quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20641: Historiografia da presença portuguesa em África (199): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
Não é despiciendo voltar a sublinhar que este punhado de relatórios que tive a oportunidade de consultar na Biblioteca da Sociedade de Geografia, datados dos primeiros anos da autonomização da Guiné, elucidam o acervo de problemas que irão despoletar a ferro e fogo na transição do século.
O reino está sem dinheiro, vive-se em crise financeira, o constitucionalismo monárquico desengonça-se, a Guiné parece irrelevante. E no entanto estes relatórios tecem diagnósticos, há propostas de sugestões, não se esconde que a tropa é indisciplinada e constituída por degradados, não há Marinha, não há equipamentos, tudo parece que se anda a engonhar e a dançar à beira do abismo. E depois da guerra do Forreá e da revolta do Geba vão eclodir insurreições em série, estão veladamente referidas nestes documentos, que devem ter sido arquivados com sucessivos despachos resignados.

Um abraço do
Mário


Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889,
pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (2)

Beja Santos

Conselheiro Joaquim da Graça Correia e Lança

O conjunto dos primeiros relatórios enviados pelos governadores da Guiné para o Ministro do Ultramar e da Marinha são documentos indispensáveis para conhecer opiniões, reflexões e até sugestões de personalidades que se revelam de preparações culturais bastantes diferenciadas. Não escondem as dificuldades, as guerras entre os Fulas, as questões da agricultura, a degradação das instalações e dos equipamentos, as tremendas carências nos transportes, a falta de infraestruturas rodoviárias e portuárias. O primeiro documento importante saiu do punho de Pedro Inácio de Gouveia, já aqui foi publicado. Correia e Lança apresenta-se com uma enorme humildade, homenageia os governadores que o precederam, sem esconder o muito pouco tempo que por lá permaneceram.

Correia e Lança já discreteou sobre as guerras do Forreá, opinou sobre a questão agrícola, tem ideias seguras sobre o desenvolvimento da colónia. E prossegue o seu relatório dando a saber o estado das finanças.
Havendo um decréscimo da receita, em virtude da decadência económica atrás mencionada, exprime o seguinte ponto de vista, com um travo de humor negro e vitríolo:
“Para ser um bom empregado da Fazenda não basta ser honrado e sério. A honra e a seriedade são atributos de todo o homem digno. Para se ser um bom empregado em qualquer ramo do serviço público é preciso ter inteligência, instrução, zelo e actividade. E esses predicados que faltam muito na Guiné. Um dos mais queridos sistemas burocráticos desta Província é deixar para amanhã o que muito bem se podia fazer hoje. A parte da administração da Fazenda, em que o desleixo e incúria constituem um cúmulo, é o lançamento e a cobrança das contribuições directas. A Repartição Superior da Fazenda, que tem a superintendência em todo o serviço financeiro, declina a responsabilidade dele para os administradores de concelho; estes lançam-na sobre os escrivães da Fazenda, que por sua vez declaram não ter culpa nenhuma, e ser todo o Governo que lhes não paga convenientemente”.

Dá seguidamente o número impressionante da receita que ficou por cobrar em contribuições sobre o aluguer de habitações, predial e industrial, dizendo que uma dívida de tal ordem, numa Província que luta com tantas dificuldades é a prova do que acima proferira, e sentencia: “Reputo hoje como incobráveis dois terços de tal quantia”.
E continua do seguinte modo:
“Nos grandes centros civilizados, os povos constituídos em sociedades cultas, o aumento de impostos pode levantar protestos, mas produz receita; nas colónias como a Guiné, o aumento de tributos, a elevação exagerada da pauta não levanta protestos mas também não produz receita. Produz este simples efeito: a dispersão da colónia comercial, o aniquilamento da agricultura e a ruína da Guiné”. Como o défice orçamental da Província reclama algumas providências financeiras, endereça ao ministro a seguinte proposta: “Não devendo dificultar-se a entrada de mercadorias porque é da sua entrada fácil que pode resultar o aumento da sua circulação, deve suprimir-se o imposto para a importação. Mas devendo compensar de qualquer modo a perda da receita proveniente dessa medida, é à exportação que deve pedir-se essa compensação. O imposto de 10% sobre a exportação não é exagerado”.

Debruça-se agora sobre a questão política, pretende pronunciar-se sobre o mosaico étnico, quem é quem na colónia: “Estudada que seja uma colónia sob o ponto de vista da sua riqueza própria e adquirível, deve procurar saber-se em que mãos se acham essas riquezas para que se possa fixar a fórmula da sua exploração. Uma tribo existe na Guiné que é menos conhecida, os Bijagós, acerca da qual entendi alargar este trabalho”.
E lança-se minuciosamente, com estatísticas da população e tudo, a descrever a região do arquipélago, passando depois para as outras etnias e demora-se sobre os acontecimentos do Forreá:
“Desde que os Beafadas foram expulsos do Forreá as lutas multiplicaram-se e o Rio Grande decaiu tanto que hoje não pode decair mais. De 53 feitorias só restam 3! Da liberdade dada ao Forreá pela expulsão dos Beafadas, uma raça essencialmente da Guiné Portuguesa, só resultou a sujeição daquele território a um régulo estranho à nossa Província e de uma raça que ainda é mais estranha”. E neste ponto o seu relatório detém-se sobre os Fulas-Pretos e Mussá Muló e refere-se à revolta da Geba, contida por Francisco Marques Geraldes. Vê-se que Correia e Lança estudou com rigor o arquipélago dos Bijagós e conhece a ilha de Bissau, a quem dá muita importância não só pela sua área como pelo seu valor agrícola, e queixa-se: “É vergonha confessar que desde há séculos a nossa acção se não estende além dos muros que circundam a povoação”. A tecla dos Bijagós é constante, e profetiza: “Eu entendo que a parte mais rica da Província é o arquipélago dos Bijagós. Explorem-se estas extensas e numerosas ilhas e a prosperidade da Guiné surgirá”.

O último capítulo do seu relatório centra-se na questão administrativa. É terminante sobre a sua organização, escrevendo o seguinte: “A anacrónica instituição dos presídios, que fizeram o seu tempo, deve acabar de vez”. Propõe seis residências, divisão praticada no Congo, que ele acha bastante conveniente para a Guiné, em vez dos quatro concelhos de Bolama, Bolola, Bissau e Cacheu. Como era da praxe, expõe a situação nas áreas da instrução pública, imprensa nacional, saúde, obras públicas, serviços dos correios, administração da Fazenda, justiça, eclesiástica, militar e da Marinha. Não se coíbe de dizer que a Província carece de obras importantes, tais como: construção de edifícios para alfândega e hospitais em Cacheu e Bissau, saneamentos, pontes, cais, fortificações, era imperativo a ocupação de Cacine, ao deus-dará.
Não perde oportunidade para se pronunciar sobre a questão eclesiástica e a missionação:  
“A Guiné, que tem para opor à marcha dos muçulmanos os povos fetichistas do litoral, precisa com urgência do provimento de todos os cargos eclesiásticos. O elemento mais preponderante para a resolução desta grave questão é o religioso. Desenvolvam-se as missões na Guiné; transforme-se o vicariato geral numa prelazia, como a de Moçambique, ou ainda como a que vigora em São Tomé e Príncipe, e ter-se-á dado um passo importante para a sua civilização. Nesta Província está tudo por fazer”.
Também não quer ilusões sobre a questão da administração militar:  
“Da qualidade das praças que compõem o efectivo dos corpos da guarnição da Província nada tenho a acrescentar ao que têm dito os meus ilustres antecessores. Na sua maioria, são provenientes das companhias de correcção e dos depósitos disciplinares do reino, quando não vêm das prisões das colónias. A força pública, que deve ser a garantia da segurança e da ordem, é constituída pelo elemento indisciplinado do reino e das diversas províncias ultramarinas. Cabo Verde, São Tomé e Angola, quando têm esgotados os meios correccionais, socorrem-se à última medida de segurança: despejam para a Guiné a escuma da sua tropa”.
E apresenta uma proposta:  
“Nas guerras a valer da Guiné, a prática tem demonstrado que a força regular, por mais numerosa que seja, precisa de ser coadjuvada por forças auxiliares indígenas muitíssimo mais numerosas. O gentio grumete, com uma disposição extraordinária e entusiástica para o serviço militar, irregular porque tem horror ao assentamento de praça, podia formar um contingente numeroso para se organizarem dois batalhões de segunda linha”.

