sábado, 4 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21139: Os nossos seres, saberes e lazeres (400): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2019:

Queridos amigos
Aqui fica se dá conta do rescaldo de imagens que o viandante guardou por lhes ter atribuído poder sentimental, é capaz de as rever e de voltar àqueles sítios, afogueado pelo prazer do que captou, as razões que o impeliram a fotografar uma muralha gigantesca, uma escada-rolante de metro, um belíssimo mosaico romano, um palácio sumptuoso daqueles Bourbon endinheirados, expulsos por Napoleão, que também deixou marcas, era um daqueles que pensava estar à frente de um império para toda a vida.
São estes recortes que agora se partilham e que marcam não uma despedida definitiva de viajante, está pronto a regressar ou mudar de agulha para outro poiso, mas que não pode deixar de testemunhar que Nápoles lhe enche as medidas e que logo que possa aqui vem arribar.

Um abraço do
Mário


Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (11)

Beja Santos

Trazer fotografias numa câmara fotográfica ou num telemóvel, em quantidade e variedade, permite uma triagem que assegure consistência e lógica ao que se pretende oferecer ao leitor, nas visitas diárias, com comentários acessórios. Uma semana é manifestamente insuficiente para percorrer Nápoles e belezas vizinhas. Havia que fazer escolhas, e disso o viandante não está arrependido. Deixou-se o percurso da Nápoles greco-romana para um museu e na visita a Herculano. Ao museu não se foi, e diz-se com amargura, é um dos museus arqueológicos mais notáveis, goza justificadamente de reputação mundial, deu-se ênfase à magnificência dos Bourbon, e daí esta recolha de imagens da visita ao palácio-real de Caserta, um barroco quase sempre triunfal, não se poupou no ouro, no mármore. Acontece que o mundo dá muitas voltas e o mobiliário é transferido para outros sítios, e percorre-se este palácio com a noção de que o espaço e as coisas não coincidem acertadamente. Além dos Bourbon, passearam-se por aqui familiares de Napoleão, obviamente que deixaram marcas do estilo império, e daí a escolha da cama e de um motivo pictórico de um teto. Não se pode dizer que não há harmonia entre o barroco e o estilo imperial sonhado por Bonaparte.




É durante a visita a Caserta, que foi possível ao viandante aproximar-se de uma janela e colher esta vista até à grande distância, as cadeias montanhosas não faltam, nada têm a ver com Alpes ou Apeninos, que ficam mais acima. O que chamou a atenção são as vias que nos aproximam do palácio real e pelas quais temos que partir para apanhar um comboio ou outro transporte.


Ficaram estes mosaicos por publicar da visita a Herculano, foi dia inesquecível, percorreu-se todo aquele casario que os arqueólogos reabilitaram, a posição da cidade é admirável e as escavações permitem que se caminhe de cima para baixo, e depois entramos por aquelas ruas que dão acesso a habitações multifamiliares, entra-se noutra casa com pavimentos de mosaicos, segue-se outra que tem jardim interior, andamos pelos quartos, visitamos os banhos, os locais onde se vendia comida, residências patrícias, mas resta dizer que os mosaicos, podem não rivalizar com o que se encontra em Pompeia, mas são magníficos, é o caso deste.


Inesquecível foi a viagem a Ravello, com as suas villas e notável igreja, para já não falar das panorâmicas sumptuosas da costa amalfitana. O que aqui se mostra é um quadro patente no Museu de Villa Rufolo, um púlpito admirável da igreja de Ravello, e por fim a casinha onde se pernoitou, oferecendo olhares desafogados pela montanha, pelas praias, pelos socalcos a cair sobre Amalfi.




Já se fez o elogio do metro de Nápoles, o que aqui se mostra é um indicador desse talento de acrescentar um pormenor a uma banal escada-rolante e provocar a sensação de que estamos a caminho de uma nave espacial, há aqui algo de estratosférico, e a solução é bem simples, uns simples aros metálicos, uma luz apropriada e um teto a condizer. o viandante sempre se empolgou com a arte dos metropolitanos, claro que Moscovo é a essência do luxo, Lenine queria que as estações fossem palácios do povo, o que aqui se vislumbra é a comodidade associada a uma organização do espaço que gera necessariamente apaziguamento e bem-estar. Caso não seja o que pretenderam os promotores do espaço, é esta a leitura do viandante. E ponto final.


Voltamos ao Castelo de Sant’Elmo, é um dos pontos altos de Nápoles, o viandante andou à volta deste conjunto de transatlânticos de pedra, a construção foi feita para defender, para nela se viver e nela se aprisionar. Convém não esquecer que foi daqui que saiu a Portuguesa de Nápoles, Leonor da Fonseca Pimentel, para a execução, ela era republicana, República de pouca dura, fortemente reprimida pelos Bourbon e tropas pontifícias, é a agonia do absolutismo. Anda-se em torno destas toneladas de pedra, é uma sensação de esmagamento.



É do ponto mais alto de Sant’Elmo que nos podemos deliciar com a vastidão de espaço que nos liberta o olhar. Mas o olhar engana, tudo começa pela fruição e depois dá-se conta de que aquela neblina é densa poluição, a razão é muito simples, trata-se de uma elevadíssima densidade populacional, um excesso de gente por metro quadrado, Nápoles é conhecida pela barulheira do tráfego, impressiona a quantidade de motas e motoretas que circulam em todas as direções. Há aqui uma cortina ou um véu que nos obriga a pensar que a mudança climática exige novos meios de transporte muitíssimo menos poluentes.


Estamos agora na Cartuxa e Museu Nacional de São Martinho, é a visita subsequente à do Castelo de Sant’Elmo. É um dos momentos mais impressionantes da visita ao Museu Nacional, a área dos presépios. O viandante nunca vira coisa parecida, por ali andou estarrecido a ver os jogos de luzes, quando andou na catequese este episódio natalício era obrigatório: o nascimento do Deus-Menino numa manjedoura, exaltado pelos humildes e pelos poderosos da Terra, e o Pai convocara para esse momento culminante um cortejo glorioso de anjos, Gloria in excelsis Deo. Daí a beleza incomparável que esta coreografia permite, seja qual for o grau de religiosidade de quem contempla a Natividade.


