quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22580: Historiografia da presença portuguesa em África (282): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Reduziu-se ao máximo as descrições elencadas pelo Tenente-Coronel Miguéis acerca das operações de pacificação entre 1834 a 1924, no essencial é matéria que interessa a estudiosos, no geral permite picar com uma grande angular da fragilidade da presença portuguesa e há que dizer claramente que continua a pôr-se muita emoção e a mostrar muita indignação por alegadas atropelos ao prestigiado Capitão Teixeira Pinto, sem nunca ter em atenção que Abdul Indjai praticou , e há relatos a confirmar essas depredações, saques, sequestros, roubos, assassínios, durante a campanha de pacificação. Acontece que os mercadores portugueses e estrangeiros que viviam ao tempo na ilha de Bissau queixaram-se ao governador que quem era comandante da campanha era o oficial português. Abdul fica como régulo do Oio (manda a verdade que se diga que ele era régulo do Oio e do Cuor), e tudo leva a crer que atuava praticando barbaridades. Que era ambicioso, basta ler esta peça histórica do seu aprisionamento, talvez o documento mais detalhado que conta a história do seu afastamento da Guiné.

Um abraço do
Mário


A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3)

Mário Beja Santos

Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.

O Tenente-Coronel Miguéis dá-nos porventura o relato mais detalhado sobre a prisão de Abdul Indjai, sugere que houve para ali uma tremenda cabala, intrigas sem fim que caíram sobre Teixeira Pinto, acusado de muita coisa. Quem toma posições pró e contra Teixeira Pinto e as tropelias praticadas por Abdul Indjai esquece-se de que Abdul Indjai tudo pilhava, consentia em todos os saques, sequestros, roubos, era a sua forma de manter os seus homens de mão satisfeitos. Só que estes saques, sequestros, roubos abrangiam direta e indiretamente comerciantes que denunciaram a situação através da Liga Guineense, o governo pôs-lhe termo, mas os ressentimentos ficaram, Abdul pôs-se a jeito para o ajuste de contas.
No texto anterior iniciámos a descrição destas operações, continuamos a dar a palavra ao relato do tenente-coronel Miguéis:
“Abdul Indjai tendo tido conhecimento que uma força de 30 soldados tinha saído de Farim acompanhando géneros para o posto de Mansabá, mandou dizer ao comandante do posto que se ele precisava de 500 carregadores lhos forneceria imediatamente.
Como não fosse aceite a oferta, Abdul saiu com uma força armada mas pouco depois foi ter com o comandante do posto de Mansabá pedindo-lhe que deixasse ir um cabo europeu com o seu sobrinho Alburi ao encontro da sua gente para avisar que não atacassem a força do alferes Figueira. Este alferes chegou com a sua força a Mansabá sem ter sido atacado, apesar de ter encontrado no caminho bastantes jauras (homens de guerra armados). Reforçado o destacamento, Abdul tratou de isolar os Oincas do posto, para evitar que o comandante tivesse conhecimento do que fazia a sua gente, mas ele próprio fornecia lenha e água aos nossos soldados.

Em 29, seguiram de Farim para Mansabá 6 carregadores com géneros para a guarnição do posto, indo com eles o indígena Bacar Sedibe que ia ter com um seu irmão, ex-soldado que fazia o serviço de auxiliar.

Em 30, este indígena declarou ao comandante de Farim que tendo pernoitado numa tabanca de Bironca ali compareceram alguns jauras que pretendiam degolá-lo, conseguindo fugir depois de ter levado algumas espadeiradas.

Em 1 de agosto, constou ao Capitão Lima ter havido tiroteio entre a gente de Abdul e as forças de Mansabá. Jancó Dabó com os auxiliares segue em auxílio do posto e ao mesmo tempo segue uma força sobre o comando do Alferes Trindade, com 1 sargento, 3 praças europeias, 25 indígenas e 49 auxiliares. Acompanha esta força o Capitão Lima que ao chegar à povoação de Demba-Só lhe foi entregue por um Oinca uma carta em que se dizia “estamos cercados, temos Alferes Figueira ferido com certa gravidade, dois soldados feridos e um morto”. Chegado próximo de Mansabá pelas três horas, o Capitão Lima ouviu o tiroteio mas não lhe foi possível continuar a marcha porque os auxiliares se recusaram a acompanhar a coluna com receio de que o posto fizesse fogo contra eles.
Às 5-30 pôs-se a coluna em marcha para Mansabá sendo surpreendida por um tiroteio dos jauras que estavam emboscados ao longo da estrada de Lanfarim, cujo ataque foi repelido pela coluna e pelo posto.

Em 2, o Alferes Figueira faleceu pelas 4-30 horas e as colunas ocupando as quatro faces do posto fez fogo sobre os jauras. Dois auxiliares que saíram para buscar água foram feridos e por este motivo os auxiliares Mandingas, Oincas e Grumetes desanimaram. Os jauras atacaram a face leste do posto e pouco depois o Alferes Trindade, tendo derrubado o querentim onde eles se abrigavam, assim como cortado o milho, dirigia um ataque que tinha por objetivo destruir todos os abrigos impelindo os jauras contra a tabanca de guerra de Abdul.
Às 19 horas as povoações estavam em chamas e a coluna aproximava-se da tabanca de Abdul, quando se ouviu vivo tiroteio para os lados de Mansabá-Mansoa. Era o Alferes Alberto Soares que chegava com uma coluna de 277 homens e uma peça de 7 cm.

Na madrugada de 3 fizeram-se alguns tiros de canhão contra a tabanca de Abdul e logo a seguir veem-se duas bandeiras brancas, uma na tabanca de Abdul e outra na morança de Alburi Indjai. Cessado o fogo, dirigiu-se para o posto Alburi Indjai que vinha comunicar que Abdul Indjai se rendia com toda a sua gente que estava dentro da tabanca. Estando já a amarrar fechos de armas para delas fazer entrega. Pouco depois Abdul Indjai era preso.

Em 16 de agosto, a P.P. n.º 343 declara terminadas as operações no Oio, com a derrota das forças e a captura do ex régulo Abdul Indjai, levanta-se o estado de sítio na circunscrição de Farim e regiões dos comandos militares de Bissorã e Balantas. Nesse mesmo dia são extintos os comandos militares de S. Domingos, Papéis, Bissorã e Balantas.

Em 29 de agosto, por P.P. n.º 385 é demitido do posto de tenente das forças de 2.ª linha e de régulo da região do Oio Abdul Indjai. Assina esta portaria o Governador Henrique Alberto de Sousa Guerra. Mais tarde este homem é deportado para Moçambique, tendo ficado em Cabo Verde, onde faleceu.
Deste modo termina a vida do herói que nas campanhas de Bissau, comandando os seus soldados, empregou com excelentes resultados o fogo por descargas, cujos efeitos ele bem conhecia. Durante a rebelião nunca foi visto a comandar um único homem nem tão-pouco a sua gente fazer uso dessa espécie de fogo”
.

