sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20545: Notas de leitura (1254): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (40) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Era inaceitável não se fazer uma referência, ligeira que fosse, a quem escreveu poesia durante e depois da comissão. É a dimensão literária mais pobre que temos, mas há um ponto intrigante, a meu ver muito pouco explorado no blogue: a poesia popular. Reconheço que não se pode inventariar estes livrinhos que circulam nalgumas reuniões anuais, atribui-se pouca importância para a explicação histórica, é muito pessoal mas, reconheça-se, de grande pendor afetivo, deixo à vossa consideração a hipótese de se procurar tentar fazer um levantamento, não tenho nenhuma receita.
Para se olhar ao espelho com o bardo do BCAV 490 só me ocorre, pela máquina poética, Álamo Oliveira, o poema escolhido parece-me gracioso, um açoriano carregado de saudades da Guiné.
Que eu saiba, Álamo Oliveira não regressou ao tema.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (40)

Beja Santos

“Foi ferido um Furriel
ao pé da enfermaria.
A 489 com coragem
novamente se distinguia.

Como é de calcular,
ainda existe grande bando
e a 18 de Abril o Comando
eles vieram atacar.
Granadas começaram a jogar,
caindo muitas fora do quartel.
O nosso amigo Joel
grande susto apanhou
porque quando uma rebentou
foi ferido um Furriel.

Tudo se levantou
quando na caserna uma caiu
a mala do barbeiro se partiu,
mas ninguém se magoou.
Para as viaturas tudo abalou
onde perigo não havia.
Mas neste momento se ouvia
o Furriel Mortágua aos gemidos,
foi ferido pelos bandidos
ao pé da enfermaria.

Na 487 rebentaram
umas minas há tempos atrasados.
Ficaram alguns colegas atordoados,
mas todos recuperaram.
O Pardal foi dos que ficaram
estendidos na folhagem.
Contra o grupo selvagem
luta-se sem pena nem dó
por isso entrou em Sulucó
a 489 com coragem.

Avançando uns carreiros,
ao local preciso chegaram,
o acampamento cercaram,
desorientando os bandoleiros.
Cá de trás com os morteiros
muito fogo se fazia,
neste momento a Companhia
arrancou com os seus pelotões
e apanhando armas e munições
novamente se distinguia.”

********************

Enquanto decorrem estas refregas, cuide-se de saber se há livros de poesia dedicados à Guiné, ou com afinidades. Armor Pires Mota chegou a ser galardoado com o prémio Camilo Pessanha pelo seu livro "Baga-Baga". Há, em pequenas edições, outras obras de poesia popular. Um dia recebi de um antigo soldado, António Veríssimo, da CCAÇ 2402, um livro de perfeita rima métrica, detive-me num poema muito singelo, afetuoso, senti-o quase como padrão da poesia popular de toda a guerra da Guiné, veja-se esta “Carta P’rá Família”:

“Boa saúde a todos desejo
E que a vida vos corra bem
Eu não sei se mais vos vejo
Ou se pereço aqui, na terra de ninguém

Estou ótimo graças a Deus
Vou vivendo no meio da guerra
Esperando voltar para os meus
Para a paz da minha terra

Corre carta, corre carta
Sai daqui, vai embora
Leva a meus pais esta farta Saudade que eu sinto agora

Voa carta, carta voa
Segue sempre em frente
E quando chegares a Lisboa
Vai ter com a minha gente

Segue carta o teu caminho
Leva beijinhos e saudades também
Diz lá no meu cantinho
Que aqui mal! Eu estou bem”

********************

Álamo Oliveira
Como é óbvio, não há condições mínimas para se proceder a um inventário desta poesia popular, encontrámo-la casualmente, tal como eu tive a dita de encontrar em casa de alfarrábios esta obra do bardo do BCAV 490.
Mas há outros atrevimentos poéticos, um deles merece citação pelo que é e de quem é. “Triste vida leva a garça”, por Álamo Oliveira, Ulmeiro, 1984, precede uma obra já aqui referenciada, Até Hoje (Memória de Cão), também da Ulmeiro, 1986. Álamo Oliveira andou por Binta, honremos o bardo falando da poesia de Álamo Oliveira, aqui ficam extratos do seu poema “cantigas de ter ido à guerra não p’ra matar ou morrer – pico, soldado – mais nada”, com ressaibos açorianos, não se pode desmentir o sangue:

“Guiné, meu campo de guerra,
Gindungo com que tempero
A alcatra da minha terra…
Vinho de palma não quero.

Antes ‘cheiro’ que me aguarda
Com confeitos e alfenim.
Não fui herói de espingarda,
Não fui cobra de capim.

Noites longas, sem mulher;
Noites de cio em segredo.
- Seja soldado quem quer,
Toda a farda mete medo.
(…)
Foi mau. Foi duro. Foi reles.
(Hoje é só bruma passada).
Ó terra de curtir peles,
Mochila cheia de nada.

De resto, quem não recorda
O pavor que nos lançou
O Mastigas numa corda
No dia em que se enforcou?

Fui soldado. Simplesmente.
Soldado de corpo nu.
Amei África e sua gente…
Muito sumo de caju.

Por isso, canto, em quadra
A saudade que engatilha
A arma que me desarma:
- África-mim/minha ilha!

Dos companheiros de armas,
Guardo o rosto e afeição.
Soldados com espingardas
Murchas e presas à mão

Para puxar o gatilho
No momento de matar.
Antes, sachavam o milho,
Agora, são de odiar.

Hoje, à distância de anos,
Meia légua do caixão,
Coso, de memória, os panos:
- Meus companheiros quem são?
(…)
Que eu quis de África o chão,
O lugar e a madrugada;
Amei o seu povo sem pão…
Eu fui soldado – mais nada.

Ansumane, meu amigo,
Ainda estás na mesquita?
Sonho, às vezes, contigo,
Teu olhar mago me fita.

De toga, África te veja,
Verde-oiro bordado à mão,
Curvado – Alá te proteja! –,
Nas rezas do Alcorão.

Num só Deus me comprometo,
De um só Deus te não arranco.
O teu é negro de preto,
O meu é alvo de branco.
(…)
Terras de Binta, Mansoa,
Safim, Bissau, Jumbembem,
E outros nomes que, em boa
Verdade, não me lembro bem.

Lá no fundo da picada,
Vejo avançar para mim,
Negra balanta gingada
Com um molhe de capim.

Carrega o filho às costas,
Seios caídos de fora,
Mãe-negra, em quem apostas
O teu futuro agora?

Que eu vi cacheus e gebas
Caminharem com a maré,
Mas, por mais rios que bebas,
Não terás teu candomblé.
(…)
Mãe-negra – África-mim,
Meu postal desilustrado,
Tempo de angústia e capim
Ao meu ombro pendurado.

Que bem faço por esquecer
Armas, mosquitos, viagem.
África ferrou-me o ser,
Trouxe-a feita tatuagem.

Se da guerra me livrei,
Do seu povo é que não.
Na farda, não me piquei,
Mas trouxe, na minha mão

Ritos de fanado e morte,
Rios mansos que o sol coa,
Luar branco, trovão-forte,
Negro vogando em canoa.
(…)
Guiné! Guiné! Voz de gente!
Doce de coco e baunilha!
Bem te sinto, no meu ventre,
A pulsar no som da ilha,

Que é de mar, enxofre e lava
Hortênsias e solidão.
Guiné, minha irmã-escrava,
Mango caído no chão.”