Aqui se põe termo à recapitulação do que ficou destas vistas folgadas e faustosas, é a despedida dos pontos elevados da cidade, depois foi a descida até à marginal, passeando por bairros típicos e também da burguesia chique, a baía de Nápoles é de uma beleza incomparável, capta-se este plano com uma pontinha de nostalgia, urge voltar, mas há um sentimento de quem se sente contrafeito por ter deixado tanta coisa por ver. Então recorda-se José Saramago quando escreveu que a viagem nunca acaba, só os viajantes é que acabam, ou porque ficam desiludidos por calcorrear as terras de outro bicho-homem ou porque a idade não perdoa. Felizmente que o viandante ainda está numa idade perdoável, e já fez juras para aqui voltar.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21114: Os nossos seres, saberes e lazeres (399): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21138: Ser solidário (233): Viagem à Guiné-Bissau (de 15 a 28/2/2020), homenagem em Suzana ao cap cav Luis Filipe Rei Vilar (1941-1970), relatório e contas do projeto Kassumai, e a nova associação Anghilau (criança, em felupe) (Manuel Rei Vilar)


A nova Associação Anghilau (criança, em felupe)


1.  Mensagem do nosso amigo Manuel Rei Vilar, irmão do nosso saudoso camarada cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), primeiro comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71):


Data - quarta, 1/07/2020, 23:00

Assunto - Relatório de Actividades do Projecto Kassumai 2019-2020



Caríssimos Padrinhos, Madrinhas e Amigos do Projeto Kassumai (*)

Aqui vos envio os Relatório de Atividades do nosso Projeto de Apadrinhamento e as primícias da nova Associação Anghilau. 

Incluo neste relatório intermediário de 2020, uma récita da nossa viagem à Guiné-Bissau que se realizou no passado mês de fevereiro que teve como objetivo reinaugurar o Jardim-Escola de Suzana depois do restauro e dar a conhecer a realidade do Chão Felupe, de Suzana e também da Guiné-Bissau.

Espero encontrar-vos todos de ótima saúde nestes momentos que difíceis que todos vivemos. Todo o cuidado é pouco! O vírus ainda anda por aí e precisamos de muita prudência.

Kassumai
Manuel Rei Vilar



RELATO DA NOSSA VIAGEM À GUINÉ-BISSAU 
DE 15 A 28 DE FEVEREIRO DE 2020  (**)

A nossa viagem à Guiné correu sem incidentes. No momento do desembarque em Bissau, fomos rodeados por uma equipa de técnicos de saúde que nos mediram a temperatura e nos pediram para assinarmos uma ficha de saúde. 

Foi muito estranho, pois isto passou-se muito antes do primeiro caso de COVID em Portugal (2 de março) ter aparecido.

Depois de chegarmos a Bissau e termos pernoitado no Hotel Coimbra onde encontrámos o nosso guia e amigo Adriano Djaman, seguimos para Suzana no minibus que o Adriano se tinha encarregado de alugar para a nossa viagem. 

A viagem para Suzana faz-se bem até S. Domingos com estradas alcatroadas e pontes que ligam canais, rios e riachos ao longo do itinerário até S. Domingos. Depois as coisas mudam de figura e temos de enfrentar uma picada de 30 km até Suzana em que cheia de covas e buracos de grande densidade superficial. 

Aos safanões lá se chega a Suzana que fica assim bastante isolada visto que o estado da estrada a torna impraticável a muitas viaturas. 

A nossa chegada foi festejada por um grupo de mulheres de Suzana e as entidades da Escola que nos vieram esperar. E aí, perante tanta alegria e votos de boas-vindas, já os buracos e as covas da Estrada de S. Domingos caíram no esquecimento. Com muitas danças e sorrisos fomos assim acolhidos pelos nossos amigos Felupes. Com muita emoção e muito regozijo reconhecemo-nos uns aos outros com muitos abraços e sorrisos. É emocionante a humanidade que encontramos neste pais e neste Chão Felupe.

Fomos recebidos na Missão Católica e tivemos a alegria de encontrar o Padre Zé (Giuseppe Fumagalli que conheceu o Capitão), um pouco vergado pela idade mas cheio de satisfação e brilho nos olhos por nos ver. Disse que neste momento estava a compor uma Missa Crioula. 

Também encontrámos a Irmã Rute que é quem trata da população e que tem uma enfermaria na Missão Católica. Pela primeira vez conheci o meu amigo Olálio, dirigente local da ONG VIDA assim como o Padre Vítor que tanto nos têm ajudado nas nossas realizações. 

Depois de termos uma pequena reunião com os professores e começarmos a analisar as necessidades da Escola, dirigimo-nos para Varela, uma localidade a 15 km de Suzana, junto a uma bela praia. 

Depois de nos instalarmos no confortável Aparthotel da Avó Aniza que dispõe de um bom restaurante, fomos até à praia tomar uma rica banhoca. A praia é grande é linda apesar do mar ir fortemente devastando a orla marítima.

No dia seguinte mela manhã dirigimo-nos para Suzana onde deveríamos participar na reinauguração do Jardim-Escola que ficaria batizado Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar. 

Curioso, realmente o passado colonial português. Num momento em que tantas estátuas, ligadas ao colonialismo são derrubadas, em Suzana o nome do Comandante da Companhia que ficou na memória dos Felupes por mais de 50 anos, foi dado ao seu Jardim-Escola, celebrando assim a fundação da Escola de Suzana pelo Capitão. 

Alguns dos antigos alunos vieram-nos cumprimentar apresentando-se como “sopitos”, nome dado às crianças que antes de regressarem às suas casas, eram reconfortadas, partilhando do rancho dos soldados. 

Também foi uma ocasião de reencontrarmos alguns dos nossos afilhados. Um grupo de várias dezenas de crianças bem vestidos e impecáveis cantou e encantou-nos com as suas canções, algumas bem conhecidas dos portugueses. Uma delas foi o “Hino dos Combatentes” recordando os combatentes do PAIGC caídos durante a guerra e recordando-nos a todos que houve combatentes que caíram dos dois lados. 

O Padre Vítor fez um poema ao Capitão que ele recitou com três meninos mais crescidos. Foi então que a placa do Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar foi destapada. 