Recorda-se ao leitor que o Tenente-Coronel Miguéis procedeu a um levantamento relacionado com as campanhas de pacificação, por determinação do Governador Velez Caroço, é um documento de leitura obrigatória e que encerrará, estou em crer, o relato mais detalhado das operações que levaram à prisão de Abdul Indjai. O mistério das acusações sobre Teixeira Pinto em estreita conexão com as práticas de pirataria atribuídas a Abdul Indjai carece de estudo e estranho é que a historiografia portuguesa não procure uma explicação documentada não só por se tratar do herói da pacificação mas por poder envolver razões fundamentadas por parte de quem foi esbulhado pelos homens de guerra de Abdul Indjai.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22562: Historiografia da presença portuguesa em África (281): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22579: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VI: Um farol e uma motoreta...



Foto nº 1


Fotio nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Legendas. Fotos nºs 1 e 2: Guiné >  s/l > c. 1969, /70> > "Turista",  junto a um farol, do qual já não me recordo o sítio. (Não me parece que seja do ilhéu de Caió...  (*); ou será o farol da ponta de Biombo ? ) (LG)

Fotos nºs 3 e 4 > Guiné > Brá > BENG 447 > Janeiro de 1969 >No  BENG 447 também tinhamos uma motoreta  (tpo solex), que por vezes fazia o trajeto Brá/Bissau.


Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.] 

Data - segunda, 20/09, 15:31 (há 9 dias)
Assunto . Mais fotos para o Blog



Boa tarde,

Desde que entrei no blog tenho-o lido, e consultado, todos os dias. Só não tenho enviado mais nenhum contributo porque não "tenho tido cabeça". É que a minha mãe de 98 anos, perfeitamente lúcida e quase autónoma caíu e está internada, muio debilitada. Mas enfim, faz parte da vida e este á parte não deve ser publicado.

Também desejo franca recuperação ao Luis na sua fisioterapia.

Agora sim para publicação no blog, se tiver interesse (**):

Envio duas fotografias de um "turista" que as tirou junto a um farol, do qual já não me recordo. Os "nossos localizadores" poderão dar uma ajuda a relembrar qual e onde ficava. (Fotos nºs 1 e 2)

Mais duas, tiradas no BENG 447 , para dizer ao nosso camarada que andava de motorizada na Guiné, que no BENG 447 também tinhamos uma (solex?) que se vê nas fotos, e que por vezes fazia o trajeto Brá/Bissau. (Fotos nºs 3 e 4)

Os camaradas da foto que não me levem a mal pela publicação das mesmas, pois até gostava de encontrar alguns para recordar aqueles tempos. (E já ninguém nos consegue reconhecer á distância.)

Um abraço,
João Rodrigues Lobo

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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P22578: Parabéns a você (1993): António Bastos, ex-1.º Cabo At do Pel Caç Ind 953 (Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22564: Parabéns a você (1992): Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16 (Mansoa, 1964/66)

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22577: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte VII: A lenda de Alfa Moló






A lenda de Alfa Moló - belíssimas ilustrações do mestre português José Ruy (Amadora, 1930), um dos maiores ilustradores e autores de banda desenhada (pp. 49, 50, 52 e 53)


1. Transcrição das págs. 50 a 54 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato >
Lendas e contos da Guiné-Bissau



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5.



A lenda de Alfa Moló (pp. 50-54)


Um dia, um pobre mendigo chegou à tabanca (21)  de Amedalai (22) e,  pretendendo descansar, pediu hospitalidade em várias casas, mas todas elas a recusaram.

Até que chegou a uma pobre casa, onde uma mulher, apesar de o maridon não estar presente, o recebeu e lhe matou a fome.

Quando o marido, Moló Eigué, chegou, ficou contente pela hospitalidade dada pela sua mulher, pois fazia gosto e tinha orgulho em receber bem quem o visitasse.

Moló Eigué ao conversar com o mendigo, ficou admirado com a sua sabedoria, pois nunca tinha conhecido um mendigo tão sábio. Na verdade, o mendigo era um grande marabu (23) de nome Seiku Umarú (24), que viajava disfarçado de mendigo.

Depois de descansar, o mendigo decidiu seguir viagem, e Moló Eigué fez questão de o acompanhar.

Moló Eigué acompanhou o marabu de Amedalai até Coli (25) , e aí chegados, o marabu despediu-se, dizendo-lhe:

 Todas as terras que comigo percorreste, serão tuas, este será o teu Reino, pois é essa a vontade de Alá.

Moló Eigué ficou confuso e sem compreender as palavras do marabu. Como seria possível ele tornar-se Rei, sendo ele apenas um servo (26) de um rico fula, Samba Eigué, de quem já os seus pais também tinham sido servos…

Moló Eigué tinha em sua casa um carneiro do qual gostava muito, pois estava ensinado de tal maneira, que era como uma pessoa. Andava sempre atrás dele e até quando comia, o carneiro estava ao seu lado.

Um dia, ao voltar da caça, sentou-se à mesa para comer, e o carneiro não apareceu. Então ele perguntou à mulher:

 Onde está o meu carneiro?

A mulher respondeu-lhe:

– Eu queria que você comesse primeiro, para depois lhe contar. Os guerreiros mandingas vieram e levaram o seu carneiro para Cansalá. O Mansa Djanqui
Uali mandou levar o gado de todas as pessoas.

 O quê? –  disse Moló Eigué,  afastando a tigela com a comida.

Sem mais palavras montou no seu cavalo e cavalgou para Cansalá. Quando chegou à fortificação de Cansalá, Moló Eigué pediu aos guardas para falar com o Mansa.

 Está louco! Não pode falar com Mansa  disseram os guardas.

 Roubaram o meu carneiro, e eu quero o meu carneiro de volta! – exclamou Moló Eigué furioso.

 Cuidado, não fales mais assim, senão morres! O carneiro foi o almoço do Mansa. Vai caçar um porco do mato - responderam os guardas rindo.

 O Mansa vai pagar muito caro este carneiro  disse Moló Eigué e abandonou Cansalá.

Moló Eigué foi de tabanca em tabanca, apelando à revolta:

 Os mandingas estão a abusar, não nos respeitam, não param de aumentar os impostos, roubam as nossas coisas, tratam-nos como escravos, temos que nos revoltar.

Alguns responderam:

– Os mandingas são muito poderosos, nós não conseguimos vencê-los.

Moló Eigué a isto respondeu:

 Eu vou lutar! Se não me ajudarem a lutar, terão que fugir, porque quando as balas começarem a voar, então todos terão que fugir.