Por aqui fiquemos, não posso escusar dizer que esta desgarrada com marca de água açoriana me impressiona profundamente, é toada nova de poesia de sabor luso-guineense, um espinho de saudade, ele é porta-estandarte dessa Guiné que ficou para muitos como uma irmã-escrava lá nas terras do poeta feitas de enxofre e lava.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 3 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 – P20544: Agenda cultural (720): Lançamento do livro "Da Senhora e Da Franqueira: Memórias das nossas Origens", de Manuel Luís Lomba, a levar a efeito, amanhã, dia 11 de Janeiro de 2020, pelas 16,00 horas, no Auditório da Biblioteca Municipal de Barcelos, apresentação pelo professor aposentado, Dr. José Gomes Campinho

C O N V I T E

Lançamento do livro "Da Senhora e Da Franqueira: Memórias das nossas Origens", de Manuel Luís Lomba e prefácio de Cláudio Brochado, Mestre de Arqueologia, a levar a efeito, amanhã, dia 11 de Janeiro de 2020, pelas 16,00 horas, no Auditório da Biblioteca Municipal de Barcelos, apresentação pelo professor aposentado, Dr. José Gomes Campinho.



Monte da Franqueira
Com a devida vénia a Franqueira - Pereira - Barcelos


Capa do livro "Da Senhora e Da Franqueira"

Contra-capa

Sobre o livro:
Edição de autor
Título: Da Senhora e Da Franqueira, Memórias das nossas Origens
Autor: Manuel Luís Lomba 
© Manuel Luís Lomba
Rua da Igreja, 44
4755-204 - Faria
manuelluislomba@gmail.com

Paginação e capa: Daniela Fernandes
Imagem da capa: Igreja de N. S. da Franqueira/Ruínas do Castelo de Faria
N.º de páginas: 475
Impressão: Papelmunde
1.ª edição: Dezembro de 2019
Depósito legal: 464886/19
ISBN:978-989-0194-4

Sobre o autor:
Manuel Luís Lomba nasceu em Faria (Concelho de Barcelos), em 1 de Maio de 1942.
Foi funcionário da construtora Soares da Costa onde alcançou o cargo de Director.
É autor dos dois volumes de Faria: "Terra-mãe da Nacionalidade". 
Promoveu o renascimento e é Presidente da Direcção do Grupo de Alcaides de Faria.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 – P20455: Agenda cultural (719): Fotos da sessão de lançamento do livro do José Saúde, “Um Ranger na Guerra Colonial: Guiné-Bissau 1973/74: Memórias de Gabu”, Beja, 10 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20543: O nosso blogue em números (65): Quem nos visita vem sobretudo de Portugal (41%) mas também dos EUA (24%) e do Brasil (6%), usa o Chrome (38%) como navegador, e o Windows (77%) como sistema operativo...



Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)




Gráfico nº 11 - Principais localizações dos nossos visitantes (leia-se: visualizações de páginas, entre maio de 2010 e o final de 2019): o destaque vai para Portugal (com  mais de 4 milhões) e os EUA (com c. 2,4 milhões), seguindo-se o Brasil (0, 558 milhões) a França (0, 5 milhões) e a Alemanha (0, 5 milhões.

Fonte: Adapt. de Blogger (2020) (com a devida vénia)





1. É caso para dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande"... 

A principal origem dos que visitam o nosso blogue, quase dois terços, é Portugal (41%) e os EUA (24%) Gráfico nº 8)

Segue-se, à distância, o Brasil (6%), a França (5%) e a Alemanha (5%). 

No mundo globalizado, somos vistos em todo o lado: seguem-se por decrescente (com menos de 1%): Polónia, Espanha, Ucrância, China, Canadá, Itália, Região Desconhecida, Itália, Paises Baixos, Emiratos Árabes Unidos, México, Turquia, Vietname, e Outros (com 12%). 

Nesta lista dos Top 20, não aparece infelizmente mais nenhum membro da CPLP, e nomeadamente a Guiné-Bissau e Cabo-Verde, onde temos gente da Tabanca Grande.

Este perfil não se tem alterado desde 2014, ano em que o Brasil perdeu o 2º segundo lugar para os EUA.(*)




Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


2. Os principais navegadores usados pelos nossos leitores, os que visitam o nosso blogue,  desde maio de 2010,  são o Chrome, o Firefox, o  MSIE (Microsoft Internet Explorer) e  SafaSri (Gráfico nº 9).

Relativamente aos dados de 2017, o Chrome subiu 6 pontos percentuais, enquanto o Firefox desceu 3 e o Internet Explorer (agora MSIE) desceu outros 3 (**).


3. O Windows, por sua vez, continua, destacado (77%), à frente dos demais sistemas operativos (Gráfico nº 10)... 

No entanto, desceu 3 pontos percentuais em relação a 2017,  tal como o Macintosh (menos 2)... O Android (com 5), o iPad (com 2I) e o iPhone (com 1), ou sejam. os sistemas operacionais móveis,  ganham agora mais visibilidade.




Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


Seria interessante que os nossos leitores pudessem comentar estes números... Ficamos à espera (***).


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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 14 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18210: O nosso blogue em números (50): visualizações de página por navegador e por sistema operativo... 602 seguidores do blogue; 2630 amigos do Facebook... Comentário do nosso colaborador permanente Hélder Sousa


(***) Último poste da série > 7 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20536: O nosso blogue em números (64): em 2019, tivemos 5819 comentários, uma média de 4,9 comentários por poste... Voto para 2020: manter a média anual dos útimos 15 anos, que é de 4 comentários por poste!

Guiné 61/74 - P20542: Parabéns a você (1739): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil Inf da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20540: Parabéns a você (1738): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20541: Questões politicamente (in)correctas (48): Op Cabeça Rapada I, II, III e IV, no setor L1 (Bambadinca), março-maio de 1969: mobilizados milhares de civis, recrutados pela administração do concelho de Bafatá... Não sabemos se foram "voluntários" e "devidamente remunerados"... (Luís Graça / Torcato Mendonça / Albano Gomes / Carlos Marques Santos)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada (1)

Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada (2)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada (3)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 100 a 200 metros.

Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > Comando e CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Dada ordem, pela administração de Bafatá,  de mobilização de milhares de nativos para os trabalhos de desmatação das orlas da floresta na estrada Bambadinca-Xitole (e depois Bambadinca-Xime). Aqui na foto, forças da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 >  Estrada Bambadinca - Mansambo >  Op Cabeça Rapada: a espingarda, a enxada, a pá, a picareta, a maceta...



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 >  Estrada Bambadinca - Mansambo >  As catanas a funcionar


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 >  Estrada Bambadinca - Mansambo >  Aspecto do trabalho de desmatação.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CART 2339 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Montando a segurança às brigadas de trabalhadores.