Depois visitámos as novas instalações completamente restauradas desde o chão até ao telhado, com a nova mobília adequada às atividades escolares das crianças e as novas instalações sanitárias munidas de uma fossa sética. No entanto, a água ainda terá de ser conduzida até às instalações e será necessário instalar um grande lavatório para a higiene das crianças. Um gradeamento envolve o espaço escolar permitindo uma maior segurança para as crianças.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Susana > 18 de fevereiro de 2020 > Os irmãos Rei Vilar (da esquerda para a direita, Manuel, Miguel e Duarte),   em dia de homenagem ao seu irmão mais velho, o  cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva.


A escola de Suzana tem hoje 734 alunos, do Jardim-Escola até ao nono ano, tendo 36 professores dos quais 24 diplomados. No entanto, um dos principais problemas é o facto de não haver uma residência para os Professores. Do facto, estes não se fixam em Suzana e têm tendência a partir.

Quando estivemos em Suzana em 2018, encontrámos 35 alunos no Jardim-Escola. Atualmente, este número duplicou e vai ser necessário duplicar as instalações. Também nos foi pedido material e jogos educativos e filmes para as crianças. A Missão Católica assegura a compra de um televisor para as projeções.

Depois de termos tido mais algumas reuniões com os professores, com homens e mulheres do Conselho de Suzana dirigimo-nos para fora da Tabanca, para o sítio onde o Capitão foi mortalmente atingido, precisamente no dia 18 de fevereiro de 1970. Faria 50 anos! 

Quem nos diria que tudo isto aconteceria 50 anos depois desse malogrado dia em que tive de anunciar à minha mãe que o Luís tinha morrido. Essa tragédia nunca a esqueceremos! Desta forma transformamo-la em algo de positivo!




Voltámos para Varela onde outros deliciosos banhos de mar nos esperavam antes de partirmos no dia seguinte para outra tabanca do Cacheu, Batau, a tabanca do Padre Vítor que não nos pôde acompanhar nessa visita. 
Batau fica numa zona recuada do Cacheu perto de Calequisse. 

Saímos de manhã em direção a S. Domingos onde esperamos durante algumas horas a embarcação que nos levaria a Cacheu, uma cidade importante na Rota da Escravatura. Depois da travessia através Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, chegámos à cidade de Cacheu, situada na margem esquerda do rio. 

Cacheu foi um dos primeiros estabelecimentos portugueses na Guiné e serviu durante vários anos como um centro dedicado ao comércio de escravos. Ai, visitámos a fortaleza portuguesa do século XVI, onde foram depositadas várias estátuas de navegadores e governadores portugueses da Província. Cacheu foi durante várias décadas um centro importante do comércio de escravos. 

Em frente da fortaleza, encontra-se um Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro. Entrámos no Memorial onde estava a decorrer o I Simpósio Internacional "Cacheu caminho de Escravos, Histórias e memórias da escravatura e do tráfico na África ocidental". 

No Memorial descreve-se em vários quadros a história desta página negra da Humanidade. Esta história não é só portuguesa mas o comércio de escravos também foi alimentado, infelizmente, pelos próprios africanos. De qualquer forma aqui é relembrada e explicada no interior deste Memorial. 

Uma excelente exposição de tecidos guineenses encontrava-se nesse momento dentro do Memorial. É de referir aqui os lindíssimos tecidos que são produzidos na Guiné. 

Passámos a noite em Canchungo [ex-Teixeira Pinto] num hotel de uma estrela no máximo. Conseguimos arranjar jantar...mas foi difícil! Frango para todos. Estava tudo muito bom! Ninguém se queixou, nem ficou doente... mas devo dizer que aqui houve improvisação. Somos uns estoicos!

No dia seguinte, rumámos para Batau [, a sul de Calequisse, a oeste de Canchungo,] onde nos esperava uma grande comitiva. Toda a aldeia nos veio receber. Ai, visitámos a Escola que foi construída pela população assim como uma horta organizada pelas senhoras da aldeia para poderem pagar aos professores. O Daniel Gomes, um homem de Batau, chefe de uma família numerosa e polígama, acompanhou-nos na visita à horta da Escola
. 

A Escola encontra-se em muito mau estado, a precisar de pinturas e arranjos. As carteiras são feitas de grandes pranchas de poilão, a árvore sagrada da Guiné. As pessoas da aldeia acompanharam-nos nessa visita. Também eles nos pediram ajuda para as obras na Escola e para comprarem uma debulhadora de arroz. Como fazer para os ajudarmos? Se alguém tiver alguma ideia, será sempre bem-vinda. 

Os alunos da escola todos reunidos brindaram-nos com cantos luso-guineenses à sombra acolhedora do poilão. Foi um dia cheio de emoção ao encontrarmos esta gente acolhedora e generosa, oferecendo-nos um almoço muito saboroso. Depois, conversamos sobre as necessidades da população em geral e da Escola em particular. 

Despedimo-nos com lágrimas nos olhos. Gente boa e organizada neste país, um dos mais pobres do mundo. Há poucos dias, o Daniel Gomes escreveu-me a anunciar a morte do seu filho de 20 anos. Teve uma dor de barriga e dois dias depois faleceu! Provavelmente, uma apendicite. É assim a vida na Guiné, onde a assistência médica é praticamente inexistente! 

Depois de regressarmos a Bissau e passarmos a noite no Hotel Coimbra, navegamos numa lancha rápida no arquipélago dos Bijagós durante 4 horas até atingirmos a ilha de Orango onde tínhamos reservado no Orango Park Hotel. Este hotel diz que o produto das estadias é reservado à educação das crianças da tabanca mais próxima. No entanto, as crianças da tabanca não parecem muito bem tratadas. 


Em Orango deu para relaxarmos todas as emoções da viagem. Tivemos algum contacto com a população das tabancas mais próximas e visitámos a ilha de Uno, com uma paisagem variada com bosques de mangais e grandes poilões robustos e naturalmente esculpidos junto a uma grande lagoa circundada por plantações de arroz. A população da tabanca vizinha foi muito acolhedora. As mulheres a extrair o óleo de palma e os homens a observarem os visitantes.