Muitos homens vieram juntar-se a Moló Eigué, pedindo-lhe para os guiar na luta contra o domínio mandinga, pois por todo o lado se iniciavam focos de revolta contra os abusos mandingas e era grande a vontade de substituir os reinos mandingas por reinos fulas. Além disso os fulas do Reino do Futa Djalon (27) tinham desencadeado uma jihad contra os reinos animistas, e era obrigação de todos os muçulmanos juntarem-se a essa jihad.

Moló Eigué era um devoto muçulmano, que possuía estudos corânicos, era
respeitado, e era também um famoso caçador, o que fazia dele o homem certo
para os conduzir nessa guerra. Assim ele tornou-se o líder de um grupo de 400
homens, na luta contra os mandingas animistas (28) do Império de Cabú.
 
As palavras do marabu, começavam agora a fazer sentido para Moló Eigué.
Moló Eigue pagou o seu resgate ao seu senhor, o nobre Samba Eigué, tornando-se um homem livre, e partiu para a guerra. E embora o seu nome fosse Moló Eigué Baldé, ficou para sempre conhecido como Alfa Moló.

A floresta onde Alfa Moló e muitos dos seus companheiros costumavam caçar, tornou-se a base para lançar a revolta, contra o Império animista de Cabú.

Após a derrota dos mandingas e a destruição da sua capital, Cansalá, o Reino do Firdu é alargado até Coli, com Alfa Moló como Rei, tal como o marabu tinha predito.

O nobre fula Samba Eigué, antigo senhor de Alfa Moló, não aceitou que este pudesse ser agora o Rei de Firdu, e furioso pelo poder que este tinha conquistado,
gritou:

 Um escravo não vai governar aqui!

Desencadeou-se assim uma guerra entre os fulas, mas Alfa Moló (29), com a ajuda do seu filho Mussá Moló e dos seus aliados, venceu os seus inimigos fulas, e tornou-se senhor incontestado do Reino de Firdu.

O Reino de Firdu tornou-se assim um Reino de fulas-pretos (30), um Reino em que os antigos escravos e servos são agora os novos senhores. (**)

 Esta é  uma das lendas de Alfa Moló.

Alfa Moló conseguiu um Reino, mas o seu filho Musá Moló teve que continuar a sua luta para manter o Reino do Firdu, pois continuaram a existir lutas internas entre os fulas.

Mussá Moló, para assegurar o seu poder e combater os seus inimigos, fez novas alianças. Uma das mais importantes foi a aliança com os franceses, mas isso não alterou o fim do Reino do Firdu, pois o fim dos Impérios Africanos estava próximo, e os novos senhores seriam em breve os países europeus.

__________

Notas do autor:

(21) Tabanca - é a designação usada para aldeia, a qual tem origem no
termo crioulo tabanka.

(22) Amedalai - situa-se no Firdu.

(23) Marabu - designação dada aos religiosos muçulmanos considerados santos ou sábios, nalguns textos é usado o termo mouro, que tem o mesmo significado. Os marabus tinham grande influência na socie dade fula e mandinga, eram homens letrados, muitas vezes considerados homens santos. Estes homens entendiam que o seu poder era uma emanação de Deus graças ao profeta Maomé, e que era sua obrigação levar a verdade divina aos povos pagãos, que consideram bárbaros ignorantes.

(24) Seku Umaru – um grande marabu também conhecido pelo nome El Hadgi Omar

(25) Coli - o Rio Coli faz fronteira a leste da Guiné-Bissau com a Guiné Conacri, perto de Piche.

(26) Escravos e servos - era costume fulas e mandingas possuírem escravos e servos, Artur Augusto da Silva, na pag. 29 de “Usos e Costumes Jurídicos dos Mandingas”, faz a diferenciação entre estes estatutos sociais:

“Escravos - constituem esta classe os prisioneiros de guerra, aqueles que eram comprados e os que se entregavam voluntária ou compulsivamente para pagamento de uma dívida, e ainda os seus filhos.

Servos - que podiam ser da gleba, quando eram dados em recompensa a algum guerreiro juntamente com a terra a que ficavam adstritos por si e seus filhos, ou servos de ofícios, adquiridos pelos nobres para trabalharem em qualquer oficio. Além da casta a que pertenciam devido ao ofício exercido, eram servos porque trabalhavam por conta de outrem e eram sua propriedade.”

(27) Futa Djalon - O Reino Futa Djalon ou Futa Jalon, foi fundado em 1725, e estava localizado a sul do Império de Cabú, na Guiné-Conacri (República da Guiné).

(28) Mandingas animistas - são igualmente chamados de soninquês.

(29) Alfa Môlo - segundo René Pélissier na “História da Guiné I”, na pag. 212 refere que foi “Rei do Firdu, tendo rejeitado praticamente a tutela do Futa-Djalon, Alfa Molo foi, de 1869 até poucos anos antes da sua morte (1881), um dos coveiros do Gabu e, por todos os meios,
procurou manter a sua independência em relação aos Fulas-Forros.”
 
30 Fula-preto - é a designação dada aos fulas com origens noutras etnias que foram dominadas pelos fulas, e que seguiram o modo de vida fula, na sua maior parte são oriundos das etnias mandingas e beafadas, e de casamentos destes com fulas forros, e futa-fulas.

Fulas-forros - é a designação dada aos fulas originários do antigo Forreá.

Segundo o livro de José Mendes Moreira “Os fulas do Gabú”, o nome teria origem no nome dado à terra conquistada aos beafadas,

Forriá, que significa na língua fula “terra da liberdade”.

Futa-fulas - é a designação dada aos fulas originários do Futa Djalon (reino situado na Guiné-Conacri), normalmente têm as têmporas da face marcada por uma dupla incisão vertical ( || ).

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?


Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP

Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com

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10 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19966: Historiografia da presença portuguesa em África (166): Alfa Moló Baldé e o mito fundador do reino de Fuladu, em 1867 (Cherno Baldé) - II (e última) Parte

Guiné 61/74 - P22576: Ser solidário (240): Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar e Residência dos Professores de Susana "Os Sopitos", duas magníficas obras da Associação Anghilau (Manuel Rei Vilar / José d'Encarnação)




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Susana > 13 de julho de 2021 > Depois da escola cap ri, foi construida a residência de professores do Agrupamento Escolar de  Susana, com início em novembro de 2020. Tem 7 quartos e 2 salas comuns.


Fotos (e legendas): ©  Manuel Rei Vilar (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Manuel Rei Vilar

1. Duas mensagem do nosso amigo Manuel Rei Vilar, membro da nossa Tabanca Grande (nº 812), líder do projeto Kasumai, irmão do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941 - Suzana, 1970) (*)

Data - 19 jul 2021 20h37
Assunto - Nova Residência de Professores da Escola de Suzana

Caríssimo Amigo Luís Graça

A construção de uma Residência de Professores foi o grande objetivo da Associação Anghilau para 2021. 