Na hora da conclusão recapitula a necessidade do impulso à agricultura e ao comércio e despede-se do seguinte modo:
“A Guiné reclama imperiosamente a atenção de Vossa Excelência. A questão política tem de ser resolvida com a máxima urgência. Da falta de um plano e de uma acção governativa, enérgica e repressiva, apoiada fortemente pelo governo da metrópole, podem resultar desastres assombrosos. Tenho estudado durante os dois anos que estou na Província a índole dos diferentes povos que a habitam; e pela sua origem, pela sua história, pelas suas ambições, e sobretudo pelo seu estado social, podem num futuro muito próximo causar sérios cuidados e embaraços não só ao Governo da Província mas principalmente ao Governo da metrópole e ao país. A raça Fula, que podia estar aniquilada há 10 anos, tem progredido por tal forma, é tão contrária aos nossos interesses e à nossa civilização, que é urgentíssimo tomar uma medida rápida e enérgica a seu respeito”.
Não esconde que em política era urgentíssimo captar a simpatia das raças fetichistas do litoral, incluindo as raças Mandinga e Beafada e contrariar as marchas dos Fulas. Apela que se mande com urgência para a Província lanchas canhoneiras e lanchas a vapor, pois sem material naval a vapor não era possível governar a Guiné.

Edifício bolamense com seis arcos de volta perfeita que definem um alpendre alongado de acesso às habitações. 
Fotografia de Francisco Nogueira no livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20624: Historiografia da presença portuguesa em África (198): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20640: Agenda cultural (740): Lisboa, 8 de fevereiro de 2020, na apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial": quando o Alentejo e o Gabu se tocam - Parte III: Mais um momento memorável com o grupo "Os Alentejanos", de Serpa... Manga de ronco, Zé!

  

Vídeo (2'  39'') > Alojado em Luís Graça > Nhabijoes (2020) 


 Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: memórias de Gabu" (Lisboa, Edições Colibri, 2019, 220 pp.)(*)

Momento cultural: atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, com duas modas tradicionais que puseram a sala  ao rubro... com toda a gente a cantar, alentejanos e não alentejanos, amigos e camaradas do Zé Saúde...

Foi um momento muito especial, proporcionado pelo Grupo Os Alentejanos, de Serpa... É verdade, no Alentejo ( e na Casa do Alentejo...), ninguém canta sozinho... Hoje como ontem, no trabalho e no lazer, no campo e na taberna, na tristeza e na alegria, canta-se em "rancho"... De braço dado, de ombro com ombro...

Reconstituem-se aqui as letras das duas modas com que eles finalizaram a sua participação nesta tarde, em que o Alentejo se ajuntou ao Gabu,. Guiné... "Manga de ronco",. Zé!...E viva o Alentejo, e viva Portugal e viva a Guiné-Bissau!...


Vou-me embora, vou partir

Letra e música: popular, Alentejo
[Revisão / fixação de texto: LG]

Vou-me embora, vou partir mas tenho esperança
de correr o mundo inteiro, quero ir,
quero ver e conhecer, rosa branca,
e a vida do marinheiro sem dormir.

E a vida do marinheiro, branca flor,
que anda lutando no mar com talento,
adeus, adeus, minha mãe, meu amor,
eu hei-de ir,  hei-de voltar, com o tempo.


Vamos lá saindo
Letra e música: popular, Alentejo
[Revisão / fixação de texto: LG]

Hei-de m’ ir embora,
hei-de m’ ir andando.
Tu hás de ficar
em casa chorando.

Vamos lá saindo
por esses campos fora,
que a manhã vem vindo,
dos lados d’ aurora.

Dos lados d’ aurora,
a manhã vem vindo.
Por esses campos fora,
vamos lá saindo.

E eu dantes era,
e agora já não, 
da tua roseira 
o melhor botão.

Vamos lá saindo,
por esses campos fora,
que a manhã vem vindo,
dos lados d’ aurora.

Dos lados d’ aurora,
a manhã vem vindo.
Por esses campos fora
vamos lá saindo.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20639: Notas de leitura (1263): O nosso Guiné de Cabo Verde: as metamorfoses de um espaço (séculos XVI-XVII), por José da Silva Horta (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2017:

Queridos amigos,
Creio ter chegado à altura de procurar dar alguma precisão ao conceito do que era a Guiné de Cabo Verde nos primeiros séculos de viagens e presença portuguesa luso-cabo-verdiana na costa e algum sertão.
Esta investigação do professor Silva Horta ilumina o que os viajantes e mercadores pensavam e sentiam, nem sempre em conformidade com as determinações da Coroa. Em concreto, partia-se de Santiago em direção ao rio Senegal e descia-se a costa até pontos indeterminados do que se convencionava chamar Serra Leoa. Aqui se faz comércio, aqui as autoridades africanas permitiam livre circulação a judeus portugueses que depois se fixaram em território que é hoje o Senegal, aos poucos descobriu-se a conveniência de Cacheu para o tráfico de escravos, tal como se veio a operar com a aquiescência dos reinos africanos, useiros e vezeiros nestes comércio, de há muito que o continente africano comerciava escravos.

Um abraço do
Mário


O nosso Guiné de Cabo Verde: as metamorfoses de um espaço (séculos XVI-XVII)

Beja Santos

Numa comunicação de José da Silva Horta, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, intitulada “O nosso Guiné: representações luso-africanas do espaço guineense (séculos XVI-XVII)” e publicada nas Atas do Congresso Internacional O Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades (Lisboa, 2-5 de Novembro de 2005, FCSH da Universidade Nova de Lisboa, organizado pelo Centro de Estudos de História de Além-Mar e pelo Instituto de Investigação Científica Tropical), Instituto de Investigação Científica Tropical e Centro de História de Além-Mar, 2009, penso ter encontrado uma explicação clara sobre a nossa presença na Guiné e quais as representações dos viajantes que percorreram tal espaço.