Para terminar, regressamos a Bissau ao célebre Hotel Coimbra, o tal da livraria, no dia 24 de fevereiro. No dia 25 era terça-feira gorda, portanto em pleno carnaval, o Adriano levou-nos ao desfile que neste ano se realizava no Estádio de Bissau. Estava um sol abrasador! O Adriano, com os conhecimentos dele, entre outros o Ministro da Cultura da Guiné-Bissau, conseguindo-nos lugares de pé ao lado da tribuna presidencial. 


Manuel Rei Vilar
(2010)
Foi aí que assistimos a um espetáculo absolutamente grandioso. Cada etnia da Guiné tinha preparado uma representação com danças e acrobacias, tudo isto acompanhado por uma trupe de músicos e cantores. Um grande certame das competências de cada grupo. E finalmente, foi o grupo de Cacheu que saiu vencedor. [Vd. vídeo na página do Facebook do Manuel Rei Vilar.]

No dia 27 foram as eleições acompanhadas de um Golpe de Estado.

Ainda deu para visitarmos o Museu Etnográfico de Bissau, deveras interessante, guiados pelo diretor do Museu.




TRABALHOS REALIZADOS EM 2019

Com a vossa preciosa ajuda conseguimos renovar completamente o edifício do Jardim-Escola de Suzana, instalarmos durante 2019 novos sanitários, um Espaço para as Refeições e abrigo das intempéries assim como uma cerca à volta da Escola. 


Além disso pudemos também adquirir mobiliário necessário para a educação das crianças do Jardim-escola, construído por uma cooperativa de carpintaria de jovens. 

Atualmente, as crianças dispõem de um ambiente propício à instrução e educação graças à vossa solidariedade. Não esquecemos também a ajuda dos diversos intervenientes da aldeia, nomeadamente, a Missão Católica por intermédio do Padre Abraão e do Padre Victor, a ONG Vida através do nosso dinâmico amigo Olálio Neves Trindade, a dedicação dos operários que participaram na obra assim como o entusiasmo da População de Suzana. 

A todos, as crianças de Suzana agradecem. 



ASSOCIAÇÃO ANGHILAU 

Pensámos também que neste momento, seria útil modificarmos o nosso estatuto de Projeto Kassumai para passarmos a ser uma Associação com fins não lucrativos. 
Assim, reconhecidos oficialmente, este novo estatuto poder-nos-á trazer vantagens do ponto de vista tributário e igualmente do ponto de vista legal. 

De qualquer forma, continuaremos a funcionar exatamente da mesma maneira que temos funcionado até agora, sempre com os mesmos objetivos. 

Criámos assim a ASSOCIAÇÃO ANGHILAU (Anghilau significa criança em língua Felupe) no dia 11 de fevereiro de 2020. No dia 8 de março realizámos uma Assembleia Eleitoral para elegermos os Órgãos Sociais. Foram eleitos: 

MESA DA ASSEMBLEIA GERAL 

Presidente - Ivone Maria Domingues Félix
Secretária - Ana Maria da Conceição Ferraria
Relatora - Mónica Bento Lopes da Silva


DIREÇÃO 

Presidente - Manuel Rei Vilar
Vice-Presidente - Duarte Rei Vilar
Vice-Presidente - Miguel Rei Vilar
Secretária - Júlia Ribeiro dos Santos
Tesoureiro - Claude Piétrain

CONSELHO FISCAL


Presidente - Carlos José Vaz
Secretária - Ana Maria Botelho do Rego
Relator - José Constantino Costa



Dentro em breve, ser-vos-á enviada uma Ficha de Inscrição que vos pedia o favor de preencherem para a admissão como associado na Associação Anghilau. 



RELATÓRIO DE CONTAS DO PROJECTO KASSUMAI



Projeto Kassumai
Resultados do Ano 2019
Donativos (desde o inicio)
21.611,08 €
Despesas (desde o inicio)
13.846,35 €
Donativos em 2019
5.662,50 €
Despesas em 2019
9.237,62 €
Saldo
7.764,73 €

Despesas bancárias 2019/2020 = 258,11 € 


PERSPECTIVAS PARA 2020 

As perspetivas para este ano 2020 estão apresentadas no quadros seguintes.

Em resumo, as necessidades são:

· Instalação de água e lavabos nos sanitários;

· Compra de Material Escolar Educativo, Lúdico e Cultural

· Trabalhos de acabamento do Liceu de Suzana;

· Participação na criação duma Residência para os professores;

· Participação na Formação de duas educadoras. 









Fotos: © Manuel Rei  Vilar (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné 61/74 - P21137: Parabéns a você (1834): Jorge Ferreira, ex-Alf Mil Inf da 3.ª CCAÇ (Guiné, 1961/63)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21131: Parabéns a você (1833): António Nobre, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969/70)

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Guiné 61/74 – P21136: Memórias de Gabú (José Saúde) (93): Piriquitos exploram o centro de Nova Lamego (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Camaradas,

Viajo pelas subtis aureolas do tempo, que em minha opinião se aceita, e detenho-me perante a minha chegada por terras de Gabu. É óbvio que antiga Nova Lamego era, para todos nós, um cenário desconhecido. Neste contexto, deixo-vos com um pequeno texto que incluo no meu último livro (nono) “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu” para os camaradas se reverem com os princípios que marcaram intermináveis comissões.

Piriquitos exploram o centro de Nova Lamego
Passeio na “5.ª Avenida”

Suavizavam o ar com o odor de uma “penugem” que os então piriquitos, nome usado pela tropa mais velha para identificar os recém-chegados a solo guineense, lançavam para o infinito de um horizonte inimaginável e onde surgiam quadros pesarosos pintados pelo negro de uma incerteza. Porém, a incubação nos ovos chegava ao fim. Tínhamos avezinhas. Um esticão de asas, um apalpar no escuro, uma vertigem dos mais fracos, o vociferar dos conteúdos da guerra, o trocar opiniões sobre os estratagemas do inimigo, as emboscadas, as minas, os ataques noturnos aos quartéis, entre tantos outros motes aflorados, davam azo a uma conversa sempre indeterminada entre o grupo acabado de chegar ao Leste da Guiné.

Cenário: a “5.ª Avenida” de Nova Lamego, quais turistas a passearem-se pelas ruas chiques das grandes metrópoles americanas! Ao fundo da dita cuja (“5.ª Avenida”), eis o grupo a abancar no bar da Pensão Mar e a refrescar-se com as aprazíveis sagres. Era o princípio de uma jornada por terras de além-mar. Outras fainas se seguiriam!