De facto, a necessidade de fixar os Professores da Escola de Suzana numa Residência com condições dignas de habitabilidade foi um pedido a Direção do Agrupamento Escolar de Suzana nos solicitou para assegurar a continuidade do ensino e a presença dos Professores nesta localidade.

As obras da Residência terminaram agora e esta foi já entregue aos professores do Agrupamento Escolar de Suzana, esperando pela Inauguração oficial será efetuada posteriormente logo que as condições sanitárias o permitirem pelos membros da nossa Associação.

Falta agora unicamente completar com o mobiliário, os equipamentos da cozinha e da casa de banho assim como a canalização da agua corrente, o que será realizado nas próximas semanas.

Temos de agradecer aqui a preciosa ajuda de do incansável Padre Vítor, Prior de Susana e do nosso amigo Olálio Neves Trindade, responsável da ONG VIDA assim como da comunidade de Susana que respondeu com o seu trabalho à edificação desta linda Residência.

Kassumai (Felicidade, Paz e Liberdade)

Manuel Rei Vilar



Data- 26 ago 2021 15h03
Assunto - A história de uma inesperad surpresa

Caríssimo Luís Graça

Há uns dias enviei-lhe um texto intitulado "A HISTÓRIA DE UMA INESPERADA
SURPRESA" e publicado num blogue

https://duaslinhas.pt/2021/08/a-historia-de-uma-inesperada-surpresa

Não sei se o recebeu... Trata-se de um pequeno resumo da nossa história e do nosso trabalho em Suzana na Guiné-Bissau. Foi escrito por um amigo meu que gostou da história. O José d'Encarnação é de Cascais e andou connosco na Escola Salesiana do Estoril. Foi ai que ele conheceu o meu irmão. Atualmente, ele é Professor Catedrático reformado da Universidade de Coimbra e exerce muitas vezes o jornalismo. Penso que seria interessante publicá-lo no blogue dos Combatentes e pedia-lhe que se
estivesse de acordo, os meus irmão e eu também gostaríamos que o fizesse.

Um grande abraço e muita Saúde

Manuel Rei Vilar (**)


2. A HISTÓRIA DE UMA INESPERADA SURPRESA – O JARDIM-ESCOLA CAPITÃO LUÍS FILIPE REI VILAR!

por José d'Encarnação

  
Nesse dia do ano 2000, a cabeleireira do lar não estava disponível e D. Maria do Carmo precisava mesmo de lavar a cabeça e pentear-se. Decidiu, pois, sair e ir até à cabeleireira do bairro. Conversa puxa conversa (a gente sabe como é…) e a surpresa apareceu assim de repente, completamente inesperada, mais inesperada do que todas as surpresas. 

A mãe do capitão

Não era a primeira vez que D. Maria do Carmo ia ali. Contudo, desta feita, vendo que a cabeleireira era uma senhora africana, teve curiosidade em saber donde viera. 
– Da Guiné – respondeu. 
– E donde exactamente. 
– De uma aldeia chamada Susana. Fica situada a 5 km da fronteira com o Senegal, no noroeste da Guiné-Bissau. 
– Susana? Mas foi em Susana que o meu filho esteve e aí comandou a sua Companhia… 
– Mas a Senhora é da família do senhor capitão que morreu na guerra, o capitão Luís Filipe Rei Vilar? 

D. Maria do Carmo estremeceu ao ouvir soletrar o nome completo do filho. 
– Sim, sou a mãe. Ele morreu, sim, em combate na Guiné. A 18 de fevereiro de 1970… Mas a senhora, que é tão nova, como sabe o nome do meu filho? 
– É que, em Susana, nós veneramos muito a memória dele! 

D. Maria do Carmo estremeceu ainda mais. 
– Sim? Porquê? 

E a cabeleireira começou a desfiar, com entusiasmo, o rosário de benefícios que o capitão conseguira trazer para a aldeia, quando ali estivera em serviço com a sua companhia. Lutara, sim, ele e os seus homens, para defenderem a população, garantiu a cabeleireira; mas o mais importante ainda foi toda a obra social aí levada a cabo, nomeadamente no domínio da instrução, mediante a construção de uma escola, uma escolinha de 25 x 10 metros. 

«Lutando, construindo e ensinando» era a sua divisa! Em Susana chamavam-lhe o Capitão dos Pretos! As crianças eram recolhidas num raio de 5 km para irem à escola e, antes de serem levadas para casa, partilhavam o rancho dos soldados, da sopa deles… Por isso, esses meninos eram apelidados de “sopitos”. E ainda hoje o são! 

A surpresa da família 

A novidade caiu inesperada. 

Sobre a comissão de Luís Filipe Rei Vilar, nascido em Cascais a 12 de Novembro de 1941, e, sobretudo, acerca das circunstâncias da sua trágica morte,  chegaram a divulgar-se informações contraditórias e a família, contristada, preferiu continuar a ficar com a recordação do excelente percurso académico e militar que o filho tivera. 

Fora brilhante aluno na Escola Técnica e Liceal Salesiana de Santo António, no Estoril; praticara hóquei em patins no Grupo Dramático de Cascais; notabilizara-se na Academia Militar e, nomeadamente, na equitação, tendo participado em vários concursos no Hipódromo de Cascais, que tem hoje o nome de Manuel Possolo, mestre de equitação do Luís. 

Essa informação trouxe, pois, de novo à memória os momentos bons e também os maus. 

D. Maria do Carmo viria a falecer em 6 de Janeiro de 2004. Os filhos Duarte, Manuel e Miguel é que não ficaram sossegados enquanto não tiraram a limpo o que acontecera e qual a razão dessa veneração dos Felupes pelo seu irmão mais velho. 

Fora-lhe atribuída, a título póstumo, a Medalha de Serviços Distintos Prata com Palma («Diário do Governo» de 11-5-1970), tendo sido destacado, na circunstância, que «no campo da acção psicológica actuou como um verdadeiro apóstolo, conquistando o respeito e admiração das populações, que nele confiavam cegamente; no campo operacional salientou-se pela firme determinação em bater o inimigo nas zonas de refúgio e pelo exemplo da sua presença nos locais de maior risco». 

Soube-se depois que, também em Susana, após a sua morte, fora colocada uma placa em sua memória, hoje desaparecida. 

O Município de Cascais, por deliberação unânime de 5 de Junho de 1970, dera o nome ‘Capitão Rei Vilar’ a um arruamento do Bairro Navegador, no mesmo dia em que foi decidido homenagear, no mesmo bairro, a memória de outro cascalense, o Furriel João Vieira, que, aos 23 anos, fora morto em combate, em Angola, a 6 de Agosto de 1965. Aluno da Escola Salesiana do Estoril também ele. 

A obra em marcha 

Em primeiro lugar, a notícia dada pela cabeleireira causou na família muito espanto e alguma dúvida. 