Mapa retirado de Landlords And Strangers: Ecology, Society, And Trade In Western Africa, 1000-1630 (African States and Societies in History)

Primeiro, o significado de Guiné do Cabo Verde. A África Atlântica entre o rio Senegal e a Serra Leoa (limite difuso, diga-se desde já) era conhecida por Guiné do Cabo Verde, Rios de Guiné do Cabo Verde, Rios de Guiné ou Rios do Cabo Verde. Não esquecer que diferentes autores localizavam a região como Terra dos Negros ou Etiópia Menor ou Etiópia Inferior, com base nas viagens junto ao litoral africano, o rio Senegal seria a transição dos “pardos” para os negros. O historiador lembra que na carta afonsina de 4 de Maio de 1481 fala-se explicitamente em Gujnea a propósito do comércio da região, doado ao príncipe D. João. Guiné era um conceito antigo, correspondendo a diferentes e por vezes contrastantes perceções do espaço africano, nem sempre era claro o que se designava por área navegável, qual o espaço frequentado por portugueses e seus descendentes luso-africanos. No entanto este espaço de presença estava em estreita ligação com o arquipélago cabo-verdiano. Basta pensar em André Álvares de Almada que escreveu no seu Tratado Breve de 1594: “E pode este homem atravessar todo o sertão do nosso Guiné, de quaisquer negros que seja”. O espaço em causa destina-se às práticas económicas, políticas e religiosas. Projeta-se um sentimento de posse e fala-se com naturalidade no nosso Guiné.

Segundo, os limites da Serra Leoa são uma nebulosa. D. Afonso V não estava interessado em que o comércio da costa da Guiné chegasse à feitoria portuguesa de Arguim, era claro que os moradores de Santiago só podiam comerciar para Sul do rio Senegal. Comerciar na Serra Leoa era percorrer uma área costeira que começava em frente a Conacri e que tinha como sua máxima fronteira a Sul o cabo do Monte. A documentação existente confirma que os cabo-verdianos reivindicavam direitos sobre a Serra Leoa, a Coroa achava assunto de discussão. Seja como for, o arquipélago de Cabo Verde, a Guiné e a Serra Leoa podiam ser encaradas como espaço económico mas eram áreas geográficas profundamente independentes. Autores como Francisco de Lemos Coelho deixam claro que se partia de Santiago e o primeiro objetivo era o rio Senegal, onde também estão presentes franceses, holandeses e ingleses, pelo menos a partir de meados do século XVI. O que ressalta é que o rio Senegal durante este período continuou na mira dos interesses da Coroa.

Terceiro, se é compreensível o comprimento da Costa percorrida até à Serra Leoa, é muito discutível a interiorização da presença portuguesa. Uma coisa são as descrições de quem percorreu o sertão, outra a ocupação efetiva, comprovadamente precária. Como observa o autor, a perceção do espaço organiza-se da costa para o interior, profundamente marcada por aquilo que era o espaço fluvial e terrestre que os mercadores portugueses e luso-africanos poderiam percorrer. Lembra-nos o que escreveram sobre essas digressões no sertão André Álvares de Almada, André Donelha, Lemos Coelho, o padre Baltazar Barreira, e o missionário Manuel Álvares, todos tinham uma noção do reino dos Mandingas do rio acima do Casamansa dos diferentes reinos como os Bagas ou os Fulas, o aspeto mais curioso, observa igualmente José da Silva Horta é que estes mercadores e viajantes não encaravam este espaço como um mosaico étnico mas como uma confluência de diferentes poderes. Os portugueses nunca dominaram o comércio oeste-africano, havia o reconhecimento tácito da supremacia do imperador do Mali sobre a Guiné. Valentim Fernandes foi um desses mercadores que esteve em grande contacto com os comerciantes Mandingas e com o mundo mandé desde a segunda metade do século XV. Dito de outro modo, quando se falava da Guiné do Cabo Verde não havia ilusões sobre a esfera de política de Mandinga ou mandé. O nosso Guiné era portanto a alguma influência mercantil de “nossos portugueses”, na expressão de Almada, expressão de um desejo nunca realizado: um controlo seguro do espaço económico, onde, como se sabe até circulavam livremente judeus de origem portuguesa no Grão Fulo ou Fuuta Tooro (na bacia do médio rio Senegal). João Ferreira, natural do Crato, chamado pelos negros o Ganagoga atravessava todo o sertão do nosso Guiné.

Imagem já utilizada no blogue a propósito da minha recensão sobre o Tratado Breve dos Rios da Guiné, de André Álvares de Almada

Estamos perante uma representação de um território humano, um território que não se define pela extensão do espaço físico mas pela extensão do domínio sobre os homens. Os comerciantes e viajantes não tinham quaisquer ilusões sobre os impérios, os farins, a importância do Mandimansa, tido como o monarca de toda a Etiópia, Donelha escreve expressamente: “Este grande rei, o que eu sei é que lhe dão obediência os Fulos, Jalofos, Berbecins, Mandingas e todos os mais reis e senhores que há até além da Serra Leoa". Os Mandingadas foram percecionados como o limite interior da Guiné do Cabo Verde, nada mais sendo representado para além deles. E diz o autor: “Do ponto de vista dos agentes mercantis do mundo cabo-verdiano guineense, os espaços dominados pelos Mandingas ou outros povos mandé, constituíam o limite da cadeia de comércio que começava na costa atlântica. Neste contexto sertanejo, os comerciantes mandé eram simultaneamente os últimos parceiros comerciais e os rivais que lhes vedavam o caminho”. E o autor conclui: “Afinal, a extensão do nosso Guiné do Cabo Verde dependia da vontade dos senhores africanos da terra e do modo como organizavam o espaço, modo a que os autores que se analisaram foram sensíveis. Esta sensibilidade foi, afinal, o resultado de uma cultura luso-africana ou de formas de pensamento mestiço que emerge noutros planos das representações que as descrições de matéria guineense veiculam, como seja a forma de incorporação na escrita da memória histórica oral da região”.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20628: Notas de leitura (1262): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (44) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20638: Em busca de... (300): Alf mil Pereira Gomes, da CCAÇ 1622 (1966/68), que o meu pai conheceu conheceu em Aldeia Formosa (Luísa Lemos, filha do ex-fur mil Álvaro Lemos, São Miguel, RA Açores)

1. Mensagem de Luisa Lemos, nossa leitora, filha de um camarada nosso, açoriano

Data: quinta, 30/01/2020 à(s) 12:13
Assunto: Informações sobre o Alferes Miliciano Pereira Gomes, da Companhia de Caçadores 1622

Bom dia, caros senhores.

Eu sou filha de um antigo combatente que gostava de encontrar o contacto de um senhor que esteve com ele na Guiné. Ele procura o Sr. Alferes Miliciano Pereira Gomes, da Companhia de Caçadores 1622.

O meu pai é o Furriel Miliciano Álvaro Lemos, da ilha de São Miguel,  do arquipélago dos Açores. Ele esteve na Guiné na Aldeia Formosa e diz que era conhecido como o "homem psíco". Terminou a sua missão em 1969.

Se tiverem alguma informação,  por favor disponibilizam-me para dar ao meu pai.

O meu número de telemóvel é 966 227 200, no caso ser necessário.

Um bem haja pelas informações que têm na Internet pois através daí que cheguei aos vossos contactos.

Obrigada,
Luísa Lemos


2. Resposta dos editores:

Luísa, obrigado pela sua gentil mensagem. Um alfabravo (ABraço) para seu pai e nosso camarada, Álvaro Lemos.