Fotos do álbum do Carlos Marques Santos (1943-2019), ex-fur mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69)

Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos  (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Estrada Bambadinca . Mansambo - Xitole > Pel Rec Daimler 2046 (1968/70 > Fotos do álbum de Jaime Machado,  duas imagens que falam por si e que documentam a participação das velhinhas Daimlers na escolta de segurança a colunas logísticas bem como a colunas de transporte de tropas e civis, incluindo a participação na Op Cabeça Rapada.
  . 
Fotos (e legendas): © Jaime Machado  (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Operação Cabeça Rapada I, III e  III  (Estrada Bambadinca- Mansambo - Xitole, março-maio de 1969) e IV (Bambadinca - Xime, maio de 1969)



1. Comentou o nosso editor LG, no poste P20538 (*)

(...) Morreu muita gente [, na guerra da Guiné, entre 1961 e 1974,] e não vem nas estatísticas...da "guerra". Morreram muitos civis,  de um lado e do outro... Estes estivadores [, ao serviço da Intendência, mortos em de março de 1974, em Cufar], por exemplo: quem eram ? A Intendência devia ter, pelo menos, uma folha de pagamentos com os seus nomes...

E os "carregadores" do PAIGC, nas chamadas "regiões libertadas" ?... Era trabalho "revolucionário"..., tão "forçado" como o das populações que eram arrebanhadas, pelos régulos e pelos administradores, para "capinar" as bordas das estradas...e outros "trabalhos públicos".

Isto ainda acontecia no nosso tempo: 1969, no 1º ano do consulado de Spínola!... No Setor L1 (Bambadinca), houve um operação de capinagem, no 1º semestre de 1969, que envolveu... muitos milhares de civis! Op Cabeça Rapada, I, II, III e IV... E lembro-me de, em certas operações, levarmos civis para carregar jerricãs de água e granadas (de bazuca e de morteiro)... Por ex., na Op Tigre Vadio, março de 1970...

No caso da Operação Cabeça Rapada, os capinadores foram "recrutados" de entre as populações Fula, Mandinga e Balanta de Badora (e talvez do Corubal).

2. A propósito da Op Cabeça Rapada, escreveu o Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (**):

"Operação Cabeça Rapada: uma mente, com um QI superior, resolveu juntar talvez milhares de africanos e capinar, limpar toda a vegetação, de ambos os lados da estrada Bambadinca/Mansambo, nos locais onde o IN atacava com mais frequência. Talvez 20 a 50 metros de cada lado.

A madeira cortada ficou empilhada na zona final do corte. Resultado: fizeram abrigos para o IN e limpámos-lhe o campo de tiro.

Palavras para quê? Eram artistas portugueses.

Atenção junto a aquartelamentos e em determinadas zonas foi positivo."

3. Notas de TM / LG:

As foto e as legendas. acima reproduzidas, referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 26 de março de 1969, às 5  horas da manhã, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Foram trabsportados em camionetas dos comerciantes da região: os Rodrigo Rendeiro, de Bambadinca, os Regala, de Galomaro,  os Jamil Nasser, do Xitole... E traziam as suas próprias alfaias agrícolas... Nem a administração de Bafatá nemo BCAÇ 2852 tinham catanas para tanta gente...
 
Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), diz-se que a operação foi para montar segurança aos trabalhos de desmatação, de 200 metros para cada lado (!), do itinerário Bambadinca - Mansambo, compreendido entre Samba Juli e Mansambo.

Esta operação envolveu 3 destacamentos, num total de 14 Gr Comb (cerca de 400 homens em armas):

(i) Destacamento A: CCAÇ 2405, a 2 Gr Comb  + 2 Gr Comb da CCS/BCAÇ 2852, o Pel Caç Nat 53 e o Pel Caç Nat 63:

(ii) Destacamento B: CART 2339, a 3 Gr Comb +  CART 1746, a 2 Gr Comb  + 2314, a 2 Gr Comb

(iii) Destacamento C: Pel Mil 103, 104 e 145.

Em 8 de março (e até 18) tinha havido a Op Lança Afiada, envolvendo 1300 efetivos (entre tropa e carregadores civis)… Era necessário dizer ao PAIGC: "A população está connosco"…

Não houve contacto com o IN...

Em 9 de abril desenrolou.se a Op Cabeça Rapada II, com duração de dois dias. O objetivo era novamente montar segurança aos trabalhos de desmatação a cargo da administração do concelho de Bafatá.

O itinerário escolhido, desta vez,  foi Mansambo / Ponte dos Fulas. Envolveu "2150 nativos" (sic).

Em 30 de abril e até 2 de maio, teve lugar a Cabeça Rapada III: não está descrita na história do BCAÇ 2852:  o itinerário escolhido foi Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. 

A 3 de maio, com início às 3 da manhã, houve ainda  a Op Cabeça Rapada IV, com duração de 3 dias, para desmatar o intinerário Bambadinca - Xime.

Neste caso, foram envolvidos  cerca de 150 homens em armas, ou sejam, 2 Gr Comb / CART 1746  + 2 Gr Comb / CCAÇ 2405 + 1 Gr Comb / CART 2413 + Pel Rec Daimler 2046 (comandado pelo camarada Jaime Machado)..

Também não houve contacto. Não é referido o número de civis recrutados. Mas também terão sido da ordem das centenas ou milhares

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia, na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória…" (Torcato Mendonça)


4. Comentário do editor LG (***):

É um número impressionante de trabalhadores  de etnia fula e mandinga, mas também  balanta, naturais dos regulados de Badora (e talvez do Corubal). Desconheço se foram recrutados "voluntariamente" e "devidamente pagos"... É muito provável que tenham sido apenas pagos em "géneros": arroz... A tradição da administração colonial, antes do início da guerra, e teoricamente até pelo menos a 1961, era a do "trabalho forçado", puro e duro... (****)

Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus (sic). Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, beafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (Cap. II, pag. 1).

Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora. O apontamento do escriba castrense da BCAÇ 2852 é manifestamente exagerado: acho que o Tenente Mamadu era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocênctrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"...Convenhamos que é uma figura de estilo"... 

O administrador do concelho de Bafaté e o régulo de Badora eram, na altura, figuras poderosas, com capacidade para recrutar milhares de braços...

Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em...  1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)...Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...


5. Texto (excertos) do Carlos Marques dos Santos (ex-fru mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (*****),  receém falecido, no final do ano:

Prenúncio da abertura definitiva da estrada Bambadinca - Mansambo Xitole, intransitável desde novembro de 1968 a 4 de agosto de 1969 (Op Belo Dia).

[Recorde-se que desde novembro de 1968 o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2 km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole [não era ainda CART 2413, mas sim a CART 2339]. A coluna prosseguiu com apoio aéreo. Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A"... (LG)]

Haverá concerteza alguns dos tertulianos que estiveram envolvidos nesta série de operações... Então relembremos:

Nós, CART 2339, especialmente na segundo Operação [Op Cabeça Rapada II], vibrámos com o movimento. Espantoso: caldeirões de arroz (meio bidão de gasóleo, em fogueiras espalhadas pelo aquartelamento, movimento de viaturas e homens, um barulho ensurdecedor, homens deitados por tudo o que era sítio, em suma,  uma anarquia bem controlada).

Passemos à exposição dos factos:

Op Cabeça Rapada I: em 25 de março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada, inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo.

Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN.

Em 5 de abril inicia-se o aperfeiçoamento na desmatação do itinerário Bambadinca/ Mansambo, o mesmo acontecendo nos dias seguintes, 6, 7 e 8 de abril, sempre das 6.00h às 17.00h (nota jocosa: em horário de expediente).

