1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Setembro de 2018:
Queridos amigos,
O autor destes apontamentos universitários é um professor catedrático com larga bibliografia e ainda a dar aulas. É de questionar a utilidade do seu trabalho: a bibliografia não chega ao século XXI e não há contraditório; não se entende a organização deste trabalho em que se está a falar da Conferência de Berlim e logo adiante se fala das caraterísticas do colonialismo português em todo o Estado Novo. Para os saudosistas do Império Português, é no entanto uma obra interessante, na medida em que o autor detalha as sucessivas etapas da extinção do colonialismo português, primeiro com as intromissões que acabaram por ter força de Lei, dos impérios francês e britânico; e depois da Conferência de Berlim como sucessivos tratados diminuíram a presença portuguesa em África. Resta dizer que nem sempre foi assim como se exemplifica com a Convenção Luso-Francesa de 1886, em que se definiram as fronteiras da Guiné, o tratado deu largamente vantagens a Portugal, em termos de território para ocupar, mesmo à custa do sacrifício do Casamansa.
Um abraço do
Mário
O colonialismo europeu em África, séculos XIX e XX
Beja Santos
“O Colonialismo Europeu no Continente Africano”, por Mário Gonçalves Martins, Chiado Editora, 2017, é uma obra escolar destinada, segundo o autor, a um conjunto de unidades curriculares onde esta temática tem cabimento. Segundo o esquema anunciado pelo autor, temos três abordagens: os êxitos do colonialismo europeu em África; os obstáculos sentidos; os fracassos desse colonialismo.
É recordado que no início do século XIX os ingleses já estavam instalados na Índia, na África do Sul e no Canadá, possuíam colónias na Austrália, na Nova Zelândia, nas Caraíbas e na Guiana; a Holanda controlava a Indonésia; a França a Espanha e Portugal possuíam territórios ultramarinos e a partir da década de 1870 outras potências europeias deram sinal de vida em prol do expansionismo imperial. A partir de 1830 desencadeia-se na Europa um fenómeno que teve o nome de missão civilizadora, uma convergência da herança do iluminismo, da avidez dos recursos africanos, o que implicava a subjugação do território, a erradicação da escravatura e o espírito missionário. Em 1830, a França implanta-se na Argélia, por essa época a Grã-Bretanha conduz uma cruzada antiesclavagista e as entidades científicas começaram a enviar missões ao interior do continente. Em meados do século XIX, essa presença colonial era relativamente modesta: a França implantara-se na Argélia, na região da Senegâmbia e no Gabão; a Grã-Bretanha possuía a colónia do Cabo, a Serra Leoa e a Costa do Ouro, uma parcela do que virá a ser a Nigéria; Portugal possuía as colónias que irão ficar independentes entre 1974 e 1975. Em 1914, o mapa político era totalmente diferente, França, Itália, Grã-Bretanha, Alemanha, Portugal, Bélgica e Espanha eram as potências imperiais, desaparecera a soberania africana.
Mário Gonçalves Martins centra-se no que aconteceu depois da segunda metade desse século, a descoberta de riquezas, as explorações científicas, os grandes projetos de desenvolvimento, releva os interesses belgas, franceses, britânicos e alemães. Regista o que ele designa por direitos históricos de Portugal e a sua contestação por britânicos, franceses e alemães. E, inopinadamente, o autor dedica-se a falar das caraterísticas do colonialismo português, indicando uma estranhíssima bibliografia que não chega ao século XXI e onde não há contraditório.
Segue-se a Conferência de Berlim, são enunciadas as suas consequências e a partilha do continente.
Conferida esta dimensão de êxitos do colonialismo europeu, o autor centra-se nos obstáculos: as sublevações, as manifestações anticolonialistas, mormente depois da II Guerra Mundial e a deslocação da Guerra Fria para o continente africano, bem como para os anfiteatros da ONU. De novo o autor passa do geral para o particular e dá-nos uma resenha acerca das lutas contra o colonialismo português, designadamente o que se passou em Angola, na Guiné-Bissau e em Moçambique, que movimentos e agrupamentos aí se formaram. Essa oposição anticolonial também se manifestou na metrópole, fundamentalmente pelas manifestações apresentadas pela oposição, o descontentamento da Igreja Católica e o próprio sistema empresarial que a partir de dado momento se apercebeu que as despesas militares eram um verdadeiro entrave ao desenvolvimento português; e o autor esquematiza as contestações exógenas desde o Movimento dos não-Alinhados até aos nossos Estados independentes africanos.