Temos mais de 3 dezenas de referências à CCAÇ 1622:

(i) mobilizada pelo RI 2 (Abrantes);

(ii) partiu para a Guiné em 12/11/1966 e regressou a 18/8/1968;

(iii) esteve em Aldeia Formosa,  Mejo, Bolama, Jolmete, Teixeira Pinto e Bissau;

(iv) comandante: cap mil inf António Egídio Fernandes Loja;

(v) pertencia ao BART 1896, a par da CCAÇ 1623 e CCAÇ 1624.


O José Brás, que hoje faz anos [, foto atual, à direita, acima}, é um dos ilustres camaradas do seu pai:

(i) ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68;

(ii) nasceu em Alenquer em 1943;

(iii) trabalhou na TAP como tripulante comercial de 1972 a 1997;

(iv) foi sindicalista e autarca;

(v) mora em Montemor-o-Novo;

(vi) tem mais de 130 referências no nosso blogue;

 (vii)  é autor dos seguintes livros com memórias da guerra colonial na Guine: (a) “Vindimas no Capim”, 2.ª Edição, Lisboa, Publicações Europa América, 1987; (b)  "Lugares de Passagem", Chiado Books, Lisboa, 2010;

(vii) sobre a sua biografia oficiosa, ler aqui mais, na Chiado Books.

Outro notável escritor da CCAÇ 1622 é o António Loja,  madeirense, nascido no Funchal em 1934, ex-cap mil... Infelizmente não temos o contacto dele, não é formalmente membro da nossa Tabanca Grande.

Cara amiga Luísa, vamos  pô-la em contacto com o José Brás, de que o pai se deve lembrar (, era o furriel de transmissões da CCAÇ 1622),  esperando que ele lhe/nos dê notícias, boas, do ex-alf mil  Pereira Gomes, cujo paradeiro infelizmente desconhecemos.

Em boa verdade, só um ou dois camaradas,por companhia, é que aqui aparecem,  nos escrevem, mandam fotos, e vão dando notícias... ou então somos nós que descobrimos algo sobre eles (, é o caso por exemplo do antigo capitão António Loja).

Por outro lado, não temos nenhum crachá, guião ou brasão da CCAÇ 1622, apenas um distintivo do BART 1896, a que a CCAÇ 1622 pertencia, e que reproduzimos acima.

De qualquer modo, o nosso camarada Álvaro Lemos, representado aqui pela filha Luisa Lemos, tem lugar de pleno direito no nosso blogue, na nossa Tabanca Grande: basta que nos mande duas fotografias, uma atual e outra do tempo da Guiné. E que nos diga, em meia dúzia de linhas, quem foi, onde esteve durante a comissão de serviço na Guiné,  e o mais que se lhe oferecer dizer...

Esclareça, em todo o caso, o seguinte, com o seu pai: provavelmente o Álvaro Lemos era de rendição individual, para regressar só em 1969... A CCAÇ 1622 regressou a casa em 18/8/1968 e esteve em vários sítios, para além de Aldeia Formosa e Mejo (que eram no sul, na região de Tombali)...

Pergunte ao seu pai: a que subunidade pertenceu, de facto ? À CCAÇ 1622 (1966/68) ou outra, sediada, até 1969, em Aldeia Formosa?  O alf mil  Pereira Gomes, esse, já percebemos, pertencia à  Companhia de Caçadores 1622, do BART 1896 (Buba e Bissau, 1966/68), comandado pelo ten cor art Celestino da Cunha Rodrigues. (Temos cerca de duas dezenas de referências a este batalhão.)
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Nota do editor:

Últumo poste da série > 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20264: Em busca de... (299): Camaradas do ex-alf mil António Vieira Abreu, recentemente falecido em Lisboa, e que pode ter pertencido ao BART 1904 (Bissau e Bambadinca, jan 67 / out 69) (João Crisóstomo, Nova Iorque; Manuel Carvalho Gondomar; José Martins, Odivelas)

Guiné 61/74 - P20637: Parabéns a você (1755): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20630: Parabéns a você (1754): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20636: Agenda cultural (729): Lisboa, 8 de fevereiro de 2020, na apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial": quando o Alentejo e o Gabu se tocam - Parte II: "Lá vai uma embarcação" (, moda alusiva ao embarque de tropas para a guerra colonial, interpretada pelo grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa)


  Vídeo (2' 12'') > Alojado em Luís Graça > Nhabijoes (2020)



Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 >  Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: memórias de Gabu" (Lisboa, Edições Colibri, 2019, 220 pp.)(*)

Momento cultural: atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa. Moda alusiva ao embarque de tropas para a guerra colonial: "Lá vai uma embarcação / Por esses mares fora, / Por aqueles que lá vão / Há muita gente que chora"... Reproduz-se a letra mais abaixo.

Trata-se de uma homenagem sentida a um combatente da terra, o José Saúde, nascido em Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa (em 23/11/1950), mas que foi cedo para Beja, a sua segunda terra, onde ainda hoje vive e onde nasceram as suas duas filhas, Marta e Rita. 

Os dois concelhos viram sacrificados,  no "altar da Pátria", 69 dos seus filhos, durante a guerra do ultramar/guerra colonial: 35, de Beja; 34, de Serpa... Só a freguesia de Aldeia Nova de São Bento teve 10 mortos, uma terra que viu decrescer a sua população para menos de metade em pouco de meio século: 8.842 habitantes em 1950, 3.073 em 2011. Passou a vila em 1988, mas os seus filhos, os que lá vivem e os que estão na diáspora alentejana, continuam a tratá-la carinhosamente como Aldeia Nova de São Bento (, terra onde também nasceu o encenador Filipe la Féria, e onde também poderia ter nascido o António Zambujo, mas por acaso nasceu em Beja, em 1975).

Há uma versão original desta moda, de 1973, gravada pelo  Trio Guadiana e o Quim Barreiros (como acordeonista). Segundo Miguel Catarino, "esta gravação data de 1973 e pertence à Banda 1 da Face A do disco EP de 45 R.P.M. editado pela 'Orfeu, etiqueta da 'Arnaldo Trindade e Companhia, Lda.', matriz 'ATEP 6514', em que o Trio Guadiana, acompanhado pelo acordeão de Quim Barreiros, interpreta quatro modas regionais alentejanas populares, com arranjos musicais do acordeonista. Esta moda é uma das mais pungentes que existe no Cante Alentejano, de seu nome 'Tão Triste Ver Partir', conhecida também como 'Lá Vai Uma Embarcação' ".

Convirá acrescentar que isto não é "cante", mas tem as suas raízes na música tradicional alentejana. No cante, não se usam, em regra, instrumentos musicais. Abrem-se exceções para a viola campaniça... 

A voz é o único (e grande) instrumento do cante, música do trabalho, do lazer e do protesto, cantada nos campos, na rua e na taberna... Em grupo, sempre em grupo.. Homens e mulheres, se bem que os grupos corais femininos só tenham começado a aparecer há 3 décadas, por razões socioculturais... Mas as mulheres sempre cantaram, em grupo, com os homens no duro trabalho agrícola... Em grupo, num coro polifónico, "à capela" que não deixa ninguém indiferente: ou se ama ou se odeia..Um alentejano (do Baixo Alentejo) nunca conta(va) sozinho. No campo, trabalhava-se em "rancho", e cantava-se em "rancho"...O "cante" amenizava a dureza do trabalho e da vida no Alentejo dos latifúnidos...