Op Cabeça Rapada II

Em 9 de Abril, às 5.40h, inicia-se com a duração de 3 dias a Op Cabeça Rapada II, no itinerário Mansambo/ Ponte dos Fulas. (....)

Foi efectuada a picagem e estacionamentos laterais, para segurança, no sentido Mansambo / Ponte Fulas, antes e durante os trabalhos.

Foram detectadas 2 minas A/P e uma A/C, mas sem incidentes (...) O trabalhos envolveram 2150 trabalhadores nativos, que dormiram e comeram em Mansambo, tendo a segurança ficado montada de noite no itinerário.

Em 10 de abril de 1969 retomam a actividade, pela manhã, tendo os trabalhadores sido recolhidos em Mansambo ao final do dia, regressando ao seus destinos.

Às 18.00h, desse dia, os vários destacamentos militares regressam a Mansambo e aguardam a sua vez de regressar aos quartéis, sem incidentes, com muitos vestígios. (...)

No dia seguinte, a 3 de maio, a CART 2339 estava envolvida em nova operação, a Op Espada Grande, iniciada às 00.00h e terminada - para a CART 2339 - às 8.00h do dia 4 (Galo Corubal e Satecuta) (...).

Não havia tempo para descansar. As acções de segurança e combate iriam prosseguir. (...) 
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Notas do editor:



Vd. também poste de 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV

Guiné 61/74 - P20540: Parabéns a você (1738): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20537: Parabéns a você (1737): António Murta, ex-Alf Mil Inf MA do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20539: Historiografia da presença portuguesa em África (195): A Guiné vista pelo seu primeiro governador, Pedro Inácio de Gouveia (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,

Estes relatórios dos primeiros governadores da Guiné são peças documentais de valor incalculável.

No caso vertente, Pedro Inácio de Gouveia deixa-nos aqui o primeiro relatório, ele foi o primeiro governador, entre 1881 e 1884, a ele se deve um texto esplêndido referente à viagem que o então Alferes Francisco Marques Geraldes fez a Selho, para resgatar um conjunto de mulheres raptadas em S. Belchior, no Geba.

É um documento que revela a situação de uma colónia que continua sem projeto, é uma feitoria e um entreposto em decadência, alerta o Governo para a presença crescente dos franceses no Casamansa, a colónia tem tropa deficiente e entusiasma-se a falar das potencialidades agrícolas.

Peço a atenção do leitor para três imagens do chão Felupe, que é o tema de eleição da doutoranda Lúcia Bayan e que gentilmente as cedeu e as comentou, uma bela intervenção que apraz agradecer e até pedir mais.

Um abraço do
Mário


A Guiné vista pelo seu primeiro governador, Pedro Inácio de Gouveia

Beja Santos

Desafetada de Cabo Verde em 1879, o primeiro governador da Guiné tomou posse em 1881 e enviou ao Ministro da Marinha e do Ultramar o seu primeiro relatório em 1882. É um documento de muito interesse, o brioso oficial da Marinha percebe-se estar entusiasmado, não esconde a penúria que envolve a sua administração, sente-se no dever de entrar em detalhes para que Lisboa compreenda que aquela colónia não passa de uma feitoria, está completamente subaproveitada e cercada pelos apetites coloniais franceses, daí o seu esforço de sensibilização. É um tanto formal, por vezes eloquente, é explicativo, não quer deixar nenhuma verdade na penumbra.

Ele escreve assim:

“A História da Guiné Portuguesa desde a sua fundação como Feitoria, depois como Distrito, até à sua autonomia como Província, não se faz num limitado campo de um relatório. A história política do território da Senegâmbia Portuguesa há-de fazer-se um dia com os elementos arrecadados no Arquivo do Ministério e outros dispersos na sede do Governo da Província de Cabo Verde.

O Arquivo da Província é o mais deficiente possível; os elementos escasseiam por toda a parte, e tudo é pobre em subsídios para a História da Guiné, desde o primeiro estabelecimento na antiga Praça em Bissau até à ocupação em Bolama. A Província que tenho a honra de administrar, o território que compreende a Senegâmbia Portuguesa, não está definido, não está limitado. Segundo as opiniões mais conspícuas, situar-se-ia ao sul do rio Gâmbia, o limite boreal, e ao austral em Cabo Verga, entre os rios Casamansa e Nuno. A Guiné, pela sua autonomia, foi dividida em quatro concelhos, com sedes em Bolama, Buba, Bissau e Cacheu, divisão que não foi sancionada pelo Governo de Sua Majestade.

O actual Concelho de Buba era no passado denominado de Bolola. Os pontos fortificados, partindo de sul para norte são: Bissau, Geba, Cacheu, Zinguinchor e Farim. As leis repressivas contra o infame tráfico de escravos, dificultando a sua exportação e a carência quase completa de mercado importador, puseram termo a este vil comércio. Na impossibilidade de comerciar em escravos, dirigiram-se as atenções europeias para os vastos campos incultos, e puseram ombros à agricultura, que então só era embrionária, compensando aliás generosamente os capitais empregados (da leitura deste parágrafo, compreende-se que a consideração do autor é dirigida ao desenvolvimento em geral do Império Português em África).

Enquanto a Guiné não for verdadeiramente conhecida, despida de temores devidos ao seu passado, enquanto as informações colhidas na metrópole não colocarem esta Província no seu verdadeiro pé, há-de vegetar e não viver, apesar das suas muitíssimas riquezas. Mandei confeccionar o recenseamento geral da população, através de mil dificuldades pelos atritos que tive de vencer”.

O documento é detalhado sobre o estado geral das infraestruturas e equipamentos, em dado momento o governador pormenoriza o estado da administração militar:

“A força militar da Província compõe-se do Batalhão de Caçadores 1 da África Ocidental e de uma Bateria de Artilharia. Em geral, a soldadesca é bastante eivada de vícios; nos angolanos predominam o da embriaguez e o crime de furto, nos cabo-verdianos a insolência e o desrespeito; os europeus são, talvez, os melhores, ainda que tragam já consigo uma bagagem pouco brilhante de faltas disciplinares. O angolano na paz não presta, em fogo é suportável, portando-se até com bravura; o cabo-verdiano, salvo excepções, é tímido e fraqueja no combate, pensa demais na família e arreceia-se pela morte. 

"O Batalhão, que veio transferido em condições muito más, por falta de quartel apropriado, sendo os soldados obrigados a dormir sob as árvores e comandados por oficiais que não tinham as verdadeiras noções do seu dever, ressentiu-se por muito tempo da pouca disciplina de então”.

Mostra-se muito preocupado com a efetiva colonização e explica ao Ministro o que pretende fazer para haver pacificação com os povos da Guiné e disciplina nas suas tropas:

“Posso garantir a V. Ex.ª que não há nada preferível para captar a confiança destes povos incultos a dar-lhes uma lição severa. Compreendem a força e entendem também a generosidade.

No princípio da ocupação de Bolama, quando a Guiné ainda era distrito, os Bijagós quando vinham a Bolama consideravam-se em país conquistado, e o saque era geral quando não havia a prevenção de fechar os estabelecimentos a tempo. Mais tarde, já na minha administração, sucedeu o que já tinha sucedido; os Bijagós vinham fazer o seu tráfico humilde e sisudamente já ninguém os receava; a pilhagem existia pela inversa, eram os soldados que roubavam os Bijagós, a ponto de não quererem estes vir a Bolama comerciar porque os interesses eram para a soldadesca, pelo furto de grande número de artigos.