Sucedeu, porém, que, em Abril de 2016, o irmão Miguel recebeu a mensagem de um desconhecido, um certo Luís Costa, antropólogo, recém-chegado da Guiné, aonde fora em preparação da sua tese de doutoramento e que vivera quatro meses em Susana. O teor era o seguinte:

 «Quero-lhe dar conta que a Memória do seu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538 […] continua bem viva e respeitada. Os habitantes de Susana falam com entusiasmo e saudade do seu irmão e contam o interesse e respeito que ele tinha pelas gentes da Guiné, em especial pelos Felupes». 

E, assim, em Janeiro de 2017, no seguimento desta mensagem, os três irmãos Manuel, Duarte e Miguel partiram para a Guiné. Escreve o Manuel, a 30 desse mês: 

«Quando chegámos a Susana, a surpresa! À chegada, tínhamos uma recepção de cerca de 200 crianças a cantarem e a bailarem, todas lindamente penteadas, limpas e bem vestidas. Não estava a acreditar! Toda a população nos esperava! Permanecemos em Susana 4 dias, alojados na missão católica. Foram 4 dias a conviver com a população, com os Felupes, a etnia local. Fomos ao sítio onde tudo se passara. Ainda há alguns guias felupes vivos que incorporaram a Companhia nessa altura e os seus pormenorizados relatos, nomeadamente das circunstâncias da morte do Luís, foram para nós testemunhos muito importantes». 

Entre outros, o do Padre Zé (José Fumagalli), já com 80 anos, que dirigia a Missão Católica nesse tempo e que conheceu e conviveu com o Capitão, também confirmou essas informações. 

As autoridades locais (o Conselho dos Homens Grandes) acolheram-nos, pois, de braços abertos; e a Missão Católica (liderada então pelo Padre Abraão e, posteriormente, pelo Padre Vítor) proporcionou-lhes um básico alojamento, porque, na verdade, Susana é aldeia pobre, minguada de meios.

 O resultado dessa primeira viagem a Susana foi a promessa dos irmãos Rei Vilar de continuarem a obra, no que respeitava à educação das crianças, em tão boa hora iniciada pelo irmão Luís Filipe, em circunstâncias assaz adversas. Foi assim que surgiu, espontaneamente e com esse objectivo, o Projecto Kassumai, que deu origem, em 2020, à constituição da Associação Anghilau («criança», em língua felupe). 

Foram assim apadrinhadas 35 crianças: a Adelaide da Silva, o André Djejo, a Bequita Ampabagai, o Davide N’Manga, a Necas Sambu, o Olívio Bussa, por exemplo, que aparecem, felizes e tímidas, no vídeo Kassumai, que Casper Steketee e Manuel Rei Vilar realizaram, não apenas para dar conta da vida do irmão Luís, mas, de modo especial, para fazerem jus ao bom acolhimento havido por parte da população e, sobretudo, para motivarem os amigos e familiares a aderirem a este projecto educacional. 

Kassumai, o nome do projecto, é a saudação felupe, que significa simultaneamente «felicidade, paz e liberdade». E quando alguém saúda outrem – «Kassumai»! – o outro deve responder «Kassumai Kep», que quer dizer «para sempre!». Um toque de humanidade a reter dos nossos irmãos africanos! 

Daí até à sugestão de reabilitar a escola e de fazer um edifício a condizer com as necessidades foi um passo. O Jardim-escola, que se encontrava decrépito, foi completamente reabilitado: renovação do telhado, pavimentação das salas, pinturas das paredes, aquisição de nova mobília adequada ao ensino pré-escolar, arranjos das portas totalmente danificadas, novas instalações sanitárias com duas fossas sépticas, criação duma pérgula para as crianças tomarem as refeições e brincarem nos dias de chuva e elaboração duma cerca para maior protecção da miudagem. 

Em 2017, os irmãos Rei Vilar tinham encontrado em Susana um homem branco, da ONG VIDA – Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano, organização criada em 1992, com sede em Lisboa, na Rua Nova do Almada (http://vida.org.pt), que focou muito da sua actividade na Guiné, em prol de contribuir para acudir às prementes necessidades de nutrição, mormente das crianças, através duma implementação correcta do Programa Nacional de Nutrição da Guiné-Bissau que contribua para a sua sustentabilidade. Como é lógico, gerou-se, de imediato, uma útil parceria com a futura ‘associação’ das boas vontades que a família conseguira congregar em torno de si. 

A partir desse encontro, a figura de um felupe, o Sr. Olálio Neves Trindade, hoje responsável da ONG VIDA na Guiné-Bissau, veio a ser o homem de campo do Projecto, em colaboração com o Prior de Susana Padre Vítor Pereira. Os media foram indispensáveis para manter uma ligação quase quotidiana com Susana e para difundir as actividades do Projecto. 

E, a 18 de Fevereiro de 2020, 50 anos depois da morte do Capitão, dia após dia, as novas instalações pré-escolares foram solenemente reinauguradas, com o nome Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar, nome escolhido pela Direcção do Agrupamento Escolar de Susana, na presença de doze padrinhos e madrinhas, que se deslocaram a Susana para esse fim, das autoridades locais (administrativas, religiosas e escolares) e do Comité das Mães. Actualmente, o Jardim-Escola tem uma capacidade para mais de 70 crianças e o Agrupamento Escolar de Susana, que resultou da pequena escola criada pelo Capitão Rei Vilar, é frequentado por mais de 700 alunos. 

A construção de uma Residência dos Professores de Susana foi o segundo objectivo do projecto, crucial para fixar os docentes em alojamentos condignos. A nova residência encontra-se terminada e apta a acolher os professores a partir do próximo ano lectivo: foi entregue nas últimas semanas às entidades escolares. 

A reabilitação do Jardim-Escola assim como a construção da nova Residência para professores foram totalmente pagas com os donativos do apadrinhamento das crianças. 

O que falta? 

Compreende-se, porém, que projectos deste teor nunca podem considerar-se terminados e, após uma solução encontrada, outro problema por resolver se depara com premência. Neste sentido e neste momento, um terceiro projecto tem como objectivo reabilitar os restantes edifícios escolares, incluindo o acabamento do Liceu, que foi inteiramente construído pela comunidade de Susana. 

Em Março de 2020, a Associação Anghilau, recentemente constituída, decidiu dar conhecimento do trabalho realizado em Susana à Câmara Municipal de Cascais, tendo sido pedida, para esse efeito, uma reunião com a Divisão das Relações Internacionais. Nessa reunião, a Câmara dispôs-se a analisar este terceiro projecto, baptizado de Projecto Cascais-Susana, que se encontra ainda em apreciação. 

A aprovação desse projecto seria, de facto, o reconhecimento de todo o trabalho realizado até aqui e também, de certa forma, uma maneira de o Município poder honrar, tal como os Felupes o fizeram, a memória do Capitão Luís Filipe Rei Vilar, um filho de Cascais, sempre presente nesta vila e no coração dos habitantes de Susana. 

José d’Encarnação

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(**) Último poste da série > 7 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22521: Ser solidário (239): Para as crianças deslocadas em Moçambique, a Escola é uma primeira casa - Uma iniciativa da Helpo - Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (Manuel Gonçalves, ex-Alf Mil)

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22575: Notas de leitura (1385): Francisco Serra Frazão e o crioulo guineense (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Não é nenhuma lança em África, trata-se de um maço de fichas, alfabeticamente organizadas, um curioso em filologia do mundo africano português, quadro colonial em Angola, escritor premiado, ter-se-á interessado pela filologia comparada e foi juntando elementos sobre línguas étnicas da Guiné, que não desenvolveu. O que aqui se mostra é a transcrição das suas fichas e conta-se com a benevolência e a disponibilidade dos camaradas na Guiné para corrigir o que Francisco Serra Frazão terá mal interpretado, junto dos seus interlocutores. Só nas décadas recentes é que apareceram dicionários, Benjamin Pinto Bull doutorou-se com o crioulo guineense e há missionários italianos que devotam ao crioulo um estudo notável.

Um abraço do
Mário



Francisco Serra Frazão e o crioulo guineense

Beja Santos

Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa consta um volume que aberto revela um conjunto impressionante de fichas de trabalho que pertenceram a este administrador de circunscrição, sempre em Angola, em 1914 já era administrador no Golungo Alto, no prefácio a um dos seus trabalhos, Norton de Matos tece-lhe os elogios mais rasgados pela exemplaridade como funcionário e como investigador. O livro aqui mencionado, sobre as associações secretas entre os indígenas de Angola, recebeu o 1.º prémio de etnografia no XX Concurso de Literatura Colonial. O curioso dos seus trabalhos era a filologia comparada, não faltam referências a Angola, Cabo Verde, São Tomé e Guiné. Foi admitido como sócio efetivo da Sociedade de Geografia de Lisboa em 21 de novembro de 1944, era o sócio 15003, faleceu em março de 1948.

Verificados todos os maços de fichas, encontra-se um levantamento de vocábulos do crioulo guineense. Convém recordar que a primeira tentativa de dicionário é da autoria de Padre Marcelino Marques de Barros, nas últimas décadas, graças ao labor de missionários investigadores do crioulo surgiram dicionários. Não se sabe o que levou Francisco Serra Frazão a interessar-se por estas expressões, há mesmo uma tentativa, que só desenvolveu de forma incipiente, de comparar vocábulos portugueses em cinco ou seis línguas étnicas, não passou de um esboço. Mas quanto ao crioulo, veja-se o que consta destas fichas:
Abrandar – barandá; acabar – cabá; aceitar – setá; acender – sendê, cendê; achar – ódja; aconselhar – consedjá; afogar – fogá; água – iágo; agudo – gúdu; ainda – inda; ajuntar – djuntá; alguém – àguém; ali, aqui – li; amor – querê; aquecer – quentá; aquele, aquilo – quel; arrozal – bolanha; assim – sima, sim, ês; atirar – djogá, ramangá; avermelhar – burmedjá; bater – batê, bati; Bolama – Blama; balaio – balé; balcão, varanda – balcon; bandeira – bandera; barafustar – barafustá; bem – bem; bolo – bolo; bote – bote; cacho – cacho; caiar – caiá; camisa – camisa; candeeiro – candia; canoa – canua; carneiro – carnél, amonton; casa – can, cassa; cascos (de animal) – sapata; chão – tchon; chicote – chicote; chover – djobê; cobrir – cubri; colher – cudjer; concordar – setá; conta – conta; contar – contá, cuntá; convir – sentá; copo – copo; coroa – crua; dar – dá; deitar – botá, bota; deixar – dessá; demanda – demanda; Deus – Deus, Dês; doce – dôc; dossel, sanefa – mêc; doido – dôdo; dois – dôs; é (verbo) – i; eles – es; embarcar – bác; enganar – anganhá; então – antã, antam; escolher – escodjê; esconder – sucundi; escondido – condidjo, sucundido; esmola – sumóla; espera – pera; eu – mim; falcão – falcon; faltar – mangá; fazenda – fassenda; fazer – fassê, fossê, facêl; feira – fera; fiar, confiar – fiá; ficar – fica; filho – fidjo; fogo – fugo; figueira – fuguera; galinha – galinha; garfo – garfo; grande – garandi; grão – garâ; história – stória; imbecil – amonton; irado – brabu; irmão, irmãos – ermon, ermons; janeiro – djanero; janela – djanela; jarra – djarra; junto de – longo; jurar – djurmentá; lenço – lenç; levar – rebatá; lobo – lobo; loja – lossa; lua – lua; luz – candia; macho – matcho; mãe – mamãe; mais – más; malhar – madjá; mancarra – mancara; mandar – mandá; manobra – manobra; mar – mar, mádje; marrada – modjadera; marrar – modjá; matança – matança; matar – matá; meio – mi; mulher – mindjer; menino – minino; meu, minha – nha; miséria – fede; molhar – modjá; moradia – morança; mostrar – mostrá; mudança – cambança; mundo – mundo; neto – neto; nós – na; nosso – nô, nos; novo – nobo; nunca – nem; oiro – ôro; oliveira – olbera; ovo – obo; paciência – passença; pai – papai; parida – padida; pássaro – pástro, pástros (plural); pau – pó (árvore); pedir – pidi; pessoa – aquém; pilão – pilon; poder – pudê; poilão – polon; pois – pô; pomba – pomba; pôr – pô; porque – parque; porta – porta; pouco – pouco; prata – prata; prato – prato; pressa – de pressa; providência – purbidência; rabo – rabo; rato – rato; queixar – queçá; rabiar – rabidá; recuar – racuá; reino – reno; rende – renda; requebro – requendel; respeito – respêto; responder – respondê; retalhar – ratadjá; revirar – rabidá; rua – rua; sair – saí; satã – seitáno; seco – sêcu; sem – sim; senhor – nho; servir – sirbí; seu, sua – sê; silva – sirbi; só, somente – djusto; sobre, em cima – riba; sol – sol; tardar – tardá; teimoso – amonton (carneiro); ter – tenê, tem; tina – tina; tio – ti; todo – tudo; tolo – amonton; tomar – tomá, toma; tornar – torna; torcido – torcido; trancar – trancá, tarancá; tratar – taratá; três – tres; tudo – tudo; tufo – bucho (diz-se das velas pandas); vaca – baca; vai – bá; vela – vela, bela (de navio); vem – ben; vender – bendê; verdade – bardade; vermelho – burmedjo; virar – bidá; voar – buá; vós – bós.

Ver site da aprendizagem do crioulo guineense:
MONTE DE PALAVRAS

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22572: Notas de leitura (1384): "Tempo das coisas", tempo de viver, tempo de morrer... A pungente despedida de Renato Monteiro (1946-2021): 31 poemas escritos de rajada na noite de 3 para 4 de julho de 2021 (Luís Graça)

Guiné 61/74- P22574: (De)Caras (177): Ana Carvalho, sobre o seu pai, António Carvalho, autor do livro "Um caminho de quatro passos": "Começa-se a vida com um grande avanço quando pelos nossos pais só sentimos admiração, orgulho e amor"


Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Ao centro, a filha, mais nova, Ana Carvalho, na mesa, falando com emoção do seu pai. (É doutoranda em ciências da educação pela Universidade do Porto, e fez-se acompanhar de uma série de colegas, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.) 

Foto: © Fernando Súcio (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Intervenção de Ana Carvalho, na sessão de apresentação do livro do seu pai, António Carvalho, "Um caminho de quatro passos", dia 11 de setembro de 2021, na Tabanca dos Melros  (*)


Olá,  a todas/os!

Sobre o dia 11 de setembro de 2021...

Duas semanas antes o meu pai perguntou-me se no dia 11 eu queria dizer algumas palavras sobre o livro e eu, tão entusiasmada com o grande dia, disse logo que sim. Nos dias anteriores percebi que nunca me tinha sentido tão insegura para falar em público. É que este não seria um discurso para apresentar uma pesquisa, seria o momento de me pronunciar sobre o livro mais bonito que eu já li, e, para dificultar, entre o público estavam os extraordinários amigos do meu pai.

Preparando-me, registei algumas ideias sobre cada um dos capítulos (4 ou 5 frases que não encontro agora) que depois da estrondosa apresentação feita pelo Luís Graça (**), perderam o propósito! Nada podia acrescentar valor àquele discurso. Então, com muita emoção, mudei o plano e falei sobre o que senti ao ler o livro e, do que me recordo, terei dito mais ou menos isto:

Fui lendo "Um Caminho de Quatro Passos" à medida que foi escrito e, tendo sempre ficado muito orgulhosa a cada história, a verdade é que não fiquei surpresa. Era esperado que quando o meu pai se sentasse para escrever um livro, seria um daqueles livros que nos permitem viver a história, sentir emoções, ficarmos tristes, revoltados, felizes e indignados.

 Não tendo ficado surpresa fiquei sempre muito emocionada porque os episódios relatados são histórias de vida, e, por isso, em muitos momentos quis entrar no livro e abraçar aquela criança curiosa e sonhadora, aqueles jovens despejados e abandonados pelo seu país na Guiné-Bissau, os fugitivos da guerra civil de Espanha, o padre excomungado e o presidente de junta que nunca desistiu.

A forma como o meu pai apresenta os seus quatro passos, desde a infância nas Medas, o caminho duro na Mealhada, a insanidade da Guerra do Ultramar e uma vida de dedicação ao progresso da nossa freguesia, permitiu-me reconhecer mais uma vez que ele é a pessoa com maior capacidade de introspeção e discernimento que eu conheço.

Começa-se a vida com um grande avanço quando pelos nossos pais só sentimos admiração, orgulho e amor, e por isso, o meu caminho e o da minha irmã Cláudia, é com toda a certeza mais fácil, mais leve e mais livre, com o seu exemplo.

E no fim acho que disse “Parabéns, pai!”... Se não disse, digo-o agora.(***)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

13 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22540: Agenda cultural (783): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - Parte I: mais de 80 presenças!

19 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22554: Agenda cultural (784): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - II (e última) Parte: registe-se com agrado o apoio que "O Bando do Café Progresso" deu ao nosso novel escritor

domingo, 26 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22573: Blogpoesia (749): "Na proximidade do espaço e do tempo"; "A aproximação dos rios"; "Palavras doces" e "Armadilhas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Na proximidade do espaço e do tempo

É na proximidade do espaço e do tempo
Que se notam as nódoas e as impingens no rosto.
A aparência é enganadora.
Só no voo rasante dos olhos se vêem as manchas e erupções da pele e faltas de barba.
De longe tudo parece sereno e quase morto.
Não é no momento que se avalia a pessoa.
É preciso segui-la de perto.
Por onde anda e o que faz para viver.
A honestidade só se prova perante o abismo da corrupção.


Berlim, 19 de 2021
16h7m
Jlmg


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A aproximação dos rios

Cobrem de verde as hortas e vinhedos das aldeias.
Regam os campos com regos que ensopam os pés do milho
Que só aloira no verão.
Como é belo vê-los bailando ao vento como velas pandas de moinhos.
Suas margens aninham ninhos do passaredo
Que não tem onde cair de pé.
Sinuosos, enfadonhos, entumecidos,
Fazem curvas e enseadas onde apetece tomar banho.
Como riem às gargalhadas como os putos nus depois da escola.


Berlim, 20 de Setembro de 2021
19h45m
Jlmg


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Palavras doces

Com palavrinhas doces e festinhas mansas se criam amigos para toda a vida.
É impossível viver sem amigos.
Vem uma dor de barriga de ranger os dentes e zás...aí vamos a correr para o médico.
Se calha cumprir pena de prisão- ninguém está livre de pecar,
Corremos todos os amigos de fio a pavio, à espera duma visitinha.
O mundo seria um inferno sem as amizades entre os irmãos.


Berlim, 21 de Setembro de 2021
22h2m
Jlmg


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Armadilhas

A vida está cheia de armadilhas.
A cada passo tropeçamos nelas,
Por mais cuidados que tenhamos.
Para não falar já dos burlões.
Aparecem em qualquer esquina.
E, zás, ficamos sem a carteira.
Todo o cuidado é pouco.
Orelhas arrebitadas e olhos vivos.
É a receita apropriada.


Berlim, 24 de Setembro de 2021
17h20m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22555: Blogpoesia (748): "Palavras coloridas"; "De novo, no bar motocas" e "O meu voo", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22572: Notas de leitura (1384): "Tempo das coisas", tempo de viver, tempo de morrer... A pungente despedida de Renato Monteiro (1946-2021): 31 poemas escritos de rajada na noite de 3 para 4 de julho de 2021 (Luís Graça)

 

"Livro de quem adivinha o tempo das coisas e que quer deixar, ainda, aos amigos algumas palavras. Pediu-me para o editar. Com um clique encontram as palavras e sei que lhe ouvem também a voz." (Margarida Miranda Monteiro, in Página do Facebook de Renato Monteiro, 23 de julho de 2021)

 


Dedicado ao neto, de 15 anos, Carlos Monteiro, filho do Daniel Monteiro, que de vez em quando perguntava ao avô porque é que ele não escrevia... Escreveu 31 poemas, escassos dias  antes de morrer e pediu à sua mulher, Margarida (Guida, toda a vida) para mandar um exemplar a uma lista restrita de amigos...



Índice dos 31 poemas


"O comboio". o últmo poema (pág. 33): é mesmo um poema de despedida... sob a metáfora do comboio que chega e não chega, "muita terra, pouca ou nenhuma".


"Só", pág. 12. Sem nunca vir mencionada a palavra "morte", ao longo destes 31 poemas,
ela está todavia presente do princípio ao fim. É um homem, de um tremenda lucidez, que sabe vai morrer nos próximos dias, quando o coração parar de bater de vez... E sabe que o fim não tem retorno. E, pior que tudo, que é o ato mais solitário da vida.


"Veneno", pág. 4. O soro, o inútil soro, agora veneno, num corpo que não será múmia... Não há aqui autocomiseração, mas auto-ironia. Ácida.


"Sede", pág. 24.  A metáfora da água que já não dessedenta...


"Coração", pág. 18. O coração já exterior ao corpo, sal-ti-tan-do 
como um inútil boneco de corda.


"Bate bate bate", pág. 29...E que bate, já por nada nem ninguém.


"Arroz de cabidela", pág. 20. Uma metáfora cruel.


"Letras", pág. 23. A incomunicação total ou final. 


"Guida, pág- 14. O último poema de amor. Guida, sempre,  até sempre! Faz os tempos da guerra  que lhe mandava cartas de amor/humor com recortes de letras de jornal...



"Liberdade", pág. 17.  Ah! a liberdade de já não esperar coisa nenhuma!... A liberdade encerrada para balanço final, o do deve e haver da vida.


"Paragem", pág.  26.  O tempo em que tudo pára, mas a paixão da fotografia,
essa, fica expressa em muitos álbuns,  E a paixão da escrita, mesmo que não nos salve. Nada nos pode salvar quando chegarmos ao fim da picada.


"Tempo", pág. 3. O tempo sem mais tempo, o nada, 
um relógio sem ponteiros.



1. O Renato Monteiro (1946-2021) (*) será sempre,  para 0s nossos leitores, o misterioso "homem da piroga" cujo nome  eu procurei durante várias décadas (, desde que, em Contuboel, em 18 de julho de 1969, eu parti para Bambadinca com os meus camaradas da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, e ele com os seus, os da CART 2479, futura CART 11,  com destino a Nova Lamego).

O Monteiro (,aliás Renato), aqui na foto, com o Henriques (, aliás, Luís Graça), no rio Geba, em Contuboel, em junho/julho 1969... Não sei quem era o terceiro elemento da "tripulação", talvez o Cândido Cunha. Éramos três "desalinhados " do sistema, despejados sem saber como no Centro de Instrução Militar de Contuboel, em pleno "chão fula"...

Ao fundo, a ponte de madeira onde o Monteiro poderia ter morrido, sem também ninguém saber como, numa tarde de julho de 1969. Deu um mergulho, temerário,  e ficou preso na represa, feita pela estacaria de madeira da ponte. Desensarilhou-se no último fôlego de vida. Uma  cena dramática que eu nunca mais esquecerei na vida. Nascido à beira beira-mar, eu não sabia nadar,  nem nunca mergulhei num rio ou braço de mar da Guiné (, por trauma da infância, provocada pela estúpida praxe do dia de São Bartolomeu, o 24 de agosto, em que os adultos batizavama os putos na água revolta e salgada do Atlântico).

 Perdi-lhe o rasto em 18  de julho de 1969,  mas não o rosto, durante 36 anos... Afinal,ele vivia a escassas centenas de metros da Escola Nacional de Saúde Pública, na Av Padre Cruz, onde eu tive um gabinete de trabalho desde 1985.

Reencontrámo-nos, uma ou outra vez, telefonávamos com alguma regularidade (três ou quatro vezes por ano...), trouxe-o para o blogue (não sem alguma resistência da sua parte...) mas perdi a oportunidade soberana de o levar à Lourinhã, para beber um copo, a ele e à sua Guida, com o Mar do Cerro à nossa frente. 

A doença (uma temível DPOC) e a morte, no "annus horribilis" de 2021, em 9 de julho, trocou-nos as voltas... Tendo-me recusado a dizer-lhe "adeus, descansa em paz" (a fórmula ritual do noticiário necrológico), disse-lhe apenas "Até um dia qualquer, meu bom amigo e camarada, num reencontro imediato do 3º grau, na nossa ou noutra galáxia"...

Foi homem e artista de múltiplos olhares e "fotografares" (, feliz títuo de um dos seus blogues): as gentes e as paisagens do Bairro da Graça (onde mora a minha netinha) ao Cabo Carvoeiro, da Trafaria a Cascais, da Quinta Grande a Vila Franca de Xira, do Algarve ao Alentejo, dos ciganos aos cabo-verdianos, dos pescadores do Tejo aos putos da rua, do pessoal das "barracas" aos operários da Lisnave, aos velhos, aos cidadãos anónimos, aos estrangeiros, afinal, "nós outros" (outro feliz título de outro dos teus blogues)...

Deu rosto a muita gente sem rosto, sem voz, sem história, e mais mundo haveria para fotografar se não fora tão curta e ingrata a vida, em plena pandemia... Chorei a sua perda e voltei a emocionar-me quando a Margarida Monteiro, a Guida, me telefonou a pedir a minha morada: o Renato deixou, por imprimir, uma espécie de testamemto poético, febrilmente escrito na noite de 3 para 4 de julho. (**)

Em 22 de agosto, escrevi à Guida por mensagem do telemóvel: 

"Querida amiga,  recebi o livrinho e já o li e reli. Pungente. Um grande documento humano e uma pequena grande obra-prima da poesia em português.Vou ver se consigo por estes dias publicar uma nota de leitura no blogue. Obrigado por tudo. Abraço para os teus homens. Chicoração para ti. Dorme bem. Luís."

E a 2 de setembro, mandei-lhe nova mensagem: 

(...) "Tenho pena de não ter convivido com o Renato e na prática não te ter conhecido na vida dele. Ainda me chegou a manifestar o seu desejo de eu lhe escrever um texto para um álbum fotográfico. A vida, afinal,  é tão curta para as nossas agendas e sonhos. Nunca fui a uma exposição dele!!!...  Ofereceu-me um dos seus álbuns. Manda o livro ao Valdemar Queiroz. "(...) 

Li e reli o livrinho, "O tempo das coisas". Em cada um dos poemas, fiz uma anotação a lápis, com a avalição numa escala de  um (*) a cinco (*****).   A seleção que fiz a acima é dos poemas de que mais gostei, numa primeira leitura. E inseri-os por uma ordem que é mais lógica do que que cronológica. (»»»)

(***) Último poste da série > 23 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22565: Notas de leitura (1383): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte I (Luís Graça)