Mas a propósito desta moda... Recordo que o Zé Saúde já não foi em nenhum T/T "Niassa", "Uíge" ou "Ana Malfalda". Foi num Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares, em 2 de agosto  de 1973... A solução via áerea era mais segura e rápida,  evitando,  por outro lado,  a "maçada", para o regime,  das "cenas de despedida lancinantes", no Cais da Rocha Conde de Óbidos...




Lá vai uma embarcação (**)

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares fora,
Lá vai uma embarcação.

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares a fora,
Lá vai uma embarcação. 


[Revisão, fixação de texto: LG]

Contacto de "Os Alentejanos",
música tradicional Alentejana, Serpa

Telem: 962 766 339 / 938 527 595

Email: joaocataluna@gmail.com
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Notas do editor:

(*) Último poste da série
> 9 de fevereiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20635: Agenda cultural (728): Lisboa, 8 de fevereiro de 2020, na apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial": quando o Alentejo e o Gabu se tocam - Parte I: as primeiras fotos

Guiné 61/74 - P20635: Agenda cultural (728): Lisboa, 8 de fevereiro de 2020, na apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial": quando o Alentejo e o Gabu se tocam - Parte I: as primeiras fotos


O mundo é pequeno... "Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro": O Zé Saúde com a sua "descêndia": duas lindas filhas, dois amorosos genros, quatro netos e netas ternurentos, nove livros publicados... E amigos por toda  parte, desde  a Aldeia Nova de São Bento ( ninguém lhe chama Vila...) até à Tabanca Grande.


O Zé Saúde, agradecendo no fim a presença, fraterna e solidária, do seus conterrâneos, o "Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento", grandes embaixadores do "Cante", vedetas nacionais e internacionais... Têm 3 concertos, esgotados, no CCB, Grande Auditório, em Lisboa, sala que tem cerca de 1500 lugares.


Outros dos amigos do Zé Saúde, que já conhecíamos de 2013: o "Grupo Musical Os Alentejanos de Serpa" (1)


Outros dos amigos do Zé Saúde, que já conhecíamos de 2013: o "Grupo Musical Os Alentejanos de Serpa" (2)


A dra. Rosa Calado, diretora cultural da Casa do Alentejo, saudando o amigo e escritor alentejano José Saúde, e desejando as boas vindas a todos os convidados....É a esposa do nosso camarada Fernando Calado, ela de de Beja, ele de Ferreira do Alentejo. Chamo-lhe,por graça, "a ministra da cultura do Alentejo"...  Por curiosidade, refira-se que a Casa do Alentejo tem um restaurante e uma taberna com cerca de 500 lugares. Dá trabalho a 40 pessoas. E organiza eventos: tem a agenda cheia até maio de 2020..


O editor  António Mão de Ferro, domo da chancela "Colibri", no uso da palavra


O maj gen ref Raul Luís  Cunha foi o segundo apresentador da obra, a seguir ao editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... Raul Cunha, ranger e comando, e também juiz militar, nasceu em Moçambique, na antiga Lourenço Marques...  Entre outras funções, foi Conselheiro Militar do Representante Especial do Secretário-Geral da ONU no Kosovo (2005-2009).


Neto e neta do Zé Saúde: a festa é deles..


Aspeto inicial (e parcial) da assistência: na fila da frente, da metade direita do salão:   da esquerda para a direita, reconheço o Fernando Calado, a esposa do maj gen Raul Luís Cunha, a Alice Carneiro, a esposa do Manuel Joaquim... e claro, o Manuel Joaquim, que tem pena de não ser alentejano.. A seu lado, um dos genros do Zé Saúde.


Genros e netos do Zé Saúde, mais a Alice Carneira e a esposa do maj gen Raul Luís Cunha, que é natural de Beja.


Aspeto inicial (e parcial) da assistência: na fila da frente, da metade esquerda  do salão: muitos e bons amigos, além de sócios da Casa do Alentejo, estiveram presentes neste evennto. A "claque de apoio alentejana" não faltou... Até porque o "programa cultural" prometia, com os pesos pesados do Cante...


O maj gen Raul Luís Cunha e o cor pilav Miguel Pessoa, que eu fiz questão de apresentar com um dos nossos bravos da FAP... Passaram ambos pela Academia Militar, mas com 8 anos de diferença. Não se conheciam pessoalmente.


Da esquerda para a direita, os camaradas da Tabanca Grande, Francisco Godinho (, alentejano de Moura), Giselda Pessoa, Miguel Pessoa e Manuel Joaquim, mais a sua Deonilde


Na fila para os autógrafos, o primeiro da esquerda, de perfuil é o nosso tabanqueiro da Tabanca da Linha e da Tabanca Grande, natural da Aldeia Nova de São Bento, o Manuel Macias...


Mais dois grã-tabanqueiros: o Acácio Correia e o António Ramalho... O Acácio Correia foi alf mil, cmdt do 3.º Gr Comb da CArt 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74)... O   António Ramalho,por seu turno, foi fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de vinte referências no nosso blogue]... Finalmente pude conhecer, "a cores e ao vivo", o nosso camarada Ramalho.


Fernando Calado (que pertence aos corpos sociais da Casa do Alentejo) mais o Humberto Reis, dois camaradas de Bambadinca: alf mil trms (CCS/ BCAÇ 2852, 1968/70), e fur mil op esp / ranger, CCAÇ 12 (1969/71)... Houve mais camaradas que apareceram, e que não ficaram na fotografia: Manuel Resende, régulo da Tabanca da Linha, Hélder Sousa, Joaquim Pinto de Carvalho (e esposa, Maria do Céu)...


A banca com o livro e a representante das Edições Colibri

Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Lançamento do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)


Fotos (e legendas: © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Guiné 61/74 - P20634: Blogues da nossa blogosfera (121): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (36): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

DAQUI TE ESCREVO

ADÃO CRUZ


© ADÃO CRUZ

Daqui te escrevo
onde o mar não existe
onde as mãos do silêncio
não tardam a entrar
no silêncio da tarde.
Daqui te escrevo
nesta tarde de silêncio
onde a memória da tarde
arde em silêncio
no mar das tuas mãos.
Daqui te escrevo
onde o deserto é imenso
e a sede do mar cresce em silêncio
no silêncio da tarde.
Daqui te escrevo
onde o mar não existe
e o deserto é imenso.
Daqui te escrevo
desta tarde sem fim
onde arde a cidade sem mar.
e o deserto sem cidade.
Daqui te escrevo
onde arde em silêncio
na tarde das tuas mãos
todo o silêncio da tarde.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20617: Blogues da nossa blogosfera (119): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (35): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20633: Blogpoesia (659): "A voz da consciência", "Por entre matas e florestas" e "Como borboleta livre...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


A voz da consciência

Sempre presente,
nas sendas da vida,
uma voz nos fala,
nos alerta para o bem e para o recto.
Está inscrita.
É a marca registada.
Foi lá posta pelo Autor.
Sim ou não.
Não se deixa influenciar.
Tem a perspectiva das alturas.
Vê à frente.
Se antecipa ao devir da nossa vontade.
Não regateia seu aplauso.
Nunca esquece.
É paciente.
Não se cansa.
Sempre alerta.
Espera sempre até que acordes.
Ganhas sempre se a seguires...