A Bateria de Artilharia foi destinada a guarnecer as fortalezas da Província. O princípio era justo se a Província tivesse fortalezas. Bolama não carece delas; Bissau possui uma meio derrocada, que tem para mim o defeito de ter sido útil, está hoje a população da vila de S. José de Bissau sofrendo, sem necessidade, as consequências de uma aglomeração de gente e daquele espaço inutilizado em que as condições higiénicas da localidade são das piores possíveis; Cacheu possui apenas uns fortins desmantelados; Geba, semelhantemente; e só Buba e Farim é que têm um sistema de fortificação passageira.

A disciplina quanto a oficiais parece-me que devia ser o mais rigorosa possível, evitando-se que chegassem a oficiais superiores, ou mesmo a capitães, oficiais que têm estado na inactividade temporária por castigo, ou hajam cometido faltas que os obriguem à prisão”.

E depois destas considerações pormenorizadíssimas, o governador discreteia sobre a economia, fala das produções da Guiné ao tempo, a saber: mancarra, amêndoas de palma, arroz em casca, couros e goma. Dá informação de que o comércio estava todo entregue às casas francesas de Marselha e às situadas na Bélgica, o centro das operações era no Senegal, na Guiné estas casas comerciais apenas conservavam sucursais e os capitais lucrativos não eram empregados em benefício e para a prosperidade do território guineense.

Na continuação do seu relatório fala da administração da justiça, da instrução pública, da administração eclesiástica, chega mesmo a referir o número de freguesias, nove, e dotadas com seis padres, cinco dos quais eram missionários oriundos do colégio de Cernache do Bonjardim.

Revela-se muito inquieto com a situação existente no Forreá e a necessidade de proteger os Fulas-Pretos.

Este é o primeiro documento de um governador da Guiné, a Biblioteca da Sociedade de Geografia conserva outros documentos destes primeiros governadores, voltaremos ao assunto.

Honra-nos com imagens da vida Felupe a doutoranda Lúcia Bayan, que gentilmente oferece três fotografias do seu acervo e tece os seus comentários:

O chão Felupe, apesar de pequeno, tem características muito distintas, visíveis na instalação das tabancas, tipo de casas e na produção agrícola. Devido a estas características, os Felupe consideram o seu chão dividido em três zonas:


a) zona de mato (kajamutai) com 11 tabancas: Sucujaque, Tenhate, Basseor, Caroai, Varela Medina, Varela Iale, Catão, Cassolol, Edjatem, Budjim e Suzana.

Tal como o nome indica, esta zona tem muitas árvores, especialmente palmeiras e cajueiros, sendo por isso zona de produção de vinho de palma e de caju. As moranças são espaçosas e as casas com grandes varandas abertas. Há estradas e caminhos pelo que a comunicação entre tabancas é fácil e recorrente.


b) zona de areia (kassukai) com 5 tabancas: Edjim, Elalabe, Ossor, Bolor e Jufunco.

Esta é uma zona com poucas árvores, onde não há produção de vinho de palma nem de caju. Em vez disso, a população dedica-se à pesca e secagem de peixe e, na estação seca, produz tomate nas bolanhas. Estes produtos são depois vendidos nos mercados de Elia e Arame a mulheres que vêm propositadamente de Bissau. As moranças são menos espaçosas e as varandas das casas são fechadas com paus para diminuir a entrada de areia. Sendo zona de areia, o acesso é difícil, reservado apenas a carros com tração às quatro rodas. Por isso, não há estradas e a comunicação entre tabancas é feita essencialmente através de canoas.


c) zona da água (assumulô) com 3 tabancas: Arame, Elia e Jobel.

As duas primeiras tabancas estão situadas numa zona mista, isto é, com mato e água. Por isso, nestas tabancas há áreas de produção de vinho de palma e de caju. Jobel está totalmente situada na água. Esta tabanca é constituída por grupos de casas instaladas em pequenos montes que, durante a maré alta, parecem pequenas ilhas e algumas casas parecem mesmo assentes em palafitas. Em Arame e Elia, as moranças são muito dispersas. Na parte norte, zona de mato, a comunicação entre elas é feita por estrada e de canoa na parte sul, zona de água. Em Jobel a comunicação é feita apenas por canoa e depende das marés.

Fotos (e legendas): cortesia da doutoranda  Lúcia Bayan
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20519: Historiografia da presença portuguesa em África (194): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (7): "As rotas da escravatura, 1444-1888”, por Jordi Savall (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20538: (in)citações (142): Homenagem aos nossos bravos "intendentes", Fernando Franco (1951-2020) e António Baía, os primeiros a falar-nos da tragédia de Cufar, de 2 de março de 1974


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região de Tombali  > Catió >  Cufar > 2 de março de  1974 > Três fotos que documentam as brutais consequências do accionamento de duas minas, reforçadas, colocadas pela guerrilha do PAIGC junto ao cais acostável de Cufar e ao destacamento do PINT (Pelotão de Intendência) 9288 (Cufar, 1973/74)...

A viatura, onde seguia o fur mil madeirense Pita da Silva e mais 1 militar do PINT 9288 e 3 civis, estivadores,   ficou completamente desfeita, tendo sido projectada a 100/150 metros (Foto nº 1)... Tiveram morte imediata o soldado caixeiro Rodrigo Oliveira Santos, mais os 3 guineeenses e houve 1 ferido grave, o fur mil Carlos Alberto Pita da Silva que, em consequência dos ferimentos sofridos, virá  a falecer no Hospital Militar de Bissau, duas semanas depois, a 17 março.

O soldado Rodrigo Oliveira Santos, de alcunha, o "Jeová", era natural da freguesia de Romariz, Vila da Feira; o furriel miliciano Pita da Silva nasceu no Funchal, Madeira.

Fotos (e legenda): © Fernando Franco (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Horror, impotência e luto (1)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Horror, impotência e luto (2)



Guiné > Região de Tombali > Cufar > Porto do rio Manterunga > 2 de março de 1974 > Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina reforçada.

Fotos obtida de "slides" do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007).

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Cufar e do porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


1. Foi a primeira vez, em 14 de outubro de 2006, na Ameira, por ocasião do nosso I Encontro Nacional, que eu ouvi falar da "tragédia de Cufar# (*)... O António Graça de Abreu chamou-lhe o "dia do Diabo" (**).

Foi no dia 2 de março de 1974, a um mês e meio do 25 de Abril... O 1º cabo aux enf António Baia, do PINT 9288,   assistiu a este episódio de guerra, "pura e dura"... Estava destacado em Cufar. O Fernando Franco, 1º cabo caixeiro, estava em Bissau.  O cmdt do PINT 9288, o alf mil João Lourenço, também estava em Cufar. Estes três camaradas entraram para a Tabanca Grande, o Baía e o Franco, logo em outubro  de 2006, o João Lourenço mais tarde, em maio de 2009 (***).

Foi o Franco e o Baia que, em conversa, na Ameira, me fizeram uma primeira descrição dos acontecimentos.  Depois o Franco mandou fotos: a foto nº 1, é impressionante, um jipe feito num rodilha, projetado a grande distância, na sequência da explosão de mina A/C reforçada...

Noutra das fotos pode ver-se a cratera originada pela explosão (Foto nº 3)... O Fernando Franco não sabia, na altura, se os dois soldados do seu pelotão que morreram, vieram ou não para o Continente, mas ele fez Guarda de Honra aos seus restos mortais, "até ao Hospital de Brá" [, HM 241].

Entretanto, um outra mina, reforçada com uma bomba da FAP (que não explodira, ao cair...), escondida no lodo, foi accionada por um batelão, ao atracar ao cais. O batelão, que levava carga da Intendência, incluindo bidões de combustível, pegou fogo e ficou destruído (Foto nº 2).

Houve vinte e tal mortos e desaparecidos, além de mais de um dúzia de feridos, todos civis, estivadores ao serviço da Intendência. (Estes mortos, sendo civis, não foram contabilizados como "mortos da guerra do Ultramar".)

Às vezes esquecemo-nos destes valorosos camaradas da Intendência que, à parte a fama (mas, quiçá, sem o competente proveito...) de nos  roubarem uma ou outra caixa de uísque ou de cerveja, também corriam riscos de vida nos seus destacamentos e nas viagens que faziam pelas rios e braços de mar da Guiné, acompanhando as colunas logísticas...

Nunca é demais lembrá-los (****)... Para mais, partiu, ontem, para a sua última morada, o "intendente" Fernando Franco, membro da Tabanca Grande da primeira hora, e que muitas saudades nos deixa,  a todos aqueles que, como eu, o  Carlos Vinhal, o Virgínio Briote e outros, o conheceram e que com ele conviveram, na Ameira, na Ortigosa, em Algés (na Tabanca da Linha)...

Fonte de informação: entrevista,  feita por LG, ao Fernando Franco a  ao António Baia, I Encontro Nacional da Tabanca Grande,  Montemor-o-Velho,  Ameira, 14 de Outubro de 2006...


2. O nosso "intendente" (, como eu gostava de chamar-lhe,) Fernando Franco esteve no BIG (Batalhão de Intendência Geral) em Bissau entre 1973 e 1974, numa CIAD (Companhia de Intendência de Apoio Directo).

Recordo que nos desencontrámo-nos no 10 de junho de 2006, em Belém, mas viemos a conhecer-nos, pessoalmente, na Ameira, a 14 de outubro de 2006.

No final de junho desse ano, ele já tinha feito a devida apresentação à nossa "tertúlia" (mais tarde, "Tabanca Grande"):

"Luís, conforme o pedido aqui vai uma fotografia de quando ainda era magro, em Bissau, onde estive, de 20 de abril 1973 a 11 de setembro 1974. Como podes ver pela data,  a minha unidade, CIAD, foi quase das últimas a sair da Guiné"... 

Enquanto ouvia o Adeus, Guiné... e o barco ou o avião não chegava... Na realidade, ele foi, a par do António Baía, outro "intendente", um dos últimos "soldados do Império".

A 4 de outubro de 2006, uns dias antes do nosso I Encontro Nacional, ele teve a gentileza de me mandar mais alguns dos seus dados curriculares:

(i) Fernando Alberto da Silva Franco nasceu em 1951 e foi criado em Lisboa, no bairro da Graça;

(ii) trabalhou e estudou de noite;

(iii)  na tropa, tirou a especialidade em Administração Militar;

(iv) embarcou para a Guiné como 1º Cabo Caixeiro (sic), integrado numa CIAD (Companhia de Intendência de Apoio Directo), em 20 de abril de 1973;

(v) a sua comissão foi até mesmo ao fim da nossa presença na Guiné: regressou a casa a 11 de setembro de 1974;

(vi) "casado há 32 anos", tinha  "um casal de filhos e mais recentemente uma netinha";

(vii) profissionalmente passara pela "área de escritório e contabilidade";  nestes últimos 16 anos, estivera na área dos camiões pesados (compras de material), "e actualmente  [, em 2006,] estou no desemprego, ou à espera da reforma";

(viii)  morava na altura, na Venda Nova, Amadora;

(ix) acabou de morrer  no IPO de Lisboa, no início deste ano.


3. Outro camarada da Intendência, que eu conheci em 14 de outubro de 2006, na Ameira, foi o António Baía,  1º cabo aux enf, no  PINT 9288.  

Era um grande amigo do Fernando Franco, cujo endereço de e-mail partilhava, na altura. Rezava assim a sua biografia:

(i) nasceu em Beja em 1951;

(ii)) trabalhou  como serralheiro até assentar praça na mesma cidade em janeiro de 1972;

(iii) de seguida foi tirar a especialidade de enfermeiro em Coimbra, acabando por seguir para a Guiné, em abril de 1973, integrado numa Companhia de Intendência, com sede em Bissau;

(iv) o seu pelotão foi destacado para Cufar (PINT 9288 – Cufar, Os Pioneiros, 1973/74);

(v) regressando a casa também  em 11 de setembro de 1974;

(vi) casado,  disse.nos [, em 2006,] que tinha "um rebento do melhor que se pode pedir",  filho Bruno;

(vii)  "profissionalmente e após findar o serviço militar", ingressara como funcionário no Ministério Justiça,  mas em 2006  já estava aposentado;

(viii) morava [, em 2006,]  nos Moínhos da Funcheira, Amadora.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

16 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

16 de novembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

(**) Vd. poste de 12 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5258: A tragédia de Cufar, sábado, dia do Diabo, 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

Vd. também postes de:

21 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8933: Memória dos lugares (158): Cufar e o porto do rio Manterunga, extensão do inferno na terra : 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

22 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11610: Efemérides (126): "O dia em que Satanás andou à solta"! Cufar, 2 de Março de 1974 (António P. Almeida, Pel Rec Fox, 8870/72)

2 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12787: Efemérides (150): Cufar, 2 de março de 1974: Horror, impotência, luto... (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

2 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14314: Efemérides (181): Recordando o dia 2 de Março de 1974, dia de horror, impotência e luto em Cufar (Armando Faria)

(***) Vd. poste de 19 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4377: Tabanca Grande (145): João Lourenço, ex-Alf Mil do PINT 9288 (Cufar, 1973/74)

(****) Ùltimo poste da 20 de dezembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20473: (In)citações (141): Morreu a G3, viva a G3 (, substituída agora pela SCAR) (fotos de Jacinto Cristina, e versos de Albino Silva)

Guiné 61/74 - P20537: Parabéns a você (1737): António Murta, ex-Alf Mil Inf MA do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor:

Último poste da série de 7 de Janeiro de 2020 >  7 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20535: Parabéns a você (1736): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20536: O nosso blogue em números (64): em 2019, tivemos 5819 comentários, uma média de 4,9 comentários por poste... Voto para 2020: manter a média anual dos útimos 15 anos, que é de 4 comentários por poste!




Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. O número de comentários, em 2019,  num total de 5819 (excluindo todas as mensagens SPAM) foi  bastante superior ao ano anterior, cujo total não chegou aos 4 mil (Gráfico nº 6). A dividir por 1192 postes, temos uma média de 4,88 comentários por poste, no ano  que agora finda (Gráfico nº 7).

O nosso recorde é 6 comentários, em média, por poste, nos anos de 2011 e 2012 em que publicámos um total de 1756 e 1604 postes,  com 11 mil e 10,5 mil comentários, respetivamente...  A partir daí, a participação dos nossos leitores terá vindo a diminuir, até 2018, ano em que parece iniciar-se uma tendência de recuperação.

No ano em que comemorámos os 15 anos de existència do blogue, registamos uma recuperação do nº comentários por poste, que se situou acima da média registada em 2015, que era de 4 por poste (**). Considerando os nossos 15 anos de existência (2004-2019), a média anual de comentários por poste anda pelos 4 (, em rigor, 3,9).

Os 80 339 comentários registados no nosso blogue estão "limpos" de SPAM (mensagens não desejadas, publicitárias e outras), que é uma das pragas com que tivemos de lidar no passado. O nosso servidor, o Blogger, tem um sistema muito eficiente de filtragem de mensagens não desejadas, na caixa de comentários, se bem que isso possa inibir ou desmotivar alguns leitores, menos familiarizados com este procedimento.

Só por curiosidade: até ao final de 2019, tivemos em rigor 149 mil comentários, dos quais, no entanto,  69 mil (c. 46,3%) eram "lixo" (SPAM), detetado pelo Blogger... Para efeitos do nosso movimento bloguístico, só conta os 80,3 mil comentários "limpos"...


2. Recorde-se que qualquer leitor, mesmo não registado no Blogger ou sem conta no Google, pode comentar como "anónimo"... As nossas regras exigem, no entanto, que no final da mensagem deixe o seu nome. Como "anónimo", o leitor terá sempre que "clicar" na caixa que diz "Nâo sou um robô"... 

O ideal é, pois,  usar a conta do Google (, basta só criar uma conta, o que é gratuito): quase toda a gente, hoje em dia, tem um endereço de @gmail... Os comentários dão mais vida ao nosso blogue!... E sáo a prova de que estamos vivos!
Recorde-se que uma parte desses comentários pode dar (e tem dado) origem a postes, por iniciativa em geral dos editores mas também, nalguns casos, por sugestão dos autores. Por outro lado, alguns leitores queixam-se de terem perdido extensos comentários, certamente por terem tocado numa tecla errada... Nestes casos, é preferível escrever o texto em word, à parte e no fim, fazer "copy & paste"... É mais seguro. 

Bom amo Vinte-Vinte, para os nossos leitores. com votos de que apareçam mais vezes, a comentar os nossos postes.

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Vd, postes anteriores:

5 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20528: O nosso blogue em números (63): em 2019, o número de visualizações de páginas foi de 770 mil (, cerca de 2210 por dia)

4 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20525: O nosso blogue em números (62): em 2019 publicámos 1192 postes, uma média de 3,3 por dia... A nossa produção tende agora a estabilizar-se, depois de ter vindo a decrescer desde 2010 (, ano em que batemos o recorde, com 1955 postes, ou seja, cerca de 5,4 por dia)

Guiné 61/74 - P20535: Parabéns a você (1736): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20530: Parabéns a você (1735): Paulo Santiago, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
A narrativa do Major Lobato melhora de edição para edição, estou consciente que este aprimoramento vem da reflexão a que ele tem procedido, o que dá um caráter mais intimista à história do seu cativeiro. E, no entanto, somos agarrados sem qualquer possibilidade de despegar a nossa atenção tão avassaladora, veja-se logo aquela aterragem que lhe salva a vida em condições excecionais:  

"O ponto de contacto com o solo confirma-me a justeza do planeamento, mas surge um imprevisto que do ar foi impossível de detectar - o terreno não é totalmente liso; sulcos profundos, espaçados metro a metro, cortam-no de lés a lés. É uma bolanha, terreno preparado para a cultura do arroz. Ao intradorso das asas do T-6 estão suspensas duas metralhadoras Browning, saliências que, ao entrar nos sulcos da bolanha, oferecem uma forte resistência ao deslizar do avião no solo. Atendendo a que este tipo de aterragem é feito com o trem recolhido, o entrar das metralhadoras num dos sulcos teve o efeito de arrancar instantaneamente as asas à aeronave. Fico sentado dentro de um charuto que rebola agora dentro de si mesmo, ao longo do terreno".

E assim vai começar o cativeiro, o mais longo cativeiro da guerra. Um relato superior, de um homem que soube superar a adversidade, que procurou fugir, mas que teve que esperar pela Operação Mar Verde para ser restituída a liberdade.

Um abraço do
Mário


Um relato que se vai aprimorando de edição para edição:
Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1)


Beja Santos

António Lobato foi o mais longo cativeiro da guerra colonial. No prólogo das diferentes edições do seu livro, dá-nos uma síntese dos acontecimentos e da situação que viveu, nestes termos precisos:

“Em 1963, no céu português da Guiné, dois aviões da Força Aérea colidem na sequência de uma missão de ataque ao solo e após um deles ter sido atingido por projécteis inimigos.

Um dos aparelhos despenha-se em plena selva e o piloto morre; o outro, aterra de emergência numa bolanha e o piloto, depois de agredido à catanada pela população local é capturado por guerrilheiros do PAIGC e conduzido à vizinha República da Guiné Conacri. Aí, é-lhe facultado optar entre e deserção e a cadeia.

Optando pela fidelidade aos princípios do seu povo, é encarcerado na temível Maison de Force de Kindia, com o rótulo de criminoso de guerra.

Durante sete anos e meio é submetido a maus-tratos, subnutrição, isolamento e contínuas ameaças de morte pelos agentes de um governo pró-soviético chefiado por um dos maiores tiranos da África Ocidental – Sékou Touré.

Tenta três vezes a evasão, mas só na última consegue respirar, durante uma semana, o ar fresco da liberdade. Percorre cerca de noventa quilómetros em plena selva, atravessando a cadeia montanhosa do Futa Djalon em direção à Guiné Portuguesa. Ao sexto dia, é recapturado e reconduzido à prisão de onde partira.

Ao cabo de mês e meio de total isolamento, é transferido de prisão e libertado, tempos depois, durante a Operação Mar Verde, chefiada pelo Comandante Alpoim Calvão.

É por instâncias de familiares e amigos, por dever de cidadania e para comemorar os vinte e cinco anos do regresso à liberdade que hoje se propõe condensar em curtas páginas, não apenas os horrores, mas sobretudo algumas das vias possíveis de sobrevivência no meio hostil e o consequente enriquecimento da pessoa humana, quando, perante situações-limite, consegue vencer-se a si próprio”.

Não se irá aqui cotejar as inúmeras alterações introduzidas de edição para edição. O que se pretende relevar é a melhoria substancial da qualidade literária e a introdução de um processo intimista, em edição recente, António Lobato revela as estratégias de que se socorreu para que a tremenda solidão da clausura não o destruísse, pelo menos moral e psicologicamente.

Fala-nos da sua juventude transmontana em Paderne, como se alistou jovem na Força Aérea, depois temos o curso de pilotagem em S. Jacinto, a fase básica na Base Aérea n.º 1 em Sintra, em 22 de maio de 1958, um acidente quase que o ia matando, após dois meses de imobilização, e ao fim de cerca de oito meses de treino intensivo, ei-lo pronto para voar mais alto. Tem 21 anos e é-lhe confiada a tarefa e a responsabilidade de ensinar outros a voar. E, como ele escreve, em 1960 rebenta a guerra colonial.

 A Força Aérea não possui na Guiné qualquer tipo de estrutura. Em julho de 1961, em companhia de um outro camarada, seguirá para a Guiné em missão de soberania. Em 19 de setembro de 1961 descola pela primeira vez da pista de Bissalanca aos comandos de um T-6. Descreve com incisão e economia todos estes acontecimentos, casa-se, regressa à Guiné com a mulher e em 21 de maio de 1963 parte em missão para a Ilha do Como, um acidente obriga-o a uma aterragem de emergência, aterra no Tombali, é ferido e levado por guerrilheiros do PAIGC para território da Guiné Conacri.

Não é despiciendo observar como naquela região do Tombali há população afeta ao PAIGC e os guerrilheiros movimentam-se com certo à-vontade. A guerrilha tinha capturado um barco da Sociedade Comercial Ultramarina, de nome Bandim, transportará Lobato para o cativeiro. É bem tratado em Sansalé, tem feridas graves na cabeça e num braço. Seguem no Bandim até Boké. Segue-se um prolongado interrogatório. É interrogado, pretendem saber qual o regime político em Portugal, o que ele sabe da situação colonial, Lobato remete-se ao silêncio, depois de ter dado os seus dados militares, depois de uma longa viagem entra na Maison de Force de Kindia.  

“Entramos num hexágono aberto para o céu, com duas portas em cada um dos seis lados. Encaminham-me para a direita e indicam-me uma dessas portas, em ferro maciço, com o número 7 ao centro, encimada por uma grelha, feita em varão de diâmetro não inferior a 3 centímetros. Entro e a pesada porta fecha-se atrás de mim com aquele ruído sinistro das portas de todas as prisões do mundo. Dou quatro passos e chego ao fim do espaço de que posso dispor. Do lado direito, fazendo corpo com a parede e até dois terços de comprimento, ergue-se, até à altura de sessenta centímetros, um bloco maciço de cimento armado sobre o qual assenta um velho colchão de pano cheio de palha. Depreendo que é a minha cama. Não sei bem porquê, mas sinto um forte cansaço. Sinto-me deprimido como antes nunca me tinha sentido. Apetece-me chorar. Atiro-me para cima da palhaça e não consigo conter os soluços que me sufocam. Choro tudo o que tenho a chorar e adormeço no cume da infelicidade”.


Major António Lobato no programa Prós e Contras, em 2007, com a devida vénia

Segue-se a descrição do dia-a-dia, ele é o prisioneiro da cela n.º 7, falam-nos do currículo de Sékou Touré e como ele mantém o seu regime de terror; vamos saber como é a sua cela, a degradação a que vai ser sujeito, o início da sua luta para se manter corajoso. A condição física começa a dar sinais de ruína, como ele próprio comenta:  

“Porque não como uma boa parte das magras refeições, sinto que vou perdendo, lenta mas seguramente, toda a pujança da juventude; porque não me é fornecido qualquer tipo de medicamento, começa a ter fortes ataques de paludismo; porque a alimentação é pobre demais, a cárie dentária torna-se num flagelo; porque permaneço imóvel horas sem fim, começo a ter problemas de bexiga, a urinar pus e a sentir dores de barriga e cólicas insuportáveis. Os ataques de paludismo surgem a uma cadência semanal e manifestam-se por acessos de frio, que me obrigam a bater os dentes durante horas, seguidos de vagas de calor, que me deixam exausto e banhado em suor. As dores de dentes, por vezes são tão intensas que me perturbam a visão e provocam vómitos e tonturas próximas do desmaio. A degradação do meu estado físico, se, por um lado, é dolorosa e me perturba a mente, por outro, prende-me o pensamento ao corpo e não me deixa grandes hipóteses de fuga em busca de recordações bem mais amargas que as dores da carne”.


A última edição que conheço desta obra data de 2014, DG Edições, Linda-a-Velha.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20533: O nosso blogue em números (64): em 2019 entraram apenas 18 novos membros da Tabanca Grande... Somos agora 801 (dos quais 77 falecidos)... Começa a ser difícil recrutar, doravante, novos membros à medida que a nossa idade avança... Já os amigos do Facebook são mais de 3 mil...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. No final de 2019, a Tabanca Grande contava com 801 membros, também designados como "grã-tabanqueiros" ou "tertulianos", sentados simbolicamente à volta de um sagrado e protetor poilão... 

Em 2018 eram 783, e em 2017 eram 765... Quer dizer que em cada um destes dois anos entraram 18 novos membros (Gráfico nº 3).(*)

Nestes últimos dois anos, a média mensal é, pois, de 1 admissão e meia...

 De 2009 (n=390) a 2012 (n=595), o crescimento médio mensal era alto (c. 5,7). De então para cá, esse indicador tem vindo a diminuir: de 2013 a 2019 é agora de apenas 2,3 por mês.

Comparando os últimos 7 anos (2012-2018), tivemos um média anual de c. 26,9 entradas para a Tabanca Grande.

Em 188 meses, ou seja, 15 anos e 8 meses da nossa história  tivemos em média, 4,26 novos membros por mês, o que é notável. (**)

2. Este ano que findou, tivemos menos "baixas" do que nos anos anteriores (2018 e 2017). Foram 4 os camaradas que "da lei da morte já se libertaram", e cuja memória vamos continuar a honrar e a manter viva:

Carlos Marques dos Santos (1943-2019)
Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)
Jorge Rosales (1939-2019)
Mário Gualter Pinto (1945-2019)

Em 2018 e 2017 faleceram 18 camaradas. Chegados ao fim do ano de 2019, temos um total de 77 amigos e camaradas da Guiné entretanto falecidos, desde 2007, ano em que morreu o nosso primeiro grã.tabanqueiro, o José Neto (1929-2007). Nestes 77 incluí-se o mais recente, já falecido este ano de 2020, o Fernando Franco (1951-2020).

3. Em 2019 conseguimos alcançar a meta (desejada)  das 8 centenas de amigos e camaradas da Guiné. Mas começa a ser difícil recrutar, doravante, novos membros à medida que a nossa idade avança...

Não confundir, no entanto, membros da Tabanca Grande, formalmente registados (n=801), com amigos do Facebook, da nossa página Tabanca Grande Luís Graça. Hoje são 3033, o ano passado eram 2813. Entraram, portanto, 220.

O processo de adesão de uns e outros é diferente: o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné acolhe essencialmente ex-combatentes que estiveram no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, e que querem partilhar memórias do tempo da sua comissão de serviço (fotos, histórias, depoimentos, etc.).

Por outro lado, o blogue tem um conjunto regras editoriais que os membros da Tabanca Grande têm de respeitar. No entanto, há uma série de "amigos do Facebook", ex-camaradas da Guiné, que bem poderiam integrar o nosso blogue... Para isso basta, contactar os editores por email, pedindo expressamente a sua entrada no blogue da Tabanca Grande [leia-se: como membros do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]. 

Junto com o pedido, exige-se duas fotos (uma atual, à paisana, e outra do "antigamente", fardado) e duas linhas de apresentação: sou o fulano tal, estive na companhia tal, no período tal, passei pelos sítios tais e tais...
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