Refastelados à volta de uma mesa o grupo de furriéis ressarciam-se com as cervejolas fresquinhas

A Guiné parecia apenas um sonho. Aliás, jamais me tinha ocorrido à ideia que o meu futuro militar me reservasse, como virtual conjetura, conhecer um dia a realidade da guerrilha no terreno guineense e as suas famosas bolanhas.

Falava-se da Guiné como o diabo foge da cruz. A guerra naquela província do Ultramar era terrível. Traçavam-se cenários mórbidos. A rapaziada comentava e a mensagem passava de boca em boca. Mas o destino contemplou-me e eu, tal como grande parte dos rapazes desses tempos, não fugi a esse fim. Fui e voltei tal como parti, restando resquícios de histórias que contemporizam o meu calendário de vida.

Camaradas houve, e foram muitos, que já não usufruem, infelizmente, do prazer de partilhar momentos de convívio e narrar as suas histórias de vida. Uns, morreram em combate na densidade de um mato cerrado; outros, faleceram numa emboscada; outros, encontraram a morte em ataques aos quartéis; outros, fecharam definitivamente os olhos em famigerados rebentamentos de minas anticarro e antipessoal e, ainda, há aqueles que morreram em momentos de pura infelicidade.

Desastres com viaturas militares ou armas de fogo, carimbaram o seu derradeiro fim.

Convivi com situações que me deixavam apreensivo quando em causa esteve a razão do último adeus. Momentos fatídicos, mórbidos, de camaradas que ousaram abusar do facilitismo e se deixaram cair, inadvertidamente, em fatídicos fins proibidos. Exemplifico o infeliz que encontrou a morte a limpar a arma esquecendo, entretanto, que tinha deixado uma bala na câmara e outros em estúpidos acidentes com viaturas militares, todos, ou quase todos, temos histórias desta estirpe para contar.

Olho, atentamente, para duas fotos do meu álbum – Guiné – e revejo um passeio pela “avenida” principal de Nova Lamego, nos primeiros dias em que ali “ancorámos”. O clique foi justamente dado em frente a uma casa onde residiam duas irmãs cabo-verdianas que eram professoras primárias na escola local.

Vivendo momentos de uma juventude no seu auge, alguns furriéis e alferes, andavam doidos com as meninas que, por sinal, eram boas como o milho. Recordo que a malta andava mesmo vidrada com aquele duo de airosas donzelas mestiças. Parceiros? Não lhes conheci. Passemos à frente…

O grupo de turistas, todos janotas, embevecidos com a beleza natural que os rodeava e o cheiro a África a inalar as nossas narinas, eis o grupo de piriquitos, à civil, sentados a uma mesa do bar da Pensão Mar. Um nome que nada tinha a ver com a realidade deparada. O mais indicado, na nossa conceção, seria substituir Mar por Bolanha. O mar, lá longe, nem vê-lo. A bolanha era, isso sim, o afrodisíaco mosaico constatado em terrenos circundantes, bem como em quase todo o território guineense. Mas aceitava-se a decisão do seu mentor.

África é sumptuosa no consumo de bebidas, principalmente cerveja. O calor afirma-se como um aditivo determinante pelo prazer de consulares gargantas ressarcidas. Num convívio saudável ficou uma tarde de passeio na apelidada “5.ª Avenida”, o alforge recheado de cervejas bebidas e um conhecimento mais profícuo de uma urbe onde as bajudas passeavam os seus corpos embrulhados em pedaços de panos garridos que torneavam a preceito os seus joviais e esbeltos físicos.

O militar – piriquito – apreciava e… imaginava cenários quiçá inalcançáveis. Coisas de uma juventude irreverente…


Piriquitos desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o Cardoso, Operações Especiais/Ranger, Eu, o Santos, Minas e Armadilhas, Freitas e o Rui, Operações Especiais/Ranger

Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. também os postes: 

27 DE ABRIL DE 2020 > Guiné 61/74 – P20909 Memórias de Gabú (José Saúde) (92): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” (José Saúde)

Guiné 61/74 - P21135: Bombolom XXIV (Paulo Salgado): Memória, em catadupas, as minhas memórias, que são, afinal, memórias dos outros



1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 30 de Junho de 2020:

Camaradas Editores do nosso Blogue

O meu Bombolom (não sei que número…).

Abro os “Diários da Guiné” do Mário Beja Santos, recebidos ontem, dia 29 de Junho de 2020, em tempo de pandemia. Vieram-me à memória, em catadupas, as minhas memórias, que são, afinal, memórias dos outros. Do Suleiman Seidi e do Nhindé Cudé, sargento e alferes de segunda linha, do Jam Fodé, comerciante próspero, e as crianças, e as mulheres, sobretudo a Kadi. Dos soldados, melhor dos soldadinhos (que éramos todos). Para falar deles todos não bastam os livros que escrevi, os livros que li, as narrativas de outros camaradas (gosto de usar a palavra camarada, já o afirmei aqui no blogue, carregada de um duplo sentimento: a partilha da caserna no que ela tem de físico – portanto uma conotação militar – e da noção imanente de companheiro, amigo, até do ponto de vista psicológico; ora, ainda valeria a pena falar no sentido de camarada de ideologia, mas isso nem sempre aconteceu, claro, salvo raras excepções). Para falar deles teria que os ouvir – e foi isso que fiz enquanto cooperante – indo em sua busca. Já estive com eles no meu “Guiné – Crónicas de Guerra e Amor”, e por lá passei no meu “Milando ou Andanças por África”. Até no livro infantil 7 Histórias para o Xavier, meu neto.


Mas hoje quero dizer, clamar, o quão satisfeito fiquei ao abrir o primeiro volume dos Diários. E logo me saltou a ideia de agradecer ao Mário Beja Santos: a delicada dedicatória, a nota explicativa, merecida, dirigida ao Luís Graça, e o comentário oportuno do Virgínio Briote. O que me chamou a atenção – desculpar-me-eis – foram as “leituras de guerra”. Apetece-me dizer: diz-me o que leste e dir-te-ei o que foi para ti o tempo de guerra, em termos de passar o tempo, o tempo vivido para lá das emboscadas e das cambanças e dos tarrafos e dos rios e das morteiradas e dos tiros. O Beja Santos, que me desculpe esta falha de não ter ainda comigo a obra; agora vou ler o sumo que vasto é, e que me trará – quem sabe? – alguma ideia nova.

Uma última palavra neste bombolom de hoje: para mim, a minha escrita está fortemente “agarrada” ao que passei em África. Lá, no Olossato, na Sintra da Guiné, como referiu há tempos o Beja Santos, povoação que visitámos os quatro, num Fiat 127 (!) em 1991, ele, a minha mulher, Conceição Salgado, a minha filha a Maria Paula, e eu, que por lá andou a fazer o 11.º ano e que, feito o doutoramento, quis uma viagem à Guiné, como prémio.

Um abraço. Um agradecimento ao historiador Mário Beja Santos.

Outro aos editores. Merecido. Pela persistência.
Paulo Salgado
30.06.2020
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20106: Bombolom IV (Paulo Salgado): Primeira Guerra e Guerra Colonial

Guiné 61/74 - P21134: Tabanca Grande (496): Gonçalo Inocentes, ex-fur mil, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490: de rendição individual (1964/65), natural de Angola, reformado da TAP, escritor... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 810


Guiné > Bissau > Brá > c. 1964/65 > o fur mil Gonçalo Inocentes,  angolano, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423 e pela CCAV 488, entre 1964 e 1965

Fotos (e legendas): © Gonçalo Inocentes  (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem Gonçalo Inocentes, que passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 810

Data: terça, 23/06/2020, 14:47



Luís, encantado com a recepção (*).

Fui mobilizado em rendição individual em Abril de 64 como furriel. Fui direitinho da EPC [, Escola Prática de Cavalaria] em Santarém para a CCAÇ 423 em S. João.

Como eles já tinham um ano de comissão,  eu fiquei e fui a seguir colocado na CCav 488 [Bissau e Jumbembem, 1963/65]. Quando eles cumpriram o tempo, eu já tinha mais de 16 meses,  pelo que  acabei por regressar com eles sem ter cumprido os dois anos. Tive sorte.

Regressei a Angola, onde nasci [, em 1940], para exercer a profissão de Regente Agrícola.

Quatro  anos depois fiz a agulha e passei-me para a aviação. O meu primeiro trabalho foi voar para os quarteis do norte para fazer reabastecimentos. Acabei na linha aérea (TAAG) e, com a descolonização,  acabei na TAP onde permaneci até ser apanhado por um enfarte cardíaco o que me levou para a reforma.

Aí comecei a escrever, editando a história da Escola Agrícola de Santarém. Depois a história da Sociedade Agrícola da Cassequel, onde trabalhei como técnico [, e onde também trabalhou o Amílcar Cabral, em 1956, como engenheiro Agrónomo].

Depois editei a história de um naufrágio, em 1724, na ilha de Porto Santo, de um galeão holandês. 

Editei também um livro de arte e poesia em coautoria com uma artista, bem como um de poesia escrito por um tio falecido. Em espera e já escritos tenho a minha história na aviação, a influência das mulheres no meu percurso de vida, uma viagem desde o mar do Norte até Vilamoura em veleiro de 10 m, o restauro de um veleiro clássico. 

Assim, meio resumido,  aqui vai o meu percurso.

Como página do meu livro da Guiné, atendendo ao período que estamos agora a passar, envio um bem curioso, sem qualquer tiro.

Quanto a livros podem ser vistos alguns no Google em Gonçalo Inocentes (Matheos).

Como fotos segue uma da Guiné tirada no quartel de Brá e outra actual.
É bom ficar abrigado na grande tabanca.

Outro alfabravo
Gonçalo


2. Comentário do editor LG:

Camarada Gonçalo, depois de um primeiro poste (*), e da manifestação da tua vontade em ficar "abrigado" sob o nosso poilão (simbólico, as fraterno, mágico, protetor...), cabe-me completar a tua apresentação à Tabanca Grande, conforme mail que já te enviei ontem,

Passamos a ser, contigo, 810, os camaradas e amigos da Guiné... 10% infelizmente já não estão, fisicamente, entre, são aqueles bravos que já partiram para a última viagem...

Camaradas são os de armas, amigos são familiares de ex-combatentes (viúvas, filhos, irmãos), e alguns guineenses ou gente especialmente interessada pela Guiné e pela guerra de 1961/74 (investigadores, etc.). 

Temos gente das 3 armas, e da grande maioria das unidades que passaram pelo CTIG. Partilhamos memórias (e afectos). Temos algumas regras, simples e consensuais, que é pressuposto aceitares tacitamente

Faço a tua apresentação, com os elementos que me mandaste, incluindo o pequeno excerto do teu livro ), que reproduzo abaixo).

Vai dando notícias e manda mais colaboração: se achares oportuno podemos abrir uma série para ti, com pequenas histórias / memórias de 1964/65... Ou outras, que achares por bem, de "outras guerras".

Boa saúde, boas escritas, e que os bons irãs da Tabanca Grande te protejam,
Luís Graça


PS - O alferes miliciano  e escritor Armor Pires Mota, é também da tua da CCAV 488. Natural de Oliveira do Bairro, região da Bairrada, onde nasceu em 1939, honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande onde tem quase uma centena de referências, Lembras-te dele?

O alferes Santos Andrade escreveu, em verso, a história do BCAV 490. Podes encontrar no blogue muitos postes com excertos do livrinho, cuja capa se reproduz (, imagem à direita). Lembras-te dele?

Temos apenas meia dúzia de referências à CCAÇ 423... Mais de 3 dezenas à CCAV 488. Vais gostar desta foto, abaixo reproduzida, que eu presumo tenha sido tirada em Jumbembém


Guiné > Região do Pio > Jumbembem > CCAV 488 (Bissau e Jumbembem, 1963/65) > Emblema da CCAV 488, desenhado com "garrafas de cerveja"... Foto do 1º cabo  Augusto Mota,  especialista em material de segurança cripto, hoje a viver  no Brasil,  que, pelas funções no QG, nunca saiu de Bissau (***)... Tinha um amigo em Jumbembém  a quem enviava jornais e revistas.

Foto (e legenda): © Augusto Mota (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Pormenor da capa do Gonçalo Inocentes (Matheos),  "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (ModoCromia, no prelo).



Brasão do BCAV 490  (Bissau, Como e Farim, 1963/65)


3. Excerto do livro"O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65"

A Diarreia

por Gonçalo Inocentes (Matheos)

As diarreias,  Senhor!

As diarreias são um desequilíbrio que nos deixa completamente desequilibrados porque é como se estivéssemos a desfazer-nos de dentro para fora.

São péssimas quando aparecem e quando aparecem em certos lugares e ocasiões são simplesmente demolidoras.

Há diarreias singulares e surtos epidémicos.

Agora imagine-se um surto de epidémico de diarreia num grupo de combate, no decorrer de uma acção militar nas matas da Guiné. É surreal.

É surreal de facto. Homens caminhando em duas linhas, afastados como é norma, de arma aperrada prontinha a disparar e no silêncio da mata quando nem os bichos se manifestavam, há uma voz sumida que diz: “é agora!”.

Toda a coluna estaca, joelho no chão e o infeliz

 afasta-se um metro para o lado, despe as calçasrápido porque não há tempo, observa bem não vá haver uma cobra por ali e, descarrega.

Não há papel e muito menos higiénico, mas há folhas de plantas que usadas com cuidado limpam e não deixam lá formigas.

E segue-se outro e outro, mais outro correndo a vez a todos mas diga-se: o inimigo nunca nos apanhou com as calças em baixo.

Vivi isto nas matas de Quinhará e deixámos para o inimigo um rastro diarreico, malcheiroso, desagradável até para os formigueiros. Autênticas minas que quando pisadas não matam, mas desmoralizam pra caramba.

E lembrei-me disto, porquê? De facto, desde a dita Guerra da Guiné que terminámos de forma vil, que a nossa Governação se tem caracterizado por uma diarreia epidémica e crónica. Quando a coisa é boa para o povo, arruína as contas do estado, logo é efémera. Quando ajuda o orçamento é penosa para os mesmos de sempre, logo é perene.

Até dá a sensação de que houve uma praga pregada que, quanto mais corrermos mais nos borramos e quanto mais pararmos, mais nos dói. (p. 49)

____________


(**) Último poste da série > de 21 de junho de  2020 > Guiné 61/74 - P21097: Tabanca Grande (495): Acácio Fernando da Silva Mares, ex-Fur Mil Inf da 1.ª Comp/BCAÇ 4612/72) (Porto Gole, 1972/74), 809.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

(***) Vd. poste de 6 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...

Guiné 61/74 - P21133: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (9): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
A relação entre Annette e Paulo Guilherme evolui à roda de uma guerra onde o protagonista fora participante, cerca de trinta anos atrás, a intérprete belga acedera, num jeito de cumplicidade sem quaisquer outras consequências, a ir acompanhando a história dessa experiência na guerra colonial, mas tudo rapidamente se transforma, ambos já não escondem a atração mútua, ela própria fala em saudades, a correspondência é copiosa e os telefonemas constantes, a expetativa de reencontro começa a ser tórrida e Paulo Guilherme desvela aqueles primeiros meses e o amor que se vai entranhando pelo Cuor e pelas suas gentes.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (9): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Chère Annette, que maravilha, estivemos ao telefone tanto tempo ontem à noite, deu para mitigar as muitas saudades que tenho de si. Estou contentíssimo com o que se está a passar na evolução dos seus filhos, oxalá que tenham sucesso nas opções tomadas. Vejo que tem viajado pouco, tudo concentrado em Bruxelas ou quase, temo que, quando dentro de breves dias, lhe anunciar as minhas disponibilidades para a visitar (aguardo a qualquer momento a marcação de uma reunião urgente entre um serviço da Comissão Europeia e a Direção da Associação Europeia de Consumidores, de que faço parte), me vá responder que está na Irlanda ou na Dinamarca nessa altura. Faço figas para que tal não aconteça. Gostei muito do seu entusiasmo quando lhe falei do livro mais recente que publiquei, enviei-lhe um punhado de fotografias de alguns dos meus amigos que me deram o gosto de estar presentes.

Antes de adormecer, a minha querida Bruxelas, aquele território que tão bem conhece, assomou-me à mente, guardo ainda uma boa memória fotográfica. Logo aquele hotel que durante muito tempo foi um dos meus recursos mais baratos quando o George V estava cheio, o Mirabeau, na Place Fontainas, a Praça é mesmo incaraterística, dá para uma zona muito simpática, de gente alternativa, no Verão há imensas esplanadas, costumo passar por aqui até chegar à Grand-Place e depois tomo o metro na Gare Centrale ou se tenho tempo vou a pé até aos locais da reunião. Já a dormitar, imagine as imagens que me afluíram, primeiro o Museu de Ixelles, ainda não tive a felicidade de lá ir consigo, que belas exposições e que acervo permanente, houve para ali um doador que colecionava os cartazes de Toulose-Lautrec e deixou este fabuloso património a este museu comunal que se pode gabar de ter um dos maiores acervos de tais obras fora da França. E já na mais completa sonolência, sem qualquer lógica na sequência das recordações, como costumo ir comprar coisas aos meus filhos na Rua Nova, paro a fazer algumas orações na Igreja de Nossa Senhora da Finisterra, o monumento barroco que tem uma sumptuosidade contida, onde me sinto bem em recolhimento, às vezes sento-me ali já de mala aviada e com sacos dos presentes para os meus entes queridos. Tudo isto serve para dizer, se ainda subsistem dúvidas no seu pensamento, que o seu país me é profundamente caro, a ele volto com o coração aos pulos, mesmo quando passo um domingo fechado a trabalhar na organização de aulas ou coisa que o valha. Como é evidente, agora que a Annette me quer ouvir, é ao pé de si que me sinto bem nesses ditosos fins-de-semana. Estar na sua presença é uma exultação à vida, uma promessa de futuro ridente.

Agora procuro dar-lhe por escrito informações complementares àqueles primeiros meses de Missirá, tempo de adaptação, mas de descoberta, e não lhe quero esconder que ia ganhando uma enorme confiança neste novo relacionamento com os militares e os civis. De tal forma, que jamais os esqueci, e todos os dias agradeço ao Bom Deus com eles ter convivido.

 Praça Fontanais

 Museu Comunal de Ixelles

Igreja de Nossa Senhora da Finisterra

Havia pouco tempo em Missirá quando alguém matou esta temível cobra, uma surucucu. Aproveitei esta imagem recordatória para lhe comentar o fundo do que está a ver. São bidons encavalitados com chapas aplainadas, o objetivo é proteger quem por aqui circula no caso de uma flagelação. Por trás de mim está o primitivo balneário, logo que o contemplei pela primeira vez fiz a jura de o substituir rapidamente, quem ali entrava feria-se nas chapas cortantes, o cimento estava todo estalado onde púnhamos os pés, tomávamos banho calçados com sandálias de plástico, a água saía de um chuveiro com um cheiro oloroso a petróleo. Dentro de poucos meses, atravessaremos o rio Geba com um primoroso sistema de seis bidons interligados com três chuveiros, dando oportunidade a uma maior rotação no balneário, e depois de conversar com o régulo acordou-se que os homens e os jovens da população dele podiam usufruir, já que as mulheres e as crianças faziam a sua higiene quando iam lavar a roupa e trazer bilhas de água numa fonte chamada de Cancumba.

Tenho pena de não haver uma fotografia posterior com o novo balneário e os sanitários. Sim, os sanitários. Quando cheguei a Missirá, o Cabo Teixeira, com discrição, foi-me mostrar um local com vala para os nossos detritos sólidos e líquidos, não escondi a repugnância, muito em breve irá começar o meu assédio junto da delegação do Batalhão de Engenharia em Bambadinca, queria duas sanitas para criar dois compartimentos, só ganhei uma, o mesmo Cabo Teixeira concebeu a fossa, alisou-se o terreno, cimentou-se, fez-se porta. Eu sei que agora a Annette se vai rir com o que vou contar, um dia dirigi-me ao sanitário, vi a porta aberta e vi um dos meus soldados de pé, em cima da sanita, ele ficou confuso e eu aterrado, mais dia menos dia teríamos a sanita partida. Apercebendo-me que havia ali um problema cultural, e que a questão tinha os seus melindres, reuni a tropa e expliquei-lhes que se devia fazer um esforço para manter a higiene daquela instalação sobretudo não partir uma peça de cerâmica com todo o peso em cima, a vala ainda estava aberta e quem não pudesse ter o hábito de se sentar e de deixar o sanitário limpo depois de o usar, devia frequentar a vala. Para minha surpresa, a sanita mantinha-se irrepreensivelmente limpa depois de qualquer uso, um balde sempre cheio de água e um cesto para recolher papel usado. A higiene viera para ficar, os militares deixaram de ir à vala.


Annette, apresento-lhe um ângulo de Missirá, junto a uma porta que não é a principal, aí havia um cavalo de frisa, esta era a chamada Porta de Sansão, tinha torre de vigia, felizmente quando cheguei a Missirá já estava relativamente desbastada a área circundante, mas vi sempre com muita apreensão aqueles cajueiros onde se podiam instalar guerrilheiros na escuridão da noite. Mais tarde, alargou-se a distância, irei muitas vezes sair ou entrar pela Porta de Sansão, dava-nos a tranquilidade de caminhar a corta-mato, passava-se ao lado de Maná, mais adiante atravessava-se a estrada de Canturé e avançávamos pela região de Chicri, parecia um território lunar, umas formações em cogumelos, a laterite em pó, mesmo com as calças bem presas com atilhos, toda aquela poeira tinha o condão de subir até ao pescoço misturada com o suor, e assim caminhávamos até Mato de Cão, aproximadamente 12,5 quilómetros a partir desta Porta de Sansão. Como estamos em maré de intimidades, confesso-lhe que dava tudo para fazer este percurso debaixo de chuva torrencial ou com o sol inclemente, com aquelas ondas de calor que geram miragens como no deserto. E Chicri naquele tempo tinha um dos mais belos palmares, tantas vezes por ali passei e questionei como a natureza chega a ser esplendorosa em locais onde tanto sangue se derramou, como eu próprio experimentei.


Como é natural, procurei saber algo sobre esta família Soncó. Os comentários que me chegaram, o que pude ler, nunca me satisfez. Demorei muitos anos até chegar a um certo ponto da verdade. O avô do régulo Malam Soncó, de quem me irei transformar em irmão, dera muitas dores de cabeça às autoridades de Bolama, obrigou a que se tivesse feito uma expedição militar como jamais existira no Centro-Leste, governava Oliveira Muzanty, tudo se passou entre 1907 e 1908. Precisei de um dia ter acesso a um livro para conhecer Infali. Era uma família Beafada que viera do Forreá, e por isso se pode dizer que eram Beafadas mandinguizados, isto é, aceitaram a cultura Malinké e adotaram a sua língua.

Uma das pouquíssimas imagens de Infali Soncó, está sentado no centro, com uma arma na mão. Em breve, vai começar a guerra no Cuor, de que sairá derrotado, estamos em 1908. Fotografia retirada do álbum O Primeiro Fotógrafo de Guerra Português: José Henriques de Mello, por Alexandre Ramires e Mário Matos e Lemos, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008, com a devida vénia.


Despeço-me da Annette com esta fotografia, foi um dia muito feliz da minha vida. Informara ao anoitecer muito cedo, no dia seguinte, iríamos até Bambadinca. Tudo mentira, tinha que estar perto das 10 horas da manhã em Mato de Cão. Chamei em segredo o condutor Setúbal e disse-lhe para levar jerricãs em quantidade, o percurso seria o dobro, iríamos até Enxalé, uma completa surpresa. Estou de braço dado com Nhamô Soncó, ao lado do seu marido, Bacari Soncó, irmão do régulo Malam. A Nhamô leva a sua trouxa convencida de que vai para Bambadinca, deu gritos quando em Canturé virámos para Gambaná e fomos estrada fora até Mato de Cão. E mais gritos deu quando nos encaminhámos para o Enxalé. É uma história que mais tarde irei desenvolver quando esta pobre Nhamô for brutalmente ferida numa flagelação a Missirá, em junho de 1969.

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 26 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21111: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (8): A funda que arremessa para o fundo da memória