Berlim, 8 de Fevereiro de 2020
7h52m
Jlmg

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Por entre matas e florestas

Me embrenho esbaforido por entre as matas e densas florestas.
Calcorreio os caminhos e veredas.
Cobertos de caruma e silvas rasteiras.
Vou desbravar sombras e segredos, ali escondidos.
Ouvir as vozes e os lamentos que silvam entre as ramagens.
Seguir a rota erma do silêncio, rumo ao horizonte da solidão libertadora.
Espero surpreender tesouros dos tempos idos.
Vou ceifar males que lá se acoitam, por medo à vingança.
Onde não há espaço virgem para mais sementes.
Onde vicejam as sombras desavergonhadas da civilização.
Só regressarei, se ali encontrar um rio sereno e calmo que, de vez, me liberte.

Ouvindo Rimsky-Korsakov: Scheherazade op.35 - Leif Segerstam - Sinfónica de Galitia
Berlim, 7 de Fevereiro de 2020
7h58m
Jlmg

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Como borboleta livre...

Como borboleta de asas coloridas, vou adejando as minhas asas.
Beijando as flores.
Sorvendo o seu néctar e perfume.
Elaborando meus eflúvios e demandando a beleza irresistível.
Na suavidade da natureza rica e sedutora.
Me associo aos namorados devorando amor e sorrindo ao nascer de cada sol.
Na candura matinal que envolve nosso viver.
Depois, regresso ao seio do meu íntimo, saboreando cada gesto puro de beleza...

Ouvindo Stefan Jackiw plays Beethoven Romance in F
Berlim, 6 de Fevereiro de 2020
9h08m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20616: Blogpoesia (658): "Falta-me o tema", "Amigo total e fiel" e "Assustado. Não aflito...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20632: Os nossos seres, saberes e lazeres (376): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,
Chamar a Bruxelas a capital da Europa pode ser uma pura condescendência dado o facto de ali se sediarem as principais instituições europeias, manda o rigor que se afirme que a Europa não tem capital. Aqui não se fala, em concreto, nem nas relações entre Portugal e a Flandres, nem do que atrai os nossos imigrantes ou o que da Bélgica pensam os funcionários que ali labutam com origem portuguesa. O que aqui se exprime é um olhar de fascínio, sem disfarce de alguém que aqui encontra originalidade, aprazimento, regressa quantas vezes for possível alvoraçado e parte pronto a retornar, já não é só Bruxelas, são as Ardenas, o que está na Valónia e na Flandres, é tudo perto, aquele país encantador é uma soma dos nossos Alentejos, uma superfície parecida com a da Guiné-Bissau.
E não há um recanto que não mereça ser conhecido. Como aqui se faz profissão de fé.

Um abraço do
Mário


A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (4)

Beja Santos

Nas primeiras arremetidas por Bruxelas, aí pela década de 1980, o viandante foi atraído por um edifício perto da Rua Royale, foi tudo questão de ter saído de um albergue onde pernoitou para uma reunião nas instituições europeias, meteu-se ao caminho, o edifício do Jardim Botânico chamou-lhe a atenção, pô-lo na lista para uma visita de um próximo fim de semana. Recorda belas exposições que aqui visitou, uma delas de fotografias de transatlânticos decorados no estilo Arte-Nova. O atual jardim é obra dos anos 20 do século XIX, dispõe-se em belos terraços, umas vezes de estilo francês nos jardins superiores, italiano nos espaços intermédios e à moda inglesa nos terrenos inferiores, com belo tanque. Os edifícios que integram as estufas e o espaço científico são do estilo neoclássico. Na década de 1980, depois de alguns trabalhos de restauro abriu no Botânico o Centro Cultural da Comunidade Francesa da Bélgica. Aqui perto está o Hotel Puccini, aqui se acolhia o genial compositor de ópera nas suas estadias em Bruxelas. É visita que o viandante ainda não fez, um dia será.

Jardim Botânico de Bruxelas.

Hoje é praticamente impossível entrar em La Monnaie e comprar um bilhete, as temporadas são curtas, altamente disputadas, os bilhetes sobrantes orçam para cima de cem euros. O viandante tem memórias privilegiadas de grandes espetáculos a que aqui assistiu. Um deles, memorável, pagou cinco euros. Chegara à cidade já passava das quatro horas, arrumou a trouxa na baiuca, bebeu e trincou algo, lançou-se no centro da cidade, atendendo à hora mais não podia do que por ali passarinhar, o comércio fechava. Nisto, entrou pela bilheteira de La Monnaie, dentro de minutos, pelas 18 horas, iniciava-se uma récita de Tristão e Isolda. Que não, que não havia lugares, mostrou-se profundamente triste, de cabeça baixa, braços caídos, como se estivesse condenado. A senhora apiedou-se, perguntou-lhe se estava disposto a ficar no sexto andar, numa posição vertiginosa, era lugar que se dava a estudantes de música, a título excecional. Perante o inacreditável, pagou, correu pelas escadas até ficar no tal lugar vertiginoso, foram cinco horas aproximadamente da melhor música que Wagner compôs, a apreciação é exclusivamente sua, vieram-lhe as lágrimas aos olhos quando Isolda morre depois de cantar uma ária impressionante. É por isso que aqui bate à porta, guarda todas estas inexcedíveis lembranças e espera que seja assim até ao fim dos dias.

Teatro La Monnaie.

Nunca viu o Grand Sablon com esta iluminação, houve um tempo em que descobriu um modestíssimo hotel na Rua dos Mínimos, não muito longe de uma igreja onde há belíssimos concertos ao meio-dia, depois de jantado percorria calmamente estas ruas com vitrinas iluminadas de galerias de arte e artigos luxuosos. Aqui se sediam estabelecimentos para gente altamente abonada que queira arte exótica, restaurante sofisticados, por exemplo. Na sua sala, o viandante guarda uma esplêndida recordação dos belos tempos em que era possível trazer um candeeiro de teto encaixotado. Entrou no estabelecimento de velharias, embeiçou-se por um candeeiro, quando se preparava para sair por julgar impensável transportar no avião tal peça, o proprietário garantiu-lhe que o ia desmontar e meter no caixote. Em Lisboa, um perito remontou a belíssima peça com três focos. Lá está no teto para relembrar aquela saga vivida no Grand Sablon.

Le Grand Sablon.

L’Atomium é um dos ícones de Bruxelas, está no Parque do Heysel, este nome está seguramente no ouvido do leitor, num estádio próximo, numa final da Taça dos Campeões Europeus, houve para ali uma mortandade incrível, depois de uma série de arruaças entre falanges rivais, salvo erro ingleses e italianos. O viandante por aqui passeou e bem apreciou as conceções estilísticas entre as duas guerras, há para ali muito boa Arte-Deco. O Atomium é uma peça gigantesca, símbolo da Ciência e da Tecnologia. Foi edificada para a Exposição Universal de 1958. Pesa 2400 toneladas, tem uma altura superior a 100 metros e as suas nove esferas possuem um diâmetro de 18 metros. O Atomium lembra a Torre Eiffel, não foi concebido para ficar, a voz do povo teve muita força. Foi restaurado em 1993, há no seu interior um restaurante e nalgumas esferas pode-se visitar uma exposição alusiva aos progressos da Medicina.

L’Atomium.

Lembrança sempre nítida que o viandante guarda é o Parque do Cinquentenário. Almoçava e despachava-se da cantina do edifício da Comissão Europeia para se passear neste parque onde se fez a Exposição Universal de 1897. Há para aqui vários museus, sempre que pode ele vem até aos museus reais de Arte e de História, o seu acervo é de um valor impressionante, tem peças que foram oferecidas aos duques da Borgonha, aos Habsburgo, possui coleções de antiguidades do Próximo Oriente, da Grécia, da Etrúria e de Roma, tem rica tapeçaria e o seu espólio medieval, a título exemplificativo veja-se esta placa medieval. Fica-se sem palavras.

Placa medieval, peça do Museu do Cinquentenário.

A Bélgica é uma das primeiras potências económicas ao dobrar do século XIX. O rei é riquíssimo, é o proprietário do Congo, a Valónia possui minas, a Flandres os portos, Antuérpia está à frente. É num contexto de riqueza que as novas classes se insurgem contra os estilos românticos, sentem-se atraídas por uma estética livre que radica no movimento inglês Arts and Crafts, liderado pelo genial William Morris. De potência económica, a Bélgica tornar-se-á uma grande potência de Arte Nova com Victor Horta e Paul Hankar como talentos maiores. Ainda hoje se circula no centro histórico e nos maravilhamos com edifícios incomparáveis. Sugere-se aos interessados que preparem previamente o seu passeio Arte-Nova, contem, pelo menos com dois dias em Bruxelas.

La Maison Saint-Cyr, expoente da Arte-Nova.

La Maison Cauchie: o assombro da fachada num quadro de harmonia absoluta.

Bruxelas prima por parques e jardins, para já não falar na frondosa e grandiosa floresta de Soignes. Quando o viandante firmou o lastro da amizade com André Cornerotte, muito se passeou à entrada da floresta de Soignes até chegar a esta abadia. Aqui ocorreu um dia um episódio de grande ternura. Numa conversa no café local, apurou-se que o proprietário recebia com muito desvelo, décadas a fio, uma senhora do bairro, ali almoçava sem nunca faltar, aos sábados, badalava o meio-dia, e Madame, graciosamente, fazia a sua entrada. Um dia faltou, o estalajadeiro procurou-a, soube que tinha falecido. E passados uns meses entrou o filho de Madame, vinha cumprir uma disposição testamentária, coubera-lhe receber o automóvel de Madame. Isto contado assim não faz lacrimejar nenhum olho, era preciso ver o estalajadeiro a gesticular e a emocionar-se com a mais inesperada das lembranças. Isto muito perto desta abadia. Para que conste.

L’Abbaye du Rouge Cloître.

Ponha-se termo a este dia de viagem, puras lembranças. Que belas exposições se visitaram neste museu comunal de Ixelles! E mesmo quando não havia uma exposição de arromba, a coleção artística é de estalo, basta pensar no acervo de cartazes de Toulouse-Lautrec, único fora da França, graças a um colecionador que tudo ofereceu ao museu da sua terra.

Musée Communal d’Ixelles.


La Cité du Logis… O viandante conhece-a metro por metro, rua por rua, qualquer passeio é um aprazimento. Felizmente que há ainda uma amiga que dá guarida, é tudo uma questão de acordar datas, talvez amanhã, talvez no próximo ano, ambos sabem que Bruxelas bate no coração deste portuga, sempre alvoraçado por aqui chegar. Porque a viagem nunca acaba, só os viajantes é que acabam (José Saramago dixit).

La Cité du Logis, Watermael-Boitsfort.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20613: Os nossos seres, saberes e lazeres (375): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20631: A minha máquina fotográfica (20): carta de amor à minha querida Olympus Pen, comprada em Nova Lamego, em 1973, numa loja de libaneses (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS/ BART 6523, 1973/74)



Olympus Pen  [EE, 1959 ?]

(...) "Máquina fotográfica analógica produzida pela Olympus no formato half-frame que apenas ocupa metade de um negativo de 35mm e portanto duplica o total de exposições nos respetivos rolos (24exp=48exp, 36exp=72exp).

A primeira pen foi produzida em 1959 e tornou-se uma das mais pequenas máquinas fotográficas a usar rolo de 35mm, pensava-se que era tão portátil quanto uma esferográfica, daí o nome Pen. (...) A versão EE-S foi produzida nos anos 60 e vem substituir a anterior EE com uma lente mais luminosa." (...)


O modelo EE-S (1962-8) custa hoje cerca de 75 euros [o equivalente em 1973 a 355 escudos da metrópole; c. 320 pesos]


Foto nº 1 >  Nova Lamego: c. 1973/74: a "menina do Gabu", uma "filha do vento"... Morreria, mais tarde, de doença,  aos 12 anos.


Foto nº 2 > Nova Lamego, c. 1973/74 > O "ranger" no seu quarto, no quartel de Nova Lamego


Foto nº 3 >  Nova Lamego, c. 1973//4 : o rádio de pilhas e a decoração erótica que "humanizava" e "climatizava" o universo concentracionário dos aquartelamentos 


Foto nº 4 > Gabu, c. 1973/74 : numa tabanca fula, o "ranger" e a menina com irmão ás costas


Foto nº 5 > Bafatá, c. 1973/74: a rua principal, o rio Geba ao fundo


Foto nº 6 > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > 1973 > O cais fluvial do Xime, na margem esquerda do Geba Estreito


Foto nº 7  > Gabu, c. 1973/74 > Uma aldeia fula, crianças em tempo de guerra


Foto nº 8 > Nova Lamego: 14 de março de 1974 > Dia de juramento de bandeira de uma companhia de milícias, com a presença do alferes graduado cmd Marcelino da Mata > "Dia de ronco", com um grupo de músicos que tocavam música afro-mandinga (com os tradicionais instrumenos: kora, à esquerda, e balafon, à direita) > Os militares, de pé, na terceira fila (o Zé Saúde, de óculos escuros) e as mulheres grandes, sentadas, na segunda fila.


Foto nº 9 > Nova Lamego > s/d > Vista aérea do quartel novo e da pista de aviação, Foto do fur mil Amílcar Ramos, que pertencia à BAA (Bateria Anti-Aérea)


Foto nº 10 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis": 


Foto nº 11 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis":  o fur mil minas e armadilhas Santos mais um soldado


Foto nº  12 > Gabu, c. 1973/74 > O "ranger" José Saúde


Foto nº 13 >  Gabu, c. 1973/74 > No mato


Foto nº 14 > 2/8/1973 > Aquando da chegada a Bissau, nos barracões do QG/CTIG, destinados aos sargentos, com o Ramos, fur mil ranger que há de desertar, mais tarde, para o PAIGC


Foto nº  15  > Nova Lamego, c. 1973/74: Uma equipa de futebol (reduzida): de pé, Santos, Dias, "Maia" e Fonseca. Em primeiro plano, Zé Saúde e Rui


Foto nº 16 >  Gabu, c. 1973/74  algures numa tabanca > Encontro com o velho do cachimbo


Foto nº 17  > Nova Lamego, c. 1973/74  > Lavadeiras, "duquesas do quartel"


Foto nº 18 > Nova Lameg, c. 1973/74 > No quarto, lendo "Um Deus na Palma da Mão", romance de Josúé da Silva (Edições Plexo, 1973, 368 pp.)


Foto nº  19 >  Nova Lamego, c. 1973/74 > Cozinha da messe de sragentos > O Zé Saúde, parodiando o  "sermão aos peixes" do Padre António Vieira...


Foto nº   20 > Bafatá > Pós-25 de Abril de 1974 >  Delegação do PAIGC

Fotos (e legendas): © José Saúde  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Carta de amor à minha  querida máquina fotográfica Olympus Pen: obrigado pelas tuas imagens  (*)

por José Saúde

Olho, hoje, para ti e relembro os momentos em que foste, para mim, uma insofismável companheira!

Comprei-te numa loja de libaneses, em Nova Lamego. A aquisição baseou-se, essencialmente, sobre uma carência pressupostamente sentida quando ostentava, ainda, a alcunha de "piriquito". 

Optei, no ato da compra, pela marca que já conhecia e fiz menção que o seu manuseamento fosse o mais simples possível. Vislumbrava no horizonte que poderias, em momentos cruciais, debitares imagens capitais para mais tarde recordar.

Seguias viagem no bolso do camuflado e a tua humilde ação apresentou-se, a espaços, importante para a reposição de reproduções que nos leva a viajar nas asas do vento e trazer à memória pedaços de indeléveis recordações. 

O teu aspeto simples, e de mecânica sumária, jamais me deu o mínimo de problemas ou/e de preocupações. Ou seja, tu, a minha Olympus,  eras uma máquina divinal. Não recordo o teu custo exato. Talvez uns quinhentos ou setecentos e cinquenta pesos [equivalente, a preços de hoje a 105 € e 158 €, respetivamente].

Afirmo, por outro lado, que a generalidade dos documentos visualizados nesta obra, tiveram como base tu, meu pequeno brinquedo que teimosamente acostou junto a este antigo combatente - sem nome - que prestou serviço militar em território da Guiné.

O clique não obedecia a cuidados antecipados. A visualização do objetivo não apresentava dificuldades pré-concebidas. Colocava-te na posição de automática e saía, normalmente, uma imagem de se lhe tirar o chapéu. Contigo, minha querida Olympus, recolhi pormenores de gentes que viviam no meio de duas frentes de guerra que impunham leis horrendas no terreno.

Recolhi imagens de crianças que muito cedo se habituaram a ouvir os sons horripilantes das armas de fogo que serviam simplesmente para matar outros homens considerados inimigos. Imagens de homens e de mulheres grandes que serviam, por vezes, de fúteis objetos. Em prol da sobrevivência tudo se aceitavam.

A guerra, a tal maldita guerra, traçava horizontes deveras débeis. Melhor, medonhos. Gentes que caminhavam para o campo com uma aparente ligeireza. Pareciam conhecer, e bem, os trilhos do medo. E tudo se conjugava numa irreverente certeza: a população era um alvo apetecível para as duas frentes de guerra. E o povo sabia que eram seres importantes num xadrez de incertezas.

Tu,  minha Olympus, ias acumulando, pausadamente, registos que hoje me fazem recuar no tempo e trazer à estampa nacos de memórias inesquecíveis. Fomos combatentes na Guiné. Convivemos, ambos, , com a guerra e a paz. Conhecemos o odor da desgraça.

Vimos companheiros perderem a vida em plena juventude em defesa de interesses alheios. Estropiados que sempre reclamaram uma maior justiça social. Outros que ainda coabitam com traumas psíquicos de um conflito que lhes quebrou uma vida saudável. Outros que tentam passar imunes a problemas mentais que sistematicamente lhes causam problemas no seio familiar ou na comunidade.

Enfim, um rol de aromas nauseabundas de um tempo sem tempo que desafiou gerações transversais e que nos obrigou a combater num conflito sem rumo.

Para ti,  minha querida Olympus, que continuo a guardar devotamente no baú da saudade, vai o meu muito obrigado.

Zé Saúde (**)

[daptação, revisão, fixação de texto: LG]
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Nota do  editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

5 de janeiro de 2015> Guiné 63/74 - P14121: A minha máquina fotográfica (19): Quando embarquei no T/T Índia, em julho de 1964, já levava uma Kodak... Ficou-me no rio de Canjambari... (António Bastos,ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14113: A minha máquina fotográfica (18): A minha máquina foi comigo da Metrópole mas já conhecia os cantos da guerra. Tinha feito uma comissão de serviço, para os lados de Bissum, com um irmão meu, entre 1970 e 1972 (Albano Costa)

31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

21 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14061: A minha máquina fotográfica (16): Comprei uma Olympus 35 SP e um projetor de "slides" na casa Pintozinho, em Bissau (César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14047: A minha máquina fotográfica (15): Comprei-a em 73, em Bissau por 5.000 pesos, que utilizei durante muitos anos na vida civil e fez algumas viagens ao estrangeiro na década de 80 (Agostinho Gaspar)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14046: A minha máquina fotográdfica (14): Comprei-a logo nos primeiros dias em Bissau, numa loja de material fotográfico ao lado do forte da Amura, em Julho de 1968, com dois colegas do curso de Mafra, o Rego e o Amorim. Eram todas iguais, marca “Fujica” (Fernando Gouveia)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14045: A minha máquina fotográdfica (13): Tive, desse tempo, uma Kowa SE T que depois vendi; e tenho ainda uma Minolta SR T 101... Se um dia quiserem fazer um museu com as "máquinas de guerra", contem com a minha... Não a vendo, tem um grande valor sentimental... (Manuel Resende, ex-alf mil, CCaç 2585, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)

15 de dezembro de2014 > Guiné 63/74 - P14030: A minha máquina fotográfica (12): Ainda tenho, operacional, a minha Fujica Compact S, comprada em finais de 1972, em Bissau (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)


13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14018: A minha máquina fotográfica (9): a minha "arma de recordações" era uma Chinon M-1... E também tenho uma Olympus Pen D3, à espera, há 40 anos, de ser entregue ao seu dono: o ex-fur mil Guerreiro, da CCAÇ 13, algarvio de Boliqueime, tanto quanto sei... Ele por favor que me contacte... Foi o libanês Alfredo Kali que me encarregou da encomenda... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14012: A Minha Máquina Fotográfica (8): A minha era uma AGFA Silette I que comprei em Bissau antes de me ir cobrir de glória na região de Cacine, corria o auspicioso ano de 1968 (António J. Pereira da Costa, cor art ref, ex-alf art, CART 1692, Cacine, 1968/69; ex-cap art, CART 3494, Xime, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)

11 de dezembro de 2014 > Guiné 63774 - P14007: A minha máquina fotográfica (6): (i) levei da metrópole um "caixote" Kodak; e (ii) em Bafatá comprei uma Franka Solida Record, alemã (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14006: A minha máquina fotográfica (5): (i) comprei a minha Yashica Linx 5000 em Bissau por 3 contos; (ii) e que tal criar-se um museu de máquinas fotográficas de guerra? (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)

9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13990: A minha máquina fotográfica (3): (i) A Kodak Brownie Fiesta foi, depois da G3, a minha segunda companheira do mato (Vitor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71); (ii) tive uma Olympus Trip 35 (António Murta, ex-allf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13989: A minha máquina fotográfica (2): (i) a minha velhina Yashica, comprada no T/T Uíge: e (ii) os calotes dos trabalhos fotográficos em Empada (Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 / BCAÇ 1932, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13987: A minha máquina fotográfica (1): (i) da velhíssima Kodak do meu pai à minha Canonet; (ii) da Filmarte (Lisboa) à Foto Íris (Bissau); e (iii) das minhas fotos importantes, a preto e branco (Mário Gaspar, ex-fur mil at art minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Vd. poste de 4 de dezembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens