte aceita o recado que lhe dou. Dizei a minha mãe que foi por causa de uns feijões que dei ao meu irmãozinho que vivo metida neste poilão há tanto tempo que já estou muito crescida, o meu cabelo já se arrasta pelo chão, e os meus seios já estão pendentes e o meu nome é Sirá”.

Como todas estas páginas se organizam em forma de almanaque, temos a seguir uma informação para quem vivia naqueles trópicos: o Sr. General Henrique Dias de Carvalho era da opinião que se devia tomar um cálice de conhaque antes de se sair de casa para equilibrar o interior do corpo com o calor exterior.

Segue-se uma elegia aos Balantas, é talvez o texto mais terno e de melhor organizada estrutura poética. Diz assim:
“O dia mais sombrio que enluta a alma dos mancebos Balantas é aquele em que são obrigados na idade dos seus 20 a 25 anos a irem ao centro dos bosques para serem circuncidados, a fim de entrarem na classe dos homens sérios pelo casamento. Oiçamos a voz de um blufo de Nhala que vai seguindo para o bosque sagrado: Ai dos meus! Sobreveio uma calamidade às terras de Nhala! Ah! Já declina o sol! Sinto uma coisa que me consterna imenso. Ai! Já declina o sol! Sigo com os meus companheiros o caminho da floresta. Ah! Já declina o sol! Ai, meu pai! Esta lembrança entristece-me muito! Ah! Já declina o sol! E depois enumera o nome de vários mancebos que o acompanham neste caminhar para a floresta. E termina dizendo: Não resta dúvida que me levam à floresta! Ah! Já declina o sol!”

O dicionário feito em Bolama vai entusiasmar todos aqueles que estudam línguas étnicas comparadas. O que este autor desconhecido fez foi listar termos em português, em Mandinga, em Manjaco da Costa de Baixo e Pexixe e língua Papel. O assunto interessará particularmente a estes filólogos mas talvez os historiadores se interessem na razão da escolha dos termos que este autor desconhecido selecionou. Como é óbvio, não houve acaso nas palavras consideradas mais relevantes: pataco, peso, shilling, laranja, panela, vai buscar, cedo, pela manhã, além, noite, garrafa, casa, açúcar, café, pão, vinho, carne, carneiros, vender, salgado, seco, chuva, bom dia, sem álcool. E não se incomoda mais o leitor com estas curiosidades de alguém que vai ficar eternamente desconhecido, que pisou a Guiné e esteve atento a provérbios, a poesia, registou conselhos e pretendeu fazer um dicionário. Não se perca de vista que por essa época o padre Marcelino Marques de Barros, natural da Guiné, onde foi seu vigário-geral, sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa, produziu o primeiro dicionário de crioulo guineense, ficará por saber até que ponto este autor desconhecido não terá sido influenciado pelo primeiro grande mestre da cultura guineense.






Cartão-postal da primeira igreja de Bolama, cerca de década de 1900

Fachada da Igreja atual de Bolama em 2017
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19712: Historiografia da presença portuguesa em África (159): Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19902: Facebook...ando (51): Altamiro Claro, ex-alf mil op esp, da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 (Geba, 1972/74), atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Valpaços







Fotos do álbum de Altamiro [da Ressurreição] Claro, disponíveis na sua página do Facebook (com a devida vénia...)

Fotos: © Altamiro Claro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Altamiro Claro: é natural de Valpaços, vive em Chaves, onde foi presidente da respetiva Câmara Municipal. Atualmente é provedor da Santa Casa da Misericórida da sua terra, desde 2012, uma das maiores IPSS - Instituições Privadas de Solidariedade Social, do país,

Tem apenas 4 referências no nosso blogue. Foi alf mil op especiais, da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 , "Os Panteras" (Geba, 1972/74). Entrou para a nossa tertúlia em 22 de maio de 2007. E é o único representante da sua companhia na nossa Tabanca Grande.

Na altura, escrveu-nos o seguinte:

(...) Caro Camarada:

Só agora tomei conhecimento do teu blogue, que desde logo despertou em mim um enorme entusiasmo.

Chamo-me Altamiro R. Claro e também eu estive na Guiné entre 1972/74, mais concretamente em Geba, como Alferes Miliciano de Operações Especiais, pertencendo à CCAÇ 3548, do BCAÇ 3884 (2).

Chamou-me especial atenção no teu blogue anterior (Abril 2005 / Maio 2006 ) as crónicas do A. Marques Lopes sobre a CART 1690 que também esteve em Geba e em especial "Guiné 69/71 - XLVI : Em memória dos Bravos de Geba..." (...) , onde nos fala dos mortos e desaparecidos da sua companhia e do monumento que então erigiram na sede de companhia.

Pois bem, no ano de 2001, quando eu exercia as funções de Presidente da Câmara de Chaves, fiz uma geminação entre Chaves e Bafatá e desloquei-me à Guiné, tendo visitado Geba, Sare Banda e Cantacunda, lugares referenciados pelo Marques Lopes.

Envio duas fotos tiradas, uma em Geba junto aos destroços do dito monumento e outra em Sare Banda.


Voltarei a contactar-vos. (...)



Guiné-Bissau  > Região de Bafatá > Geba > 2001 > O na altura presidente da Câmara Municipal de Chaves,  ex-alf mil op esp Altamiro Claro, da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 (Geba, 1972/74).  junto aos restos do monumento erigido em Geba aos mortos e desaparecidos da CART 1690, a que pertenceu, em 1967, o nosso camarada A. Marques Lopes.

Foto (e legenda): © Altamiro Claro (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Na altura demos-lhe as boas vindas nestes ter,mos:

Camarada Altamiro: És bem vindo. Fazendo jus à vossa proverbial hospitalidade transmontana, direi apenas: Obrigado, amigo, entra, a tabanca é grande e é toda tua. 

Faltavam-nos algumas fotos do tempo de Guiné, que fomos agora recuperar à sua página do Facebook, Desejamos-lhe saúde, longa vida e boa sorte na concretização dos projetos que ele e a sua equipa têm para a Santa Casa da Misericórida de Valpaços e o Hospital de Valpaços (, o maior hospital de miserircórdia, do interior Norte, a abrir em breve; a misericórdia, tem mais de 200 funcionários e 800 utentes.).

Cito um excerto de entrevista recente que o rpovedor deu, há pouco tempo, em 18/9/2018, ao jornal "A Voz de Chaves":

(...) "Orgulhamo-nos de sermos considerados uma instituição de referência, não só a nível regional, mas também a nível nacional. É uma Misericórdia já anteriormente gerida com equilíbrio, mas que ao longo dos últimos anos deu um grande salto quantitativo e qualitativo. Tem sido um trabalho motivador e reconfortante, este, de servir as populações mais fragilizadas e carenciadas do concelho e da região." (...)

É bom ver os camaradas da Guiné  ativos, produtivos, solidários e saudáveis. Parabéns, Altamiro! (**)

Guiné 61/74 - P19901: Parabéns a você (1640): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador, natural da Guiné-Bissau


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19897: Parabéns a você (1639): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BART 3872 (Guiné, 1971/73)

terça-feira, 18 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19900: Notas de leitura (1188): Uma história antiga, do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", da autoria de Francisco Baptista, com lançamento no próximo dia 24 de Agosto de 2019, pelas 15 horas, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Mogadouro

1. Mensagem do dia 13 de Junho de 2019 do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), autor do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", trazendo até nós um trecho deste seu livro que vai ser lançado no dia 24 de Agosto próximo, pelas 15 horas, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Mogadouro.

Tenho recordações vagas e difusas desse meu antepassado que sempre procurou viver a vida com independência e liberto de amarras de qualquer espécie. Talvez por isso nunca tenha casado, entre o falar do povo e a lenda diz-se que terá tido um filho de uma mulher casada, que por via das dúvidas nunca assumiu. Aliás ao tempo, as leis dos Estados seguindo um pouco a lei natural da maioria das espécies animais reconheciam as mães sem se preocuparem com a paternidade a não ser que houvesse casamento, sendo nesses caso os maridos legalmente obrigados a assumi-la.
Alguns sobreirais, alguns olivais, alguns lameiros (prados para o gado), uma boa horta e algumas terras de cultivo de cereais, que herdou dos pais, ajudaram-no a viver dentro dessa liberdade que ele apreciava.

Era meu tio-avô por ser irmão do meu avô paterno e padrinho e nessa qualidade tinha comigo uma ligação e um poder protector logo abaixo do meu pai. Sem ser muito falador, assumia a sua responsabilidade de padrinho, dentro da sua filosofia de vida sem se intrometer na minha vida de garoto, sem conselhos desnecessários, sem dinheiro nem rebuçados. Um padrinho era uma figura tutelar, bastava-lhe existir e ser nosso amigo para sentirmos a sua protecção benfazeja.
Dava-me castanhas piladas (secas), fosse primavera ou verão, que levava sempre nos bolsos quando íamos os dois com as vacas do meu pai, e com a égua dele para o lameiro (prado de pastagem) dele de Vale da Nina..
Nunca me esqueci dessas castanhas piladas e pela vida fora sempre agradeci essa dádiva e a bonomia, sem palavras desnecessárias, com que me tratava. Os meus cinco ou seis anos de vida davam-me a intuição e o entendimento para o saber interpretar e estimar. Sonhadores, distraídos ou dorminhocos, sei que por vezes chegávamos a casa sem vacas, que se tinham perdido.

Nas noites longas de inverno ia muitas vezes para casa dum rico da aldeia, segundo dizia, rezar a coroa (equivale a três terços). Conta-se que enquanto rezavam iam bebendo vinho, de que ambos gostavam, duma caneca próxima da lareira, para aquecerem.

Era um homem de estatura média, forte, largo, lembro-me ainda de o ver em dias de verão ou de inverno, em tronco nu, a lavar-se na fonte da bica, perto da casa dele.

Até ao dia da sua morte que ocorreu subitamente num dia 29 de Agosto, na festa da Senhora do Caminho, em Mogadouro, viveu sempre sozinho em casa dele, casa que o meu pai depois herdou e reconstruiu para nós. Gostava de festejos, folguedos e dos excessos que os banquetes que lhe estavam associados proporcionavam.
Os sobrinhos fizeram-lhe um funeral digno além do mais porque preservou todos os bens que tinha herdado.
Eu, nos meus nove anos de idade, ele faria sessenta e sete, quando a minha mãe me disse que o meu padrinho tinha morrido, senti uma tristeza desprendida, sem dor e sem mágoa, como quem se despede dum companheiro valente que não gosta de lágrimas.

Do meu livro " BRUNHOSO, ERA O TEMPO DAS SEGADAS" 
" NA GUINÉ O CAPIM ARDIA"
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19898: Notas de leitura (1187): “Deixem a Guerra em Paz: Guerra Colonial – Guiné”, Edições Partenon, 2019 - Sempre na caçoada, zombeteiro quanto baste, subtil apurado: Alberto Branquinho

Guiné 61/74 - P19899: 15 anos a blogar desde 23/4/204 (9): o ataque a Sare Banda, destacamento da CART 1690 (Geba, 1967/69), em 8 de setembro de 1968: o alf mil Carlos Alberto Trindade Peixoto e o fur mil Raul Canadas Ferreira jogavam às cartas, à luz de petromax, foram mortos por uma roquetada (A. Marques Lopes)



Guiné > Região de Bafatá >  Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamentos e aquartelamentos > 1968 > A CART 1690, com sede em Geba, tinha vários destacamentos: Banjara, Cantacunda, Sare Banda, Sare Ganá... Os destacamentos não tinham luz eléctrica e as condições de segurança eram precárias. O IN tinha uma importante base em Sinchã Jobel, a oeste de  Geba, a sul de Banjara, a sudeste de Mansabá. (*)

Infografia: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados.





Guiné > Região de Bafatá >  Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690. Distava 45 km de Geba. O ataque a Banjara, a 24 de julho de 1968, às 18h00, já aqui foi descrito há 14 anos por A. Marques Lopes.


As instalações que se veem na foto pertenciam à antiga serração do empresário Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira,
um dos primeiros militantes comunistas a ser deportado para a Guiné, em 1925,  dono de modernas serrações mecânicas aqui, em Fá Mandinga e em Bafatá, a partir de 1928, exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960...




Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos "produtos naturais" da região...

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Bafatá > Sare Banda > 2001 > Restos do antigo destacamento de Sare Banda > Na foto, o ex-presidente da Câmara Municipal de Chaves Altamiro Claro, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 (Geba, 1972/74).

Foto (e legenda): 
© Altamiro Claro (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Uma bomba da FAP (Força Aérea Portuguesa), das muitas que foram lançadas sobre a base do PAIGC, durante a guerra colonial, e que não chegaram a explodir. Na foto, o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes. Em finais de 1967, Sinchã Jobel passou a ser uma ZLIFA (Zona Livre de 
Intervenção da Força Aérea). Ficava no regulado de Mansomine, entre Mansabá e Bafatá. A foto, histórica, é do organizador desta viagem, do Porto a Bissau, em abril de 2006, o Xico Allen [ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada, 1972/74]. Levou o jipe, que lá ficaria para futuras viagens. O grupo regressaria depois de avião. Acompanhou, em 22 de abril de 2006, o A. Marques Lopes neste regresso, emocionante, à mítica Sinchã Jobel. (*)

Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Bafatá > Sare Banda > 2001 > Restos do antigo destacamento de Sare Banda > 22 de abril de 2006, "a caminho de Sinchã Jobel"


Fotos (e legenda): © A, Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um ataque a Sare Banda, em 8 de setembro de 1968

por A. Marques Lopes


(i) amigo e camarada, um histórico da nossa Tabanca Grande, com 240 referências no blogue;

(ii) lisboeta, filho de pais alentejanos, que vive em Matosinhos;

(iii) cor art DFA, na reforma, ex-alf mil art, CART 1690, Geba, e CCAÇ 3, Barro (1967/68)];

(iv) ferido em combate e evacuado para o Hospital Militar Principal, na Estrela, onde esteve em tratamento durante nove meses, voltando depois ao TO da Guiné para completar a sua comissão de serviço; 

(v) em abril de 2006, (re)visitou Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen; 




Sare Banda estava perto de Sinchã Jobel, e é natural que fosse atacada. O alferes morto foi o Carlos Alberto Trindade Peixoto, o meu segundo substituto [, o "Aznavour", por ser parecido com o Charles Aznavour, sendo natural de Moçamedes, Angola]. O outro morto foi o fur mil Raul Canadas Ferreira [, natural da metrópole]. Mas as circunstâncias da morte deles não estão devidamente relatadas. (**)


Foi assim: este, como todos os destacamentos da CART 1690, não tinham luz eléctrica, nem mesmo um miserável gerador. Eles estavam os dois numa tenda a jogar às cartas, com um petromax aceso. Para os guerrilheiros foi muito simples, foi só apontar o RPG. 

As fotografias de Sare Banda que mando tirei-as em Abril 2006, quando a caminho de Sinchã Jobel, passando por Geba, Sare Ganá e Sinchã Sutu.

8 de setembro de 1968 : desenrolar da ação

(i) Acção inicial do IN

Em 8 de setembro de 1968, às 20h21, um numeroso grupo IN, estimado em cerca de 100 elementos instalados em semi-círculo nas direcções NE-SW e SE-NW, atacou o destacamento de Sare Banda com o seguinte armamento:

- Canhão s/recuo- Morteiro 82
- Lança granadas RPG-2
- Lança granadas P-27 "Pancerovka"
- Metralhadoras pesadas
- Metralhadoras ligeiras
- Armas automáticas
- Armas semi-automáticas



O ataque foi iniciado com um tiro ao canhão S/R e dois Lança Granadas Foguete, dirigidos contra a cantina e depósitos de géneros que atingiram mortalmente o Alferes, Comandante do Destacamento e um furriel e provocaram ferimentos numa praça. 

Estes tiros iniciais do IN atingiram e destruíram ainda o mastro da antena horizontal do rádio, ficando assim o destacamento de comunicações cortadas com toda a rede de Geba. 

No seguimento da acção do IN atingiu com uma granada incendiária uma barraca coberta por 2 panos de lona de viaturas pesadas, onde costumavam dormir vários elementos das NT por não caberem todos nos abrigos, o que provocou a destruição de todo o material lá existente e iluminação das posições das NT.


(ii) Reação das NT


a) Das forças do destacamento



Após a surpresa inicial, os elementos que se encontravam fora dos abrigos correram para os mesmos e reagiram imediatamente ao ataque IN. Não obstante terem ficado sem o seu Comandante e sem comunicações logo aos tiros iniciais, nunca perderam a calma e o moral, opondo tenaz resistência aos intentos do IN. 

Refira-se que, logo no início da reacção, as NT atingiram com tiros de morteiro a guarnição IN do canhão s/r,  calando-o definitivamente, e em determinada altura do ataque repeliram energicamente uma tentativa de penetração de elementos IN ao destacamento, que para o efeito haviam conseguido chegar junto da rede do arame farpado. 

Essa reacção, feita só à base de tiros de espingarda G-3 e granadas de mão em virtude de se ter avariado o Lança Granadas Foguete (bazuca, 8.9), foi verdadeiramente eficaz e decisiva para o desenrolar dos acontecimentos, pois o IN foi obrigado a recuar deixando no terreno 3 mortos, além de armamento e arrastado consigo outros elementos feridos e mortos.

O IN sempre perseguido pelo fogo das NT recuou cerca de 200 metros, instalando-se entre Sare Banda e Sinchã Sutu, donde continuou a flagelar o destacamento até cerca das 22h30 (1 hora e 30 minutos depois do início do ataque), altura em que desistiu dos seus intentos retirando definitivamente.

b)Das forças de Geba (CART 1690)

Em virtude das péssimas condições atmosféricas não foram ouvidos em Geba os rebentamentos de forma a poderem ter sido localizados. Refira-se ainda que o facto do destacamento de Sare Banda ter ficado sem comunicações logo de início do ataque, só permitiu que em Geba se tivesse conhecimento do sucedido cerca das 09h02, do dia seguinte,  de 9 de setembro de 1968, e através de 2 praças do destacamento que haviam vindo a pé voluntariamente comunicar a ocorrência.


Prontamente saiu de Geba uma coluna de socorro que, ao atingir Sare Banda às 017h45, fez um reconhecimento nos arredores seguido de batida de madrugada, mas já não conseguindo contactar com o IN, que havia retirado na direcção de Darsalame e se dirigindo para Sinchã Jobel. 

(iii) Resultados obtidos:

Baixas sofridas pelo IN: 8 mortos confirmados. Muitos feridos sendo possível que hajam mais mortos devido aos rastos de sangue encontrados no carreiro de retirada do IN.


Material capturado ao IN:


- 1 Espingarda semi-automática SIMONOV cal. 7,62 mm
- 1 Espingarda automática G-3 / 7,62 mm
- 1 Granadas de canhão s/r
- 2 Granadas de lança-granadas foguete
- 1 Granadas de morteiro 82 mm
- 2 Granadas de mão ofensivas RG-4
- 8 Carregadores de Met. Lig.
- 2 Fitas de Met. Lig.
- 2 Facas de mato
- 2 Bolsas p/transporte de munições
- 2 Cantis
- Diversas Munições de armas aut.

Além de uma bolsa de medicamentos, com o seguinte material:

- 3 Streptomycin. Sulphite-ampolas de 5.000.000 (Frascos)
- 1 Éter (frasco)
- 1 Mercúrio cromo (frasco)
- 1 Bálsamo (frascos)
- 10 Injecções (desconhecidas em ampolas)
- 178 Aspirinas comprimidos (carteiras)
- 96 Madexposte em comprimidos
- 6 Chinim Sulfur (comp. emb. de 5)
- 5 Codemel (carteiras de 10 Comprimidos)
- 1 Adesivo (rolo)
- 1 Algodão cardado (maço)
- 1 Garrote
- 20 Ligaduras de gaze de 10 cm x 5cm
- 1 Seringa de plástico c/agulha


A. Marques Lopes
Alf Mil da CART 1690 


[Revisão / fixação de texto: LG](***)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


5 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15202: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte V): a partir da Op Invisível, de 18-19/12/1967, passa a ser uma ZLIFA (Zona LIvre de Intervenção da Força Aérea)... O alf mil Fernando da Costa Fernandes, de Santo Tirso, é morto, não sendo possível resgatar o seu corpo, e o soldado Manuel Fragata Francisco, de Alpiarça, é gravemente ferido, aprisionado e levado para Ziguinchor onde é tratado pelo dr. Mário Pádua e mais tarde, em 15/3/1968, entregue à Cruz Vermelha Internacional



(***) Último poste da série > 13 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19887: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (8): O soldado Machado, de etnia cigana: 'Ó Barrelas, pagas-me uma bejeca ?!'... Uma "estória" bem humorada do Mário Pinto (1945.2019)


segunda-feira, 17 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19898: Notas de leitura (1187): “Deixem a Guerra em Paz: Guerra Colonial – Guiné”, Edições Partenon, 2019 - Sempre na caçoada, zombeteiro quanto baste, subtil apurado: Alberto Branquinho



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Junho de 2019:

Queridos amigos,

As picardias do nosso confrade Alberto Branquinho são como o brandy Constantino, já vêm de longe, ele pertence a essa rara linhagem de quem tece com humor, troçando dos escriturários e suas bravatas. Temos aqui uma novela que mete respeito, este major de operações vai passar à história e nunca saberemos, e talvez também não tenha importância nenhuma, o que por ali se passou tem algo de autobiográfico.

O que enriquece esta prosódia é a falta de referência quanto a lugares, nomes reais de sítios, rios, dia, mês, ano. É também deste modo que se lê de forma universal as facécias, os absurdos e os permanentes impasses que atravessam a trama daquela guerra ou daquelas guerras, como Alberto Branquinho gosta de sublinhar, para nosso proveito.

Um abraço do
Mário


Sempre na caçoada, zombeteiro quanto baste, subtil apurado: Alberto Branquinho

Beja Santos

O nosso confrade Alberto Branquinho pertence à linhagem daqueles que trabalham no tear com ponto cáustico, fio mordaz e alguma mofa esvoaçante. De parágrafo económico, cortante, sente-se à légua o seu azedume com os operacionais de escritório, oficiais, sargentos e praças. E não fala da guerra, é tudo no plural, as múltiplas e variegadas guerras, como ele observa: “A guerra, ela mesma, é composta de muitas outras guerras, que também causam baixas: É a guerra entre as hierarquias, a guerra com as hierarquias, a guerra de militares com aspirações políticas, a guerra entre os que planeiam as guerras e os que têm que as fazer, a guerra entre os que fazem a guerra e os serviços de apoio ou de retaguarda, etc.”.

Acaba de publicar “Deixem a Guerra em Paz: Guerra Colonial – Guiné”, Edições Partenon, 2019.

São guerras universais, a topografia é irrelevante, o que parece funcional, lógico, extraído do melhor pragmatismo acaba no teatro do absurdo. Logo no planeamento operacional, o diálogo entre o oficial de operações e o capitão, o que parece claro deixa de o ser, afinal o homem da PIDE mente ou esconde, o funcionário colonial resguarda-se para o futuro, afinal é cabo-verdiano e o racismo na guerra da Guiné também conta.

Enquanto os homens do PAIGC fazem a cambança é hora de saída lá no batalhão, aquela operação terá de dois a três dias, testam-se as transmissões e logo um pouco mais adiante começam os pequeninos entraves, passa por ali um javali, é um restolho que provoca frémitos, surge o lodo e a malta enterra-se até aos joelhos, o guia anda às apalpadelas, fora aprisionado, parece que vai bem amarrado, nisto ouvem-se uns estoiros, mas são bem ao longe. Primeira cena do primeiro ato, ou coisa parecida. Na segunda cena, o oficial de operações anda para ali inconclusivo mas ansioso, precisa de um sucesso retumbante, um ronco, no posto de informações não lhe dão notícias, no mato ninguém se entende com a escuridão, o melhor é que comece a clarear, continua-se a patinhar na lama, o pessoal vai ensonado, faz-se um alto, quem guarda o prisioneiro pede a um camarada que fique em vigilância, o silêncio da noite interrompe-se com rajadas e disparos de RPG vindos da mata à esquerda, um fogo que vai durar vinte minutos. É nisto que se descobre que o prisioneiro deu às de vila Diogo, o capitão está descorçoado, perdeu-se o efeito-surpresa. Nova cena, o solilóquio do alferes Félix, interrompido por morteiradas, anda tudo num arrebol. O capitão toma decisões, não se pode continuar a operação, vai-se bater a zona, regressa-se ao quartel, fim do primeiro ato.

Novo ato, abre em esplendor, um ataque ao quartel, Alberto Branquinho dá-nos aqui uns parágrafos para antologia:

“O furriel Matos, da secretaria do Batalhão, foi apanhado pelo ataque no exterior do quartel, trajando farda de passeio. Como que indiferente à tanta confusão, vinha caminhando lentamente pela rua da povoação, frontal à porta de armas, entre terror e espanto. Não conseguia correr.
- Apocalipse! – murmurava.
Parou. Sentou-se na soleira da porta fechada de um dos poucos comerciantes que permaneciam na localidade e que ele costumava visitar aos Domingos.
- Minha mãe! Mãe…
Ao ouvir o silvo de uma granada que lhe passava sobre a cabeça, levantou-se. A granada rebentou na bolanha, a pouco mais que uma centena de metros à sua frente, seguida de um clarão que iluminou a noite.
- Ai, minha mãe!
Voltou a sentar-se até que os rebentamentos pareciam ter cessado, embora os obuses do quartel ainda fizessem fogo espaçadamente.
Levantou-se. Lentamente caminhou pelo meio da rua em direção à porta de armas. Ao chegar à porta, o cabo viu-o com a impecável farda de passeio, reconheceu-o entre o pó e o fumo e, em espanto, abriu-lhe a porta.
- Ó meu furriel, o que é que você anda a fazer aí fora?
- Estava a ver…
- Ó meu furriel, entre depressa. Já há dois mortos e uma porrada de feridos. O Posto de Socorros está cheio. Uma granada rebentou com uma caserna.
Já dentro e em fúria, o furriel Matos arrancou a arma das mãos do cabo, apontou, pela porta entreaberta, para o exterior, carregou no gatilho e despejou, de rajada, o carregador. Depois largou a arma no chão e desatou a correr. Só parou junto à cama. Deitou-se e colocou a almofada em cima da cabeça”.

A vida no Batalhão tem peripécias e facécias, todos notam que a relação entre o capitão e o major de operações desferiu, correm murmúrios, trocam-se conversas entre alferes, parece que o comandante de companhia vai partir, terá sido transferido, tudo por se ter recusado a punir ou a propor punição a quem deixou fugir o prisioneiro. E de facto o capitão entrega o comando da companhia ao alferes mais antigo. Muita coisa se irá passar na ausência do capitão. O major de operações informa que se vai voltar à carga, a operação vai ser repetida, escolhe o itinerário, tem informações sobre o local exato do objetivo. E informa o alferes que vai acompanhá-los, levam uma equipa de sapadores. E a tropa fica estarrecida quando o major dos papéis se põe à frente da coluna. Lá chegam junto ao objetivo, quem ali vivia fugiu espavorido, o major mandou deitar fogo às palhotas, o regresso é acompanhado de problemas, rebentamentos próximos, logo um furriel com um pé esfacelado, tempos depois chegou um helicóptero que levou o ferido e desapareceu através das árvores. O major vai derreado, mal entrou no quartel foi tratado no Posto de Socorros.

Já tratado, informou o comandante:

“Foi muito útil esta operação porque cheguei à conclusão que o IN está a passar informações no sentido de encaminhar a nossa atenção e a nossa atividade operacional para zonas que já abandonou”.

Tudo isto aparece escrito de forma séria, a galhofa fica para quem experimentou operações frustradas e comentários ignorantes como este. Muda a cena, regressa o capitão, a companhia arruma a trouxa e parte numa LDG para novo aquartelamento, entremeiam-se solilóquios, estamos agora num quartel que aparentemente tem acalmia, vão começar os males da paz podre até que a companhia regressa a Bissau, daqui se parte para uma missão de apoio à construção de um novo aquartelamento.

Segue-se o humor negro de diferentes quadros de regresso, o destino de cada um, é a última cena do último ato, lá no navio que os transportava de regresso a Lisboa os alferes disparavam frases, interrompiam-se, não é nada como tu dizes, o que se passou foi o seguinte, não, não foi assim, um alferes médico não gostou daquela gritaria com fuzis verbais, pediu-lhes para deixarem a guerra em paz, o alferes Félix respondeu-lhe que não era capaz, não fizeram uma “guerra santa”…

Cai o pano, soube a pouco, exige-se que o Alberto Branquinho volte em breve, depois das brejeirices desta novela.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19890: Notas de leitura (1186): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19897: Parabéns a você (1639): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BART 3872 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19888: Parabéns a você (1638): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

domingo, 16 de junho de 2019

Guiné 61/74 – P19896: Estórias avulsas (96): Numa tarde e noite de copos onde tudo acabou à “molhada”. Uma cena que fez tremer o meu amigo Otílio. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Numa tarde e noite de copos onde tudo acabou à “molhada”
Uma cena que fez tremer o meu amigo Otílio

Comecemos pelo princípio de uma história a que tive oportunidade em assistir. Recém chegado à Guiné, envergando o rótulo de “piriquito”, eis a malta a caminho do centro nefrálgico da cidade de Bissau. Na altura, creio, que o meu companheiro de aventura era o camarada ranger Ramos, um rapaz de Cabo Verde e cuja façanha por ele protagonizada um dia aqui já comentei. 

Relembro, só num curto atalho de foice, que o Ramos, um dos meus camaradas nas instalações do QG, o Biafra como era apelidado pela malta, foi um rapaz que a certa altura rumou para o PAIGC e que após a Revolução dos Cravos, 25 de Abril de 1974, regressou a Bissau e logicamente ao seu torrão sagrado. 

Passeávamos pela “baixa” de Bissau, neste caso nas proximidades do imenso Oceano, sendo que ali por perto se localizava o cais de Pindjiguiti, local onde se concentravam alguns dos muitos cafés e cervejarias, quando a dada altura nos deparámos com uma enorme algazarra.

Um soldado comando que estava sentado numa das mesas dessas esplanadas, travou-se de razões com o empregado, um rapaz de cor, e a zanga resvalou para o torto, tendo o fim da cena terminado com cadeiras e mesas pelo ar e de vidros partidos, de entre o emaranhado pugilato por nós observado.