E chegamos à terceira e derradeira parte do livro em que Manuel Gonçalves Martins enumera os fracassos do colonialismo europeu, tornado visível ainda na década de 1950, autêntico turbilhão a partir dos anos 1960. É sobre a extinção do colonialismo português que este autor expende uma opinião curiosa. Logo com a perda dos direitos históricos de Portugal concretizada durante a Conferência de Berlim (1884-1885) e nalguns tratados assinados entre Portugal e algumas potências europeias (1885-1914). Antes da Conferência de Berlim, a Grã-Bretanha intrometeu-se nas zonas de Cabinda, em Bolama, na Baía de Lourenço Marques; a França desde cedo pretendeu a supremacia sobre o rio Casamansa; a Associação Internacional do Congo infiltrou-se nos territórios da margem sul do Zaire; e o Transval assinou com Portugal um tratado sobre os limites de Moçambique que arrebatou o Império Português e uma importante região mineira ao sul do Lourenço Marques; o Tratado Luso-Britânico de 1884 trouxe inúmeros prejuízos a Portugal, o sonho de Angola à Contracosta esfumou-se.
Na Conferência de Berlim foram eliminados os direitos ou privilégios de Portugal anteriormente alicerçados, deu-se como irrealizável o Tratado Luso-Britânico de 1884 (o Tratado do Zaire). O convénio assinado por Portugal com a Alemanha em 30 de dezembro de 1886 delimitou a fronteira entre os territórios da Alemanha e a África portuguesa, o Governo Português sacrificou os territórios compreendidos entre o rio Cunene e o Cabo Frio. Mas há mais, o autor repertoria outros documentos que reduziram a influência portuguesa em África. Para Manuel Gonçalves Martins, os tratados assinados em Inglaterra conduziram Portugal à decadência e à ruina.
Noutro apartado, este docente universitário refere-se à liquidação dos restos do Império Português, vai diretamente para o golpe de Estado de 25 de abril de 1974, segue-se a Lei n.º 7/77, de 27 de julho, onde se reconheceu o direito dos povos à autodeterminação, seguem-se as medidas de concretização da descolonização, e depois de uma forma vaga e genérica fazem-se referências ao abandono dos restos do Império e a quem interferiu no processo descolonizador. Não há uma só referência aos acontecimentos associados à luta armada e à sua evolução nem a escalada armamentista na Guiné e em Moçambique, parece que o Império Português foi liquidado por obra dos diplomatas. Num aparato pretensamente neutral fala-se dos partidos políticos portugueses associados a essa descolonização e a seguir desanca-se no Governo de Marcello Caetano, sempre falando em “alguns autores”:
“Foi o principal impulsionador da destruição total do Império Português. A sua Administração impressionou-se com as dificuldades inerentes à conjuntura, e (desprezando os seus compromissos, a vontade da Nação, e as orientações coerentes e constantes de Salazar) suprimiu as disposições constitucionais que apresentavam como motivo para a defesa do Império Português o cumprimento da missão nacional”. Como o docente se põe atrás de alguns autores, desta vez cita Adriano Moreira, dizendo que para este, a política de Marcello Caetano destruiu os motivos para defender as colónias portuguesas. E vale a pena concluir com este arrazoado do autor:
“Quando Marcello Caetano decidiu opor-se claramente à independência política das colónias portuguesas, não conseguiu evitar o desastre”. É invocado que Jorge Jardim se reuniu com os emissários do Governo da Zâmbia, que o General Spínola escreveu o livro
“Portugal e o Futuro” e, desta vez, citando Franco Nogueira acrescenta que tudo se arruinou e desmoronou. Referiu-se atrás que o autor é escandalosamente parcial na bibliografia que apresenta. Bastava que ele tivesse lido o que se escreveu sobre as conversações com o PAIGC, as reuniões em Roma com o MPLA, o que Marcello Caetano propôs a Santos e Castro para a independência unilateral de Angola e ficar-se-ia com a ideia correta que no final do regime Marcello Caetano não se opunha à independência política das colónias portuguesas, tentava desesperadamente garantir independências brancas em Angola e Moçambique, não havia quaisquer ilusões de que a Guiné era um Estado independente, um processo irreversível.
Fica-se sem perceber muito bem para que é que se escreve um livro de lições antiquado e escandalosamente parcial, nem chega a ser gato escondido com o rabo de fora. O que ainda é mais bizarro, atendendo ao currículo deste professor catedrático. Já não me admiro com coisa nenhuma. Aqui há uns anos atrás, o professor Veríssimo Serrão dedicou um volume da sua História de Portugal ao regime de Salazar. A bibliografia era eloquente: as memórias do Almirante Américo Tomás, os discursos de Salazar e o Diário do Governo. Não há explicação para esta historiografia de risota.
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de Junho de 2021 >
Guiné 61/74 - P22323: Notas de leitura (1363): “As Voltas do Passado, a Guerra Colonial e as Lutas de Libertação”, organização de Manuel Cardina e de Bruno Sena Martins; Edições Tinta-da-China, 2018 (Mário Beja Santos)