Nós, com as divisas ainda luzidias, assistimos impávidos e seremos ao acontecimento que meteu a PM, a ida do soldado comando, já cacimbado devido ao tempo de guerra e de tanta porrada travada nos matagais da Guiné, para o posto policial militar num dos jipes da força da ordem, onde terá sido depois interrogado e mandado embora, penso eu. 

Sei que a cena ficou-me na memória e que no final da minha comissão, reduzida face ao histórico acontecimento de Abril, me vi envolvido numa situação parecida como aquela que tinha visualizado aquando da minha chegada à Guiné.

Numa tarde e noite de copos predispus-me a visitar o meu grande amigo Otílio Costa Guerreiro, meu companheiro dos bancos da Escola Industrial e Comercial de Beja, um rapaz que estava sediado em Bissau como elemento da Marinha Portuguesa e desafiei-o para uma visita à casa das ostras.

Claro que o Otílio, meu camarada da boémia nas noites de Beja, não se fez rogado e caminhámos rumo ao objetivo previamente traçado. Começámos nas ostras, seguiram-se outras viagens de estroinice e terminámos já noite dentro numa marisqueira a saborear o famoso camarão tigre grelhado.

Escusado será dizer que a embriaguez resvalou para uma ocorrência de pancadaria que fez tremer o meu camarada Otílio. Sei que o empregado, rapaz de cor, ter-me-á mandado uma “boca” que não suou bem aos meus tímpanos e a partir dali deu-se um grande desaguisado. 

Lembro-me que em princípio a discussão fora apenas entre os dois, só que o evoluir da agudizada conversa resvalou para o ajuntamento de mais dois ou três amigos do meu rival, sendo que as minhas forças físicas e mentais se tornaram então ferozes perante a quantidade de álcool já ingerido.

Não me importou o número de sujeitos com os quais lutei, sei que saquei do cinturão, enfrentei com audácia os “adversários”, descarreguei umas fortes cinturadas nas costas dos “inimigos”, os rapazes perante a minha agilidade não desarmaram e deram-me de facto luta à séria.

O meu amigo Otílio entrou em pânico, não estava à espera do sucedido e nem tão-pouco conhecia os meandros da “postura” guerrilheira, quer ela fosse no mato, quer ela mourejasse na cidade e só me pedia para ter calma. Eu, qual desenfreado leão à solta, não parava o combate e nem me acomodei diante daqueles rapazolas que me terão tirado do sério.

Recordo ouvir pequenas provocações durante a ocorrência, sendo uma delas do tipo: “o gajo é maluco e é ranger, olhem a placa no ombro que diz operações especiais!”. Tudo dito num português atabalhoado. Fixei a finalidade do palavreado. 

Mas não estava em causa a especialidade, fosse ela qual fosse, todas me mereceram respeito, em causa esteve a forma agreste como fora tratado como cliente a que acresce o efeito da bebida já ingerida e que era já muita.

Tudo porém acalmou e no final pagámos a despesa, os rapazes desobstruíram a nossa saída, aliás, decidiram rumar, quiçá envergonhadamente, aos seus poisos, ficando nos registos que nessa luta deveras titânica não houve vencidos nem vencedores, mas sim um jovem militar que sozinho conseguiu dominar uma situação que bem poderia ter resvalado para males bem piores. 

Ainda hoje Otílio comenta, amiúde, esse acontecimento onde diz “que dentro daquela marisqueira poder-nos-iam ter matado”. Eu, conscientemente, respondo: “Matado? Não! Lembra-te “quem tem cu tem medo” e naquela situação prevaleceu o meu ar cacimbado e o arrojo como enfrentei o inimigo a exemplo, aliás, como a ocorrência observada no início da minha estadia na Guiné.

A cena que relato numa tarde e noite de copos onde tudo acabou à “molhada”, passou-se quando já aguardava transporte que me enviasse de regresso a Lisboa.

Para trás ficaram imensas histórias que são hoje meras lembranças “encaixotadas” numa prateleira já impregnada de corucho, mas que reúne um rol de acontecimentos numa Guiné onde me foi ofertada a possibilidade de conhecer a guerra e a paz.

Num profícuo apronto final sobre o moral de uma história, história esta incentivada com um post de Luís Graça no nosso blogue acerca de uma cena onde a pancada imperou, remeto-vos camaradas para os paradigmas de uma guerra que trouxe dissabores de diversa ordem.


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: